Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0415/14.7BEVIS 0346/18
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
INSUFICIÊNCIA DE BENS
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - O nº 2 do art. 23º da L.G.T., em que se prevê genericamente a reversão na dependência de “fundada insuficiência de bens”, no entendimento tido de que, constando a declaração de insolvência da executada em execução fiscal já instaurada, ser ainda ónus da A.T. comprovar essa insuficiência, não é ao presente caso aplicável;
II - A reversão podia ter fundamento na norma contida no artigo 23º nº 7 da L.G.T., no qual se previu estar contido no nº 3 um “dever de reversão”, aplicável no caso de insolvência da executada e remessa à mesma do processo de execução fiscal;
III - Desta última norma resulta ainda a interpretação da execução, após o termo do prazo de oposição, ter de ficar sustada, até à completa excussão do património da executada no processo de insolvência, bem como de apenas posteriormente a tal poder prosseguir.
Nº Convencional:JSTA000P26933
Nº do Documento:SA2202012160415/14
Data de Entrada:02/06/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Processo n.º 415/14.7BEVIS (Recurso de Revista)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor Recurso de Revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 21-12-2017, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela mesma Recorrente com referência à sentença do TAF de Viseu que julgou procedente a Oposição deduzida por A…………….. na execução fiscal n.º 2542201201006983, instaurada no Serviço de Finanças de Lamego originariamente intentada contra a sociedade B…………, Lda., e contra si revertida, por dívidas provenientes de IVA e juros de mora do ano de 2009, no valor de € 5.708,72


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. O presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

2. Efetivamente, o acórdão em recurso contradiz a jurisprudência do STA vertida em diversos acórdãos, entre os quais o acórdão de 17.12.2014, processo 01199/13.

3. O art. 23.º, n.º 2 da LGT prevê que a AT deve, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário e ainda que não esteja definido com precisão o valor da insuficiência, reverter a execução contra os responsáveis subsidiários.

4. O art. 23.º, n.º 7 do mesmo diploma estende esse dever de reversão aos casos em que haja declaração de insolvência e tenha sido solicitada a avocação dos processos ao abrigo do art. 181.º, n.º 2 do CPPT.

5. Da conjugação das citadas normas decorre que, da declaração de insolvência da pessoa colectiva, emergem fortes indícios de insuficiência de bens penhoráveis.

6. Em caso de insolvência da devedora originária, e no que ao requisito da “fundada insuficiência de bens penhoráveis” diz respeito, só não deverá ser efectivada a reversão, se existirem elementos nos autos que, comprovadamente, demonstrem a existência de bens penhoráveis da devedora originária suficientes para fazer face às quantias exequendas reclamadas nos respectivos processos executivos, como será o caso de existirem bens hipotecados a favor da Fazenda Nacional.

7. Se assim não fosse, a utilidade prática do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT seria totalmente nula.

8. Ao decidir em sentido contrário, o acórdão em recurso violou o disposto no n.º 2, 3 e 7 do art. 23.º da LGT.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências.”

O Recorrido A…………….. contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.

Em apreciação preliminar sumária, foi admitida a revista.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso de revista.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em proceder à interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor, tendo como pano de fundo a situação de insolvência do devedor originário.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta do Acórdão recorrido o seguinte:

“…

A) Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lamego, referente à sociedade B……………, Lda., constam, entre outras, as seguintes inscrições:

N.º 7 Ap. 04/20040423
FACTO: DESIGNAÇÃO DE GERÊNCIA
GERENTE: A………………….
DATA:20040331
[…]
N.º 8 Ap. 06/20050128
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: ACÇÃO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA.
REQUERENTE: “B………………….., LDA”.
PEDIDO: A adopção de medidas de recuperação.
GESTOR JUDICIAL: C…………………….
COMISSÃO DE CREDORES: MEMBROS EFECTIVOS – Banco ……………., S.A., presidida por ……………., e Banco …………, S.A. MEMBRO SUPLENTE: - ……………. Ld.ª
Foi proferido despacho de prosseguimento da acção, transitado em julgado em 11/10/2004.
[…]
N.º 9 Ap. 01/20060308
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA.
CAUSA: Decisão judicial.
[…] – cfr. fls. 33/37 dos autos.
B) Em 18/03/2004, B………………. e D……………., na qualidade de gerentes, em representação da sociedade comercial B………….., Lda., outorgaram uma procuração a favor de A……………, aqui oponente, conferindo-lhe “todos os poderes de gerência e de representação social da sociedade, integrados no âmbito da competência de gerência” – cfr. fls. 50/52 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 27/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária, os sócios da sociedade B…………….., Lda., tendo sido lavrada a ata n.º 7, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
“[…]
1. – Deliberar sobre a nomeação de gerente (s), em virtude da gerente D…………….., se pretender apartar da sociedade.
2. – Discussão e votação da proposta para que seja requerido um Processo Especial de Recuperação, nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/98, de 20.10 e do Decreto-lei n.º 316/98, de 20.10.
Tomou a presidência da assembleia o sócio B…………………...
Seguidamente, passou-se de imediato ao ponto 1 da Ordem de trabalhos e uma vez que a gerente D………………., se pretendeu apartar foi decidido por unanimidade, que a partir desta data fosse nomeado como único gerente o sócio B…………………
Passando ao ponto 2 e último, o Presidente começou por referir que existia na empresa a perfeita consciência de que esta sociedade está a atravessar graves dificuldades de tesouraria e com prejuízos nas obras em curso. Ora, os factos e circunstâncias descritos deixam antever que dentro de curtíssimo prazo esta sociedade vai entrar em situação de incumprimento generalizado perante os credores, por falta de capacidade financeira e também por falta de crédito, pois a sociedade está impossibilitada para fazer face à generalidade das obrigações que antes foram contraídas perante terceiros, nomeadamente fornecedores e instituições financeiras. Isto posto, o presidente da assembleia pôs à votação a proposta contida no segundo e último ponto da ordem de trabalhos, que foi aprovada por unanimidade. […] – cfr. fls. 21 dos autos.
D) Em 29/03/2004, deu entrada no Tribunal Judicial de Lamego, o processo especial de recuperação de empresa apresentado pela sociedade devedora originária, que aí correu seus termos no 2.º Juízo, sob o n.º 244/04.6TBLMG – cfr. fls. 22/28 dos autos.
E) Em 31/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária os sócios da sociedade B…………………., Lda., tendo sido lavrada a ata n.º 8, da qual se extrai o seguinte:
[…]
1. Deliberar sobre a renúncia de gerência do sócio gerente Senhor B……………, em virtude deste ter apresentado uma carta datada de ontem, dirigida à sociedade, na qual pretende afastar-se da gerência da sociedade.

2. Deliberar sobre a nomeação de um gerente para a sociedade, nos termos do número três do artigo quarto do pacto social;

3. Deliberar sobre a remuneração a pagar ao gerente a nomear, nos termos do número dois do citado artigo e pacto;
Tomou a presidência da assembleia a sócia Maria Fernanda de Almeida Santos Rodrigues.
Seguidamente passou-se à discussão do ponto um da ordem de trabalhos e, uma vez que o gerente B…………….. pretende renunciar à gerência, foi decidido por unanimidade que, a partir desta data, deixa de exercer a gerência da Sociedade.
Passou-se de seguida à discussão do segundo ponto, tendo o sócio B……………….. proposto que seja nomeado o trabalhador da Empresa Senhor A…………….. casado, natural da freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra e residente na Rua …………, número …….., ………… em Lamego, para exercer o cargo de gerente, com dispensa de caução, uma vez que o mesmo te vindo a desempenhar funções de procurador da gerência, e deliberado por unanimidade nomear para o cargo o atrás identificado A………………….
Por último deliberaram os sócios por unanimidade, fixar a remuneração ilíquida do gerente A……………….., em dois mil e quinhentos euros mensais, com direito ao uso de qualquer viatura da Empresa e respectivo combustível. […] – cfr. fls. 29 dos autos.
F) Com data de 02/04/2004, foi remetido à Conservatória do Registo Comercial de Lamego um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta,

“A………………, casado, solicitador com escritório em Lamego, na qualidade de gerente da sociedade comercial “B…………….., Lda.”, com sede no …………., freguesia de Várzea de Abrunhais, Lamego, C.F. …………., vem requerer a V. Ex.ª se digne conceder-lhe a desistência da apresentação 02, em 23/02/04, em virtude de ter sido indevidamente requerida […]”. – cfr. fls. 63 dos autos.
G) Em 28/10/2004, no âmbito do processo especial de recuperação de empresa foi proferido despacho judicial, do qual se extrai o seguinte:

“Nos termos do art.º 39º do CPEREF, o tribunal pode, em qualquer momento, a requerimento da comissão de credores, ou depois de ouvido o seu parecer, substituir o gestor judicial ou alterar os sus poderes (…).
A fls. 2540, veio o Sr. gestor nomeado, requerer a sua substituição, alegando se encontrar sobrecarregado com tarefas de formação e consultadoria que o afastariam do cabal desempenho das suas funções no âmbito do presente processo.
Ouvida comissão de credores, não foi feita qualquer oposição, não tendo igualmente sido manifestada qualquer oposição à nomeação do Sr. Dr. C………………. (devidamente inscrito na lista oficial).
Face a todo o exposto, e com vista a evitar maiores delongas, defiro a requerida substituição, passando doravante a exercer funções de Gestor Judicial o Sr. Dr. C…………..”. – cfr. fls. 30/32 dos autos.
H) Com data de 08/05/2005, foi remetido à Direção de Finanças de Viseu um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta,

“Conforme combinado ontem, tenho a honra de remeter a V. Ex.ª a fotocópia do Ofício n.º 7103 do Serviço de Finanças de Lamego, do qual constam as informações sobre dívidas a pagar aos serviços de Finanças de Lamego.
Em pedido verbal e pessoal ao Sr. Chefe de Finanças de Lamego, no mês de Dezembro de 2004, comprometeu-se o mesmo a indicar as dívidas desta empresa ao Fisco até ao dia 07 de Janeiro, mas, até esta data nada recebemos.
Muito gratos ficaríamos se, no mais curto espaço de tempo, nos fosse resolvida esta situação […].” – cfr. fls. 59 dos autos.
I) Com data de 16/05/2007, foi remetido ao Serviço de Finanças de Lamego um requerimento apresentado em nome da sociedade devedora originária, dele constando a assinatura do oponente, sobre o carimbo da empresa, com a indicação “O Gerente”, e do qual consta:
“B………………, Lda., sociedade comercial por quotas com sede no ………., freguesia da Várzea de Abrunhais, concelho de Lamego, c.f. ………….., vem requerer a V. Ex.ª se digne mandar certificar se, relativamente ao veículo pesado de mercadorias, marca DAF modelo TE 47 W335, matrícula ……….., existe Imposto de Circulação em Dívida, atendendo a que não se encontra em circulação e, em caso afirmativo, se sobre a mesma viatura consta qualquer auto de notícia activo por infracção ao Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem, no âmbito do art.º 11.º do mesmo Regulamento. […]” – cfr. fls. 60 dos autos.
J) Em 08/07/2010, o Serviço de Finanças de Lamego instaurou contra a sociedade comercial B………………, Lda., NIPC B……….., com sede no ……… – Várzea de Abrunhais, 5100 Várzea de Abrunhais, Lamego, o processo de execução fiscal n.º 2542201001010930, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS- retenções na fonte de dezembro de 2008, no montante de 2.340,00 € - cfr. fls. 1 do PEF apenso aos autos.
K) Entre 31/03/2004 e 01/03/2010, para efeitos de pagamento de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, o oponente esteve enquadrado como membro de órgão estatutário. – cfr. fls. 53 dos autos.
L) Por sentença de 29/01/2014, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 819/13.2 TBLMG, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, tendo sido nomeado Administrador de Insolvência E………….. – cfr. fls. 44/45 dos autos.
M) Em 21/02/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Lamego emitiu projeto de reversão, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“[…]
PROJECTO DA REVERSÃO
Fundamentos de emissão central
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante dos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais.
[…]”.
- fls. 2 do PEF apenso aos autos.
N) O oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de reversão por ofício datado de 23/02/2014. – cfr. fls. 5 verso do PEF apenso aos autos.
O) Em resposta, o oponente apresentou o requerimento constante de fls. 3/5 do PEF apenso aos autos.
P) Em 03/04/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho de reversão, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 25/28 do PEF apenso aos autos
C) O oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, em 08/04/2014 – cfr. fls. 29/30 do PEF apenso aos autos.

Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente os factos vertidos nos artigos 25.º, 26.º, 32.º e 41.º da petição inicial (…)”

3.1 Ao abrigo do disposto no art.º 662.º do CPC, por se mostrar incompleto, reformula-se o facto P) e por nos autos existirem documentos que o comprovem:
P) Em 03/04/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho de reversão, com o seguinte teor:





(…)” - cfr. fls. 25/28 do PEF apenso aos autos

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e Fiscal do Porto, datado de 21-12-2017, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela mesma Recorrente com referência à sentença do TAF de Viseu que julgou procedente a Oposição deduzida por A…………… na execução fiscal n.º 2542201201006983, instaurada no Serviço de Finanças de Lamego originariamente intentada contra a sociedade B……………., Lda., e contra si revertida, por dívidas provenientes de IVA e juros de mora do ano de 2009, no valor de € 5.708,72.

Com efeito, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgara procedente a oposição deduzida por um responsável subsidiário de uma sociedade declarada insolvente, no entendimento de que a AT não demonstrara, como lhe competia “a verificação do pressuposto da reversão respeitante à fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, previsto no art. 23.º/2 da LGT”, concluindo o aresto posto em crise, em síntese, que a declaração de insolvência da sociedade não permite, sem mais, que se conclua pela insuficiência do património da devedora originária para efeitos de reversão da execução, o que significa que está em causa nos autos a interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor, que a AT parece querer presumir em caso de insolvência do devedor originário tal como se aponta no Acórdão que admitiu a presente revista.

No caso dos autos, importa ter presente que o PEF foi instaurado em 28/04/2012, tendo em vista a cobrança de IVA de 2009, com base em certidões emitidas em 27/04/2012 (alínea J do probatório, que remete para o PEF), sendo que por sentença proferida em 29/01/2014, proferida no processo de insolvência n.º 819/13.2TBLMG, que correu termos pelo TJ de Lamego, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente (alínea L do probatório) e em 03/04/2014 foi emitido despacho de reversão, sendo que a fundamentação da insuficiência económica consiste na SLN declarada pela devedora originária na última declaração referente à IES e na declaração de insolvência da devedora principal (ponto P do probatório), além de que não foram penhorados quaisquer bens à devedora principal;

Pois bem, tal como se aponta nos Acs. deste Tribunal de 20-04-2020 e 01-07-2020, Procs. nº 0362/14.2BEVIS 0345/18 e 0361/14.4BEVIS 0344/18, www.dgsi.pt, “… O entendimento tido no acórdão recorrido de fazer depender a reversão da “fundada insuficiência de bens”, não é de acolher por várias razões.

Adianta-se agora que a referida “fundada insuficiência de bens”, prevista “sem prejuízo do benefício de excussão”, levou a que no n.º3 se previsse o seguinte: “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados pelo montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso até ao termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado (…)”.

No dito art. 23.º veio a ser introduzido o n.º 7, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, para produzir efeitos desde 1-1-2012, em termos complementares ao previsto nesse n.º3: “o dever de reversão previsto no n.º 3 desta artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º n.º 2 do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal (…)”.

Ou seja, o legislador quis deixar claro haver um “dever de reversão”, não só no “caso” de impossibilidade da execução prosseguir por não ser possível apurar a suficiência de bens por não estar definida com segurança a parte a pagar pelo responsável subsidiário, bem como ainda nas “situações” de avocação de processos de execução fiscal do insolvente ou do responsável subsidiário.

A previsão do dever do administrador de insolvência ter de solicitar tal apensação, sob pena de ele próprio poder ser revertido, constante do art. 181.º n.º 2 do C.P.P.T., em alteração introduzida pela já referida Lei n.º 64-B/2011, vai nesse sentido.

De acordo ainda com a norma ora em análise, resulta que o legislador pretendeu mesmo definir “o momento” em deve ter lugar a reversão no caso do processo de execução fiscal ter de ser enviado para o processo de insolvência: “após o despacho do órgão de execução fiscal”.

O S.T.A. tem também considerado, em circunstâncias semelhantes, que a referência à declaração de insolvência em despacho de reversão basta para que a execução fiscal possa ser revertida contra responsável subsidiário - assim, e para além dos acórdãos citados pelo Exm.º PGA, o decidido recentemente no acórdão proferido a 12-2-2020, no proc. 0105/15.3BESNT, acessível em www.dgsi.pt (que o ora relator subscreveu como adjunto), e de que se transcreve o seguinte passo por elucidativo do demais regime aplicável:

Quanto à possibilidade de ser praticado o acto de reversão do processo de execução fiscal sobre o revertido em processo de execução fiscal iniciado antes de uma declaração de insolvência do devedor originário, mas sendo este acto praticado após a mesma, rege actualmente (desde a entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) o disposto o n.º 7 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária, onde se afirma expressamente que: “[O] dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis”. Segundo esta norma, quando existe uma declaração de insolvência do devedor originário, os processos de execução fiscal pendentes são sustados e avocados pelo Tribunal judicial, para que os créditos tributários possam ser reclamados na insolvência pelo Ministério Público e aí satisfeitos (artigo 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT), porém, em termos tributários, aquela declaração é também um fundamento válido para que opere a reversão da execução fiscal sobre o responsável subsidiário (artigo 23.º, n.º 7 da LGT)”.

Desta norma resulta, pois, a interpretação de que, pese embora a reversão deva ter lugar com fundamento em declaração de insolvência, a execução tem de ficar sustada após o termo do prazo de oposição, até à completa excussão do património da executada, só podendo prosseguir posteriormente. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, não deixando de notar que a declaração de insolvência consubstancia um forte indício de/presumível insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2015, página 293, José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria José Menezes e Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição 2012, página 223, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa).

Por outro lado, nos termos do artigo 3.º do CIRE é considerado em situação de insolvência quem se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo que a declaração de insolvência determina a imediata apreensão de todos os bens da massa insolvente (artigo 149.º CIRE), de modo que, perante a realidade factual supra destacada, tem de concluir-se que, à data da prolação do despacho de reversão, o património disponível da devedora principal não lhe permitia a liquidação do passivo nem era possível a penhora de quaisquer bens, por via da insolvência e consequente apreensão de todos os bens da massa insolvente, o que equivale a dizer que, in casu, existe fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária para satisfação da dívida exequenda e acrescido, decorrente da declaração de insolvência.

Nesta sequência, resta apenas, tal como nos arestos acima descritos, revogar o decidido, determinando a baixa dos autos ao TAF de Viseu a fim de que se conheça do demais invocado na oposição, matéria tida por prejudicada na sentença recorrida.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao presente recurso de Revista, revogar o Acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos ao TAF de Viseu a fim de que se conheça do demais invocado na oposição, matéria tida por prejudicada na sentença recorrida.

Custas pelo Recorrido.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.