Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01340/19.0BELRA
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica a admissão de revista para melhor aplicação do direito se o acórdão sindicado se encontra adequadamente sustentado na jurisprudência e na doutrina e não enferma de erro ostensivo ou notório.
Nº Convencional:JSTA000P32487
Nº do Documento:SA22024070301340/19
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A..., S.A,, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de abril de 2024, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação de IRC de juros relativos a 2015, revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgando improcedente a impugnação.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

A. Nos termos do artigo 285.º do CPPT, o recurso de revista deve ser admitido quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

B. No caso em apreço, é convicção da Recorrente que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo este Douto Tribunal chamado, na qualidade de órgão de regulação do sistema, a determinar se o regime fiscal FIFO, aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, e apenas aplicável aos prejuízos fiscais apurados em períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, conforme estabelece o n.º 5 do artigo 12.º daquele diploma legal, pode ser aplicado aos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2009 e 2010.

C. E, consequentemente, se perante a inexistência de norma legal ou princípio jurídico semelhante à solução acolhida pela referida Lei 2/2014, que impunha a obrigação de dedução de prejuízos fiscais pela sua ordem de antiguidade, podiam os sujeitos passivos de IRC optar por deduzir os prejuízos fiscais pela ordem de caducidade ao invés da ordem de antiguidade.

D. Em concreto, se perante o silêncio normativo constatado, podiam ser deduzidos em primeiro lugar, no ano de 2014, os prejuízos gerados no ano de 2010 e, apenas em 2015, os prejuízos apurados em 2009?

E. Sendo que as questões elencadas, devem ser julgadas em harmonia com o contexto legal em que a dedução dos prejuízos ocorreu, o que impõe que sejam consideradas as várias alterações legislativas ao prazo de dedução de prejuízos fiscais para que se compreenda o problema da caducidade dos prejuízos fiscais; a análise do momento em que o legislador acolhe no Código do IRC a regra do “FIFO” e o seu âmbito de aplicação temporal; a análise da revogação desse regime e os motivos subjacentes a essa revogação; e, por último, a compatibilidade do regime “FIFO” com o principio da tributação das empresas pelo lucro real previsto no artigo 104.º da CRP.

F. Sendo fácil a constatação de que todos estes elementos foram olvidados pelo Tribunal a quo, determinando que o mesmo tenha tratado as questões jurídicas em apreço de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

G. Resultado esse erro, com o devido respeito pelo Acórdão recorrido, da simplificação excessiva da questão jurídica submetida ao seu escrutino e que se evidencia de forma ostensiva no seguinte excerto da referida decisão: “A jurisprudência e doutrina que acabamos de transcrever é clara no sentido de a dedução ter de ser efetuada pela ordem de antiguidade da sua constituição, pelo que nos dispensamos de mais discorrer sobre o tema”.

H. Também essa dispensa de discorrer sobre o tema, impõe a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito quanto às questões supra enunciadas, sendo a reposta às mesmas aplicáveis aos casos que se encontrem atualmente pendentes de decisão.

I. Em conclusão, impõe-se a este Tribunal determinar se o regime FIFO é aplicável aos prejuízos fiscais gerados antes de 2014, como erradamente decidiu o Tribunal a quo à revelia da existência de uma norma legal ou princípio jurídico que assim o permitisse, ou se, pelo contrário, e como bem decidiu o TAF de Leiria nos presentes autos “(n)a falta de norma expressa que impeça a dedução dos prejuízos cujo termo do prazo de caducidade se encontre eminente em detrimento de prejuízos que, ainda que mais antigos, ainda possam vir a ser deduzidos no ano seguinte, aqueles prejuízos poderão ser deduzidos em primeiro lugar no caso dos presentes autos.”.

J. Para responder às questões apresentadas deve ainda ter-se presente que o prazo de reporte dos prejuízos fiscais gerados nos exercícios de 2010 e 2011, em resultado das alterações introduzidas pela Lei n.º 3- B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento de Estado para 2011), foi reduzido de 6 anos para 4 anos.

K. E, em resultado desta diminuição do número de anos de reporte de prejuízos fiscais, verificou-se, pela primeira vez, a caducidade dos prejuízos fiscais de 2010 antes de atingida a caducidade dos prejuízos fiscais de 2009.

L. Motivo pelo qual, no exercício de 2014, sob pena de caducidade dos prejuízos fiscais gerados no exercício de 2010, a Recorrida, à semelhança de outros sujeitos passivos, viu-se confrontada com o silêncio da lei quanto à obrigatoriedade de reportar os prejuízos fiscais por ordem cronológica (i.e., os gerados há mais tempo) vs dedução dos prejuízos fiscais em função da sua caducidade.

M. Concluindo, nos presentes autos impõe-se uma correta aplicação do direito aos factos, como meio de reposição da legalidade e justiça do sistema fiscal, sendo, aliás, a única solução compatível com um sistema em que coexistiram (e coexistem) diversos prazos de reporte de prejuízos fiscais.

Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente, assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Ministério Público não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado (fls. 6 a 18 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário do recurso de revista excepcional não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14). Também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos, pois.

Vem o presente recurso interposto para melhor aplicação do direito, por entender a recorrente que o TCA Sul julgou a questão decidenda de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ao decidir que, já antes do aditamento do n.º 15 do artigo 52.º do Código do IRC, se impunha a observância da ordem cronológica na dedução dos prejuízos.

Entendemos, porém, que atenta a fundamentação aduzida no acórdão sindicado – cfr. fls. 20 a 23 – manifesto é que a solução adoptada se encontra doutrinal e jurisprudencialmente sustentada e plenamente plausível.

Daí que, a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição que a recorrente reclama não se justifique, pois este STA já tomou posição sobre a questão, sendo o sentido decisório adoptado pelo TCA Sul plenamente conforme a esse entendimento.

CONCLUINDO:

Não se justifica a admissão de revista para melhor aplicação do direito se o acórdão sindicado se encontra adequadamente sustentado na jurisprudência e na doutrina e não enferma de erro ostensivo ou notório.

Termos em que a revista não será admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.