Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0424/10.5BESNT
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32460
Nº do Documento:SA2202407030424/10
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

1

A..., S.A., …, (que incorporou, por processo de fusão, a B..., Lda., anteriormente, com a firma C... Portugal, Lda.) interpôs recurso de revista (excecional) de acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 16 de novembro de 2023 (Concedeu provimento a recurso jurisdicional, interposto de sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra e julgou improcedente impugnação judicial (“contra os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nºs. …68, …70, …72, …74, …76, …78, …80, …82, …84, …86, …98 e …90 e de juros compensatórios nºs. …69, …71, …73, …75, …77, …79, …81, …83, …85, …87, …89 e ….91, referentes ao ano de 2006, no valor total de € 1.504.215,49”).).

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Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 10 de abril de 2024, foi decidido admitir a revista.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, entendendo que “deve ser decretada a suspensão da presente instância, até ser proferida decisão interpretativa do Tribunal de Justiça sobre a questão prejudicial que lhe foi submetida, neste recuso de revista excecional (arts. 267.º, alínea a), do TFUE, 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1 e 3, do CPC, ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT)”.

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2

A matéria de facto, estabilizada/provada neste processo, é a seguinte: «


(A.) A Impugnante, C... Portugal, Lda. (adiante C... P), desenvolve a actividade de comércio de veículos automóveis, inserindo-se num grupo económico que produz e distribui veículos (SUP), peças e acessórios (P&A) (facto não controvertido);
(B.) Integram este grupo económico empresas com as funções de: Original Equipment Manufacturers (OEMs), que produzem e/ou fornecem os produtos às National Sales Companies ou National Sales Organizations; as National Sales Companies ou National Sales Organizations (NSCs/NSOs) que procedem à distribuição desses produtos para um mercado previamente definido em termos geográficos; e as Contract Assemblers, que procedem à montagem dos produtos para as OEMs de acordo com as instruções destas (facto não controvertido);
(C.) Na cadeia de produção, a Impugnante exerce as funções de NSC/NSO, adquirindo veículos aos fabricantes europeus (OEMs) do Grupo C... (facto não controvertido);
(D.) Os veículos adquiridos são revendidos a concessionários portugueses independentes que posteriormente os vendem a clientes finais (facto não controvertido);

(E.) Em caso de defeitos de fabrico, o cliente final apresenta-se perante o concessionário para reparação dos mesmos, nas instalações destes (facto não controvertido);

(F.) Posteriormente, os concessionários portugueses debitam à Impugnante os custos em que incorreram com a reparação das viaturas, liquidando o respectivo IVA (facto não controvertido);

(G.) As reparações de veículos poderão ocorrer nas seguintes situações: (i) anomalias resultantes de deficiências no processo de produção dos veículos automóveis, peças e acessórios (Recall Campaigns); (ii) anomalias relacionadas com garantias dos veículos (Policy and Warranty); e (iii) procedimentos conexos com assistência em viagem (Road Side Assistance) (facto não controvertido);

(H.) A Impugnante comunica aos fabricantes europeus do Grupo C... os custos que suporta com a distribuição das viaturas, peças e acessórios por ele produzidas (cfr. depoimento da testemunha AA);

(I.) Estes custos compreendem os custos com a reparação das viaturas, referidos na alínea G. supra, bem como os custos operacionais da Impugnante, designadamente os custos com pessoal, electricidade, marketing (cfr. depoimento da testemunha AA);
(J.) Em função dos custos apurados é feito um ajustamento do preço dos veículos vendidos à Impugnante pelos fabricantes europeus do Grupo C... (cfr. acordo celebrado em 2004 entre as empresas do grupo C... de fixação dos preços de transferência dos veículos transaccionados que consta do “C... Europe (..E) Transfer-pricing procedure for Sales of new finished vehicles (SUP) and related after-market parts and acessories (P & A)”, doc. 1 junto com a p.i., a fls. 48 a 67 dos autos, que se dá por reproduzido);

(K.) Nos termos do referido acordo, “(…) [a] C... Corporation (“C...”) e as suas filiais da C...E utilizam um procedimento de fixação de preços assente no mercado, para fixar os preços de transferência dos produtos SUP/P&A, vendidos pelas unidades de fabrico da C... (“OEMs”) às unidades de distribuição. Os preços (…) são fixados mediante a dedução aos preços de venda externos do montante correspondente aos custos de distribuição conexos e do lucro operacional visado (“TOP”).
À luz do procedimento da C… E, os preços iniciais de transferência são determinados para cada período de referência, com base num desconto marginal bruto aos preços de venda externos previstos. No termo de cada período, é feito um ajustamento do preço de transferência ao lucro operacional predefinido da unidade de distribuição, de forma a fazer o lucro operacional real da unidade coincidir com o lucro operacional visado. (…)” (cfr. cláusula 1.0 do acordo junto como doc. 1);
(L.) Decorre ainda deste acordo que: “(…) [o]s preços iniciais de transferência serão ajustados no final de cada período de referência, para garantir que os resultados financeiros reais da unidade de distribuição serão consistentes com o lucro operacional que fora fixado. (…) Este ajustamento deverá ser feito (…) no respectivo período, e um acréscimo/decréscimo correspondente deverá ser feito nos livros de contabilidade da unidade de venda (OEMs)” (cfr. cláusula 4.0 do acordo junto como doc. 1);

(M.) Este ajustamento do preço de venda dos veículos é titulado através da emissão de uma nota de crédito ou de débito dos fabricantes europeus do Grupo C... à Impugnante (cfr. doc. 1 e 2 juntos aos autos com as alegações, a fls. 291 a 304 dos autos, complementado com o depoimento da testemunha AA);

(N.) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...89, de 02.02.2009, a Impugnante foi alvo, por parte dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da DF de Lisboa, de uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, aos elementos contabilísticos e fiscais, relativa ao exercício de 2006 (cfr. p. 8 do relatório de inspecção tributária (adiante, RIT), a fls. 156 a 251 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);
(O.) Em 10.12.2009, foi elaborado o relatório final, do qual se destaca, na parte relevante, o seguinte:
(…) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…) III.3 Imposto sobre o valor Acrescentado
(…) III.3.2 Falta de liquidação de IVA em prestações de serviços
No grupo C... a produção e distribuição de veículos automóveis, peças e acessórios (de ora em diante designados SUP e P&A, respectivamente) são asseguradas por empresas que desenvolvem uma ou mais das seguintes funções:
 Original Equipmento Manufacturer (OEM) (…)

 As NSCs/NSOs (…)

 “Contract assembler” (…)
Na consulta ao Dossier de Preços de Transferência verificou-se constar do “Contrato de Procedimento dos Preços de Transferência da C...E”, o cálculo dos ajustamentos por trimestre “retro price adjustments”, bem como as notas de débito emitidas pelos Original Equipment Manufacturer (OEM´s) ou seja pelas fábricas.
Analisámos os mapas que servem de suporte aos referidos ajustamentos tendo verificado que existem várias operações que se repercutem no cálculo dos mesmos, nomeadamente os seguintes:
- “Recall campaigns” (…).
- “Policy & Warranty” (…).
- “Road side assistance” (…).
(…) Da consulta aos diversos elementos apresentados pelo sujeito passivo, nomeadamente dos contratos celebrados entre a C... Portugal e aos OEM’s, constantes no Dossier de Preços de Transferência apresentado pelo sujeito passivo, verificámos ser da responsabilidade das OEM’s a resolução desse tipo de situações, dado serem estas entidades a procederem ao fabrico e/ou montagem de SUP e P&A.
(…) Assim, todos estes custos pós-venda são suportados pela C... Portugal, numa primeira fase, fazendo-os posteriormente repercutir nas respectivas OEM´s. Estes custos são devidamente apurados, fazendo necessariamente parte dos relatórios trimestrais apresentados aos fabricantes, os quais com base nesses elementos procedem ao aferimento/ajustamento da margem de lucro previamente determinada. Neste contexto (…) podem levar a que os ajustamentos sejam a favor da C... P ou a favor do fabricante.
Esta particularidade, atento o facto de serem as OEM’s a emitir os documentos que suportam os ajustamentos, e não o sujeito passivo conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA representa na prática, um processo de substituição das entidades que devem proceder à facturação.
(…) Em sede de imposto sobre o valor acrescentado, são tributáveis os serviços prestados por um prestador nacional sobre bens móveis que não sejam expedidos para fora do território nacional, ainda que o adquirente seja um sujeito passivo registado para efeitos de IVA noutro estado membro, considerando-se verificado essa condição quando os bens são meios de transporte com registo ou matrícula em território nacional, conforme resulta da conjugação dos n.º (s) 4, 20 e 21 do Artigo 6.º do Código do IVA.
Considera-se assim que os serviços prestados pelo sujeito passivo às OEM’s localizam-se em território nacional e como tal estão sujeitos a IVA pela alínea a) do n.º 1 do Artigo 1.º do Código do IVA.
(…) De acordo com os valores facultados pelo sujeito passivo à decomposição dos registos a título de ajustamentos de preços, conforme Anexo VI, folhas 19 a 21, os encargos a facturar com as situações anteriormente descritas (campanhas de recolha dos SUP e das P&A, garantias e assistência em viagem), deduzidos dos ajustamentos aos preços cifram-se no valor total de € 6.352.516,47 (…) resultando imposto em falta no montante de € 1.334.028,47 (…).” (cfr. RIT);
(P.) Na sequência da acção inspectiva referida na alínea antecedente, em 23.12.2009, foram emitidas, em nome da Impugnante, as liquidações adicionais de IVA nºs. ...68, ...70, ...72, ...74, ...76, ...78, ...80, ...82, ...84, ...86, ...98 e ....90 e de juros compensatórios nºs. ...69, ...71, ...73, ...75, ...77, ...79, ...81, ...83, ....85, ...87, ...89 e ...91, referentes ao ano de 2006, no valor total de € 1.504.215,49, com data limite de pagamento voluntário a 28.02.2010 – cfr. docs. 3 e 4 juntos com a p.i., a fls. 110 a 134 dos autos;

(Q.) Em 26.02.2010, a Impugnante efectuou o pagamento do IVA no valor de € 1.339.047,03 (cfr. doc. 5 junto com a p.i., a fls. 136 a 147 dos autos);
(R.) Em 07.05.2010, a Impugnante constituiu garantia junto do Banco 1... destinada a suspender o processo de execução fiscal n.º ...94, instaurado por falta de pagamento dos juros compensatórios referidos na alínea P. supra, no valor de € 220.265,69 (cfr. fls. 160 a 177 dos autos).»

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Como decorre da factualidade relevante e é destacado na decisão da formação preliminar, que teve intervenção nos autos, está “claramente definido o modo pelo qual a recorrente imputa os custos decorrentes das garantias aos fabricantes, bem como o modo pelo qual os fabricantes procedem ao acerto dos preços”, isto é, a impugnante/recorrente comunica, aos fabricantes europeus do Grupo C..., os custos que suporta com a distribuição das viaturas, peças e acessórios por ele produzidas, os quais (custos) compreendem os incorridos com a reparação das viaturas, respeitantes a anomalias resultantes de deficiências no processo de produção dos veículos automóveis, peças e acessórios (Recall Campaigns), anomalias relacionadas com garantias dos veículos (Policy and Warranty) e procedimentos conexos com assistência em viagem (Road Side Assistance), bem como, os custos operacionais da impugnante, designadamente, com pessoal, electricidade, marketing, sendo que, os concessionários portugueses debitam, à impugnante, os custos em que incorreram com a reparação das viaturas, liquidando o respetivo IVA.

Sequentemente, com base nos custos apurados é feito um ajustamento do preço dos veículos vendidos, à impugnante, pelos fabricantes europeus do Grupo C..., nos termos de acordo celebrado, em 2004, entre as empresas do grupo, de fixação dos preços de transferência dos veículos transacionados, sendo tal ajustamento (do preço de venda dos veículos) titulado pela emissão de uma nota de crédito ou de débito, dos fabricantes europeus do Grupo C..., à impugnante.

O artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (ex-artigo 234.º TCE) aponta ser o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) competente para decidir, a título prejudicial, sobre, além da interpretação dos Tratados, a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, estabelecendo, como regras: «

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.»

No presente processo impugnatório, estando, de forma determinante e condicionante, em litígio a interpretação do alcance de uma disposição legal/normativa constante de ato adotado por entidade comunitária (direito da União) e porque da decisão que vier a ser tomada por este Tribunal não cabe recurso (salvo para, eventual, uniformização de jurisprudência e/ou verificação de inconstitucionalidades), objetivando respeitar o princípio comunitário da interpretação conforme, reputa-se necessária (porque, acrescendo, prescrita no acórdão onde se admitiu esta revista) pronúncia, a título prejudicial, do TJUE, sobre a seguinte questão:

O artigo 2.º da Sexta Diretiva do IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme), vigente à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de o conceito, de prestação de serviços efetuada a título oneroso, aí previsto, abranger um ajustamento do preço de venda de veículos, devidamente estabelecido e concretizado num acordo celebrado entre as partes, com vista à obtenção de uma margem de lucro mínima, sendo esse ajustamento do preço de venda dos veículos titulado através da emissão de uma nota de crédito ou de débito dos fabricantes europeus do Grupo C... à impugnante/recorrente?


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3

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- submeter, à apreciação do TJUE, a questão prejudicial enunciada, imediatamente supra;

- suspender esta instância, até que seja emitida e comunicada pronúncia do TJUE;

- ordenar a transmissão do pedido, à Secretaria do TJUE, por via eletrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).


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Tributação, a final.

(DN)


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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 3 de julho de 2024. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Fernanda de Fátima Esteves.