Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02468/21.2BELRS
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32527
Nº do Documento:SA22024071102468/21
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por “A...” tendo por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os actos de retenção na fonte de IRC que incidiram sobre dividendos auferidos em território nacional, no ano de 2019, e que se encontram consubstanciados nas guias de retenção na fonte n.º ...79, n.º ...51, n.º ...01 e n.º ...02, referentes aos períodos de abril, maio, junho e setembro de 2019, interpôs o presente recurso jurisdicional que dirigiu a este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações oportunamente apresentadas concluiu nos seguintes temos:

«a) Entende a RFP que a douta Sentença de que se recorre sofre de erro de julgamento, quando concluiu que: “Ora, transpondo para o caso em apreço a jurisprudência firmada no supra citado Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, terá de se concluir que a sujeição dos dividendos obtidos pelo Impugnante, enquanto fundo de investimento mobiliário não residente, a retenção na fonte e a limitação da exclusão de tributação prevista nos artigos 22.º n.º 1 e 3 aos dividendos auferidos por fundos de investimento mobiliário residentes, configuram uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, uma vez que o tratamento fiscal desfavorável daqueles dividendos (em comparação com os dividendos obtidos por fundos de investimento residentes) é suscetível de dissuadir, por um lado, o Impugnante de investir em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem unidades de participação emitidas pelo Impugnante, não podendo ser justificada por qualquer razão imperiosa de interesse geral..”

b) Assim, a questão material que vem controvertida nos presentes autos de recurso, prende-se em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.º 22º do EBF) e, por isso residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário, que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, (in casu os Estados Unidos da América), configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art.º 63º do TFUE.

c) O TJUE já deixou expresso em múltiplos Acórdãos que, em abstrato, o regime de tributação dos diferentes Estados Membros pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes, pois, em caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente contrário ao direito comunitário.

d) Conforme afirmado por Paula Rosado Pereira, in Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010, pp. 349 e ss, o Tribunal de Justiça assume, como ponto de partida que a situação de sujeitos passivos residentes e de não residentes “não é, em geral, comparável”, uma vez que, desde logo, quanto aos primeiros a tributação incide sobre a globalidade dos rendimentos auferidos (no Estado da residência), enquanto no caso dos segundos se limita aos rendimentos auferidos no Estado da fonte; assim, “no Caso Shumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência”.

(…)

“A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre sujeitos passivos.”

e) In casu, vinha sustentado pelo Impugnante que, para aferir da existência de tratamento discriminatório se imporá ponderar quatro elementos: (i) a existência de duas situações, sujeitas a um tratamento diferenciado, (iii) ainda que comparáveis, (iv) de que deriva um tratamento desvantajoso para uma das duas situações.

f) Pelo que, verificados que estão, in casu, os dois primeiros elementos, convirá aferir da efetiva comparabilidade das duas situações, apelando ao regime legal em causa nos presentes autos, de um ponto de vista mais global do que aquele que é intentado pelo Impugnante, pois que, do mesmo se descortinará a inexistência da comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes, ao ponto de se poder afirmar da não violação dos princípios da discriminação e da livre circulação de capitais vertidos nos art.ºs 18º e 63º do TFUE.

g) Com efeito, atendendo ao disposto no art.º 65º do TJUE, admite o TJUE que a proibição do estabelecimento de restrições aos movimentos de capitais não impede que um Estado-Membro defina um regime tributário diferente para os sujeitos que não se encontrem em idêntica situação, importando dessa forma determinar se estamos perante situações comparáveis, porquanto só existe discriminação quando o direito interno aplique regras diferentes a situações comparáveis ou sujeite situações diferentes a regime idêntico.

h) O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, procedeu à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), bem como dos participantes, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais, o Código do Imposto do Selo e a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

i) E já a Lei n.º 2/2014, de 16/01 e a Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, tinham procedido, respetivamente, à reforma da tributação do rendimento das sociedades e à reforma da tributação do rendimento das pessoas singulares, alterando o CIRC, o CIRS e outros diplomas.

j) A sentença recorrida, tal como o Impugnante, fez uma explanação do regime de tributação, em sede de IRC, aplicável aos OIC residentes (constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional) e não residentes (constituídos ou a operar de acordo com outra legislação), tentando demonstrar que a exclusão de tributação dos dividendos, prevista no n.º 3, do art.º 22º do EBF, aplicável apenas aos primeiros, só por si, configura uma restrição à livre circulação de capitais por oposição ao art.º 63º TFUE, sem considerar o regime no seu todo.

k) Ora, entendendo-se que não cabe à Administração Tributária, no presente âmbito, discutir as opções de política fiscal, sempre se dirá que qualquer regime fiscal aplicável a sujeitos passivos residentes é, normalmente, diferenciado do aplicável a não residentes, sem que, por isso, configure restrição às liberdades fundamentais previstas nas normas do TFUE ou colida com essas ou outras normas de direito fiscal internacional.

l) A sentença recorrida, no caso em apreço, centrou-se apenas num único aspeto do regime fiscal em sede de IRC, a partir de 01/07/2015, aplicável aos OIC residentes, em comparação com os não residentes, sem tomar em consideração o regime fiscal de forma abrangente, consideração essa que lhe permitiria percecionar do tratamento não discriminatório do regime aplicável aos OIC não residentes, é que de acordo com o anterior regime legal a tributação dos rendimentos era levada a cabo nos OIC, surgindo como premissa do novo regime legal substituir o anterior regime de tributação “à entrada” por um regime de tributação “à saída”, na esfera dos investidores.

m) E, assim, não obstante os OIC residentes, constituídos e a operarem nos termos da legislação nacional, beneficiem da isenção de retenção na fonte plasmada no n.º 3, do art.º 22º do EBF, regime não aplicável aos não residentes, verificamos decorrer do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 a introdução da tributação em sede do Imposto do Selo dos OIC residentes, decorrente da criação de uma taxa incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, com recurso a um comparativo internacional.

n) Tal tributação em sede de Imposto do Selo está prevista nas Verbas 29, 29.1 e 29.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, com produção de efeitos a 01/07/2015, e incide sobre o valor líquido dos OIC, abrangidos pelo art.º 22º do EBF, não se aplicando, portanto, aos OIC não residentes, categoria onde se inclui o Impugnante.

o) Deste modo, ainda que se encontrem isentos da retenção na fonte, nos termos decorrentes do n.º 3 do art.º 22º do EBF, os fundos residentes são tributados por via da aplicação de uma taxa fixa, por recurso a comparativo internacional, que incide sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo. Já os fundos não residentes, considerando que a tributação é efetuada tendo por base unicamente os rendimentos percebidos no Estado da fonte, (Portugal no caso), se mostram excluídos de tal tributação, em sede de Imposto do Selo e por via da aplicação de taxa fixa.

p) Ora, tal regime, assim configurado, remete-nos desde logo para duas situações não comparáveis entre si, porquanto apelam, cada uma delas, a um regime jurídico distinto em que o elemento de conexão residência se implica, por um lado, a não aplicação da dispensa de retenção, também implica, por outro, a não aplicação da tributação em sede de Imposto do Selo a que se encontram sujeitos todos os fundos de investimento residentes em território nacional e que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional.

q) E a afirmação da ausência de comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes no regime jurídico português resulta acrescida do regime fiscal da participation exemption, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, nomeadamente, com a alteração dos n.ºs 3 a 9 do art.º 14º do CIRC, aplicável a partir de 01/01/2014, e que prevê a isenção, em sede de IRC, dos dividendos colocados à disposição dos investidores não residentes, como seria o caso do ora Impugnante, desde que verificadas e feita a prova do cumprimento das condições aí previstas. Sendo que, tal isenção se não mostra aplicável aos fundos de investimento residentes.

r) Nos termos expostos, o regime legal aplicável aos fundos residentes mostra-se não aplicável ao Impugnante, por ser OIC não residente, e não poder, por tal motivo, o Estado da fonte dos rendimentos, Portugal, tributar em sede de Imposto do Selo o seu ativo global líquido, por via da aplicação de taxa fixa, aplicável a todos os OIC residentes.

s) No sentido explanado vai a jurisprudência do TJUE, e decorre do acórdão Pensioenfonds Metaal en processo C-252/14, caso aplicável mutatis mutandis ao caso sub judice.

t) Pelo que, demonstrando a Administração Tributária não estarmos perante situações comparáveis face ao regime legal em causa aplicável a residentes e a não residentes, e concomitantemente, não tendo feito o Impugnante a prova, em concreto, do carácter discriminatório que invoca, não pode afirmar-se qualquer violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, como erroneamente afirmou a sentença recorrida. E, pertinente na matéria é o Acórdão, a que se apela, do Supremo Tribunal Administrativo de 26/11/2014, proferido no processo n.º 01877/13, de acordo com o qual “Será pela análise concreta da tributação global dos dividendos tendo em conta a sua tributação em Portugal e na Holanda que se poderá verificar se o direito interno, nomeadamente as normas relativas à retenção na fonte, em princípio violadoras do artº 63º do TFUE, como disse o Tribunal de Justiça, em 6 de Outubro de 2011, no proc. C-493/09, na situação concreta, constituem uma restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo indicado preceito.”

u) Assim, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não é inequívoco que os OIC portugueses que pagam dividendos a entidades também elas nacionais estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros países que efetuem operações semelhantes. E não se encontra provada a alegada ilegalidade da tributação dos referidos dividendos por restrição à livre circulação de capitais.

v) Ademais, à Administração Tributária não se mostra legítimo deixar de proceder à aplicação das normas legais vigentes e, no caso, aplicáveis, uma vez que adstrita ao princípio da legalidade, e, por isso, estritamente vinculada ao cumprimento da lei, conforme o art.º 3º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi alínea c), do art.º 2º da LGT.

w) Pelo que, é nosso entendimento que, não podendo nos termos expostos ser considerado o regime legal em apreço discriminatório, a posição do Impugnante, corroborada pela sentença recorrida, não tem fundamento legal, decorrendo a tributação do disposto no nº 4, do art.º 87º, na alínea c), do n.º 1, do art.º 94º, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 90º do CIRC e do nº 3, do art.º 22º do EBF à contrario.

x) Nestes termos, não pode o regime em causa ser configurado como tratamento uma violação do art.º 63º da TFUE, razão pela qual, a sentença recorrida ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento de direito, razão pela qual se impõe a sua anulação e substituição por outra, que mantenha na ordem jurídico-tributária, por legal, o ato de retenção na fonte de IRC impugnado.

1.3. Notificada da admissão do recurso e para, querendo, contra-alegar, veio a Recorrida a fazê-lo, formulando, a final, em defesa da manutenção da sentença recorrida, as seguintes conclusões:

«1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º 3085202104008421, relativo aos atos de retenção na fonte de IRC de 2019, consubstanciados nas guias n.º ...79, n.º ...51, n.º ...01 e n.º ...02, referentes aos períodos de abril, maio, junho e setembro de 2019;

2.ª Em linha com a jurisprudência do TJUE (cf. acórdão AllianzGI-Fonds AEVN contra Autoridade Tributária e Aduaneira, processo C-545/09, de 17.03.2022), o Tribunal a quo concluiu que o normativo constante do artigo 22.º, n.º 3, do EBF colide com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE, razão pela qual, determinou a anulação do ato sub judice;

3.ª Não se conformando com o decidido, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso imputando à sentença recorrida erro de julgamento de direito;

4.ª Entende a Fazenda Pública que as situações em confronto – OIC residente e OIC não residente – não são objetivamente comparáveis;

5.ª Neste ponto, cumpre trazer à colação o recente acórdão do TJUE, o qual se debruçou sobre do artigo 22.º, n.º 1 e n.º 3, do EBF com o princípio da livre circulação de capitais, tendo o TJUE concluído que “(…) o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.” (cf. acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, no processo n.º 545/19, de 17.03.2022);

6.ª Para efeitos de análise da comparabilidade – um dos elementos essenciais para aferir da existência de um tratamento discriminatório – a jurisprudência do TJUE tem vindo a eleger como critério de comparabilidade preponderante a sujeição a imposto do sujeito passivo (residente e não residente) [cf. acórdão Denkavit Internationaal (processo C-170/05, de 14.12.2006) e do acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (processo C-374/04, de 12.12.2006)];

7.ª No acórdão AllianzGI-Fonds AEVN (processo C-545/19, de 17.03.2022) considerou-se que “(…) a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes (…)” (sublinhado nosso);

8.ª A legislação interna coloca no mesmo plano, para efeitos de IRC, os fundos de investimento não residentes e os fundos de investimento residentes, uma vez que: (i) os fundos de investimento não residentes são tributados em sede de IRC pelos rendimentos obtidos em território nacional (cf. artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC), sendo os dividendos por estes auferidos em território nacional sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% [cf. artigos 94.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea c), e 87.º, n.º 4, ambos do Código do IRC], ao passo que (ii) os fundos de investimento residentes são tributados em sede de IRC (cf. artigo 22.º, n.º 1, do EBF), mas beneficiam de uma exclusão de tributação dos dividendos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF);

9.ª Verifica-se assim que o critério de distinção estabelecido pela legislação portuguesa assenta exclusivamente no lugar da residência dos OIC, sujeitando apenas os OIC não residentes a uma retenção na fonte sobre os dividendos que auferem (cf. o referido acórdão AllianzGI-Fonds AEVN);

10.ª Pelo que, a situação de um OIC residente em Portugal é, para este efeito, comparável à de um OIC não residente (cf., neste sentido, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 926/2019-T, n.º 11/2020-T, n.º 922/2019-T, n.º 68/2020-T, n.º 166/2021-T, n.º 32/2021-T, n.º 215/2021-T, n.º 345/2021-T, n.º 133/2021-T, n.º 214/2021-T, n.º 127/2021-T, n.º 821/2021-T, n.º 593/2021-T, n.º 134/2021-T, n.º 382/2021-T, n.º368/2021-T e n.º 817/2021-T, n.º 370/2021-T, n.º 623/2021-T, n.º 622/2021-T, n.º 621/2021-T, n.º 734/2021-T e n.º 129/2022-T, n.º 115/2022-T, n.º 620/2021-T, n.º 121/2022-T, n.º 545/2021-T, n.º 624/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 83/2021-T, n.º 746/2021-T, n.º 128/2022-T, n.º 135/2022-T, n.º 116/2022-T, n.º 114/2022-T, n.º 445/2022-T, n.º 663/2022-T, entre outras);

11.ª No que concerne à análise da comparabilidade, o TJUE tem também feito apelo ao propósito ou objetivo pretendido pelo legislador nacional [cf. neste sentido, os acórdãos AllianzGIFonds AEVN (processo C-545/19, de 17.03.2022) e Orange European Smallcap Fund, processo n.º C-194/06)];

12.ª O regime consagrado no artigo 22.º do EBF foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o qual teve como desiderato conferir uma maior competitividade aos OIC e, por outro lado, eliminar a dupla tributação económica que anteriormente existia quanto ao rendimento pago pelos OIC aos investidores (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro);

13.ª In casu, a aplicação de idêntico regime aos OIC não residentes, com a exclusão de tributação dos dividendos auferidos em território nacional, em momento algum põe em causa o propósito de eliminar a dupla tributação económica, mostrando-se, aliás, conforme ao mesmo, visto que os investidores do Recorrido estão sujeitos a tributação;

14.ª A Fazenda Pública sustenta que para efeitos da análise de comparabilidade deverá ser relevado o tratamento conferido em sede de Imposto do Selo (cf. verba 29 da TGIS);

15.ª Todavia, salvo o devido respeito não assiste razão à Fazenda Pública, uma vez que o Imposto do Selo não visa tributar o rendimento, mas o valor líquido global do OIC;

16.ª De facto, está em causa a tributação de uma realidade distinta – valor líquido do OIC – que, desde logo, não é suscetível de comparação com a tributação sobre o rendimento auferido – dividendos – e, que por outro lado, não releva qualquer diferença de tratamento ao nível do rendimento auferido por um OIC residente;

17.ª Neste sentido se pronunciou já a jurisprudência do TJUE no aludido acórdão AllianzGIFonds AEVN e ainda a jurisprudência arbitral (cf. neste sentido, exemplificativamente, decisão proferida no processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019);

18.ª Carece de absoluto fundamento a invocação pela Fazenda Pública do regime de participation exemption, visto que tal regime não constitui objeto da presente análise e, para além disso, a existência deste regime não coloca residentes e não residentes numa situação comparável;

19.ª E a este entendimento não se pode contrapor a jurisprudência do acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek (cf. processo n.º 252/14, de 02.06.2016), pois naquele caso os objetivos pretendidos pela norma de direito interno “(…) não pode ser alcançado pela tributação dos dividendos recebidos pelos fundos de pensões não residentes em conformidade com o método da taxa fixa (….)”, ou seja, por tributação em moldes idênticos aos dividendos auferidos por fundos de pensões residentes;

20.ª Em face do exposto, resulta evidente que o Recorrido se encontra numa situação objetivamente comparável à de um fundo de investimento residente;

21.ª Acresce que Recorrido não logrou demonstrar que o imposto pago em Portugal não foi recuperado no Estado da residência, uma vez que o Recorrido juntou aos presentes autos cópia da declaração de rendimentos (cf. doc. n.º 1 do requerimento de 18.12.2023)., tendo o Tribunal a quo dado como provado que “No período de tributação em que obteve os aludidos dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal, nos termos referidos no ponto anterior (…).” [cf. alínea 7) do probatório da sentença recorrida, p. 4];

22.ª Pelo que o Recorrido logrou fazer prova de que não deduziu no Estado da residência o imposto suportado em Portugal;

23.ª Sem prejuízo, acresce referir que a jurisprudência do TJUE tem vindo a defender que os Estados-membros não se podem eximir do cumprimento das obrigações, in casu de assegurar a liberdade de circulação de capitais, nem pôr em causa o funcionamento do mercado interno, com fundamento no (desconhecimento quanto ao) tratamento que é conferido a determinado rendimento pelo Estado da residência [cf. acórdão Focus Bank ASA (processo E-1/04 de 23.11.2004)];

24.ª De notar que a Fazenda Pública se limita a invocar a possibilidade de eliminação da dupla tributação pela CDT, sem, contudo, fazer prova, a qual lhe era exigida (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2143/05.5BELSB);

25.ª Em face do exposto, resulta evidente que o Recorrido se encontra numa situação objetivamente comparável à de um fundo de investimento residente;

26.ª A jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que o tratamento diferenciado em matéria de tributação de dividendos em função de o OIC ser residente ou não residente, configura um tratamento discriminatório [cf. neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC SA (processo C-338/11, de 10.05.2012) e acórdão Fidelity Funds (processo C-480/16, de 21.06.2018)];

27.ª Mais recente esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/19, de 17.03.2022, o qual se debruçou sobre o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF;

28.ª Também o Supremo Tribunal Administrativo, num caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, concluiu que o regime sob análise colide com a livre circulação de capitais (cf. acórdão de 13.09.2023, processo n.º 715/18.7BELRS);

29.ª Assim, resultando amplamente demonstrado que o Recorrido foi sujeito a um tratamento discriminatório, no que respeita à tributação dos dividendos auferidos em território nacional, não pode senão concluir-se que o artigo 22.º do EBF encerra uma violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, devendo o presente recurso ser julgado improcedente;

30.ª Sem prejuízo do exposto, caso se considere não assistir razão ao Recorrido, no que não se concede, porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE. A questão a apreciar pelo TJUE seria a seguinte: “É compatível com os artigos 63.º e 65.º do TFUE a disposição de direito nacional em causa nos presentes autos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF) que prevê um tratamento fiscal diferenciado para os dividendos distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro em função da residência do Organismo de Investimento Coletivo (OIC) que os aufere, excluindo de tributação os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um OIC residente, mas sujeitando a tributação os mesmos dividendos quando pagos a um OIC não residente?”

1.4. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso jurisdicional, com a douta fundamentação que infra na parte directamente pertinente se reproduz:

«a) Interpretação do TFUE (liberdade de circulação de capitais)

4. Em substância, a questão controvertida é uma questão de interpretação do Direito (convencional ou primário) da União Europeia.

Com efeito a "A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América (impugnante no processo a quo), que à data relevante, em 2019, era considerado residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, "recebeu dividendos a título da detenção de participações do mesmo no capital social de sociedades com sede em Portugal, no valor total bruto de €18.510.423,56, dividendos esses que foram sujeitos, em Portugal, a retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, tendo sido entregue nos cofres do Estado, a esse título, o valor total de €2.776.563,53, através das guias de retenção na fonte n.º 80528465279, n.º 80530371251, n.º 80532176901 e n.º 80537499202, referentes aos períodos de abril, maio, junho e setembro de 2019".

Assim sendo, a questão a julgar redunda em determinar se tais atos de retenção na fonte, aplicáveis aos OIC ("Organismo de Investimento Coletivo") não residente, mas não já aos OIC residentes, incorrem, ou não, em infração da liberdade fundamental de circulação de capitais, consagrada no 63.º, n.º 1, do TFUE, que dispõe: "No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros." — ou seja, com efeito material interno não apenas "entre Estados-Membros", mas, ainda, externo, "entre Estados-Membros e países terceiros", como é o caso, pois como vimos o interessado é um fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América e residente, para efeitos fiscais, nessa jurisdição.

5. Nas palavras da douta sentença a quo, "O dissídio prende-se com a questão de saber se o regime de tributação previsto no artigo 22.º n.ºs 1 e 3 do EBF, na parte em que estabelece um tratamento fiscal distinto relativamente aos rendimentos de capitais, prediais e de mais-valias obtidos por organismos de investimento coletivo, consoante estes sejam residentes ou não residentes em território português para efeitos fiscais, colide com o princípio da não discriminação em razão da residência e configura uma restrição à livre circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE" e, sendo o caso, "os actos impugnados padecem de ilegalidade, por violação dos artigos [...] 63.º do TFUE".

Estão em causa, portanto, segundo a douta sentença a quo, o artigo 22.º (Organismos de Investimento Coletivo), nas disposições conjugadas dos seus nºs 1 ("São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional") e n.º 3 ("Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1"), na redação vigente em 2019 (itálicos nossos).

Cremos que estará ainda em causa, uma vez que se trata de um regime diferenciado entre OIC residente em Portugal (não-retenção na fonte, com isenção do IRC) e OIC não residente (retenção na fonte, sem isenção de IRC), quanto a dividendos equiparáveis, embora tal não venha expressamente referido, pelo menos o preceituado no artigo 94.º do Código do IRC, n.º 1 (“O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: [...] c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade") e n.º 3 (“As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo: [...] b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.").

6. Ou seja, do ponto de vista do Direito interno, nomeadamente à luz dos princípios e preceitos constitucionais, a questão redunda em julgar se essas normas jurídicas internas são, ou não, incompatíveis com uma norma de direito primário da União, i.e. com a norma convencional expressa pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE, que goza de preferência aplicativa sobre aquelas primeiras, por força da vinculação convencional da República ao princípio do primado do Direito da União. Caso afirmativo, essa ilegalidade (enquanto “qualquer ilegalidade", hoc sensu, entendida como contrariedade com qualquer norma de hierarquia superior, constante do bloco de juridicidade, nomeadamente de fonte convencional, art. 99.º do CPPT) dos atos de retenção na fonte em causa, dará causa à desaplicação, no caso concreto, das normas jurídicas internas incompatíveis (arts. 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 4, da Constituição).

b) Precedentes jurisprudenciais

7. Sucede que o Tribunal de Justiça da União Europeia, a instituição com a função de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (art. 19.º, n.º 1, 2.a parte, do TUE), e com jurisdição necessária e facultativa para decidir, a título prejudicial, nomeadamente sobre a interpretação dos Tratados (art. 267.º, al. a), do TFUE), tem jurisprudência assente sobre a questão controvertida, num caso essencialmente igual ao caso agora a dirimir, estabelecida no acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção), de 17 de março de 2022, processo C-545/19, AllianzGI-Fonds AEVN contra Autoridade Tributária e Aduaneira, onde, depois de examinar minuciosamente todos os pressupostos de aplicação não apenas do n.º 1 do artigo 63.º, mas também do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, que prevê uma derrogação a tal liberdade económica fundamental, com respeito à legislação fiscal portuguesa em causa, concluiu declarando: “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção." (ECLI:EU:C:2022:193).

8. É certo que a AllianzGI-Fonds AEVN, ali interessada, é um OIC constituído ao abrigo da legislação alemã, e com sede na Alemanha, ou seja, num Estado-Membro da União. Mas a diferença é, para os nossos efeitos, irrelevante, na medida em que, como vimos, a liberdade fundamental de circulação de capitais, consagrada no 63.º, n.º 1, do TFUE, proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros", ou seja, tem também um efeito material, externo, “entre Estados-Membros e países terceiros", como é o caso dos Estados Unidos da América.

9. Ora, o dito aresto começou por concluir, quanto à liberdade de circulação aplicável, que “há que examinar a legislação nacional [fiscal de Portugal] em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE." (n.º 35).

10. Depois, apurou a existência de um tratamento desfavorável:

“38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constituir por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida)."

11. Seguidamente, apreciou o caso do ponto de vista dos pressupostos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, que prevê uma derrogação ao princípio fundamental da liberdade de circulação de capitais:

“40. Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. (…)

41. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]."

12. Justamente quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, depois de um largo e profundo exame, julgou: “Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis." (n.ºs 43 a 74).

13. Seguidamente, quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral, concluiu que “A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal." e, mais, “que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida." (n.ºs 75 a 84).

14. Assim, sendo, concluiu no sentido já referido: “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção".

15. Sendo certo, convém frisar, que a douta alegação da Rcte. em, essência, vem reiterar os argumentos tirados do “regime fiscal de abrangente" dos OIC residentes, nomeadamente da tributação em imposto do selo que, precisamente, foram refutados no aresto que temos vindo a parafrasear (conclusões l) a p) vs. n.ºs 52 a 57).

16. Convém ainda referir que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o efeito restritivo em causa, pode ser neutralizados, observadas certas condições, por uma Convenção destinada a evitar a dupla tributação (com um Estado terceiro):

“58. Quanto ao segundo aspecto, é certo que o Tribunal de Justiça já declarou que não se pode excluir que um Estado Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado através da celebração de uma Convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 71; Amurta, n.º 79; e Comissão/Itália, n.º 36).

59. Contudo, é necessário para esse efeito que a aplicação de semelhante Convenção permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, o Tribunal decidiu que só no caso de o imposto retido na fonte nos termos da legislação nacional poder ser imputado no imposto devido noutro Estado Membro até ao montante da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece (v. acórdão Comissão/Itália, já referido, n.º 37)." (Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção), de 3 de junho de 2010, processo C-407/08, Comissão Europeia contra Reino de Espanha)" (ECLI:EU:C:2010:310).

17. Porém, não será o caso, pois julgou a douta sentença recorrida que “Transpondo o entendimento perfilhado pelo TJUE para o caso dos autos, terá de se concluir que a restrição à livre circulação de capitais aqui em discussão apenas se poderia considerar neutralizada por efeito da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os EUA se o montante de imposto retido na fonte em Portugal tivesse sido integralmente deduzido pelo Impugnante no seu Estado de residência, ou seja, nos Estados Unidos da América. Ora, resulta da matéria de facto provada que, no período de tributação em que obteve os dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal (cfr. ponto 7) do probatório). Consequentemente, a restrição à livre de circulação de capitais resultante da diferença de tratamento fiscal dos dividendos obtidos por fundos de investimento mobiliário consoante estes sejam residentes ou não residentes em Portugal para efeitos fiscais não pode, à luz da jurisprudência do TJUE, considerar-se neutralizada por efeito da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América." (p. 22).

18. Finalmente, importa recordar que a “decisão prejudicial" é vinculativa não apenas inter partes, no processo de origem, mas mesmo erga omnes, com caráter geral, e nomeadamente pode constituir um ato ilícito, no quadro dos pressupostos que dão causa à responsabilidade dos Estados decorrente da violação do direito da União: “De qualquer modo, uma violação do direito da União é suficientemente caracterizada quando ocorreu com desrespeito manifesto pela jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria (v., designadamente, acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.º 57; acórdão de 28 de Junho de 2001, Larsy, C-118/00, Colect., p. I-5063, n.º 44; e acórdão Köbler, já referido, n.º 56)." acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção), de 25 de Novembro de 2010, processo C-429/09, Günter Fuß contra Stadt Halle (n.º 52, itálico nosso) – ECLI:EU:C:2010:717.

19. Mais: Esta doutrina já foi recebida e constitui jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário), como o ilustra, por último e por todos, o douto acórdão de 3 de julho de 2024, tirado no proc.º n.º 2467/21.4BELRS, que, num quadro de facto e legal essencialmente igual àquele ora em causa examinou a mesma questão, sistemática e claramente, concluindo nomeadamente pela verificação pressuposto da comparabilidade de situações (n.º 3, citando em abono copioso número de arestos do mesmo supremo tribunal).

20. Assim sendo, seguindo estes precedentes jurisprudenciais, por estarem fundados em diversos, completos e procedentes argumentos de bom Direito, concluímos que a douta sentença recorrida, do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.a UO, de 27 de março de 2024, não incorreu em erro de julgamento ao “concluir pela anulação dos actos de retenção na fonte impugnados, com a consequente condenação da Fazenda Pública a restituir ao Impugnante o montante de imposto indevidamente pago.".

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Tendo presente o que deixámos exposto, são, no essencial, duas as questões colocadas neste recurso:

(i) Saber se o facto de a legislação fiscal nacional sujeitar os OIC residentes e não residentes a um regime tributário diverso (como aquele que se descreve nos autos e que aqui nos dispensamos de reproduzir) implica que uns e outros não se possam considerar em situação comparável;

(ii) Saber se, em caso afirmativo, o tratamento discriminatório pode ser neutralizado por via da aplicação da CDT e a eliminação dos seus efeitos permite compatibilizar o regime fiscal em causa com o princípio comunitário da livre circulação de capitais.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª Instância foram considerados como provados e com relevo para a decisão da causa os seguintes factos:

1) O Impugnante é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com a legislação dos Estados Unidos da América (EUA) – cfr. fls. 42-49 do processo administrativo (PA); facto não controvertido.

2) O Impugnante reúne capital de investidores, que, por sua vez, investe em acções de sociedades – cfr. fls. 42-49 do PA; facto não controvertido.

3) Os riscos do investimento referido no ponto anterior são partilhados pelos investidores cfr. fls. 42-49 do PA; facto não controvertido.

4) Em 2019, o Impugnante era considerado residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América – cfr. fls. 51 do PA; facto não controvertido.

5) Nos meses de Abril, Maio, Junho e Setembro de 2019, foram pagos ao Impugnante dividendos relativos a participações no capital social de sociedades com sede em Portugal, no valor total bruto de €18.510.423,56 – cfr. fls. 53 e seguintes do PA; facto não controvertido.

6) Tais dividendos foram sujeitos, em Portugal, a retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, tendo sido entregue nos cofres do Estado, a esse título, o valor total de €2.776.563,53, através das guias de retenção na fonte n.º ...79, n.º ...51, n.º ...01 e n.º ...02, referentes aos períodos de abril, maio, junho e setembro de 2019 – cfr. fls. 53 e seguintes do PA; facto não controvertido.

7) No período de tributação em que obteve os aludidos dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal, nos termos referidos no ponto anterior – cfr. documento junto com a resposta de 18/12/2023 - fls. 234-1923 dos autos em suporte electrónico.

8) O Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de retenção acima indicados – cfr. fls. 1 e seguintes do PA.

9) Em 25-10-2021, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, com os seguintes fundamentos – cfr. fls. documentos n.ºs 2 e 3 da p.i. e fls. não numeradas do PA:

«3- Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do art.º 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte,

4- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (3), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF (4), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (5), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015 (6).

5- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.

6- Tal exclusão não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação dos Estados Unidos da América -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.

7- Tal interpretação decorre do elemento teleológico, ou seja, dos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC´s portugueses no plano internacional (7).

8- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE (8), concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.

9- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

10- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta(9), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.

11- Cumpre referir que, não compete à AT. avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo(10) , atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP.

12- E, por outro lado, não pode a AT. aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE (11), quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

13- Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pelo Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, até à data, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.

14- Todavia, e sem conceder, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (12), “(…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)” considerando a autora que, “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

15- Realçando-se que, contrariamente ao que sucede com os OIC´s que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, os OIC´s constituídos e que operem ao abrigo da legislação nacional serão tributados em sede de Imposto do Selo (verba 29 da TGIS) e sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do n.º 11 do art.º 88.º do CIRC, conforme resulta do n.º 8 do art.º 22.º do EBF.

16- De salientar ainda que, as referidas decisões arbitrais apenas produzem efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos.

17- Pelo exposto, é de indeferir o pedido.

18- Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do art.º 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.»

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Conforme resulta da delimitação do recurso jurisdicional estão suscitadas nos autos duas questões: (i) saber se o facto de a legislação fiscal nacional sujeitar os OIC residentes e não residentes a um regime tributário diverso (como aquele que se descreve nos autos e que aqui nos dispensamos de reproduzir) implica que uns e outros não se possam considerar em situação comparável; (ii) saber se, em caso afirmativo, o tratamento discriminatório pode ser neutralizado por via da aplicação da CDT e a eliminação dos seus efeitos permite compatibilizar o regime fiscal em causa com o princípio comunitário da livre circulação e capitais.

3.2.2. Sobre tais questões tem vindo este Supremo Tribunal Administrativo a debruçar-se recorrente e muito recentemente, em processos com as mesmas partes e com sentenças, conclusões de recurso e contra-alegações praticamente idênticas aos que ora nos são apresentados para apreciação e julgamento.

3.2.3. Assim, por subscrevermos integralmente os julgamentos que foram realizados a 3 de Julho de 2024 nos processos 2467/21.4BELRS, 758/19.3BELRS e 766/19.5BELRS, que, de resto, no que ao primeiro diz respeito, subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta, e acompanhados, ainda, complementarmente, pelo teor do parecer do Ministério Público, é pelo acolhimento da fundamentação exarada nos identificados arestos, que decidimos o recurso que nestes autos nos foi dirigido, tanto mais que, não foi aduzido nenhum argumento de facto ou de direito novo cuja consideração eventualmente nos determinasse a inflectir a nossa posição.

3.2.4. Há, pois, que julgar improcedente o recurso, sendo determinada a final a notificação do presente acórdão com cópia dos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 758/19.3BELRS e 2467/21.4BELRS, uma vez que nenhum dos mencionados arestos se encontra ainda publicado em www.dgsi.pt

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, cujos pressupostos se julgam verificados e tendo em conta, além do mais, a natureza integralmente remissiva do acórdão, de que derivou a menor complexidade no julgamento da causa.

Registe e notifique com cópia dos acórdãos proferidos a 3 de Julho de 2024 nos processos n.º 758/19.3BELRS e 2467/21.4BELRS.

Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.

Nota: Os acórdãos supra identificados encontram-se tratados e divulgados informaticamente nesta base de dados.