Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0733/18.5BELRS |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | IRS INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO REMISSÃO DOCUMENTO |
Sumário: | I - Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. II - A mera remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, um meio de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar provados. III - Numa situação destas a insuficiência da decisão sobre a matéria de facto inviabiliza a decisão jurídica do pleito, impondo-se a anulação da decisão recorrida, e a consequente remessa dos autos ao tribunal "a quo", nos termos do artº 682º, nº 3 do Código de Processo Civil, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto. |
Nº Convencional: | JSTA000P32465 |
Nº do Documento: | SA2202407030733/18 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por AA, melhor identificado nos autos, visando a revogação da sentença de 24-10-2023, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação da decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa que suscitara a propósito das liquidações de IRS, respeitantes aos anos de 2010, 2011 e 2012, nos segmentos referentes a rendimentos da categoria A do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares percebidos em resgate de seguro do ramo «Vida». Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente AA, as seguintes conclusões: a) A aceitar-se como boa a tributação efectuada tal enferma de erro na interpretação e aplicação do vertido no artigo 2º do CIRS ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho os valores em causa, isto atento o consagrado no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS. b) Pois que no presente caso não só o segurado era a SPAC na data da constituição do fundo, ou seja, uma entidade distinta da entidade patronal, como nenhum dos demais requisitos constantes daquele normativo se encontram preenchidos para a sujeitar a tributação, conclusão esta que nem pode sair beliscada pelo facto de a A... se ter, posteriormente, em 1994, assumido como segurada, porque deste mesmo modo o exercício do direito dependeria, ou decorreria, do vínculo laboral; c) Continuando a não constituir um direito adquirido do trabalhador, ora Recorrente, nem a contemplar a possibilidade de antecipação uma vez que não se verifica a possibilidade de antecipação do resgate antes de preenchidas as condições previstas no contrato. d) O Recorrente ao atingir as condições previstas no contrato, designadamente o ter atingido os 60 anos de idade com a perda da licença de voo – Facto 5 do probatório fixado - resgatou a parte que lhe cabia no aludido fundo, mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento. e) Pelo que são completamente despiciendos, porque brutalmente errados, os considerandos da Douta Sentença sobre ter ocorrido uma antecipação no recebimento, uma vez que tal antecipação de forma alguma se pode considerar ter ocorrido. f) Com efeito, e como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez. g) E contra tudo isto nem se adverse com o segmento do supra referido preceito do CIRS que assim reza: «ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.» h) Pois que; i) A norma em causa tem a seguinte redacção: «3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.» j) O preceito, embora de leitura difícil, permite identificar duas situações matriz, a saber: I) A de direitos adquiridos e individualizados; II) A de não existência de direitos adquiridos e individualizados mas em que existe resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade. k) A acrescer a estes dois segmentos surge, efectivamente, o trecho que refere: «ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.» l) Sucede que este trecho complementa os dois segmentos anteriores, sendo tal o que resulta da expressão «em qualquer caso» e querendo isto dizer que o mesmo não é autónomo como que valendo de per se. m) O referido trecho legislativo só admite a seguinte interpretação/leitura: I) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e em que haja recebimento de capital; II) Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital. n) Ou seja o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários. o) A situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário, pelo que a alínea I) supra referida fica excluída, mas para se aplicar a hipótese referida em II)) supra teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento, pois que o preceito legal refere: «sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade p) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato e não foi isso que se passou, pois o ora Recorrente só recebeu na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista, pelo que não se está, efectivamente, perante a ocorrência de facto tributário. q) In casu não ocorreu qualquer antecipação uma vez que o Recorrente apenas recebeu no momento em que estava contratualmente previsto e é aqui que cumpre compaginar o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em que as primeiras instâncias se têm vindo a alcandorar com o probatório fixado. r) De acordo com o probatório fixado consta que o resgate só ocorreu após o Recorrente atingir os 60 anos de idade e por ter atingido a idade limite que lhe permitia manter a licença de voo e só se tivesse dado como provado uma antecipação no recebimento em relação aquela data é que se poderia considerar aplicável a doutrina que emana do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. s) Pois que naquele Aresto se escreveu: «Foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos – que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.» Mais se acrescentando; «Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.» t) Ou seja, só se estivesse provada uma antecipação no recebimento em relação à data prevista, que não deverá estar, é que o raciocínio da Douta Sentença seria passível de sustentação, pois que de outro modo não a é. u) A presente impugnação foi consequência de decisão da AT em relação a um pedido de revisão do acto tributário apresentado pelo ora Recorrente e que comportava três exercícios económicos. v) Naquele pedido de revisão do acto tributário o Recorrente alegava a falta de preenchimento da norma de incidência e perante tal alegação incumbiria à AT, nos termos do artigo 74º da LGT, fazer a respectiva prova quanto à sujeição do aqui Recorrente a tributação por se encontrarem preenchidos os pressupostos para tal previstos na norma de incidência. w) Ora tal prova não se encontra feita nos autos e não se encontrando as liquidações colocadas em crise não se podem manter, como em situação extraordinariamente similar à dos presentes autos, aliás, se decidiu muito recentemente em Tribunal Superior e no Douto Aresto citado supra no corpo alegatório. x) Violou a Douta Sentença recorrido o artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS e 74º da LGT, não se podendo, assim, manter erecta, devendo ser revogado e substituído por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente consistente na anulação dos actos tributários questionado. Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente, tudo o mais com as consequências legais. Não foram apresentadas contra-alegações. Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ordenar-se a baixa dos autos ao TT de Lisboa, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto, a fim de apurar qual a opção efectuada pelo Recorrente, na data de adesão ao contrato, com a seguinte fundamentação: AA vem interpor recurso da sentença do Mmº Juiz do TT De Lisboa, que no âmbito de impugnação judicial do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de IRS, retenção na fonte, relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012, efetuadas pela B..., S. A., a julgou improcedente. * É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações. * Alega, em resumo, que o Mmº Juiz, incorreu em erro de julgamento de direito, ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho e como tal sujeito a IRS, as quantias percebidas a título de resgate do contrato de seguro do ramo vida, dado que, estas constituem um benefício de reforma, não havendo lugar ao pagamento desse tributo. Refere que foi violado o disposto quer no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS quer no artigo 74º da LGT. Conforme menciona em sede conclusiva e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais. * Versando o recurso exclusivamente sobre matéria de direito, tem-se como fixada a matéria de facto dada como provada na decisão e que aqui se dá igualmente por reproduzida, para todos os efeitos legais. * No caso em apreço, está em causa a celebração de um seguro de vida efetuado entre o SPAC (Sindicato dos Pilotos da Associação Civil) com a seguradora B..., S. A. ,cuja posição deste veio a ser posteriormente assumida pela A..., a cargo do qual estavam as contribuições para o referido fundo destinado aos pilotos aviadores da empresa, válido até aos 65 anos de idade, o qual poderia ser resgatado quando os beneficiários atingissem os 60 anos de idade, por impossibilidade do exercício efectivo da função. A questão dirimir é saber se as quantias percebidas por esse resgate estão ou não sujeitas aos pressupostos de incidência, enunciados pelo art.2º nº3 corpo e alínea b) 3. do Código do IRS. A data dos factos, o artigo 2.º n.º 3 al. b) n.º 3 do CIRS considerava rendimentos do trabalho dependente “[A]as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo "Vida", contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgaste, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado;”. É em torno da interpretação desta norma que surge a divergência. Conforme resulta do Ac. do STA de 13/12/2017, proferido no processo nº 0303/17, in www.dgsi.pt Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.” Igualmente o Ac. do STA de 11/10/2017, no processo 195/16, in www.dgsi.pt e a fundamentação nele expendida. In casu dispunha a apólice, conforme o probatório: DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL – 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato. Em nosso entender, para a boa decisão era necessário ficar assente qual a opção de resgate efetuada pelo Recorrente, na data de adesão ao contrato de ... – ...- quanto à data de vencimento do certificado individual, ou seja, se optou pelo 1.º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que atingia os 60 anos ou se optou pelo 1.º dia seguinte à data em que perfazia os 65 anos. Verifica-se uma situação de défice instrutório, sendo nosso parecer que se deve ordenar-se a baixa dos autos ao TT de Lisboa, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto a fim de apurar qual a opção efetuada pelo Recorrente, na data de adesão ao contrato. * Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. - Dos Factos: Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão: I 1. Entre B..., S. A., e o Sindicato de Pilotos da Aviação Civil foi celebrado a ../../1990 um contrato de «seguro de vida – grupo», «reforma coletiva», designado ... – com, designadamente, as seguintes cláusulas: «Artº 1 – DEFINIÇÕES […] b) TOMADOR DO SEGURO – A entidade que celebra o contrato com a Companhia [seguradora] e que é a responsável pelo pagamento dos prémios; c) PESSOA SEGURA – A pessoa sujeita aos riscos que, nos termos acordados, são objeto deste contrato; d) BENEFICIÁRIO – A pessoa ou entidade a favor da qual é celebrado o contrato; e) COMPLEMENTO DE REFORMA – Renda vitalícia a pagar à Pessoa Segura nos termos do art.10º; f) DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL – 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato. […] Artº 2 – OBJETO DO CONTRATO O presente contrato tem por objeto garantir: - se a pessoa segura for viva na data de vencimento do seu Certificado Individual, o pagamento do complemento de reforma […]. Artº 5 – CONDIÇÕES DE ADMISSÃO 5.1. Podem ser admitidos no presente contrato, desde que na data da adesão tenham menos de 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada nesta data […]: a) Os sócios do Tomador do Seguro e os elementos do seu pessoal […]. b) Os associados ou filiados do Tomador do Seguro […]., Artº 12 – OPÇÃO NA DATA DE VENCIMENTO DO CONTRATO […] 12.2 – OPÇÃO DE CAPITAL Na data de vencimento do Certificado Individual, a Pessoa Segura tem a faculdade de renunciar ao recebimento do complemento de reforma, podendo optar por receber o montante da poupança constituída até essa data. Artº 17 – RESGATE Desde que o prémio referente ao 1º ano esteja pago, o Tomador do Seguro tem o direito de pedir, a qualquer momento, e até à data do vencimento do Certificado Individual (data início do complemento de reforma), o pagamento por parte da Companhia do valor de resgate, sendo este igual ao montante da poupança constituída e inscrita na conta da Pessoa Segura. […]». 2. Em data não apurada do ano de 1994 o tomador do seguro titulado por aquele contrato passou a ser A..., S. A. – apólice « ...29». 3. O Impugnante, AA, era piloto de aviação civil ao serviço de A..., S. A.. 4. Nesta qualidade, o Impugnante foi participante do contrato mencionado no ponto 1., como pessoa segura. 5. Tendo atingido o limite de idade para efeitos de licença de voo, em 2010, o Impugnante pediu o resgate total da sua subscrição, conforme a cláusula 17ª referida no ponto 1., a qual se cifrou na quantia global de €264.555,42. 6. Contudo, aquela quantia foi-lhe disponibilizada pela companhia seguradora em três momentos diferentes e sobre cada uma das parcelas ela procedeu sempre a uma retenção na fonte, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, classificando o rendimento como da respetiva categoria A; assim: em 2010, sobre a quantia disponibilizada de €117.648,42 reteve, a título de pagamento por conta do tributo, €34.961,70 [invocando o art.2ºnº3 b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (e sob isenção dessa tributação de €11.704,70 - art.18ºnº3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais)]; em 2010, sobre a quantia disponibilizada de €23.841,93 reteve, a título de pagamento por conta do tributo, €2.384,19 [invocando o art.2ºnº3 b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (e sob isenção dessa tributação de €7.947,31 - art.18ºnº3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais)]; em 2011, sobre a quantia disponibilizada de €64.660,54 reteve, a título de pagamento por conta do tributo, €14.298,08 [invocando o art.2ºnº3 b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (e sob isenção dessa tributação de €11.704,70 - art.18ºnº3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais)]; e em 2012, sobre a quantia disponibilizada de €58.404,53 reteve, a título de pagamento por conta do tributo, €12.608,95 [invocando o art.2ºnº3 b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (e sob isenção dessa tributação de €11.704,70 - art.18ºnº3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais)]; II 7. Nas suas declarações de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [modelo 3] que o Impugnante e sua mulher apresentariam à Administração Tributária, para aqueles anos de 2010, 2011 e 2012, fizeram sempre constar os supra-referidos rendimentos e retenções (o rendimento isento para efeitos de taxa de imposto aplicável), tal como fizera a companhia seguradora [nos modelos 10 que emitiu com a entrega das retenções]. 8. E seria com base nessas declarações que a Administração Tributária lhes elaboraria as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares àqueles anos respeitantes, assim: a respeitante a 2010, com o nº[2011]...35, de 30 de setembro de 2011, que definiu uma dívida de imposto no montante de €20.156,02; a respeitante a 2011, com o nº[2013]...63, de 22 de janeiro de 2013, que definiu uma dívida de imposto no montante de €13.636,65; a respeitante a 2012, com o nº[2013]...29, de 17 de junho de 2013, que definiu uma dívida de imposto no montante de €12.571,01; 9. O Impugnante e mulher satisfizeram as liquidações. III 10. Contudo, a 4 de dezembro de 2014 o Impugnante pediria a revisão daquelas liquidações [procedimento a que coube o nº...42, no Serviço de Finanças Lisboa 6] questionando a sua legalidade, por entender que os rendimentos supra-mencionados no ponto 5. não estavam sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, logo, à tributação descrita nos pontos 6. [e 8.], com os mesmos fundamentos de mérito que os da presente impugnação. 11. Tal procedimento teve decisão de indeferimento, por despacho de 20 de dezembro de 2017 – e ainda que o pedido não indicasse o motivo para a revisão, a referência ao prazo de 4 anos para a revisão, do art.78ºnº1, II parte, da Lei Geral Tributária, feita na petição pelo Impugnante, foi entendida como baseando-se o pedido em erro dos serviços, sendo que os fundamentos invocados também não se enquadravam noutros motivos de revisão – considerando inexistir erro dos serviços, por repousarem os atos nas declarações do próprio Contribuinte e, bem assim, porque [embora inexistissem quaisquer rendimentos em causa que tivessem sido enquadrados na categoria E do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares], os rendimentos percebidos naqueles anos eram efetivamente da categoria A do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, correspondentes a rendimentos tributados pela parte final do art.2ºnº3 corpo e alínea b) -3. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [já desde 1994, altura em que a A... é a tomadora do seguro, não mais o Sindicato], derivados que são da prestação de trabalho dependente ou em razão dessa prestação – a fonte mediata é a relação laboral, sendo a persistência do vínculo à entidade patronal condição de acesso ao benefício, até aí uma expetativa e não um direito adquirido –, no período da sua perceção pelo Impugnante, constituindo-se assim base de incidência «à saída», aquando do resgate do capital aplicado na constituição do seguro, no que simultaneamente se dissolve uma aplicação retroativa da lei; indicou-se ainda no mesmo sentido o Despacho do Sub-Diretor Geral dos Impostos, de 8 de setembro de 1998, no mesmo sentido, bem como o de dezembro de 2014, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, sobre o enquadramento do rendimento em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e o quando do facto que dá azo à tributação em sede deste tributo, emitido para caso análogo, refutando haver diretrizes em sentido contrário. 12. No dia 11 de janeiro de 2018 foi ao Impugnante comunicada aquela decisão e, no dia 11 de abril seguinte, apresentou ele a petição na origem dos presentes autos. Não há outros factos provados com relevo para a decisão e, com esse relevo, inexistem factos não provados, para além do seguinte: 1. Que paralelamente ao descrito, designadamente, nos pontos 5.-6. da matéria de facto provada, a companhia seguradora haja disponibilizado ao Impugnante rendimentos classificados ou classificáveis como sendo da categoria E do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – rendimentos de capitais. A convicção do Tribunal para julgar provados os factos elencados formou-se a partir da prova reunida, de natureza documental, não impugnada e que dúvida não oferece sobre a sua fidedignidade, arts.369ºnº1,370ºnº1 e 370ºnº1 do Código Civil, quanto aos de natureza pública, arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do mesmo corpo de normas, quantos aos particulares, tento ainda presente a posição consensual das partes sobre os factos – apesar de discrepante e, mesmo, oposta quanto ao seu significado justributário. Assim, o vertido sob o ponto 1. extraiu-se do contrato, constante do procedimento de revisão. O teor dos pontos 2.-6. é consensual e, de resto, não só referido como um dos aspetos da decisão do procedimento de revisão oficiosa. O vertido sob os pontos 7.-9, extrai-se do teor das declarações de rendimentos e liquidações citadas e das notações sobre a sua notificação e pagamento, constantes igualmente do procedimento de revisão. O que consignado ficou sob os pontos 10.-12., I parte, retirou-se do procedimento de revisão, seus atos, termos e comunicações, já o do ponto 12., II parte, da notação da remessa eletrónica da petição inicial destes autos. O facto não provado resulta da absoluta falta de prova sobre ele. * 2.2.- Motivação de Direito O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC e 2º. al. e) do CPPT. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, que julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento de direito, por ter concluído pela tributação como rendimentos do trabalho e como tal sujeito a IRS, as quantias percebidas a título de resgate do contrato de seguro do ramo vida, dado que, estas constituem um benefício de reforma, não havendo lugar ao pagamento desse tributo, tendo a sentença recorrida violado, assim, o disposto quer no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS quer no artigo 74º da LGT. Atentemos. Substanciando, o presente pleito centra-se na celebração de um seguro de vida efectuado entre o SPAC (Sindicato dos Pilotos da Associação Civil) com a seguradora B..., S. A., cuja posição deste veio a ser posteriormente assumida pela A..., a cargo do qual estavam as contribuições para o referido fundo destinado aos pilotos aviadores da empresa, válido até aos 65 anos de idade, o qual poderia ser resgatado quando os beneficiários atingissem os 60 anos de idade, por impossibilidade do exercício efectivo da função. É neste conspecto que cumpre determinar se as quantias percebidas por esse resgate estão ou não sujeitas aos pressupostos de incidência, enunciados pelo art.2º nº3 corpo e alínea b) 3. do Código do IRS que, ao tempo dos factos, estabelecia que constituíam rendimentos do trabalho dependente “As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo "Vida", contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgaste, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado”. Importa, por isso, determinar o sentido e alcance do normativo acabado de transcrever e a tal respeito já este STA se pronunciou no Ac. do STA de 13/12/2017, proferido no processo nº 0303/17, acessível em www.dgsi.pt fixando o entendimento de que “Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.” Pontifica a respeito igualmente o Ac. do STA de 11/10/2017, no processo 195/16, publicado em www.dgsi.pt, do qual se destaca, com utilidade para o caso que nos ocupa, o seguinte bloco fundamentador: “No caso não se discute que as importâncias despendidas pela entidade patronal não constituem “direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários”. Mas, como salienta JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, cujos ensinamentos passaremos a seguir de perto, quando não transcrevermos, «[a] lei, todavia, manda que também incida IRS da categoria A sobre aquelas importâncias sempre que, posto que os produtos financeiros em causa ainda não tenham originado direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários, estes procedam à antecipação da sua disponibilidade, através de resgate, adiantamento, remição, ou recebimento do capital, mesmo que isso se verifique quando os beneficiários já tenham reunido os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou que esta se tenha verificado» (Op. cit., pág. 75.). Ou seja, como concluiu também o Procurador-Geral Adjunto no parecer que transcrevemos em 1.5, em caso de resgate antecipado a sujeição a IRS subsiste, ainda que os beneficiários preencham, nessa data, os requisitos legais exigidos para a passagem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, em situação de reforma.” Volvendo ao caso em análise, importa atentar no clausulado da apólice, do qual constava, como se levou ao probatório: “DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL – 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato.” Ora, como bem denota o EPGA no seu douto Parecer, controvertendo-se nos autos qual a opção de resgate efetuada pelo Recorrente, na data de adesão ao contrato de ... – ...- quanto à data de vencimento do certificado individual, ou seja, se optou pelo 1.º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que atingia os 60 anos ou se optou pelo 1.º dia seguinte à data em que perfazia os 65 anos. Essa matéria de facto revela-se essencial para a decisão, sendo inegável que os factos que o tribunal a quo levou ao probatório são insuficientes para a boa decisão do litígio, segundo as possíveis soluções jurídicas do mesmo, em consonância com o ponto de vista do Ministério Público, é forçoso concluir que o tribunal de 1.ª instância não fixou a factualidade necessária ao julgamento das questões jurídicas suscitadas no processo, pelo que se impõe a ampliação da matéria de facto de molde a apurar qual a opção efetuada pelo Recorrente, na data de adesão ao contrato. E o processo só volta ao tribunal recorrido quando a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito porque a decisão recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto que permita proferir decisão de mérito sobre as questões suscitadas, pelo que deve ser revogada e ordenada a baixa do processo ao TAF do Funchal, ao abrigo do disposto no artigo 682.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT. Em suma: é forçoso concluir que o tribunal de 1.ª instância não fixou a factualidade necessária ao julgamento das questões jurídicas suscitadas no processo, pelo que se impõe ordenar a baixa dos autos para que aquela instância proceda à ampliação da matéria de facto nos termos e para os fins sobreditos. * 3. – Decisão: Nestes termos, acorda-se neste Tribunal, julgando procedente o recurso, em revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos baixa dos autos Tribunal Tributário de Lisboa para cumprimento do que ficou supra explicitado e subsequentemente seja proferida nova decisão. Custas pela recorrida. * Lisboa, 03 de Julho de 2024. - José Gomes Correia (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro. |