Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0113/20.2BALSB
Data do Acordão:04/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IVA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Nº Convencional:JSTA000P27546
Nº do Documento:SAP202104210113/20
Data de Entrada:10/08/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos dos n.º 2, 3 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 3 de Setembro de 2020 no processo n.º 811/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro), «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».

C. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

D. Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que: a) As situações de facto sejam substancialmente idênticas; b) Haja identidade na questão fundamental de direito; c) Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e d) A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

E. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

F. Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06, (1) «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal.»

G. A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

H. Subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura se remete.

I. Subjacente ao Acórdão Fundamento, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura também se remete.

J. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

K. Em ambos os casos, Autora e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

L. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

M. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (Janeiro, Fevereiro e Março de 2012 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

N. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

O. No acórdão recorrido, as declarações periódicas de IVA em causa para os períodos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, a Recorrida incluiu no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras relativos aos contratos de locação financeira (leasing e ALD), aplicando por essa via uma percentagem de pro rata definitivo para 2011 de 22%, isso seguindo as instruções do Ofício-Circulado n.º 31.308, se cifrava num montante de dedução de € 144.765,40.

P. Caso não tivesse seguido as instruções do Ofício-Circulado, teria apurado uma percentagem de dedução de IVA de 66% o que se traduziria no valor em sede de IVA a deduzir de € 432.387,89.

Q. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

R. Ao incluir no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras para o ano de 2010, o pro rata apurado (provisório) fixava-se em 69%.

S. Ambas imputam aos actos de liquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

T. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem, através de Ofício-Circulado, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, conforme os excertos acima: «A quarta questão era de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é o compatível com Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: sé por via legislativa se poderia alterar que por via legislativa foi fixado

U. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

V. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas; Aferir se a Autoridade Tributária pode impor a uma Instituição de Crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados.

W. Não obstante se afigurar uma decisão arbitral arrevesada, híbrida, e pernóstica em algumas das passagens reflexivas, julgou, nas suas conclusões, aquele Tribunal arbitral que:

O percurso argumentativo da presente decisão assentou na hipótese de que a resposta a uma questão muito específica (a de saber se nos contratos de locação financeira Leasing ALD valor considerar para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado por uma instituição financeira nos custos comuns deve abranger totalidade das rendas dos valores de reposição em caso de perda dos bens, ou deve abranger apenas parte, excluindo essas indemnizações parte das rendas correspondente amortização financeira), podia ser feita derivar, por aproximações sucessivas, de um somatório de respostas outras questões.

A primeira dessas questões era de saber se Direito da Unido autorizava os Estados- Membros utilizar um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata que ele próprio estabelece (o problema da habilitação) e a resposta foi positiva.

A segunda dessas questões era de saber se legislador nacional aceitou essa prerrogativa transpôs para legislação interna (o problema do uso da habilitação), tendo-se dado conta da divergência pronunciada entre entendimento praticamente unanime da jurisprudência arbitral (no sentido negativo) entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (no sentido positivo). Suspendendo decisão sobre esse dissidio até porque, na jurisdição arbitral, nele conflui resposta outra questão (a da adequação da forma de consagrar no Direito interno essa possibilidade) consideraram-se as demais questões:

A terceira era de saber se estavam preenchidas no caso as condições estabelecidas para ser possível desvio regra geral de determinacão do pro rata (o problema da adequação substancial), uma vez que no Direito da União e no Direito interno tal desvio estava condicionado à obtenção de uma determinação do pro trata de dedução mais precisa do que o método geral, evitando distorções significativas na tributação, decorrentes da utilização desse método sendo sustentado em critérios objectivos que permitissem determinar grau de utilização dos bens e serviços promíscuos, tendo-se concluído que tais condições não estavam preenchidas;

A quarta questão era de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é o compatível com Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: sé por via legislativa se poderia alterar que por via legislativa foi fixado;

Finalmente, a questão de saber se (hipotético) uso da prerrogativa conferida pelo Direito da União correspondia aos objectivos que TJUE lhe estabeleceu (o problema da adequação teleológica), tendo-se concluído que regime imposto pelo Oficio Circulado n.° 30108, pela sua própria natureza, não permite uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que método geral e, portanto, não permite uma maior aproximação pretendida neutralidade do IVA, sendo necessário até no entendimento que tem sido adoptado pelo STA uma verificação casuística para apurar.

X. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

Y. No Acórdão Fundamento, conforme excertos transcritos em sede de alegações, para cuja leitura se remete, decidiu-se no sentido diametralmente oposto.

Z. Tal como é salientado nas alegações apresentadas pelo Banco recorrente no Acórdão fundamento, pontos 5), 7) e 14), o tribunal de primeira instância considerou, naquele caso, que nos termos conjugados dos artigos 23.º, n.º 2 e 3 do CIVA, a Autoridade Tributária podia aplicar o método de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, o qual não é contrário e é, em alternativa, compaginável - desde que concorra para um apuramento mais preciso do direito à dedução -, com o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

AA. De notar, também, que conforme é salientado no parecer emitido pelo Representante do Ministério Público, constante na redacção do Acórdão Fundamento:

«Neste contexto a interpretação das normas constantes do art. 23° n° 2 e 3 CIVA, expressa no ofício circulado n° 30103, de 23.04.2008, do gabinete do subdirector-geral da área de gestão do IVA, em conformidade com o qual o sujeito passivo procedeu à autoliquidação controvertida do IVA não enferma de ilegalidade, harmonizando-se com a interpretação do art. 17° n° 53° parágrafo al. c) Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7 maio 1977 efectuada no acórdão do TJUE (cf. designadamente, considerandos 16/19, 33 e 34).»

BB. Enquanto que no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem, através de Ofício-Circulado, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu no sentido oposto.

CC. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

DD. Concluiu-se no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

EE. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014.

FF. O Acórdão Fundamento está também em linha com a mais recente jurisprudência do STA sobre a matéria, no âmbito dos processos n.º 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB.

GG. Observando a factualidade do acórdão arbitral, infere-se que o Tribunal não concluiu se a utilização dos bens e serviços de utilização mista são sobretudo determinados pela aquisição e disponibilização dos veículos, se determinados pelo financiamento e gestão dos contratos.

HH. Devê-lo-ia ter feito, através do princípio do inquisitório, poder que lhe está conferido, e considerando tanto o Acórdão Banco Mais como todos os Acórdãos produzidos pelo STA a respeito da presente matéria, que sucessivamente têm determinado a baixa dos processos para os Tribunais de primeira instância, a fim de que providenciem nova fase de instrução para a ampliação da matéria de facto, com o propósito de definir se no âmbito dos contratos de locação financeira, os custos promíscuos são incorridos sobretudo no âmbito da aquisição e disponibilização dos veículos, se no financiamento e gestão dos contratos.

II. A respeito dos inputs no seio dos contratos de locação financeira, bem aponta, no seu voto de vencido, a Dra. Sofia Ricardo Borges no processo 383/2019-T, www.caad.org.pt, que se está perante uma união ou coligação de contratos, o que:

«Como quer que seja, ele implica um contrato de compra e venda que o precede e, desde logo, elementos próprios da locação, com todas as complexidades que daí poderão advir. Tendo o legislador permitido a aplicação supletiva, em certa medida, de normas próprias da locação (cfr. Código Civil), aquilo que ficou mais patente foi o afastamento, legislativamente querido e claramente adoptado, desse regime geral. Queremos referir-nos, em termos breves, a que no contrato de lf - cfr. DL n.º 149/9519 – ao contrário do que seria a regra numa locação, os riscos, encargos, responsabilidades em geral relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário.

Ou seja, o locador fica, na lf, liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação. Entre o mais, não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário; não corre por conta dele locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes; ao locatário é reconhecido o direito de fazer uso de acções possessórias, sendo a ele locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem. Tudo cfr. art.ºs 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95. Sendo ainda elucidativo, quanto a nós, o art.º 22.º do mesmo Diploma, sob a epígrafe “Operações anteriores ao contrato”, ao determinar que se, antes de celebrado o contrato de lf, “qualquer interessado [tiver] procedido à encomenda de bens, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo o locador ser, de algum modo, responsabilizado por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, (…).” Tudo a configurar, parece-nos líquido, uma relação na qual o locador, não obstante se tornar proprietário, fica desresponsabilizado (afastado) de praticamente tudo (senão tudo) o que sejam as obrigações regra de um proprietário. Posto isto, parece-nos evidente decorrência do próprio regime legal, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários, como proprietário sui generis que os “aluga”, circunscrever-se-ão essencialmente ao da aquisição do veículo (supra tratado). Incorrendo, a par desses, como será de admitir, em custos de financiamento e gestão dos contratos. Será pois neste último contexto - custos de financiamento e gestão dos contratos - que se detectarão com relevo, é a nossa maneira de ver, possíveis inputs promíscuos.»

JJ. Neste sentido, o Acórdão do TJUE Banco Mais conclui que:

«A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.»

KK. O core business da Recorrida situa-se no âmbito dos contratos de locação financeira em que, por contrapartida da referida prestação de serviços, o locatário fica obrigado a pagar uma retribuição, a qual assume a forma de renda.

LL. A componente da renda correspondente a juros e outros encargos constitui contraprestação pelo serviço prestado, constitui um proveito da Requerente, integra o respectivo volume de negócios, contribuindo para influenciar o resultado do exercício.

MM. As comissões, escrupulosamente debitadas aos clientes, somadas à fixação inicial das taxas de financiamento e ao subsequente ajustamento dessas mesmas taxas sempre que existem custos acrescidos que resultem do acto de gestão dos contratos de locação financeira, permitem concluir que a Requerente acomoda todas e quaisquer as despesas em que incorre.

NN. E, assumindo que muitos destas despesas consomem recursos inerentes ao funcionamento interno da instituição bancária em análise, como seja água, luz, tonners, conservação de edifício, telefones, tudo custos comuns, é legítimo concluir que estes custos indiferenciados ou mistos são suportados pelos clientes através de débito destas rubricas.

OO. Bem como são contabilizados e se encontram principalmente presentes, ainda que indirectamente, aquando da fixação inicial da taxa de juro ou, mais tarde, aquando da necessidade de ajustamento da taxa de juro, se a ela houver lugar.

PP. Recorrendo a uma lógica um pouco simplista, mas que ilustra bem, pensamos, o negócio em questão e a situação em apreço, é a partir do produto das taxas de juro e das comissões que a Requerente paga as suas despesas correntes (as tais mistas, promíscuas) aos fornecedores – água, luz, condomínio, telefones, internet, etc.

QQ. Não é possível retirar da factualidade dada como provada no acórdão arbitral que os custos mistos tenham sido preponderantemente determinados pela disponibilização dos veículos e não tanto pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

RR. Quanto à questão apontada na decisão arbitral, referente «a questão de saber se (hipotético) uso da prerrogativa conferida pelo Direito da União correspondia aos objectivos que TJUE lhe estabeleceu (o problema da adequação teleológica), tendo-se concluído que regime imposto pelo Oficio Circulado n.° 30108, pela sua própria natureza, não permite uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que método geral e, portanto, não permite uma maior aproximação pretendida neutralidade do IVA, sendo necessário até no entendimento que tem sido adoptado pelo STA uma verificação casuística para apurar.», remete-se, uma vez mais, para o teor do Acórdão Fundamento, na parte em que cita o Acórdão do TJUE “Banco Mais”:

«(…) Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel. Incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso.»

SS. Isto é, o STA, ancorando-se nas considerações do Acórdão do TJUE, parte do princípio que os custos de financiamento e de gestão são os custos de maior relevo no âmbito dos contratos de locação financeira, isso face aos custos de disponibilização de veículos, meramente residuais, pelo que, nesse pressuposto, é aceite pela jurisprudência nacional e da União Europeia – e reproduzido no Ofício-Circulado 31.308 – que «o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros (…)»

TT. A tese defendida pela ora Recorrente entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade”– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

UU. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

VV. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

WW. Mais tarde, no Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

XX. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

YY. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

ZZ. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são directamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

AAA. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

BBB. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

CCC. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

DDD. É exercitada uma habilidade semântica, truncada, efectuada na decisão arbitral, que respeita a um dos segmentos da linha de argumentação adoptada para sustentar a declaração da ilegalidade dos actos tributários em questão.

EEE. O Tribunal, sem nunca o dizer expressamente, acaba por afirmar, de forma indirecta, que o Ofício-Circulado n.º 31308/2009 não consubstancia a materialização do artigo 23.º, n.º 2 e 3, última parte do CIVA.

FFF. É errado, porquanto, quando concatenados, os aludidos números referem que sempre que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e que sempre que os métodos da afectação real e do pro rata – este último, conforme retratado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA – conduzam a distorções significativas da concorrência, «a Direcção-Geral dos Impostos pode vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.», o que aconteceu na situação em apreço.

GGG. Esta possibilidade encontra-se, de resto conforme abundantemente já mencionado acima, tanto no Acórdão Banco Mais, como nos sucessivos Acórdãos lavrados pelo STA, de que é exemplo o seu mais recente, o 52/19.0BALSB:

«Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

HHH. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

III. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A. A Recorrida considera que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT).

B. Com efeito, no acórdão fundamento, foi dado como não provado que “A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”. E, por ter sido dado como não provado este facto, o STA convoca a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais processo C-183/13), nos seguintes termos: Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos”.

C. Ou seja, no acórdão fundamento, a decisão assenta no facto não provado (o de que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, tendo sido a esse facto aplicado o direito em linha com o entendimento do Caso Banco-Mais.

D. No acórdão arbitral recorrido não foi dado como não provado semelhante facto, o que pode constatar da leitura da matéria de facto dada como provada e não provada no mesmo.

E. Esta constatação é, por conseguinte, suficiente para se julgar inadmissível o recurso interposto pela AT por não existir identidade quanto à situação fáctica e jurídica.

F. Por sua vez, como foi recentemente decidido pelo STA, no processo n.º 01/20.2BALSB, de 30.09.2020, em que o acórdão fundamento é precisamente o mesmo que subjaz a este recurso (ie., o proferido processo n.º 0485/17): Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.

G. Ora, também neste acórdão recorrido (vide ponto IV.8. A quinta sub-questão: o problema da adequação teleológica), a AT não fez prova de que a aplicação do pro rata conduzia a distorções significativas de tributação. E no acórdão fundamento tê-lo-á feito.

H. Repise-se, pois, que no acórdão arbitral recorrido a AT não fez aquela demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA, como decidiu este STA no processo n.º 01/20.2BALSB. Assim, face ao disposto no Acórdão n.º 01/20.2BALSB, considera a Recorrida que também não existe identidade fáctica e jurídica das questões suscitadas entre os dois julgados, devendo não ser admitido o recurso interposto pela AT.

I. A Recorrida considera desde sempre que, à luz do direito constituído, a AT não pode mitigar o seu pro rata (através da substração das rendas, das alienações e indemnizações) nos moldes ditados pelo Ofício-Circulado n.º 30108 (que não é lei como é sabido), uma vez que NADA na letra da lei o permite. Com efeito, analisando o artigo 23.º do Código do IVA (ou qualquer outra disposição deste Código), não se concede outra opinião, tendo sido detalhadamente explicado na petição arbitral (que se reproduz para todos os efeitos legais) os motivos da discordância com a posição da AT.

J. Assim, embora sabendo da tarefa herculeana que lhe assiste, a Recorrida não se conforma com a jurisprudência do STA que sobre esta matéria tem sido sancionada, e, quanto mais não seja por mero dever de ofício, vem novamente suscitar nestas contra-alegações essas mesmas questões que espera serem elucidadas pelo julgador, sob pena de a função jurisdicional não contribuir para, em definitivo, resolver este litígio.

K. Quanto à interpretação do Caso “Banco-Mais”, conclui-se que o TJUE tão só consentiu no afastamento do método do pro rata quando aferido em função do volume de negócios, mas cometeu ao tribunal nacional avaliar a função económica dos contratos de locação, na actividade do locatário, a fim de averiguar se os clientes dos sujeitos passivos que recorrem a tais contratos o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos.

L. Nada mais se retira do Caso “Banco-Mais”, muito menos que a AT possa, por Ofício, legislar, com carácter geral, abstracto e eficácia externa, pois, quanto às concretas disposições do direito nacional caberá sempre a pronúncia pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

M. Apelando à conclusão contida no parágrafo 35 do Acórdão do TJUE no Caso “Banco- Mais”, refere-se que «o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». Nesta última parte, o TJUE cometeu, pois, a função ao órgão jurisdicional de avaliar então a função económica da locação financeira.

N. Importa, a este propósito, chamar à colação o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, segundo o qual: «2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».

O. Como é sabido, as operações financeiras (vulgo concessão de crédito e outras formas de financiamento) são operações isentas de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA. No entanto, as operações de locação financeira não estão abrangidas por esta última isenção destinada às operações de financiamento, nem por qualquer outra isenção, sendo, pois, sujeitas e não isentas de IVA.

P. Face ao exposto, conclui-se que se o legislador quisesse ter qualificado as operações de locação financeira como correspondendo a uma actividade de financiamento/concessão de crédito, tê-las-ia isentado de IVA (artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA). MAS o que sucedeu foi precisamente o contrário.

Q. E ao ter especificamente previsto a sua tributação em IVA, para que dúvidas não surgissem quanto à sua não subsunção à isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, veio expressamente afirmar que é pela concessão do gozo do veículo, e não pela concessão de financiamento, que é motivada a actividade de locação financeira/ALD e que, por conseguinte, se justifica a tributação (e não isenção) em IVA das rendas daqueles contratos.

R. Deve, pois, ser analisado o fundamento da não inclusão destas operações pela isenção que incide sobre as operações financeiras (concessão de crédito), através do qual se conclui que a própria sujeição a IVA comprova que para o legislador nacional o que releva é a disponibilização da viatura e não a de financiamento:

a) O legislador nacional optou por tratar estas operações como sujeitas e não isentas de IVA na totalidade (alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA);

b) A Directiva do IVA não obriga a que estas operações sejam sujeitas e não isentas de imposto;

c) Existem, além do mais, ordenamentos jurídicos em que o legislador não optou pela tributação integral em IVA da locação financeira, como se explicou (Caso Volkswagen);

d) Se o legislador tivesse entendido que esta actividade se reconduz apenas ao financiamento, não teria previsto o que previu na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, e bastar-se-ia pela inclusão destas operações na isenção que impende sobre as operações de crédito (n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA);

e) Como não o fez, foi o próprio legislador que estabeleceu que a locação financeira é sujeita a IVA porque traduz uma actividade de disponibilização de uma viatura.

S. O que vem dito ganha ainda mais força quando se analisa Acórdão do TJUE proferido em 18.10.2018, no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, doravante «Caso Volkswagen», o qual veio repensar expressamente a jurisprudência proferida no Caso Banco Mais.

T. ISTO É: de acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente a jurisprudência do Caso Banco Mais, foi esclarecido que «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

U. Na verdade, volvidos vários anos sobre o Caso “Banco-Mais”, mostrou-se o TJUE no Caso “Volkswagen” preocupado em mitigar (para não referir mesmo, corrigir) os efeitos da interpretação daquele primeiro aresto. E afirma que “importa garantir o direito à dedução do IVA, sem o subordinar a um critério relativo, designadamente, ao resultado da atividade económica do sujeito passivo”.

V. Diga-se que a situação escrutinada naquele aresto não diverge da situação da Recorrida. No Caso Volkswagen, o contribuinte era uma instituição financeira que se dedica a adquirir os veículos da marca VWFS para, sob a forma de vários produtos financeiros, entre os quais, a locação financeira, os disponibilizar aos clientes, sendo um sujeito passivo misto. Para efeitos de dedução do IVA dos custos gerais, pretendia a VWFS estipular um critério pro rata junto da administração fiscal, apurando-se o volume de negócios de cada um dos sectores, entre os quais, o da locação financeira que terá de ter em conta o volume desta actividade (incluindo a aquisição dos veículos).

W. Neste contexto, o TJUE decidiu não ser de afastar o valor dos veículos em locação financeira (o que, vertendo para a situação sub judice, se reconduz à amortização financeira), para calcular o IVA dedutível dos custos comuns, e concluiu que o seu afastamento não permitiria apurar, de forma mais precisa, sob pena de ofensa do princípio da neutralidade do IVA, o imposto dedutível.

X. Face ao exposto, e tendo em conta esta decisão mais recente do TJUE, permite-nos concluir que «o método preconizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 [a que corresponde que alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva]» (cfr. acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T), o que se invoca para todos os efeitos legais.

Y. Assim, a jurisprudência do Caso Volkswagen permite, afastar, precisamente a jurisprudência do Caso “Banco-Mais”, e estando os tribunais nacionais vinculados à mesma, deverá ser, na aplicação do direito, tida em consideração, sendo que, caso se suscitem dúvidas na aplicação do direito comunitário, dever-se-á então submeter novo reenvio prejudicial da questão para o TJUE.

Z. No acórdão recorrido considerou-se, ao arrimo de variadíssimas decisões arbitrais nele citadas, que, em qualquer caso, não é consentido pela Constituição da República Portuguesa (CRP) que, com carácter geral e abstracto e eficácia externa, venha a ser regulado o direito à dedução do IVA, pela AT através de direito circulatório, ainda para mais quanto diz respeito a matéria de reserva de lei da Assembleia da República.

AA. E também esta questão não foi, ainda, resolvida pela jurisprudência deste STA.

BB. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu essa possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então:

CC. Invoca-se, assim, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna (Ofício-Circulado 30108) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) são MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].

DD. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

EE. Como bem refere o acórdão recorrido, à questão de “saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é compatível com o Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte)” respondeu que NÃO:

FF. “SÓ POR VIA LEGISLATIVA SE PODERIA ALTERAR O QUE POR VIA LEGISLATIVA FOI FIXADO”;

GG. Não pode a Recorrida deixar de novamente realçar que um Ofício-Circulado, ie,, o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é por Ofício-Circulado que está a ser regulado o direito à dedução em IVA.

HH. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

II. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos).

JJ. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

KK. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao conferirem à AT, por Ofício-Circulado, modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei. E jamais pode uma lei ou decreto-lei consentir que a um Ofício lhe seja conferida aquela eficácia externa e a aplicação geral e abstracta, em especial, em matéria de impostos (que é de reserva de lei).

LL. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

MM. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, jamais por Ofício pode ser regulada com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA.

NN. Ponderando a matéria em causa e a conduta exemplar das partes, e o facto de os articulados sempre se terem centrado no essencial, é forçoso concluir que se verificam todos os pressupostos para o Tribunal decidir no sentido da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o que se requer.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, E SE ADMITIDO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA O ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO.

DEVE AINDA SER DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGOS 2.º E 111.º DA CRP), DO ARTIGO 112.º, N.º 5, DA CRP, DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (103.º, N.º 2 DA CRP). DA RESERVA DE LEI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [165.º, N.º 1, ALÍNEA I) DA CRP], E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT (ARTIGOS 266.º, N.º 2, DA CRP).

MAIS REQUER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NOS TERMOS DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO RCP.

ASSIM SE FAZENDO

JUSTIÇA!”.

3 - A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 653 a 659 dos autos, pronunciando-se pela verificação, no caso sub judice, dos requisitos legalmente impostos para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

No que respeita ao mérito do recurso, a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que “os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo devem [fixar] jurisprudência no sentido decisório proferido no Processo Arbitral, processo nº 811/2019-T de 3.09.2020, no sentido de que não é atribuída à AT, quer na Diretiva do IVA quer no diploma que procedeu à sua transposição para o ordenamento jurídico nacional (CIVA), quaisquer prerrogativas específicas destinadas à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objetivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, ao sujeito passivo”.

4 – Foi dado cumprimento ao estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.

5 – Com fundamento na “pertinência para a decisão do presente recurso”, a Recorrida veio posteriormente requerer a junção aos autos do Acórdão do Pleno do STA proferido a 4 de Novembro de 2020 no processo n.º 90/19.2BALSB, no qual se decidiu pela inexistência de uma identidade fáctica e jurídica entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 428/2019-T e o Acórdão deste STA proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17 e que figura como Acórdão Fundamento, simultaneamente, nos presentes autos e no Acórdão cuja junção a Recorrida requer.


- Fundamentação -

6 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.

7 – Matéria de facto

7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

Relativamente à matéria de facto, importa salientar, antes de mais, que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito – sendo certo que, no caso, só estas opõem as Partes.

III.1. FACTOS PROVADOS

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) O Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) tendo-se especializado em operações de crédito ao consumo, operações de locação financeira e factoring;

b) Para efeitos de IVA, o Requerente é um sujeito passivo misto, enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração - ALD] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e ao consumo;

c) Para efeitos de dedução do IVA o sujeito passivo usa:

- o método da afectação real nas operações de locação financeira (leasing e ALD), recuperando integralmente o imposto suportado;

- o método da percentagem de dedução (pro rata) nas despesas comuns (bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas, com e sem direito a dedução de IVA);

d) O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as declarações periódicas com os números

- ..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

- ..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

- ..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99;

e) As mencionadas declarações seguiram o método de cálculo do pro rata determinado pelo n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, ainda que o Requerente dele discordasse, tendo previamente impugnado judicialmente anteriores autoliquidações em que o tinha adoptado (referentes a 2010-12 e a 2011);

f) Resulta desse Ofício que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, bem como as indemnizações por perda dos bens, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não têm a natureza de proveito e não podem, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).

g) O pro rata provisório assim determinado, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2011, foi de 22% (em vez de 66% como pretendia o Requerente), uma vez que excluiu da fracção de cálculo os valores das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

h) Da aplicação do pro rata defendido pelo Requerente resultaria um montante de €432.387,89 de IVA a deduzir, em vez dos €144.765,40 resultantes dos critérios adoptados nas declarações periódicas, em obediência ao referido Ofício Circulado;

i) Por não se conformar com as liquidações efectuadas, a Requerente impugnou-as em 23 de Maio de 2012 junto do Tribunal Tributário de Lisboa, onde para o efeito correu termos o processo n.º ../12...BELRS;

j) Entre os fundamentos da petição inicial aí entrada estava a dispensa de reclamação graciosa prévia (artigo 20.º), na medida em que “o seu fundamento [consistia] exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação [tinha] sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT.”

k) Em 14 de Outubro de 2019 foi proferida sentença homologatória da desistência da instância ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, que permitiu a substituição da jurisdição fiscal estadual pela jurisdição arbitral.

l) A pretensão submetida à jurisdição arbitral coincide com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos que se tenham considerado não provados.

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes”.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» - e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»”.


8 – Decidindo

8.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos, ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Cumpre ter presente que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem recorrido de idênticas decisões do CAAD com fundamento em oposição de acórdãos e invocando como fundamento o mesmo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (o Acórdão proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17).

Ainda que no passado tenha sido pontualmente negado o conhecimento do mérito do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira por ausência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (vide, nesse sentido, o Acórdão referido pela Recorrida a fls. 667 a 670 dos autos, o qual foi proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 4 de Novembro de 2020 no Processo n.º 090/19.2BALSB), mais recentemente o Pleno uniformizou jurisprudência quanto à questão controvertida (neste sentido vejam-se, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Janeiro de 2021 no processo n.º 101/19.1BALSB, de 24 de Fevereiro de 2021 no processo n.º 84/19.8BALSB, de 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB, bem como os hoje mesmo proferidos pelo Pleno nos processos n.ºs 32/20.2BALSB e 63/20.2BALSB).

Assim, tomando em considerando o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, limitamo-nos a remeter, com as necessárias adaptações e nos termos dos artigos 663.º, n.º 5 e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do supra referido Acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB (disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c4ba25ab6080f680802586a4005e821f), que uniformizou jurisprudência no sentido de que nos “termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação” –, para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida.


- Decisão -

9 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em virtude de o presente Acórdão ser meramente remissivo, o que configura a menor complexidade da causa para este efeito [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, e art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais].

Comunique-se ao CAAD.

Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 21 de abril de 2021. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Fernanda Alves e Russo.