Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 063/22.8BALSB |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Descritores: | RECLAMAÇÃO ACTO |
Sumário: | I - Nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, “dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente”, consagrando-se regra em correspondência com aquela igualmente estabelecida no artigo 652.º, n.º 3, do CPC para o julgamento dos recursos jurisdicionais. II - A reclamação para a conferência não constitui um recurso da decisão sumária, mas somente um pedido de reapreciação colegial da mesma. Os fundamentos da reclamação não poderão ir além daqueles apresentados originariamente, não se prestando a oportunidade processual para reconfigurar o objeto do recurso ou da ação, com a introdução de novos factos ou argumentos. III - O princípio pro actione não serve para o tribunal se substituir às partes, nem para promover a alteração dos fundamentos do pedido e/ou da causa de pedir. O que este princípio, em linha concretizadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 7.º do CPTA e 20.º e 268.º da CRP), impõe ao juiz é que, por um lado, na interpretação da petição inicial se extraia da redação dada ao pedido o sentido mais favorável aos interesses do peticionante e, por outro lado, que a interpretação das normas processuais seja feita de modo a favorecer uma decisão de mérito. IV - Independentemente da natureza jurídica que assume o recurso administrativo da deliberação do COJ, ou da própria reclamação da deliberação do Acórdão da Secção Permanente do CSMP, sendo indeferida uma impugnação administrativa sem que o órgão recorrido altere a fundamentação de facto e de direito da decisão, impõe-se a impugnação contenciosa do ato primário do órgão que originou a impugnação, sendo o ato secundário que a decidiu meramente confirmativo do primeiro e por isso inimpugnável, por força do número 1 do artigo 53.º do CPTA. |
Nº Convencional: | JSTA000P32537 |
Nº do Documento: | SA120240711063/22 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Ações administrativas de atos dos órgãos superiores do Estado Reclamação para a conferência I. Objeto da reclamação 1. AA, devidamente identificado nos autos, intentou uma ação administrativa de impugnação da deliberação de 12.01.2022 do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que, aderindo integralmente aos fundamentos da deliberação de 18.11.2021 da Secção Permanente, manteve a deliberação de 1.07.2021 do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), que lhe aplicou a sanção disciplinar única de 20 dias de suspensão de exercício, peticionando a declaração de prescrição do procedimento disciplinar e, subsidiariamente, a declaração de nulidade ou a anulação da mencionada deliberação do CSMP. 2. Alega, em síntese, que, entre a data da instauração do processo disciplinar e a data da notificação da deliberação do Plenário do CSMP, em 15.03.2022, decorreram mais de 18 meses e, caso não se entenda que o procedimento disciplinar se encontra prescrito, imputa àquela deliberação os vícios de violação de lei (por erro nos pressupostos de direito) e de violação do direito fundamental à obtenção de decisão judicial em prazo razoável. 3. A Entidade Demandada contestou, pugnando pela sua absolvição da instância por verificação das exceções dilatórias de inimpugnabilidade da deliberação do Plenário do CSMP, de ilegitimidade passiva e de incompetência do STA, bem como pela sua absolvição do pedido, defendendo-se por impugnação no que à questão da prescrição do procedimento disciplinar respeita. 4. Não foi apresentada réplica pelo Autor em resposta às exceções deduzidas na contestação. 5. Por despacho de 17.11.2023, da então Relatora, foram as partes notificadas para se pronunciar sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (perdão de penas e amnistia de infrações) aos presentes autos. 6. Apenas a Entidade Demandada apresentou pronúncia no sentido de não se encontrarem verificados os pressupostos de aplicação da referida lei. Considera que a infração disciplinar em causa constitui, simultaneamente, ilícito penal não amnistiado e, por isso, a amnistia não operou ope legis, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais (na medida em que os factos que fundamentaram a infração disciplinar e a respetiva sanção decorreram de comportamento gravemente atentatório da dignidade e prestígio da função de oficial de justiça, nomeadamente a condenação do ora Autor, no âmbito do processo comum coletivo com o NUIPC 444/15...., do Juízo Central Criminal ... - J... da comarca ..., em pena de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de vários crimes de violência doméstica, decisão essa já transitada em julgado). 7. Notificado do teor do citado requerimento, o Autor nada veio dizer. 8. Pelo despacho saneador de 22.05.2024, foram apreciadas as questões: aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, exceção de incompetência absoluta (em razão da hierarquia) e excepção de inimpugnabilidade da deliberação do Plenário do CSMP de 12.01.2022. 9. Pela mesma decisão, na procedência da exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, foi a Entidade Demandada, o Conselho Superior do Ministério Público, absolvido da instância. 10. O Autor, notificado dessa decisão, não se conformando com o seu conteúdo, veio, ao abrigo do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, requerer que sobre a decisão proferida incida acórdão. 11. Dispõe o citado preceito legal, que versa sobre os processos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores, que: “[d]os despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente”. Trata-se de regra em correspondência com a regra igualmente estabelecida no artigo 652.º, n.º 3, do CPC para o julgamento dos recursos jurisdicionais. 12. O Conselho Superior do Ministério Público, não respondeu à reclamação apresentada. 13. A reclamação apresentada para a conferência é o meio próprio e foi apresentada tempestivamente. 14. A reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objeto do recurso – no caso, os fundamentos da ação - no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto (faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1, CPC). 15. Não constitui, portanto, um recurso da decisão sumária, mas somente um pedido de reapreciação colegial da mesma. Os fundamentos da “reclamação” não poderão ir além daqueles apresentados originariamente, não se prestando a oportunidade processual para reconfigurar o objeto do recurso ou da ação, com a introdução de novos factos ou argumentos. • II. Do mérito da reclamação 16. Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Reclamante, fazendo retroagir o seu conhecimento ao momento anterior à decisão singular proferida. Apreciemos então. 17. A reclamação apresenta uma síntese conclusiva que aqui se reproduz: “O despacho saneador reclamado: – não fixou na matéria de facto o teor da notificação que foi feita ao Reclamante pelo CSMP informando-o que da decisão da sua Secção Permanente teria de ser interposta reclamação (necessária) para o Plenário do Conselho; – não teve em consideração o Acórdão do Pleno proferido em 24/11/2022 que no vertente caso (deste Proc. n.º 063/22.8BALSB-A, mas da providência cautelar) julgou que “o recurso tutelar das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça em matéria disciplinar para o Conselho Superior do Ministério Público é necessário”, e que, – sendo necessário para abrir a via contenciosa, o acto a impugnar é o 2.º acto; – mas, não levou em linha de conta a circunstância de a decisão do Plenário do CSMP não ser meramente confirmativa da decisão da Secção Permanente visto que sobre a matéria crucial da contagem do prazo prescricional divergem; – ao não fixar aquele facto relativo ao teor da notificação do CSMP, também não teve em consideração que, tendo a Administração, rectius, o CSMP, induzido o Reclamante em erro, se aplica ao caso o disposto na al. b) do n.º 3 do art.º 58.º do CPTA, pelo que a presente acção é tempestiva; – pois, tanto é imposto pelos princípios da protecção da confiança e da boa-fé, – bem como pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, «pois está em causa precisamente a abertura do acesso aos (…) tribunais, uma permissão processual, e nestas circunstâncias impõe-se uma decisão conforme com a Constituição e com o corolário “pro habilitatae instantiae”»; – sob pena de, assim não se entendendo, as normas ou bloco normativo que se invocassem contenderem com o princípio constitucional do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva e, assim, não poderem ser aplicadas pelo Tribunal por se revelarem materialmente inconstitucionais; – não teve em conta que constitui jurisprudência constante e pacífica que é à luz do princípio “pro actione” que as normas processuais devem ser interpretadas, pelo que deveria ter proferido – e não o fez – «despacho de aperfeiçoamento (convite à correcção), destinado a possibilitar ao Tribunal a melhor concretização da justiça material, procurando ultrapassar as deficiências meramente formais da petição, por forma a viabilizar o conhecimento das questões de fundo”. 18. A decisão reclamada, na sua parte aqui relevante, é do seguinte teor: “(…) 11. Com base nas posições das partes assumidas nos seus articulados e nos documentos juntos aos autos, com relevo para a decisão a proferir, julga-se provada a seguinte matéria de facto: A) O A. exerce as funções de Técnico de Justiça auxiliar no DIAP ... do Tribunal Judicial da comarca ..., (como resulta dos doc.s anexos); B) Por deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça, de 21.06.2018, foi determinada a instauração de processo disciplinar ao A., de que foi notificado por ofício de 27.08.2018 (como resulta dos docs anexos e PA); C) O processo disciplinar foi suspenso, ficando a aguardar a decisão final no processo criminal 444/15.... a correr termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., o que lhe foi comunicado em 26.10.2018 (PA); D) Uma vez decidido por acórdão desse Tribunal, condenando o arguido, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (PA), o mesmo interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu o acórdão, negando provimento ao recurso, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (PA); E) O acórdão referido em D) transitou em julgado em 12.06.2020 (PA); F) Por despacho de 10.07.2020 foi retomada a tramitação do procedimento disciplinar, disso sendo notificado o A. (PA); G) Em 30.7.2020, o A. prestou declarações, alegando que o acórdão ainda não havia transitado, por não terem ainda sido fixadas as condições da suspensão da execução da pena (PA); H) Em 20.11.2020 foi elaborada a acusação, estabelecendo-se prazo para o então arguido deduzir a sua defesa, tendo o A. dela sido notificado em 25.11.2020 (PA); I) Em 9.09.2021 o Autor foi notificado da deliberação do COJ de 1.07.2021, que com uma declaração de voto, o condenou na sanção única de 20 dias de suspensão (como resulta dos doc.s anexos e PA); J) O A. interpôs recurso da Deliberação do COJ para o CSMP (como resulta dos doc.s anexos); L) O acórdão da Secção Permanente do CSMP de 18.11.2021, que aqui se dá como integralmente reproduzido, deliberou negar provimento ao recurso apresentado (como resulta dos doc.s anexos); M) O A., notificado, apresentou reclamação para o Plenário do CSMP, que por Acórdão de 12.01.2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido, deliberou desatender a reclamação, mantendo, na íntegra, a Deliberação reclamada (como resulta dos docs anexos); N) O A. foi condenado no âmbito do processo comum coletivo com o NUIPC 444/15...., do Juízo Central Criminal ... - J... da comarca ..., em pena de prisão (suspensa na sua execução), pela prática de vários crimes de violência doméstica, decisão já transitada em julgado (PA); O) A p.i. deu entrada em Tribunal em 19.04.2022 (consulta do SITAF). 12. Nenhum outro facto importa deixar fixado, face às questões a decidir neste despacho saneador. (…) III.ii.iii. DA EXCEPÇÃO DE IMPUGNABILIDADE DO ACTO IMPUGNADO 30. Vem suscitada a excepção de inimpugnabilidade da deliberação do Plenário do CSMP de 12.01.2022, o que, constituindo excepção dilatória, na sua procedência, obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Demandada da instância (nos termos do art. 89.º, n.ºs 2 e 4, al. i) do CPTA). 31. Alega, neste capítulo, a ENTIDADE DEMANDADA: “O recurso das deliberações do «COJ » para o «CSMP» (ou para o «CSMP» ou para o «CSTAF», conforme o tribunal ou local de exercício de funções dos oficiais de justiça) encontra-se previsto no artigo 118º do «EFJ», aprovado pelo DL 343/99, de 20/8, reformulado pelo DL nº 96/2002, de 12/4, cujo n º2 refere que «Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no «âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 111º - apreciação do mérito profissional e exercício do poder disciplinar – (…) cabe recurso, consoante os casos, para o CSM, para o CSTAFs ou para o CSMP, a interpor no prazo de 20 dias úteis». Ao utilizar a fórmula «cabe recurso», é de retirar a conclusão, imposta pelo artº 3º nº1 do DL 4/2015, de 7/1 (que aprovou o atual CPA) de que o recurso em causa não é configurável como uma «impugnação administrativa necessária», visto que não se deteta, na sua previsão, nenhuma das expressões elencadas nas três alíneas daquela norma («é necessária», «existe sempre» ou «suspende» ou «tem efeito suspensivo do ato impugnado»). Estamos, pois, perante uma impugnação administrativa facultativa em que o ato contenciosamente impugnável é a Deliberação do «COJ», de 1/7/2021, notificada ao Autor em 9/9/2021. Acresce que a Deliberação do Plenário do CSMP se limitou a confirmar e reiterar com os mesmos fundamentos a Deliberação da Seção Permanente do CSMP, de 18/11/2021 que por sua vez confirmara e reiterara também com os mesmos fundamentos a Deliberação do Plenário do COJ, de 1/7/2021, notificada ao Autor em 9/9/2021. Ora, de acordo com o disposto no artº 53º do CPTA, os atos meramente confirmativos são inimpugnáveis.” 32. Ou seja, o CSMP invoca a inimpugnabilidade do acto impugnado, por entender que o acto contenciosamente impugnável é o acto do COJ que foi notificado ao A. em 9.9.2021, tendo o CSMP apenas confirmado a deliberação do COJ. Donde, concluir que, sendo os actos confirmativos inimpugnáveis, o acto objecto da presente acção, que reveste tal característica, também o é. 33. Mais refere que o recurso da decisão do COJ não é obrigatório, mas tão-só facultativo, e por isso era imediatamente impugnável contenciosamente, de acordo com o disposto no art. 185.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. 34. Na verdade, de acordo com o art. 185.º, n.ºs 1 e 2, do CPA: “1 - As reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido. 2 - As reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários”. 35. Sendo que, nos termos do art. 189.º, n.º 2, do mesmo CPA, “[a]s impugnações facultativas não têm efeito suspensivo”. 36. Sobre esta matéria, este STA teve já oportunidade de se pronunciar, no acórdão de 10.03.2022, no âmbito do processo n.º 935/19.7BELSB, cujo discurso fundamentador é, aliás, transcrito e acompanhado no acórdão deste STA de 9.06.2022, proferido nos autos cautelares de que estes autos são o processo principal. 37. Acompanhando, também nós, o aí decidido – na parte que se reporta à excepção de inimpugnabilidade da deliberação do CSMP -, uma vez que aproveita ao caso presente e não vendo razão para divergir do entendimento fixado, transcrevemos, nos termos permitidos pela lei processual, o discurso fundamentador do referido acórdão deste STA de 10.03.2022. Assim: “O recurso das deliberações do “COJ” para o “CSMP” (ou para o “CSM” ou para o “CSTAF”, conforme o tribunal ou local de exercício de funções dos oficiais de justiça) encontra-se previsto no já citado art. 118º do “EFJ”, aprovado pelo DL 343/99, de 20/8 (artigo reformulado pelo DL nº 96/2002, de 12/4), cujo nº 2 refere: «Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 111.º [apreciação do mérito profissional e exercício do poder disciplinar], (…) cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis». Ora, da constatação da fórmula legalmente empregue – “cabe recurso” – é de retirar a conclusão, imposta pelo art. 3º nº 1 do DL nº 4/2015, de 7/1 (que aprovou o atual CPA), de que o recurso em causa não é configurável como uma “impugnação administrativa necessária”, visto que não se deteta, na sua previsão, nenhuma das expressões listadas nas três alíneas daquela norma (“é necessária”, “existe sempre” ou “suspende” ou “tem efeito suspensivo do ato impugnado”). Em consonância, aliás, com o sentido da reforma do CPA de 2015. Ver, a propósito da norma do nº 2 do art. 185º do atual CPA (“as reclamações e os recursos têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários”), o comentário de Vieira de Andrade in “Comentários à revisão do CPA”, Fausto de Quadros et al., Almedina, Maio/2016, pág. 399: «(…) A opção legislativa é completada no nº 2, ao estabelecer a “regra” do carácter “facultativo” das reclamações e recursos, salvo se a lei os “denominar” como necessários – uma formulação que exigirá que a lei utilize expressamente a palavra “necessário”. (…) De resto, o Decreto-Lei nº 4/2015 regulou, no artigo 3º, as impugnações administrativas necessárias existentes à data da sua entrada em vigor num sentido fortemente restritivo (…)». Estamos, pois, no caso, perante uma impugnação administrativa facultativa, que o Autor entendeu utilizar, sendo certo que poderia ter, desde logo, impugnado contenciosamente o Acórdão do “COJ”, sem interpor recurso administrativo para o “CSMP” (ou durante a pendência deste – cfr. art. 190º nº 4 do CPA). Veja-se, aliás, perante situação paralela, o decidido por este “STA” no seu Acórdão de 23/4/2020 (proc. 0102/19): «(…) as disposições legais do EMP de 1986, e a Deliberação n.º 1783/2014, que preveem a reclamação dos atos da Secção Permanente para o Plenário do CSMP não utilizam nenhuma destas três expressões, pelo que, atento o seu inequívoco valor interpretativo, tem de se entender agora que o n.º 1 do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015 afasta a qualificação daquela reclamação como necessária – em sentido concordante, v. o Acórdão desta Secção, de 4 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 163/17 (…)». 7. É certo que, no caso desta impugnação administrativa, legalmente prevista, não estamos perante um puro “recurso hierárquico” pois que, como será incontroverso, não existe relação hierárquica entre o “COJ” e o “CSMP” (ou entre o “COJ” e o “CSM” ou o “CSTAF”). Mas tal não altera em nada os dados da questão, pois que, estando em causa um “recurso administrativo especial”, expressamente previsto na lei, configurável nos termos do art. 199º nº 1 c) e 3 do CPA – recurso administrativo para órgão de outra pessoa colectiva com poderes de tutela (de mérito), ainda que restritos às matérias de avaliação profissional e de exercício do poder disciplinar – são-lhe aplicáveis, para o que aqui releva, as disposições reguladoras do recurso hierárquico geral (por força do nº 5 do mesmo art. 199º). 8. A conclusão de que não estamos, no caso, perante uma impugnação administrativa necessária (recurso do Acórdão do “COJ” para o “CSMP”) afasta a aplicação da acima aludida norma do art. 198º nº 4 do CPA que dita que, em caso de indeferimento de recurso hierárquico necessário, o ato contenciosamente impugnável é o ato do órgão subalterno. Porém, ainda que não aplicável esta norma, a solução há-de ser a mesma nos casos em que, mesmo no âmbito de impugnações administrativas facultativas (como a aqui em questão), a decisão do órgão “ad quem” se limite a confirmar a decisão administrativamente impugnada. E isto pela simples razão de que os atos meramente confirmativos não são impugnáveis – art. 53º nº 1 do CPTA. Aliás, a razão de ser da norma do art. 198º nº 4 do CPA encontra-se, precisamente, na “inimpugnabilidade dos atos meramente confirmativos”. Veja-se o comentário de Políbio Henriques na já citada obra coletiva “Comentários à revisão do CPA”, pág. 420: «Quando ocorrer o indeferimento do recurso hierárquico, ficando o recorrente na mesma situação em que se encontrava antes da interposição do recurso, a tutela contenciosa não deve dirigir-se contra a decisão de indeferimento do recurso, mas contra a conduta do subordinado que lhe deu causa e que, portanto, a via contenciosa a utilizar deve ser a impugnação do ato primário do órgão subalterno que originou o recurso» (sublinhado nosso). Ver, também, Luiz S. Cabral de Moncada in “CPA Anotado”, 3ª edição, “Quid Juris”, 2019, pág. 642, em anotação ao nº 4 do art. 198º do CPA: «(…) o acto a impugnar é o acto do subalterno, como se diz expressamente no mesmo nº 4, e não o do superior hierárquico. (…) Se assim não fosse o interessado estaria a impugnar um acto confirmativo de outro, o que não colhe. (…) Não havendo alteração da situação do recorrente, a via contenciosa a seguir é a que teria sido utilizada se o recurso não tivesse sido interposto, ou seja, a da impugnação do acto praticado pelo subalterno ou da condenação deste à prática do acto omitido». E, também, Jorge Silva Sampaio e José Duarte Coimbra in “Os procedimentos administrativos de segundo grau no novo CPA”, in “Comentários ao Novo CPA”, vol. II, AAFDL, 4ª edição, 2018, pág. 575, nota 71: «Embora se consiga descortinar a razão que conduziu à restrição do nº 4 do artigo 198º do CPA aos recursos hierárquicos “necessários” (pois apenas nesses faz sentido colocar a questão de saber se continua aberta a via contenciosa), o certo é que o que aí se estabelece aplica-se, em iguais termos, aos recursos “facultativos”» (sublinhado nosso). Daqui resultam duas consequências: 1ª - Que a solução do art. 198º nº 4 do CPA – dado que fundamentada na inimpugnabilidade dos atos meramente confirmativos – não será de aplicar, mesmo no âmbito das impugnações administrativas necessárias, quando a decisão do recurso se basear em fundamentação relevantemente distinta da utilizada no ato recorrido, pois que, nesta hipótese, a decisão do recurso, ainda que eventualmente com o mesmo sentido decisório, não pode ter-se como confirmativa do ato primário - neste sentido, o recente Acórdão deste STA de 13/3/2019, proc. 0358/18, em que estava em causa um recurso hierárquico indiscutivelmente tido como “necessário” («o acto praticado em sede de recurso hierárquico não se limita a manter a decisão constante do acto de 1º grau, tendo-lhe sido aduzido fundamentos em parte diferentes e, noutro tocante, completamente inovatórios, pelo que, neste segmento, assiste razão ao recorrente, no sentido de não estarmos perante um acto meramente confirmativo (…). Na verdade, e de acordo com o disposto no art. 53º nº 1 do CPTA, a noção de acto administrativo confirmativo exige que estes se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores, o que “in casu” não sucede, uma vez que o acto praticado pela Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, em sede de recurso hierárquico aduz fundamentos de facto e de direito que não são completamente coincidentes com os existentes no acto primário, caindo desta forma um dos pressupostos essenciais à confirmatividade que consiste na identidade da fundamentação da decisão»); e 2ª – Que a solução do art. 198º nº 4 do CPA (impugnabilidade contenciosa do ato primário, e não da decisão da impugnação administrativa) será também a aplicável – agora, diretamente por força do art. 53º nº 1 do CPTA - se a decisão do recurso administrativo for meramente confirmativa do ato primário, administrativamente recorrido. É que, neste caso, a decisão do recurso hierárquico não pode ser contenciosamente impugnada porque «Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (nº 1 do art. 53º do CPTA, sublinhado nosso). 9. De tudo isto resulta, em suma – como ensina Mário Aroso de Almeida in “Teoria Geral do Direito Administrativo”, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 405 -, que «(…) o recurso hierárquico, para efeitos contenciosos, é absolutamente irrelevante sempre que dele não resulte qualquer modificação da situação do interessado, e isso tanto sucede quando o superior hierárquico não dê resposta ao recurso dentro do prazo legalmente estabelecido, como quando ele indefira o recurso». Assim, tudo se resume, pois, em averiguar se, em caso de decisão de indeferimento expresso da impugnação administrativa interposta – como foi o caso dos presentes autos – tal decisão (no caso, do “CSMP”) foi, ou não, meramente confirmativa, do ato recorrido (no caso, do “COJ”): em caso afirmativo, o ato contenciosamente impugnável é (apenas) o ato primário (no caso, do “COJ”), pois que os atos meramente confirmativos não são impugnáveis – art. 53º nº 1 do CPTA; se não, o ato contenciosamente impugnável é (apenas) o ato secundário (no caso, do “CSMP”) por se não ter, acaso, limitado a reiterar, com os mesmo fundamentos, a decisão anterior (no caso, do “COJ”), por eventualmente ter utilizado fundamentação relevantemente distinta ou por eventualmente ter apreciado questões, de facto ou de direito, essenciais para a decisão, não antes apreciadas.[sublinhado nosso] 10. Aqui chegados, analisando o teor do Acórdão do “CSMP” de 19/3/2019, emitido em sede de impugnação administrativa do Acórdão do “COJ” de 22/11/2018, mostra-se evidente que aquela decisão é meramente confirmativa desta. Efetivamente, decide no mesmo sentido, indeferindo expressamente o recurso, e limita-se a reiterar o já antes decidido, sem acrescentar qualquer fundamentação relevantemente distinta e sem apreciar inovatoriamente qualquer questão, de facto ou de direito.” 38. Esta posição - já assente - deste STA quanto à inimpugnabilidade do acto aqui objecto dos autos, determina, portanto, a procedência da excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado. 39. Com efeito, o Autor interpôs recurso (facultativo) da Deliberação do COJ para o CSMP, o qual deliberou confirmar integralmente a deliberação recorrida; ou para citar exactamente a decisão: “aderindo integralmente aos fundamentos do acórdão reclamado (…) e manter, na íntegra, aquela decisão”. Sendo que nenhum outro fundamento de indeferimento foi pela decisão secundária inovatoriamente avançado, nem a sanção aplicada alterada. Em síntese, existiu essa confirmação pelo acto ora impugnado, que é assim meramente confirmativo do acto primário, sem lhe introduzir ou acrescentar nada de novo. 41. Ora, dispõe o art. 53.º, n.º 1, do CPTA, sob a epígrafe “impugnação de atos confirmativos e de execução” que “[n]ão são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores”. 42. Não pode, portanto, deixar de se concluir, em face do que vimos de dizer, que o acto contenciosamente impugnável é a Deliberação do COJ e não a Deliberação do CSMP. 43. E assim sendo, terá que julgar-se procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado suscitada, com a consequente absolvição do CSMP da instância. 44. Nada mais cumpre apreciar, por ter ficado prejudicado. 19. Como se observa, o Reclamante pretende agora extrair efeitos do teor da notificação do acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público, de 18.11.2021, que lhe foi efetuada pelo Secretário-Geral da Procuradoria-Geral da República. 20. De igual modo, sustenta que a decisão reclamada não teve em consideração o acórdão do Pleno proferido em 24.11.2022 que julgou que “o recurso tutelar das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça em matéria disciplinar para o Conselho Superior do Ministério Público é necessário”, e que, sendo necessário para abrir a via contenciosa, o ato a impugnar é o 2.º ato”. 21. Ora, certo é que o Autor foi notificado da contestação junta aos autos pelo Conselho Superior do Ministério Público e onde a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado vem expressamente suscitada. E da notificação judicial consta que “[p]oderá apresentar réplica em resposta às exceções deduzidas na(s) contestação(ões) e/ou na intervenção do Ministério Público”. 22. Ou seja, o que se verifica é que o ora Reclamante verdadeiramente quer exercer um direito processual – de resposta a matéria de exceção - nesta sede, quando o mesmo se encontra precludido, por não ter sido exercido no momento adjetivo próprio. 23. Com efeito, a imposição de concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual) [cfr., i.a., o ac. do STJ de 6.12.2016, proc. n.º 1129/09.5TBVRL-H. G1.S2]. 24. O mesmo se diga relativamente à alegação do Reclamante, tendo por referência o mesmo quadro factual mas agora na perspectiva de a conduta da Administração, no caso o Conselho Superior do Ministério Público, o ter induzido em erro. Erro esse que não foi alegado na p.i. e que o Autor poderia, também, ter apresentado em sede de resposta à matéria de exceção, o que se viu já não ter feito. 25. Nessa medida, em nada releva agora a alegação ensaiada relativamente a esta matéria, tornando-se inútil o aditamento factual pretendido. 26. Pelo que se julga improcedente a alegação da reclamação quanto ao erro e insuficiência da matéria de facto dada por assente, a qual se mantém inalterada. 27. Por fim, alega o Reclamante que o tribunal, em síntese, omitiu o despacho de aperfeiçoamento que se impunha, em vista a promover a decisão de mérito. Refere que “não teve em conta que constitui jurisprudência constante e pacífica que é à luz do princípio “pro actione” que as normas processuais devem ser interpretadas, pelo que deveria ter proferido – e não o fez – «despacho de aperfeiçoamento (convite à correcção), destinado a possibilitar ao Tribunal a melhor concretização da justiça material, procurando ultrapassar as deficiências meramente formais da petição, por forma a viabilizar o conhecimento das questões de fundo”. 28. Pois bem, o princípio pro actione não serve para o tribunal se substituir às partes, nem para promover a alteração dos fundamentos do pedido/causa de pedir. O que este princípio, em linha concretizadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 7.º do CPTA e 20.º e 268.º da CRP), impõe ao juiz é que, por um lado, na interpretação da petição inicial se extraia da redação dada ao pedido o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, e, por outro lado, que a interpretação das normas processuais seja feita de modo a favorecer uma decisão de mérito. 29. Ora, nos termos do disposto art. 87.º do CPTA: “1 - Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias; b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. 2 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. 3 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. (…)” 30. Na primeira situação, prevista na alínea a), o juiz providencia o suprimento de exceções dilatórias através de uma intervenção oficiosa, o que manifestamente não é o caso – nem tal vem sequer alegado. Nada havia a determinar quanto à realização de quaisquer atos necessários à regularização da instância. E quanto ao convite dirigido à parte, também nada havia a ordenar, pois nenhuma exceção existe suscetível de sanação por via de ato que esta deva praticar. 31. Por outro lado, não se está perante situação de irregularidade do articulado, falta de documentos ou sequer de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. 32. Dito de outra forma, em face da causa de pedir vertida na p.i. e dos seus fundamentos, na sequência da matéria de exceção deduzida na contestação e na falta de resposta, no tempo processual adequado, às exceções, foram levados ao probatório os factos tidos por relevantes e aplicado o quadro normativo correspondente, em ordem à decisão das mesmas exceções. No que foi julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade do acto impugnado. 33. O que em nada interfere com a plena observância e satisfação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois que nenhum direito de intervenção processual foi coartado ao Autor e aqui Reclamante. E na conformação do processo, tal como este se apresentou em sede de pré-saneamento, também nada havia a sanar, corrigir ou determinar. 34. No que se entende dever salientar, no respeitante à decisão proferida sobre a exceção de inimpugnabilidade do acto impugnado, expressamente se referiu nesta (e que aqui se volta a transcrever, por facilidade de leitura): “(…) este STA teve já oportunidade de se pronunciar, no acórdão de 10.03.2022, no âmbito do processo n.º 935/19.7BELSB, cujo discurso fundamentador é, aliás, transcrito e acompanhado no acórdão deste STA de 9.06.2022, proferido nos autos cautelares de que estes autos são o processo principal. 37. Acompanhando, também nós, o aí decidido – na parte que se reporta à excepção de inimpugnabilidade da deliberação do CSMP -, uma vez que aproveita ao caso presente e não vendo razão para divergir do entendimento fixado, transcrevemos, nos termos permitidos pela lei processual, o discurso fundamentador do referido acórdão deste STA de 10.03.2022. Assim: “O recurso das deliberações do “COJ” para o “CSMP” (ou para o “CSM” ou para o “CSTAF”, conforme o tribunal ou local de exercício de funções dos oficiais de justiça) encontra-se previsto no já citado art. 118º do “EFJ”, aprovado pelo DL 343/99, de 20/8 (artigo reformulado pelo DL nº 96/2002, de 12/4), cujo nº 2 refere: «Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 111.º [apreciação do mérito profissional e exercício do poder disciplinar], (…) cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis». Ora, da constatação da fórmula legalmente empregue – “cabe recurso” – é de retirar a conclusão, imposta pelo art. 3º nº 1 do DL nº 4/2015, de 7/1 (que aprovou o atual CPA), de que o recurso em causa não é configurável como uma “impugnação administrativa necessária”, visto que não se deteta, na sua previsão, nenhuma das expressões listadas nas três alíneas daquela norma (“é necessária”, “existe sempre” ou “suspende” ou “tem efeito suspensivo do ato impugnado”). Em consonância, aliás, com o sentido da reforma do CPA de 2015. Ver, a propósito da norma do nº 2 do art. 185º do atual CPA (“as reclamações e os recursos têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários”), o comentário de Vieira de Andrade in “Comentários à revisão do CPA”, Fausto de Quadros et al., Almedina, Maio/2016, pág. 399: «(…) A opção legislativa é completada no nº 2, ao estabelecer a “regra” do carácter “facultativo” das reclamações e recursos, salvo se a lei os “denominar” como necessários – uma formulação que exigirá que a lei utilize expressamente a palavra “necessário”. (…) De resto, o Decreto-Lei nº 4/2015 regulou, no artigo 3º, as impugnações administrativas necessárias existentes à data da sua entrada em vigor num sentido fortemente restritivo (…)». Estamos, pois, no caso, perante uma impugnação administrativa facultativa, que o Autor entendeu utilizar, sendo certo que poderia ter, desde logo, impugnado contenciosamente o Acórdão do “COJ”, sem interpor recurso administrativo para o “CSMP” (ou durante a pendência deste – cfr. art. 190º nº 4 do CPA). Veja-se, aliás, perante situação paralela, o decidido por este “STA” no seu Acórdão de 23/4/2020 (proc. 0102/19): «(…) as disposições legais do EMP de 1986, e a Deliberação n.º 1783/2014, que preveem a reclamação dos atos da Secção Permanente para o Plenário do CSMP não utilizam nenhuma destas três expressões, pelo que, atento o seu inequívoco valor interpretativo, tem de se entender agora que o n.º 1 do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015 afasta a qualificação daquela reclamação como necessária – em sentido concordante, v. o Acórdão desta Secção, de 4 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 163/17 (…)». (…) 9. De tudo isto resulta, em suma – como ensina Mário Aroso de Almeida in “Teoria Geral do Direito Administrativo”, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 405 -, que «(…) o recurso hierárquico, para efeitos contenciosos, é absolutamente irrelevante sempre que dele não resulte qualquer modificação da situação do interessado, e isso tanto sucede quando o superior hierárquico não dê resposta ao recurso dentro do prazo legalmente estabelecido, como quando ele indefira o recurso». Assim, tudo se resume, pois, em averiguar se, em caso de decisão de indeferimento expresso da impugnação administrativa interposta – como foi o caso dos presentes autos – tal decisão (no caso, do “CSMP”) foi, ou não, meramente confirmativa, do ato recorrido (no caso, do “COJ”): em caso afirmativo, o ato contenciosamente impugnável é (apenas) o ato primário (no caso, do “COJ”), pois que os atos meramente confirmativos não são impugnáveis – art. 53º nº 1 do CPTA; se não, o ato contenciosamente impugnável é (apenas) o ato secundário (no caso, do “CSMP”) por se não ter, acaso, limitado a reiterar, com os mesmo fundamentos, a decisão anterior (no caso, do “COJ”), por eventualmente ter utilizado fundamentação relevantemente distinta ou por eventualmente ter apreciado questões, de facto ou de direito, essenciais para a decisão, não antes apreciadas.[sublinhado nosso] 10. Aqui chegados, analisando o teor do Acórdão do “CSMP” de 19/3/2019, emitido em sede de impugnação administrativa do Acórdão do “COJ” de 22/11/2018, mostra-se evidente que aquela decisão é meramente confirmativa desta. Efetivamente, decide no mesmo sentido, indeferindo expressamente o recurso, e limita-se a reiterar o já antes decidido, sem acrescentar qualquer fundamentação relevantemente distinta e sem apreciar inovatoriamente qualquer questão, de facto ou de direito.” 38. Esta posição - já assente - deste STA quanto à inimpugnabilidade do acto aqui objecto dos autos, determina, portanto, a procedência da excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado. 39. Com efeito, o Autor interpôs recurso (facultativo) da Deliberação do COJ para o CSMP, o qual deliberou confirmar integralmente a deliberação recorrida; ou para citar exactamente a decisão: “aderindo integralmente aos fundamentos do acórdão reclamado (…) e manter, na íntegra, aquela decisão”. Sendo que nenhum outro fundamento de indeferimento foi pela decisão secundária inovatoriamente avançado, nem a sanção aplicada alterada. Em síntese, existiu essa confirmação pelo acto ora impugnado, que é assim meramente confirmativo do acto primário, sem lhe introduzir ou acrescentar nada de novo. 40. Isto é, o acto posto em crise nada acrescenta ao prévio acto do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) - a deliberação de 01.07.2021 - que aplicou ao A. a sanção disciplinar única de 20 dias de suspensão de exercício. Foi este acto que definiu concreta e juridicamente a sua situação jurídica substantiva. [sublinhados nossos] 41. Ora, dispõe o art. 53.º, n.º 1, do CPTA, sob a epígrafe “impugnação de atos confirmativos e de execução” que “[n]ão são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores”. 42. Não pode, portanto, deixar de se concluir, em face do que vimos de dizer, que o acto contenciosamente impugnável é a Deliberação do COJ e não a Deliberação do CSMP. 43. E assim sendo, terá que julgar-se procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado suscitada, com a consequente absolvição do CSMP da instância.” 35. Decisão esta que, encontrando-se em consonância com a citada Jurisprudência deste STA, se deverá manter inalterada. 36. Mas mesmo a entender-se distintamente a natureza jurídica do recurso das deliberações do COJ, sempre se alcançaria igual solução. É que, como se decidiu no acórdão deste STA de 24.11.2022, quanto aos aqui mesmos Autor e Entidade Demandada e no mesmo quadro factual (em sede da providência cautelar intentada): “(…) o Acórdão do Plenário do CSMP, que constitui o objeto do presente processo, é meramente confirmativo daquele Acórdão da Secção Permanente, na medida em decidiu manter, «na íntegra», o acórdão reclamado - cfr. o teor integral do acórdão a fls. 901 ss. do processo eletrónico. // 13. Assim, e independentemente da natureza jurídica do recurso administrativo da deliberação do COJ, ou da própria reclamação da deliberação do Acórdão da Secção Permanente do CSMP, a deliberação do Plenário daquele Conselho, de 12 de janeiro 2022, sempre seria inimpugnável, [sublinhado nosso]”. 37. Isto é, transcrevendo o sumário do referido acórdão: “o número 4 do artigo 198.º do CPA determina que, independentemente da sua natureza jurídica, sendo indeferida uma impugnação administrativa sem que o órgão recorrido altere a fundamentação de facto e de direito da decisão, impõe-se a impugnação contenciosa do ato primário do órgão subalterno que originou a impugnação, sendo o ato secundário que a decidiu meramente confirmativo do primeiro, e por isso inimpugnável, por força do número 1 do artigo 53.º do CPTA”. O que sucede no caso presente. 38. Do que vem de se explicitar, resulta que terá de ser julgada improcedente a presente reclamação para a Conferência e confirmado o despacho reclamado, que foi proferido pelo Relator. • III. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando o despacho do relator que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada da instância. Custas pelo Reclamante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido e a confirmar nos autos. Notifique. Lisboa, 11 de julho de 2024. – Pedro José Marchão Marques (relator) – Cláudio Ramos Monteiro – José Augusto Araújo Veloso. |