Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0102/22.2BEFUN |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | Apenas podem ser objecto de revista questões objecto de decisão no acórdão revidendo, não servindo o recurso para resolver questões novas, não consideradas pelo tribunal a quo, ainda que conexas com as questões decididas. |
Nº Convencional: | JSTA000P32480 |
Nº do Documento: | SA2202407030102/22 |
Recorrente: | A... - SAD |
Recorrido 1: | AT RAM - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – A..., SAD, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de junho de 2023, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente impugnação de liquidações de IRC e IVA relativas a 2015. A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos: - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO PRESENTE RECURSO A) O presente recurso de revista versa sobre as seguintes questões de direito: (i) Saber se o artigo 63.º, n.º 4, parte final, da LGT consente na realização de dois procedimentos inspetivos externos, ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, quando o primeiro procedimento (contrariamente ao segundo) tenha visado a mera consulta ou recolha de informações e documentos. Ou, contrariamente, se a realização destes dois procedimentos externos é apenas possível quando tenha sido o segundo procedimento a visar a mera consulta ou recolha de informações e documentos; (ii) No cenário desse Douto Tribunal ad quem entender que o primeiro dos referidos procedimentos pode visar a mera consulta ou recolha de informações e documentos, saber se um procedimento inspetivo externo, onde se proceda à análise crítica do material probatório recolhido, se detetem contingências fiscais e se proponham correções, consubstancia materialmente um procedimento de mera consulta ou recolha de informações e documentos; (iii) Aferir se os princípios do inquisitório e do ónus da prova, respetivamente plasmados nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT, se opõem à instauração (formal) de um procedimento de inspeção tributária externo, no qual não são realizadas quaisquer diligências instrutórias, limitando-se os serviços inspetivos a reproduzir as conclusões previamente alcançadas num outro (primeiro) procedimento inspetivo externo, levado a cabo por uma entidade inspetiva diversa, mas incidente sobre o mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação; (ii) Que a questão a dirimir tenha natureza substantiva ou processual; Da relevância jurídica e social fundamental das questões sub judice C) Não é de fácil apreensão o significado e alcance da expressão «se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos», plasmada na parte final do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, uma vez que o legislador recorre ao artigo definido singular “o” sem indicar a qual dos dois procedimentos inspetivos externos se refere – se ao primeiro, se ao segundo; D) O mesmo sucede com a terceira questão cuja apreciação se requer a esse Douto Tribunal ad quem, uma vez que inexiste qualquer disposição que expressamente responda à questão de saber se é lícito instaurar um procedimento inspetivo materialmente vazio, no qual são meramente reproduzidas correções previamente determinadas por uma outra entidade, num outro procedimento de inspeção, tendo como referência exclusiva os elementos coligidos neste; E) Ou seja, quanto às três questões jurídicas suscitadas no âmbito deste recurso, o intérprete vê-se confrontado com a árdua tarefa hermenêutica de extrair o sentido de disposições legais que comportam várias interpretações possíveis; F) Numa situação deste tipo, impõe-se ao intérprete que se socorra dos diversos elementos da interpretação, designadamente os elementos teleológico e sistemático, sendo certo que, para o efeito, são auxiliares preciosos a doutrina e a jurisprudência; G) Sucede que, tendo a atual redação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT entrado em vigor muito recentemente – a 1 de janeiro de 2018 –, são parcas as decisões jurisdicionais e, bem assim, as análises doutrinárias que sobre ela incidem, inexistindo elementos sólidos de referência que possam nortear o aplicador da lei na árdua tarefa hermenêutica de extrair o seu significado e alcance; H) A mesma ausência de decisões jurisdicionais e reflexões doutrinárias verifica-se quanto à terceira questão objeto do presente recurso (atinente à violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova impendente sobre a Autoridade Tributária); I) Pelo que, assumindo as questões jurídicas sub judice uma complexidade técnica superior à comum, não se identificando doutrina e jurisprudência sedimentadas e constantes sobre as mesmas e suscitando-se, em consequência, fundadas dúvidas interpretativas, é inquestionável o preenchimento do conceito de «importância jurídica fundamental». J) Por outro lado, a pedra de toque para a admissão de um recurso de revista será que a questão jurídica a dirimir assuma relevo prático para um conjunto vasto e alargado de situações, extravasando o estrito âmbito do litígio sob contenda; K) Como imediatamente se constata a partir da delimitação do âmbito do recurso efetuada pela Recorrente, as questões a dirimir nesta sede abstraem-se totalmente das circunstâncias concretas do caso, sendo a solução a dar às mesmas transponível para quaisquer situações futuras que, independentemente das respetivas especificidades, se debrucem sobre a realização de dois procedimentos de inspeção externos ao mesmo sujeito passivo, ano e imposto; L) Neste contexto, é inequívoco que as questões jurídicas sob contenda transcendem o âmbito do presente litígio, assumindo relevo para quaisquer situações semelhantes e permitindo, designadamente, a uniformização das condutas adotadas pelos vários serviços de inspeção tributária, esclarecendo-os (assim como aos demais aplicadores do Direito) quanto à correta interpretação do regime ínsito nos artigos 63.º, n.º 4, 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT; M) Por último, o presente recurso reveste relevância prática, e não meramente teórica, uma vez que a apreciação das questões sub judice projeta-se, imediata e necessariamente, na (i)legalidade dos atos tributários emitidos na sequência da instauração do segundo procedimento de inspeção externo; N) Dependendo igualmente de tal apreciação a natureza criminal da conduta da Recorrente, uma vez que a declaração de ilegalidade dos atos tributários contestados necessariamente ditará o término do processo-crime presentemente pendente; Da necessidade da admissão do presente recurso para a melhor aplicação do direito O) Para além da manifesta relevância jurídica e social das questões sub judice, é ainda inequívoca a necessidade da admissão do presente recurso para a melhor aplicação do direito; P) Segundo a jurisprudência firmada por esse Douto Tribunal ad quem, será de admitir um recurso de revista quando as questões jurídicas nele suscitadas, sendo suscetíveis de se colocar noutros litígios e abstraindo suficientemente das circunstâncias do caso concreto, possam vir a ser dirimidas no futuro por outros órgãos jurisdicionais, sendo conveniente a fixação de critérios interpretativos para garantia da correta e uniforme aplicação da lei pelas várias instâncias; Q) Na situação em presença, não só a jurisprudência a firmar no âmbito do presente recurso é inequivocamente transponível para litígios futuros, como a ausência de pronúncia por esse órgão jurisdicional de cúpula é suscetível de gerar incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, principalmente considerando a dificuldade de interpretação do sentido e alcance da lei, aliada à parca doutrina e jurisprudência sobre a matéria; R) Tais circunstâncias têm, aliás, contribuído para aplicações divergentes da lei pelos diferentes órgãos jurisdicionais, justificando-se, nessa medida, a intervenção desse Douto Tribunal ad quem; Da natureza jurídica substantiva das questões a dirimir S) É inequívoca a natureza substantiva das questões jurídicas a dirimir, as quais abstraem-se totalmente das particularidades do caso concreto, encontrando-se, assim, inequivocamente preenchidos todos os pressupostos necessários à admissão do presente recurso de revista, o que se invoca para os devidos efeitos legais; - DOS FACTOS SUBJACENTES AO PRESENTE LITÍGIO, DO ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO E DA NECESSÁRIA REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO T) Como é matéria de facto assente nestes autos, a Recorrente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária externo, intitulado de «mera recolha de documentos e elementos», levado a cabo pela DSIFAE, no âmbito do qual foram (i) realizadas diligências investigatórias; (ii) recolhidos e analisados elementos probatórios; (iii) detetadas contingências fiscais e (iv) propostas correções (em sede de IRC e IVA), tendo todo este labor inspetivo sido posteriormente remetido à Direção de Finanças do Funchal; U) À luz de tais elementos, a Direção de Finanças do Funchal instaurou um segundo procedimento inspetivo externo, findo o qual foram emitidos os atos tributários sob contenda; V) A Direção de Finanças do Funchal não realizou qualquer diligência instrutória no âmbito do segundo procedimento inspetivo, tendo-se limitado a reproduzir as consequências jurídico-tributárias determinadas pela DSIFAE; W) No entender da Recorrente, não tendo o segundo procedimento inspetivo externo – encetado pela Direção de Finanças do Funchal – visado apenas «a consulta, recolha de documentos ou elementos […]», a sua instauração foi ilegal, fazendo claudicar o artigo 63.º, n.º 4, da LGT, sendo, consequentemente, ilegais os atos de liquidação subsequentemente emitidos; X) Mesmo que assim não se entendesse – o que apenas se concebe por dever de patrocínio, sem, no entanto, conceder –, a circunstância de o primeiro procedimento inspetivo externo não ter materialmente visado a mera «consulta, recolha de documentos ou elementos […]» bule inexoravelmente com o referido preceito legal, atento o princípio da irrepetibilidade dos procedimentos inspetivos externos, inquinando de ilegalidade o segundo procedimento inspetivo; Y) Por outro lado, considera a Recorrente que, ao não ter realizado quaisquer diligências investigatórias no segundo procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária violou o dever de inquisitório e o ónus da prova sobre si impendentes, ínsitos nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT, principalmente considerando que os elementos recolhidos pela DSIFAE padeciam de diversas incongruências, conduzindo a conclusões diversas e incompatíveis entre si; Z) No que respeita às duas questões jurídicas relativas à interpretação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, entendeu o Douto Tribunal a quo que, pese embora a Recorrente tenha sido objeto de dois procedimentos inspetivos externos, o princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção não foi violado, na medida em que o primeiro desses procedimentos visou apenas a consulta ou recolha de elementos; AA) Já quanto à terceira questão, o Douto Tribunal a quo julgou que, pese embora as conclusões da segunda ação de inspeção tributária tenham assentado nos elementos recolhidos pela DSIFAE, o relatório de inspeção contém a prova necessária para justificar as correções, bem como referência expressa ao local de onde foi extraída, o que, no seu entendimento, é suficiente para que se considerem preenchidas as exigências de indagação, investigação e prova impendentes sobre a Autoridade Tributária; Quanto à ilegalidade da instauração do segundo procedimento inspetivo BB) Entende a Recorrente que a interpretação efetuada pelo Douto Tribunal a quo a propósito do artigo 63.º, n.º 4, da LGT é ilógica, não encontrando qualquer respaldo na letra da lei e não sendo, ademais, conforme à ratio subjacente à estipulação desta proibição legal; CC) Segundo a letra do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, verifica-se uma exceção ao princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção se «o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos». Saliente-se que a locução utilizada pelo legislador não foi «um dos procedimentos», mas sim «o procedimento», o que indicia ter sido sua intenção restringir fortemente a admissibilidade da repetição das inspeções, não bastando que qualquer uma delas tenha esse escopo; DD) Caso se permitisse a instauração de uma segunda ação inspetiva externa quando a primeira inspeção externa tivesse visado apenas a recolha de informações e documentos, tal equivaleria a admitir a instauração de procedimentos prévios ou preparatórios do próprio procedimento de inspeção; EE) Ora, não só não existe base legal para admitir a realização de procedimentos tendentes à preparação prévia de inspeções – bulindo, assim, conforme invocado pela Recorrente junto do Douto Tribunal a quo, com o princípio da legalidade tributária, previsto nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 8.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), da LGT, e, concomitantemente, com o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 2.º da CRP – como tal interpretação seria inclusivamente contrária ao princípio constitucional da eficiência, segundo o qual a lei deve assegurar «a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços» (cfr. o artigo 267.º, n.º 5, da CRP); FF) Em consequência, não pode senão concluir-se que a única interpretação admissível – i.e., conforme aos elementos literal e teleológico – do artigo 63.º, n.º 4, da LGT é a de que um segundo procedimento de inspeção tributária externo, como o que foi encetado pela Direção de Finanças do Funchal, só poderia ser considerado conforme à lei se se tivesse cingido à consulta ou recolha de informações e documentos, independentemente do escopo do primeiro procedimento inspetivo externo (in casu, o levado a cabo pela DSIFAE); GG) A isto acresce que o primeiro procedimento de inspeção externo (encetado pela DSIFAE) extrapolou o fito de mera «recolha ou consulta de informações e documentos», apesar do seu nomen iuris; HH) Com efeito, no seu âmbito, a DSIFAE (i) analisou criticamente os elementos probatórios por si recolhidos, (ii) detetou contingências fiscais e, inclusivamente, (iii) propôs correções de imposto – «Não tendo a A... SAD reconhecido como rendimento ganho o valor total do negócio de venda do jogador AA (€ 3.330.000,00), a diferença no montante de € 1.530.000,00 deve ser acrescido ao Lucro Tributável, nos termos do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º e n.º 1 do artigo 20.º, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), devendo ainda ser efetuada a liquidação do IVA respetivo (taxa normal), no montante de € 351.900,00, nos termos do n.º 1 do artigo 1, n.º 3 do artigo 4.º e n.º 1 do artigo 16.º, todos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)»; II) Pelo que, em bom rigor, nenhum dos dois referidos procedimentos inspetivos externos visou a mera «recolha e consulta de informações e documentos», não se encontrando por via disso preenchida a exceção prevista na parte final do artigo 63.º, n.º 4, da LGT; JJ) É, assim, inequívoca a ilegalidade do segundo procedimento inspetivo, por manifesta violação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, o que inquina irremediavelmente de ilegalidade os atos tributários impugnados; Quanto à ilegalidade da instauração de um procedimento inspetivo desprovido de quaisquer diligências materiais de investigação KK) Finalmente, o Douto Tribunal a quo considerou admissível a instauração do segundo procedimento inspetivo, pese embora no mesmo não tenham sido realizadas quaisquer diligências de investigação, limitando-se os serviços a remeter acriticamente para os elementos recolhidos pela DSIFAE; LL) Se a remessa dos elementos à Direção de Finanças do Funchal tivesse como único objetivo a prolação acrítica de atos tributários (resultantes das conclusões da DSIFAE), tal remessa seria totalmente contrária ao princípio da eficiência (norteador de toda a atuação administrativa), conduzindo a uma delonga injustificada e a uma utilização ineficiente e desnecessária de recursos públicos; MM) A apreciação, efetuada pela DSIFAE, da situação factual subjacente à transferência do jogador AA para a B... SAD foi meramente preliminar, tendo esta entidade identificado, no seio de uma ação de inspeção bastante mais abrangente, uma possível desconformidade à lei, que deveria ter sido devidamente investigada pela Direção de Finanças do Funchal, principalmente considerando que se verificavam diversas incongruências nos documentos recolhidos por aquela entidade; NN) Neste contexto, é evidente que a remessa, pela DSIFAE à Direção de Finanças do Funchal, de elementos que poderiam indiciar a existência de irregularidades na situação jurídico-fiscal da Recorrente teve como fito transmitir a essa entidade a necessidade de serem investigados os referidos indícios e, subsequentemente, se tal se justificasse, de serem concretizadas as necessárias correções em matéria de IVA e IRC; OO) Visando o procedimento de inspeção descobrir a verdade material, é inadmissível que o inspetor tributário assuma um papel absolutamente passivo, baseando as suas conclusões em elementos recolhidos e analisados por outrem e não realizando ele próprio quaisquer diligências que corroborem ou infirmem tais elementos; PP) É, assim, de concluir ter a Autoridade Tributária preterido o regime ínsito no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, assim como o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT; - DA DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA QQ) Tendo em consideração o facto de o valor da causa ser superior a 275.000 EUR, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na presente instância, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, ponderadas que possam ser a natureza e a complexidade da causa e, bem assim, o comportamento processual adotado pelas partes. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, emitido pronúncia jurisdicional tendente à revogação do acórdão recorrido, pugnando, por via disso, pela ilegalidade do procedimento inspetivo levado a cabo pela Direção de Finanças do Funchal e, consequentemente, pela ilegalidade dos atos tributários sub judice. Na medida da procedência do presente recurso, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, condenando a Fazenda Pública no pagamento das custas judiciais, tudo com as demais consequências legais.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da não admissão da revista porquanto os termos em que foi abordada e apreciada a questão da violação do disposto no artigo 63º, nº4, da LGT, por parte do TCA não demanda a intervenção deste tribunal ao abrigo do disposto no artigo 285º do CPPT, seja em função da relevância da questão, seja por erro notório na sua apreciação.
A recorrente foi notificada do parecer do Ministério Público.
4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado (fls. 10 a 20 e 22/23 da respectiva numeração autónoma).
Cumpre decidir da admissibilidade do recurso. - Fundamentação – 6– Apreciando. Dos pressupostos legais do recurso de revista. O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário do recurso de revista excepcional não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14). Também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional. Vejamos. O acórdão do TCA Sul sindicado nos presentes autos confirmou a sentença do TAF do Funchal de improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidações de IRC e IVA relativos a 2015. No que ao alegado erro de julgamento de direito respeita, o TCA Sul começou por se pronunciar sobre a alegada preterição do disposto no n.º 4 do artigo 63.º da LGT, dado ter sido objecto de dois procedimentos de inspecção externos incidentes sobre o ano de 2015 e sobre IRC e IVA, concluindo que não houve violação do citado preceito legal porquanto a mesma disposição legal consagra excepções a esse princípio, designadamente, quando o procedimento inspectivo visa apenas a consulta ou recolha de documentos ou elementos, sendo que, in casu, ocorreu efectivamente uma acção de inspecção externa pela DSIFAE na qual foi recolhida informação e documentos que posteriormente foram enviados à AT-RAM para efeitos de conhecimento e eventualmente desencadear os procedimentos inspectivos, o que veio efectivamente a ocorrer mediante a Ordem de Serviço nº ...48 emitida em ../../2018, daí que tenha concluído que não se verifica qualquer ilegalidade, nomeadamente a violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspecção. Pretende a recorrente a admissão do recurso para que este STA se pronuncie, desde logo, sobre as seguintes questões: (i) Saber se o artigo 63.º, n.º 4, parte final, da LGT consente na realização de dois procedimentos inspetivos externos, ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, quando o primeiro procedimento (contrariamente ao segundo) tenha visado a mera consulta ou recolha de informações e documentos. Ou, contrariamente, se a realização destes dois procedimentos externos é apenas possível quando tenha sido o segundo procedimento a visar a mera consulta ou recolha de informações e documentos; (ii) No cenário desse Douto Tribunal ad quem entender que o primeiro dos referidos procedimentos pode visar a mera consulta ou recolha de informações e documentos, saber se um procedimento inspetivo externo, onde se proceda à análise crítica do material probatório recolhido, se detetem contingências fiscais e se proponham correções, consubstancia materialmente um procedimento de mera consulta ou recolha de informações e documentos; As questões supra, por muito interessantes que pudessem ser, não foram objecto de decisão pelo TCA Sul, daí que não possam ser contempladas em revista, como muito bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer já notificado à recorrente. Acresce que, como igualmente se consigna nesse parecer do Ministério Público, não vemos como tal questão se revele de importância fundamental, sendo certo que estamos perante um caso em que houve inicialmente a intervenção de um Serviço da Administração Tributária – Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais - , em que uma das principais missões é assegurar “a articulação e colaboração com outras entidades com competências inspetivas”, como se alcança do nº1 do artigo 21º da Portaria nº 320-A/2011, de 30 de dezembro, tendo o procedimento inspetivo da Direção de Finanças do Funchal que deu origem ao ato tributário sido despoletado por elementos recolhidos por aqueles Serviços, sendo, pois, plenamente plausível a decisão do TCA. A terceira questão colocada pela recorrente - aferir se os princípios do inquisitório e do ónus da prova, respetivamente plasmados nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT, se opõem à instauração (formal) de um procedimento de inspeção tributária externo, no qual não são realizadas quaisquer diligências instrutórias, limitando-se os serviços inspetivos a reproduzir as conclusões previamente alcançadas num outro (primeiro) procedimento inspetivo externo, levado a cabo por uma entidade inspetiva diversa, mas incidente sobre o mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação – não justifica igualmente a admissão da revista. A propósito da alegada violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova o acórdão sindicado pronunciou-se nos seguintes termos: «A Recorrente invoca ainda preterição do dever de inquisitório e do ónus da prova impendentes sobre a Autoridade Tributária plasmados nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT, porquanto, segundo a Recorrente, a Direcção de Finanças do Funchal limitou-se no procedimento de inspecção a considerar os elementos recolhidos pela DSIFAE, não procurando esclarecer se o acordo de assunção de dívida consubstanciou efectivamente parte do preço pago pela transmissão dos direitos económicos e desportivos do jogador AA para a B..., SAD e qual o montante da dívida relevante para esse efeito. Apreciando. O princípio do inquisitório vertido no art. 58º da LGT determina que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Por sua vez o artigo 74.ºda LGT consagra as regras do ónus da prova nos seguintes termos: “1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária. 3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”. No caso em apreço a DSIFAE procedeu à recolha de documentos (fls. 188/210 do doc. nº 004765622 08-08-2022 15:41:37 numeração SITAF), mencionados nas alíneas A) a K) do probatório, bem como das declarações prestadas pelo presidente da Recorrente, à data dos factos, que se encontram lavradas em auto (cfr. fls. 181/186 do doc. nº 004765622 08-08-2022 15:41:37 numeração SITAF) e transcritas na alínea N) do probatório, tendo estes elementos sido remetidos à AT-RAM para efeitos de informação e eventual procedimento de inspecção, o que veio a ser concretizado e que originou as liquidações de IRC e IVA impugnadas. Com base nesses elementos recolhidos pela DSIFAE, a Direcção de Finanças do Funchal procedeu à acção de inspecção de que resultou a correcção da matéria tributável de IRC do exercício de 2015 no valor de € 1.252.902,44, bem como apurado IVA em falta no montante de € 286.097,56, com os fundamentos vertidos na alínea O) do probatório. A AT- RAM logrou provar o acordo de pagamento da dívida (que o A... SAD tinha para com o C..., por parte da B..., SAD., no âmbito do negócio da transferência do jogador AA, assente no auto de declarações prestadas pelo Presidente do A... SAD à data dos factos, BB, que no seu depoimento assume que o acordo de assunção de dívida por parte da B... SAD no montante de € 1.530.000,00 a que a Recorrente estava obrigada para com o Atlético Mineiro na sequência de condenação pelo Tribunal Arbitral de Lausanne, fazia parte integrante do negócio de transferência dos direitos desportivos do jogador AA, pelo que o preço real da operação não foi apenas de € 1.800.000,00 mas sim de € 3.043.902,44 acrescido de IVA à taxa de 23% em vigor. A cedência de dívida constitui uma variação patrimonial positiva para o cedente, pelo que deveria ter sido acrescido ao quadro 07 da declaração mod. 22 do exercício de 2015, o valor de € 1.530.000,00 nos termos do art. 21º, nº 1 do CIRC, o que não foi efectuado. Destarte conclui-se que o procedimento inspectivo que originou as liquidações impugnadas está devidamente instruído com a prova recolhida e identificada de onde foi extraída, designadamente dos procedimentos desencadeados pela DSIFAE, tendo ainda sido formulada de forma expressa e clara a motivação fáctico-jurídica em que assentaram as correcções efectuadas. Em face do exposto improcede a alegada preterição dos artigos 74º, nº 1 e art. 58º da LGT.». Não se descortina no julgamento efectuado erro ostensivo ou manifesto que importe corrigir, sendo que a questão enunciada pela recorrente não foi “qua tale” considerada pelo Tribunal a quo e encerra juízos probatórios não assentes no acórdão recorrido. Também quanto a esta questão não se justifica a admissão da revista. Concluindo: Apenas podem ser objecto de revista questões objecto de decisão no acórdão revidendo, não servindo o recurso para resolver questões novas, não consideradas pelo tribunal a quo, ainda que conexas com as decididas. Pelo exposto, o recurso não será admitido. - Decisão - 7 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.
Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, na parte excedente a €275.000,00, ex vi do n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Aragão Seia - Francisco Rothes. |