Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02483/10.1BELRS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26363
Nº do Documento:SA22020091602483/10
Data de Entrada:11/13/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 16 de Maio de 2019, que julgou parcialmente procedente, o pedido de anulação das liquidações de IRS dos anos de 2005 e 2006, no montante de € 18.202,76 e € 39.970,30, respetivamente e juros compensatórios, deduzido por A…………., determinando a anulação das liquidações n.º 2009 5004896118 e n.º 2009 00001559471, na parte referente aos rendimentos da categoria “G” e a consequente restituição do imposto e juros compensatórios, pagos em excesso.
Julgou ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, na proporção do valor pago, em montante superior ao legalmente devido.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a Impugnação judicial, intentada pelo ora recorrido contra o indeferimento da reclamação graciosa n.º 3247201004000455, que teve por objecto as liquidações oficiosas de IRS n.º 2009 5004896118, com o valor de 18.202,76 €, referente a imposto, e a liquidação n.º 2009 00001559471, com o valor de 2.242,43 €, referente a juros compensatórios, ambas relativas ao ano de 2005, e ainda as liquidações n.º 2009 5004896604, no valor de 39.970,30 €, referente a imposto, e a liquidação n.º 2009 00001559579, de montante de € 2.158,06, relativa a juros compensatórios, ambas referentes ao ano de 2006.
4.2. Como fundamento da impugnação invocou o impugnante, em suma, a caducidade do direito à liquidação, no respeitante às liquidações referentes ao ano de 2005, bem como a ilegalidade da decisão final proferida no âmbito da reclamação graciosa acima referida, por vício de violação de lei, designadamente, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do CIRS, e dos artigos 45.º e 46.º da LGT.
4.3. Conclui peticionando, a final, a procedência da impugnação e, em consequência, a anulação das liquidações de IRS impugnadas, bem como a condenação da Administração Tributária na restituição das quantias entretanto penhoradas, bem como as que vierem a ser penhoradas, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.
4.4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente a impugnação, considerando procedente o pedido de anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios, determinando, em consequência, a anulação das liquidações n.º 2009 5004896118 e n.º 2009 00001559471, na parte referente aos rendimentos da categoria “G” de IRS e a consequente restituição do imposto e juros compensatórios pagos em excesso.
4.5. Como decorre do conteúdo da sentença proferida, decidiu o Tribunal “a quo” fixar com interesse para a sua decisão, a matéria de facto constante do seu ponto III – da fundamentação de facto da sentença – cfr. págs. 2 a 9 do suporte documental da decisão ora em crise, e que ora se dá por reproduzida.
Posto isto,
4.6. considerou o Ilustre Tribunal recorrido, no parágrafo ii) – Da ilegalidade das decisões proferidas em sede das reclamações graciosas apresentadas – do ponto IV da fundamentação de direito da sentença ora em crise que “O princípio da tributação do rendimento real impunha, deste modo, que a administração fiscal procedesse à apreciação os documentos que foram apresentados e que, não gozando da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, estariam sujeitos à sua livre apreciação, determinando a eventual reforma/correção da liquidação oficiosa.
Assim, a AT ao indeferir as reclamações graciosas apresentadas, com fundamento de a reclamação ter necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação, podendo apenas ser objeto de revisão da liquidação, através do mecanismo de reclamação graciosa, o estado civil, o rendimento bruto, e a correspondente dedução específica e ainda as retenções na fonte e pagamentos por conta, desconsiderou o referido princípio.”.
No entanto,
4.7. conforme oportunamente foi referido na decisão de reclamação graciosa impugnada, foi sancionado pelo Sr. Subdirector-Geral, da Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, através do Ofício-Circulado n.º 20142, de 03-12-2009, com a epígrafe “IRS – Liquidações aos contribuintes faltosos. Reclamações graciosas. Procedimentos”, que:

2 – Caso a declaração (de IRS) não tenha sido apresentada, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual é efetuada a liquidação.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 76º do Código do IRS, esta liquidação terá por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, sem se atender ao mínimo de existência (artigo 70º) e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79º (dedução pessoal do sujeito passivo) e no n.º 3 do artigo 97º (retenções na fonte e pagamentos por conta).
3 – Tratando-se de uma liquidação realizada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n.º 3 do artigo 76º do CIRS), também uma eventual reclamação terá necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação.
Assim, estando em causa uma liquidação efectuada a um sujeito passivo individualmente considerado, a revisão da liquidação só pode ser fundamentada em erro na sua situação pessoal, bem como nos elementos tidos em consideração na própria liquidação (rendimento de contribuinte, a dedução pessoal que lhe seja imputável e as retenções na fonte e pagamentos por conta, não se tendo em consideração o mínimo de existência).”.
Por outro lado,
4.8. de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, “A Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”.
Assim,
4.9. tendo em conta o disposto no n.º 1 do citado artigo 68.º-A da LGT, bem como o constante no referido Ofício-Circulado n.º 20142, de 03-12-2009, é entendimento da Fazenda Pública que a Administração não poderia proferir outra decisão, em sede de reclamação graciosa, que não fosse a desconsideração dos factos e dos elementos carreados pelo ora impugnante ao procedimento administrativo em questão, uma vez que tais factos e elementos não eram referentes à sua situação pessoal, nem aos seu rendimento, deduções pessoais, retenções na fonte ou pagamentos por conta que haja realizado.
Razão pela qual,
4.10. sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, considera a Fazenda Pública que mal andou o Ilustre Tribunal a quo ao entender, no decisório ora em apreciação, que “… a AT ao indeferir as reclamações graciosas apresentadas, com fundamento de a reclamação ter necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação, podendo apenas ser objeto de revisão da liquidação, através do mecanismo de reclamação graciosa, o estado civil, o rendimento bruto, e a correspondente dedução específica e ainda as retenções na fonte e pagamentos por conta…” violou o princípio da tributação do rendimento real.
4.11. Ao decidir conforme decidiu, o Ilustre Tribunal recorrido, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, ao concluir pela violação do princípio da tributação do rendimento real por parte da Administração Tributária, desconsiderando, ademais, o Ofício-Circulado n.º 20142, de 03-12-2009, mais desconsiderando o disposto no n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT.
Razão pela qual,
4.12. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se pelo não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 21.07.1999, foi outorgada escritura pública de compra e venda da fração letra “J”, do prédio urbano sito na Rua ………., números 25, 25-A e 25-C, freguesia de ………., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………, sob o artigo 1711, sendo segundos outorgantes, o Impugnante e mulher, e na qual, os primeiros outorgantes, declararam vender aos segundos o mencionado prédio;
2. Em 2005, o Impugnante vendeu o imóvel referido no ponto anterior;
3. Em 2006, o Impugnante vendeu o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …….., concelho de Benavente, sob o artigo n.º 2010 e o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ……, concelho de Lisboa, sob o artigo n.º 818;
4. Em 02.05.2006, o Impugnante apresentou a declaração modelo 3 do IRS, referente ao ano de 2005 e em 20.05.2007, a declaração referente ao ano de 2006, incluindo nas mesmas os anexos A, B e H;
5. O Impugnante não apresentou o anexo G, com a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS dos anos de 2005 e 2006;
6. Através do ofício nº 049921, de 22.06.2009, foi remetida ao Impugnante notificação –“Audiência prévia do projeto de alteração de rendimentos de IRS do ano 2005”, constando da mesma, designadamente, o seguinte:
“ 1 –Dando cumprimento ao disposto no n.º4 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) aprovada pelo Decreto Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, remeto a V. Exas o projeto de decisão de alteração de rendimentos inscritos na declaração modelo 3, com a inclusão de rendimentos da categoria “G”, pela alienação do prédio urbano inscrito na respetiva matriz da freguesia de ………., Concelho de Lisboa, sob o artigo n.º 1711, no ano de 2005, de acordo com a escritura que consta da declaração modelo 11 e calculo de mais valias. (…)
Assim, poderá V. Exa. no prazo de 10 dias a contar do registo da presente notificação, pronunciar-se por escrito sobre o projeto de alteração, mediante o envio (…) dos documentos ou outros elementos que entender pertinentes. Caso não se pronuncie dentro dos prazos, irá proceder-se à correção da sua declaração de IRS de 2005.”
-Cfr. fls. 109 e 110 do processo administrativo apenso;
7. Através do ofício nº 063070, de 24.07.2009, foi remetida ao Impugnante “Notificação do n.º 4 do artigo 65.º do Código de IRS – alteração dos elementos declarados nos anos de 2005 e 2006, com o seguinte teor:
Fica V. Exa por este meio devidamente notificado que de acordo com a legislação supra, se procedeu à alteração do IRS para os anos de 2005 e 2006, conforme fundamentação já remetida para efeitos de audiência prévia, que se junta.
Assim, em resultado da alteração acima referida, irá proceder-se à liquidação adicional de imposto, cuja nota de cobrança lhe será oportunamente remetida pelos Serviços Centrais da Direção Geral dos Impostos, com a indicação do prazo para o respetivo pagamento, bem como os meios legais de defesa.”;
8. No prazo estabelecido pela Autoridade Tributária, o Impugnante não procedeu à apresentação da declaração de rendimentos corrigida, referente aos anos de 2005 e 2006;
9. Em 29.09.2009, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2009 5004896118, no valor de € 18.202,76, e a liquidação n.º 2009 00001559471, referente a juros compensatórios, no montante de €2.242,43, relativas ao ano de 2005;
10. Em 29.09.2009, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2009 5004896604, no valor de € 39.970,30, e a liquidação n.º 2009 00001559579, referente a juros compensatórios, no montante de €2.158,06, relativas ao ano de 2006;
11. Em novembro de 2009, o Impugnante foi notificado da liquidação referida nos pontos 9;
12. Foram instaurados, contra o Impugnante, os processos de execução fiscal n.ºs 3247200901107169 e 3247200901107584, para cobrança coerciva dos valores liquidados nos pontos 9 e 10, tendo os mesmos sido extintos por penhora;
13. Em 11.12.2009, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no ponto 9, juntando à mesma os seguintes documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
a) Fatura n.º 0152, com o valor de € 24.200,00, emitida em 30.09.2004, pela sociedade “B……… Lda., em nome do Impugnante, com a descrição “Diversos trabalhos realizados em v. obra sita em Lisboa”;
b) Fatura n.º 0157, com o valor de € 23.897,50, emitida em 30.11.2004, pela sociedade “B…………. Lda., em nome do Impugnante, com a descrição “Diversos trabalhos realizados em v. obra sita em Lisboa
c) Fatura n.º 001345, com o valor € 2.813,80, emitida em 27.09.2005, emitida pelo Cartório Notarial Dra. ……….., em nome do Impugnante, com a descrição “Compra e Venda de Imóveis / Mútuo com hipoteca / Honorários e Imposto de Selo”;
14. Em 11.12.2009, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de identificada no ponto 10, juntando à mesma os seguintes documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
a) Fatura n.º 0164, com o valor de € 18.150,00, emitida em 31.03.2005, pela sociedade “B……….. Lda., em nome do Impugnante, com a descrição “Diversos trabalhos realizados em v. obra sita em Lisboa”
b) Documento n.º 160605018789303 referente a liquidação de IMT, com o valor de € 11.392,00, emitido em 26.09.2005 e pago na mesma data;
c) Fatura n.º 1073, com o valor de € 487,00, emitida em 28.03.2006, pela sociedade “C………… Lda., em nome de D……….., com a descrição “Azulejos 10x10 Selénio vermelho”;
d) Nota de encomenda n.º 109182, com o valor de € 864,46, emitida em 22.09.2006, pela sociedade “E……….” referente a materiais diversos;
e) Venda a dinheiro / Conta n.º 2283, com o valor € 22,36, emitido em 05.09.2006, pelo Cartório Notarial ………., em nome do Impugnante, com a descrição “reconhecimentos”;
f) Venda a dinheiro n.º 260878/2006, com o valor de € 41,30, emitida em 06.10.2006, por …………., tintas e revestimentos, em nome do Impugnante, referente a materiais diversos;
g) Fatura / Encomenda JP / 2006004, com o valor de € 975,02, emitida em 10.01.2006, por ………… Lda., em nome de D…………, com a descrição “Ardósia multicolor rústica”;
i) Fatura / Encomenda n.º 109182, com o valor de € 864,46, emitida em 23.09.2006, pela sociedade “E………, em nome do Impugnante, referente a materiais diversos;
j) Fatura n.º 6022, com o valor de € 6.050,00, emitida em 20.10.2006, pela sociedade “………. Imobiliária”, em nome do Impugnante, com a descrição “Mediação Imobiliária relativa a imóvel na Rua ……….. Serviços concluídos nesta data”;
15. Por despacho de 22.09.2010, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, a reclamação graciosa, referida no ponto 13 foi indeferida, com os seguintes fundamentos:
(…) O contribuinte apresentou a sua declaração de IRS, relativa ao exercício de 2005, no dia 2006/05/02 com a identificação n.º 3247-I6176-39, onde constam os anexos A, B e H.
Em 2009/09/21 foi elaborado um Documento de Correção com a identificação 3247-D1053-20, onde é incluído o anexo G, uma vez que o sujeito passivo no ano de 2005 alienou um imóvel urbano, com o código de freguesia ……… artigo 1711, fração J, não tendo declarado o mesmo aquando da entrega da sua declaração de IRS.
O reclamante pretende incluir, no Anexo G, da declaração efetuada pela Administração Fiscal, as despesas com a valorização do imóvel, bem como as despesas de aquisição e alienação, no valor de 50.911,30€.
No caso dos rendimentos de mais-valias de imóveis em que se tributa é um saldo (artigo 10.º, n.º1 alínea a) e n.º4, artigo 43.º e seguintes, todos do IRS), uma vez notificado o contribuinte para apresentar o anexo G em falta sem que o faça, a administração tributária está obrigada, por força do estatuído na alínea b) do n.º1 e n.º3 do artigo 76.º do CIRS a efetuar a liquidação de IRS com base nos elementos de que disponha.
No entanto sobre a matéria em apreço, a Direção de Serviços do IRS, pronunciou-se através do ofício circulado n.º 20142 de 03-12-2009, no sentido de que, “Tratando-se de uma liquidação realizada com base e pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n.º3 do art.º 76.º CIRS), também uma eventual reclamação terá necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação”, ou seja, apenas poderão ser objeto de revisão da liquidação através do mecanismo de reclamação graciosa: o estado civil, o rendimento bruto e a correspondente dedução específica e ainda as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Assim, porque o fundamento da presente reclamação consubstancia uma dedução à coleta, conclui-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção.
Do Direito
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º1 e n.º3 do art.º 76.º CIRS, as liquidações efetuadas com base nos elementos de que a Direção geral disponha, apenas serão efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º1 do artigo 79.º (dedução pessoal do sujeito passivo), ou seja, apenas poderão ser objeto de revisão da liquidação através do mecanismo de reclamação graciosa: o estado civil, o rendimento bruto e a correspondente dedução específica e ainda as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Conclusão
Ora não vindo o contribuinte reclamar: do estado civil, do rendimento bruto, nem das retenções e/ou pagamentos por conta, sou de parecer que deverá ser proferida decisão de INDEFERIR a presente reclamação graciosa.”;
16. Por despacho de 22.09.2010, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, a reclamação graciosa, referida no ponto 14, foi indeferida, com os mesmos fundamentos constantes do ponto anterior;
17. Em 22.10.2010 a presente impugnação foi apresentada, neste Tribunal.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido, para o que se seguirá de perto a pronúncia do Ministério Público.
O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no segmento em que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial intentada contra os atos de liquidação oficiosa relativos a IRS dos anos de 2005 e 2006, nos valores de € 18.202,76 e € 39.970,30 euros, respetivamente.
Invoca a Recorrente que «tendo em conta o disposto no n.º 1 do citado artigo 68.º-A da LGT, bem como o constante no referido Ofício-Circulado n.º 20142, de 03-12-2009, é entendimento da Fazenda Pública que a Administração não poderia proferir outra decisão, em sede de reclamação graciosa, que não fosse a desconsideração dos factos e dos elementos carreados pelo ora impugnante ao procedimento administrativo em questão, uma vez que tais factos e elementos não eram referentes à sua situação pessoal, nem ao seu rendimento, deduções pessoais, retenções na fonte ou pagamentos por conta que haja realizado».
Entende, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no nº1 do artigo 68º-A da LGT.
Termina pedindo a sua revogação.
Na sentença recorrida deu-se como assente que nos anos de 2005 e 2006 o impugnante e aqui recorrido e sua mulher venderam dois imóveis de sua pertença, mas nas declarações de rendimentos relativas a tais períodos não apresentaram o anexo “G”, donde constassem tais operações, para efeitos de apuramento de eventuais mais-valias. E tendo sido instados a pronunciarem-se sobre as alterações em sede de IRS decorrentes de tais vendas e com base em elementos recolhidos pela AT, os mesmos nada disseram.
Mais se deixou assente que na sequência da notificação das liquidações oficiosas o impugnante apresentou reclamação graciosa, na qual juntou diversa documentação com o propósito de comprovar a realização de despesas suportadas com a venda dos imóveis, tendo a AT desconsiderado as mesmas, com o fundamento de que «Nos termos do disposto na alínea b) do n.º1 e n.º3 do art.º 76.º CIRS, as liquidações efetuadas com base nos elementos de que a Direção geral disponha, apenas serão efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º1 do artigo 79.º (dedução pessoal do sujeito passivo), ou seja, apenas poderão ser objeto de revisão da liquidação através do mecanismo de reclamação graciosa: o estado civil, o rendimento bruto e a correspondente dedução específica e ainda as retenções na fonte e pagamentos por conta».
Para se decidir pela procedência parcial da impugnação considerou o tribunal “a quo” que «a norma constante do n.º 4 do artigo 76.º do CIRS, deve ser interpretada no sentido de a liquidação poder ser corrigida, por iniciativa do contribuinte, antes de completado o prazo de caducidade – neste sentido cfr. Acórdão do STA de 05.12.2018, processo n.º 0220/11.2BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.”».
Mais se considerou que «Referindo-se as liquidações de IRS, aqui impugnadas, aos anos de 2005 e 2006, a atendendo ao disposto no artigo 45.º, n.º 1 e n.º 4, da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação terminaria, respetivamente, em 31.12.2009 e 31.12.2010. Resultando do probatório que o Impugnante solicitou a correção dos atos de liquidação, em sede das reclamações graciosas apresentadas em 11.12.2009, juntando para o efeito faturas referentes a alegadas despesas com os imóveis, constata-se que, tal requerimento foi apresentado antes de terminar o prazo de quatro anos, conforme referido (cfr. factos 13 e 14).”».
Entendeu, assim, o tribunal “a quo” que «o princípio da tributação do rendimento real impunha, …que a administração fiscal procedesse à apreciação dos documentos que foram apresentados…determinando a eventual reforma/correção da liquidação oficiosa». E que configurando-se necessários e inerentes à alienação, para efeitos do disposto no artigo 51º, alínea b) do CIRS, os custos com a mediação imobiliária, impunha-se a consideração do valor de € 6.050,00 constante de fatura junta pelo sujeito passivo.

A Recorrente suscita no essencial uma única questão: a de saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no nº1 do artigo 68º-A da LGT, uma vez ter o ato tributário sido efetuado ao abrigo da doutrina veiculada pelo Ofício-Circulado n.º 20142, de 03-12-2009.
Nos termos do nº1 do artigo 68º-A da LGT, a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes das circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, as quais visam a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.
De acordo com o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (in Diário da República – II Série, de 24 de Outubro de 1998), «As circulares são actos do poder de direcção típico das relações de hierarquia administrativa, concretizando instruções gerais, vinculativas para os órgãos, funcionários e agentes a quem se dirige, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar» (Cfr. igualmente neste sentido o acórdão do STA, de 31 de Maio de 2006, recurso n.º 26.622).
Trata-se, contudo, de “direito circulatório” que vincula apenas os serviços da administração tributária, embora seja certo que como referia Saldanha Sanches (in Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, 2007, pág. 127), “as virtualidades das orientações administrativas são incontestáveis: ditam certos comportamentos à Administração, permitindo, assim, ao sujeito passivo prever o comportamento desta em situações incertas, e clarificam os deveres de cooperação deste quando (como cada vez mais vezes sucede) têm como destinatários os particulares a quem exigem certas condutas necessárias para a aplicação da lei fiscal”. E também é pacífico o entendimento segundo o qual as circulares não são fontes de direito. Segundo Soares Martinez elas "não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes", nem vinculam "os Tribunais, que tratam de aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração" (Direito Fiscal, Almedina, 1993, pag. 111). Também Alberto Xavier defende que as circulares desenvolvem "a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes nem os tribunais", e que "delas não nascem direitos ou deveres extra ou contra legem" (Manual de Direito Fiscal, 1, Lisboa, 1981, pags. 139-140).
Ora, o facto de os serviços da administração tributária estarem vinculados ao entendimento vertido no ofício circulado n.º 20142, de 03-12-2009, e de o ato tributário ter sido realizado de acordo com as determinações ali exaradas, não obsta à declaração da sua ilegalidade por parte do tribunal se aquele entendimento não estiver em conformidade com a interpretação que este faça da lei na situação em concreto. Na verdade, o que releva é saber se o entendimento vertido no ofício circulado respeita ou não a lei ou se faz uma correta interpretação da mesma, pois caso contrário vai inquinar a validade do ato tributário realizado à sua sombra e constituir fundamento para a sua anulação por parte do tribunal.
Não vindo agora posto em causa o entendimento adotado na sentença sobre a possibilidade de se atender, em sede de reclamação graciosa, às despesas documentadas pelo sujeito passivo com vista a comprovar os custos suportados com a alienação do imóvel, o presente recurso está votado ao insucesso.
Assim, a validade do ato tributário não está assegurada pelo facto de os serviços da administração tributária terem adotado, na sua prática, as orientações genéricas de circulares, se o entendimento vertido nestas não respeita a lei ou não corresponde a uma adequada interpretação da mesma, motivo pelo qual a invalidade daí decorrente inquina aquele ato e constitui fundamento para a sua anulação por parte do tribunal.
Atento que o entendimento vertido na sentença sobre a possibilidade do sujeito passivo, em sede de reclamação graciosa, poder oferecer prova de custos suportados com a alienação do imóvel, para efeitos de serem atendidos no apuramento das mais-valias realizadas, é conforme com a melhor interpretação das disposições legais aplicáveis, impõe-se o não provimento do recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Nuno Bastos – Gustavo Lopes Courinha.