Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0310/16.5BEAVR |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32485 |
Nº do Documento: | SA2202407030310/16 |
Recorrente: | A..., LDA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A..., Lda., recorrente no processo em epígrafe, onde decaiu, não se conformando com o Acórdão proferido pelo TCA Norte vem, ao abrigo do disposto no art. 150º CPTA, art. 285º CPPT do CPTA intentar recurso de revista. Concluiu nos seguintes termos: A- Vem o presente recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo TCA Norte, no âmbito do processo em epígrafe, que julgou improcedente o recurso da decisão de 1ª instância em que se solicitava a anulação da liquidação de IS efetuada. B- O presente recurso de revista torna-se claramente necessário a uma melhor aplicação do direito uma vez que se prende com uma decisão de manifesta surpresa, desvio e violação expressa de lei substantiva relativa às consequências cominadas na lei para a qualificação jurídica feita pelo Tribunal aos factos em análise, pela violação do princípio da oficiosidade do conhecimento do direito, na análise da matéria tratada pelo Tribunal de uma forma contraditória bem como a não apreciação de questões de conhecimento oficioso, que constituem matéria de exceção insuprível e sobre as quais o Tribunal não se pronunciou, incorrendo assim em nulidade. C- Verifica-se, pois, o tratamento de questão, de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema e garante da boa administração da justiça. D- O negócio jurídico configurado pela então impugnante, na impugnação oportunamente deduzida foi o de que o mesmo correspondia a entradas em espécie, para realização do capital, e não trespasse, E- Entendimento que o tribunal de 1ª instância não corroborou sentenciando que a dita operação deveria ser requalificada como trespasse, F- Qualificação (como trespasse) que o tribunal de 2ª instância manteve, G- E cuja consequência jurídica se encontrava expressamente prevista no artigo 68º da Lei 26/2003, de 30 de julho, disciplina enxertada no CIS após alteração introduzida pela Lei 82-B/2 014, de 31 de dezembro, que procedeu então ao aditamento da alínea q) ao nº 1 do artigo 2º daquele Código (que regula a incidência em caso de trespasse) e que determina que “ … em caso de trespasse o sujeito passivo da relação tributária … será o trespassante … “, qualidade que a ora recorrente não possuía pois que era trespassária. H- A ora recorrente era, no enquadramento inicial que fez da questão, parte processualmente legítima; I- Porém, em função da efetiva relação material controvertida – fixada pelo Tribunal na sequência da qualificação da operação como trespasse - reveste manifesta clareza que a parte, ora recorrente, se tornou substancialmente ilegítima. J- Como é sabido e resulta de entendimento pacífico, unânime e consolidado, a falta de legitimidade substantiva constitui uma exceção peremptória inominada, de conhecimento oficioso que, uma vez verificada, determina a absolvição da parte do pedido (arts. 576º, nº1 e 3 e art. 579º CPC e art. 2º CPPT). K- Por ser de conhecimento oficioso, além de ter sido também alegada e constituir uma questão com relevância fundamental para a decisão de mérito, não podia o Tribunal abster-se de a conhecer; ao fazê-lo, incorreu em omissão de pronúncia que acarreta a nulidade da decisão judicial. L- A intervenção do Supremo Tribunal justifica-se pela necessidade de uma melhor aplicação do direito no sentido de clarificar que a requalificação jurídica dos factos constitui o tribunal na obrigação de definir a relação jurídico-tributária decorrente de tal qualificação, de avaliar a legitimidade material das partes na relação após requalificação dos factos e de tais diligências deverem ser efetuadas oficiosamente, independentemente de alegação da parte, M- Tudo no sentido de promover uma efetiva e melhor aplicação do direito, obstando à imprevisibilidade das decisões, e do racional entendimento por parte dos cidadãos. Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o acórdão proferido em 2ª instância e ordenando a anulação da liquidação impugnada, com as inerentes consequências legais. Cumpre decidir da admissibilidade do recurso. O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT. Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Vejamos, pois. Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias. Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. Se bem se percebe das conclusões do recurso que nos vem dirigido, pretende a recorrente que sobreveio a sua ilegitimidade, presume-se substantiva e processual, pelo facto de o tribunal recorrido ter qualificado juridicamente a operação realizada como trespasse de estabelecimento comercial e, nessa medida, o sujeito tributário seria o trespassante e não é a impugnante que é trespassária. Lido atentamente o que vem alegado, surpreende-se que a recorrente pretende dar origem à discussão de uma questão que não existe, invocando normas que não regulam a sua situação concreta. Primeiramente incumbe dizer que a operação realizada e sujeita a imposto está correctamente qualificada juridicamente como trespasse de estabelecimento comercial seguindo a jurisprudência unanime dos tribunais superiores. Quanto à questão de não ser sujeito passivo do imposto, não interessa para o caso, uma vez que a impugnante é a quem a Lei atribui o encargo do imposto e, por isso, incumbe-lhe a ela paga-lo, cfr. artigo 3º, n.ºs. 1 e 3, al. V) do CIS e nessa medida não perdeu a legitimidade substantiva ou processual nos presentes autos. Assim, o recurso não pode ser admitido. Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista. Custas do incidente pela recorrente, com t.j. em 5 Ucs. D.n. Lisboa, 3 de Julho de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva. |