Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17989/17.3T8SNT.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ATIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA
LOCAL DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA
FALTAS INJUSTIFICADAS
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 09/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / LOCAL DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18ª edição, Almedina, 2017, p. 273;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª edição, Almedina, 2016, p. 277 e ss. e 344.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 128.º, N.º 1, ALÍNEA B), 194.º, N.ºS 1, 2, 3, 4 E 5, 196.º, E 351.º, N.º 2, ALÍNEA G).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 19-11-2015, PROCESSO N.º 217/08.0TTCSC.L1.S1.
Sumário :

I) O local de trabalho no caso das empresas de vigilância é mais abrangente do que ocorre na generalidade dos casos, pois que a prestação do trabalho deverá ser realizada em instalações/locais que não são da empregadora mas dos seus clientes e resultam de uma lógica de mercado concorrencial que gera naturalmente mudanças entre aquelas.

II) Sendo aplicável ao sector da vigilância o CCT celebrado entre “a AES – Associação de Empresas de Segurança” e a “FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e Outros”, com texto consolidado publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8/2011 - sector de prestação de serviços de vigilância (segurança privada) -, a sua cláusula 15ª afasta o disposto no artigo 194º, n.ºs 1 a 5, do CT, norma que não tem natureza imperativa.

III) Resulta das suas cláusulas 14.ª e 15.ª, que a estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da atividade da segurança privada e que essa rotatividade só deverá ser entendida como mudança de local de trabalho, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador.

IV) Tendo as partes acordado que o trabalhador iniciaria o seu desempenho de funções no cliente da empregadora, C. M. A. – Biblioteca, e prevenido a possibilidade da sua alteração, de acordo com as conveniências de serviço, a alteração do correspetivo local de trabalho para Lisboa, distando mais 6 Km da sua residência, não consubstancia uma transferência de local de trabalho.

V) Não ocorrendo uma modificação unilateral, por parte da empregadora, do local do posto de trabalho do trabalhador, mas sim uma sua alteração conforme o acordado e ao abrigo da rotatividade prevista no n.º 1, da cláusula 15ª, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 196º, do CT.

VI) Tendo atuado a empregadora validamente, incorreu o trabalhador em faltas injustificadas, desde o dia em que se devia ter apresentado no novo posto de trabalho até à data do despedimento, por nunca ter comparecido no mesmo, violando, assim, o seu dever de assiduidade e pontualidade, que sobre ele recaía, nos termos do artigo 128º, n,º 1, alínea b), do CT, dessa forma assumindo um comportamento que torna inexigível a manutenção da relação de trabalho entre as partes e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 2, alínea g), do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 17989/17.3T8SNT.L1.S2 – Revista (4ª Secção)[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I


      Relatório[2]:

            

            AA apresentou o formulário próprio a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho[3], 98º-C, n.º 1, e 98º-D, n.ºs 2 e 3, estes do Código do Processo do Trabalho[4], no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de Sintra, Juiz 3, tendo--se iniciado, em 02 de outubro de 2017, a instância na Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do seu Despedimento, efetuado pela Ré “BB, S. A.”, na qual se opõe ao mesmo e pede que seja declarada a sua ilicitude ou a irregularidade, com as legais consequências.

            Efetuada a audiência de partes, estas não se conciliaram, pelo que foi a Empregadora notificada para, querendo, apresentar o seu articulado, o que veio a acontecer.

             Nele alega, em suma, que:

· O Trabalhador foi admitido ao seu serviço em 06.09.2010, mediante contrato de trabalho, para desempenhar as funções de Vigilante.

· No dia 20.11.2016, foi-lhe comunicada a alteração do seu posto de trabalho, para um outro local, onde se deveria apresentar no dia 01.12.2016.

· Recebida a comunicação, via “SMS”, recusou-se a prestar serviço no novo local de trabalho.

· Avisado pelo Supervisor de que se encontrava a incorrer em faltas injustificadas, o Trabalhador continuou a faltar.

· No dia 26.02.2017, representado pelo respetivo Sindicato de Trabalhadores, instaurou contra si “Procedimento Cautelar não especificado” requerendo a manutenção do seu anterior posto de trabalho, ao qual foi deduzida oposição, tendo o mesmo improcedido.

·  Após a prolação dessa decisão judicial, não obstante as suas insistências para que se apresentasse no novo posto de trabalho e das advertências para o facto de estar a incorrer em faltas injustificadas, optou por nunca comparecer ao serviço, nem justificar as faltas dadas.

· Pelo que lhe instaurou um procedimento disciplinar, imputando-lhe 198 faltas injustificadas, as quais constituem justa causa de despedimento.

· Conclui pela licitude e regularidade do despedimento.

               O Trabalhador, por sua vez, apresentou a sua contestação e deduziu reconvenção, alegando, em resumo, que:

· Recebeu a “SMS” remetida pela sua Empregadora comunicando-lhe a alteração do local de trabalho.

· Mas aquela não lhe comunicou se a mudança era definitiva ou temporária, qual a duração e quais os seus fundamentos.

· A cláusula contratual que permite à Empregadora a alteração unilateral do local de trabalho é nula, quer porque lhe permite modificar unilateralmente o local de trabalho sem motivo justificativo, quer porque não contém os limites geográficos dentro dos quais pode ser unilateralmente mobilizado.

· A cláusula 15.ª do CCT aplicável é nula se a mesma for interpretada no sentido da dispensa do cumprimento das formalidades previstas nos artigos 194.º a 196.º do Código do Trabalho.

· No caso vertente, aquela não cumpriu tais formalismos, desde logo porque a ordem de transferência não foi formalizada por escrito, não foram enunciadas as razões justificativas da transferência, não foi observado o prazo de antecedência de 8 ou 30 dias, consoante a transferência fosse temporária ou definitiva, nem foi indicada a duração previsível da transferência.

· Considerando o despedimento ilícito, em reconvenção, peticionou a condenação daquela no pagamento da indemnização em substituição da reintegração e no pagamento das retribuições vencidas desde a data do despedimento até à decisão final.

            Notificada a reconvenção à Empregadora, esta respondeu, pugnando pela improcedência dos pedidos efetuados pelo Trabalhador.

            Foi lavrado despacho saneador, dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas e admitida a prova arrolada pelas partes.

            Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 21 de março de 2018, na qual, declarando-se lícito o despedimento do Trabalhador, julgou-se a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu-se a Empregadora dos pedidos efetuados contra ela.

II

            Inconformado com esta decisão, o Trabalhador interpôs recurso de apelação, pedindo que se anulasse a sentença recorrida e que, na sua procedência, fosse a ação julgada procedente.

             Por acórdão proferido, em 26 de setembro de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, negou-‑se provimento ao recurso e confirmou-se a sentença recorrida.

            Como seu fundamento consta, essencialmente, o seguinte:

               “Não se pode, pois, acompanhar o apelante quando pretende ser nula a cláusula do seu contrato de trabalho por tornar indeterminável o local da sua prestação, pois que, por um lado não se provou que o contrato de trabalho estipulava um local concreto para o apelante cumprir a sua prestação e nesse caso qual, mas apenas que, como resulta do facto provado enumerado em 4, ele foi inicialmente definido como sendo no cliente da apelada C.M.A. − Biblioteca; por outro lado e mesmo que assim não fosse, porque havia a possibilidade da apelada ordenar a rotatividade do posto de trabalho, como vimos da circunstância da alteração em que tal se traduzia não determinar acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador, em razão do estabelecido no CCT a que nos vimos referindo (e é apenas dentro deste circunstancialismo que relevariam os transtornos pessoais ou familiares para o trabalhador).

            Sendo facto impeditivo do direito da apelada empregadora assim proceder, cabia ao apelante trabalhador os ónus da alegação e da prova de que a alteração do posto de trabalho determinava um acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador, em conformidade com o estatuído pelo n.º 2 do art.º 342.º do Código Civil, o que o mesmo não observou.

            Neste quadro, a circunstância da determinação da rotatividade não decorrer de necessidades próprias da empresa relevaria, apenas, para a consideração abusiva do direito do empregador assim proceder, como acontece, de resto, com o exercício de qualquer direito, seja ou não laboral pois que em qualquer caso sempre devem as partes proceder de boa fé no exercício dos seus direitos (art.ºs 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 334.º do Código Civil), o que no entanto não é possível concluir em face dos factos provados.

            Por outro lado, no caso “sub iudicio” não cabe a invocada caducidade da cláusula do contrato de trabalho determinada pelo n.º 2 do art.º 194.º do Código do Trabalho uma vez que, como atrás dissemos, não se provou que a mesma constasse do contrato (a estipular um local concreto para o apelante cumprir a sua prestação).

            Também é por essa razão que não tinha a apelada de observar o procedimento estabelecido pelo art.º 196.º do Código do Trabalho, uma vez que aí se contempla situações de verdadeira transferência do local de trabalho, bastando nas de rotatividade a comunicação ao trabalhador o novo local de trabalho onde se apresentar para aí cumprir a sua prestação, o que a apelante fez”.

III

            Novamente inconformado, recorreu, agora, de revista excecional, alegando estar o acórdão recorrido em contradição com o acórdão proferido em 13 de abril de 2015 pelo Tribunal da Relação do Porto, no Processo n.º 214/14.6TTMTS.P1, transitado em julgado em 30 de abril de 2015.

            

            Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 06 de março de 2019 proferido pela “Formação” a que alude o artigo 672º, n.º 3, do Código de Processo Civil[5], entendendo verificar-se contradição entre julgados foi admitida a revista nos termos gerais.


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            Regressando o processo à Secção Central, foi o recurso distribuído como de revista nos termos gerais.


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            O Trabalhador termina a sua alegação, na parte que aqui interessa, com as seguintes conclusões[6]:

a. “Vem o presente recurso de revista excecional interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em sede de recurso de apelação.

 A questão suscitada no presente recurso é a de saber se o A. estava obrigado a dar cumprimento a uma mudança de local de trabalho ainda que sita na mesma área geográfica e se por outro lado, não tendo o A. obedecido àquela ordem a recusa de se apresentar ao serviço no novo local de trabalho constituía justa causa de despedimento [sic];

b. Esta questão assume acentuada relevância jurídica pois está em causa importância da segurança no emprego garantida pelo art.º 53° da Constituição e ainda a de saber até que ponto dispõem os empregadores do direito de mudança do local de trabalho dos trabalhadores que tem ao seu serviço sem que cumpram as comunicações escritas prévias e fundamentadas previstas nos art.ºs, 194°e 196°, do Código do Trabalho;

c. Pronunciou-se sobre esta matéria o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Abril de 2015, proferido no P° 214/14, e de que foi Relator o Exmo. Desembargador Eduardo Petersen Silva, concluindo pela ilicitude das comunicações efetuadas de mudança de local de trabalho desde que não dessem cumprimento antecipado ao disposto nos citados normativos do Código do Trabalho e ainda sobre a inexistência de justa causa de despedimento por recusa pelo trabalhador de acatar a ordem de mudança quer em virtude da legitimidade da recusa quer ainda que se pudesse equacionar a ilicitude dessa recusa sempre não existiriam faltas injustificadas ou justa causa de despedimento por inexistência do conhecimento daquela ilicitude;

d. Trata-se, no entanto, de Jurisprudência ainda não uniformizada, e que conduz ao aparecimento de Acórdãos de sentido diferente, como sucede no caso dos presentes autos;

e. (…);

f. O A. nos presentes autos vem impugnar o despedimento declarado pela R. com a invocação de justa causa que se fundamentava em faltas injustificadas do A. desde o dia 1 de Dezembro de 2016, por não se ter apresentado ao serviço no novo local de trabalho que a R. lhe designara, invocando o A. que não tinha que se apresentar naquele local de trabalho porquanto o seu local de trabalho era na Biblioteca da Câmara Municipal da ... e a determinação da R. para se apresentar em novos locais de trabalho e que eram dois Supermercados ..., sitos em locais distintos, não cumprira os requisitos legalmente estabelecidos, não existindo pois quaisquer faltas injustificadas que servissem de fundamento para ajusta causa de despedimento, mas antes uma legitima recusa por parte do A.;

g. Desta sentença foi interposto recurso de apelação, o qual, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, veio a ser julgado improcedente;

h. As questões a apreciar no âmbito do presente recurso são as seguintes:

- A validade do conceito de "rotatividade dos postos de trabalho" face ao conceito de "local de trabalho", e a consideração deste último como elemento essencial dos contratos de trabalho individuais com estreita regulamentação da possibilidade da sua mudança

- Das consequências da recusa do A. de se apresentar no novo local de trabalho, com a consequente invalidade do procedimento disciplinar instaurado e da ilicitude do despedimento;

i. O conceito de local de trabalho estava definido no CCT na Cláusula 14.ª do seguinte modo:

"1 - Local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da atividade laboral pelo trabalhador;

2 - Na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções.";

11) E, nos termos da Cláusula 15.ª, n.º 1, do CCT celebrado entre a AES e o STAD, republicado no BTE 8/2011:

"A estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade dos postos de trabalho característica da atividade da segurança privada, sem prejuízo de, sendo caso disso, tal rotatividade vir a ser, no caso concreto, entendida como mudança de local de trabalho, nos termos e para os efeitos da presente cláusula", prevendo-se no n.º 2 que:

"Entende-se como mudança de local de trabalho, para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer alteração do local de trabalho definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, ainda que dentro da mesma cidade, desde que determine o acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador.";

11) Da leitura destas previsões constantes do CCT, conclui-se que não existe uma verdadeira destrinça entre os conceitos de "local de trabalho" e de "rotatividade", mas antes se está perante um mesmo conceito, o de "local de trabalho", sendo apenas reguladas as situações em que há lugar ao pagamento de despesas e tempos de deslocação, podendo estes últimos serem objeto de compensação;

12) Por um lado, reconhecendo-se que o local de trabalho era um elemento essencial do contrato de trabalho, exigia-se na Cláusula 14.ª a delimitação geográfica desse local tendo em vista prevenir a possibilidade da sua indeterminabilidade, e, por outro lado, admitia-se a modificação do local de trabalho, como uma necessidade própria da atividade de segurança privada, prevendo-se em que circunstancias tal obrigaria o empregador a ter que suportar custos decorrentes da mudança;

13) Muito embora o legislador nos art.ºs 122°, f), e 129°, f), respetivamente dos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009, tenha estatuído o direito do empregador de modificar o local de trabalho do trabalhador, a verdade é que nos art.ºs 315° a 317° e 194° a 196°, respetivamente também daqueles Códigos, estabeleceu requisitos formais e de existência de fundamentos, que expressamente limitam aquela faculdade, exatamente por o local de trabalho ser considerado como um elemento essencial que é do contrato de trabalho (Ver os art.ºs 98°, do Código do Trabalho de 2003 e 106°, do Código do Trabalho de 2009).

- Ver no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de abril de 2015, também parcialmente transcrito em sede de alegações;

14) Na verdade, como flui dos autos:

- O A. estava ao serviço da R. desde fevereiro de 2011 e até ao final de novembro de 2016 (durante mais de 5 anos), não teve outro local de trabalho que não fosse a Biblioteca da Câmara Municipal da ... (ver n.ºs 1 a 5 e 7, da matéria de facto dada por provada na sentença de 1.ª instância);

- A mudança de local de trabalho foi comunicada ao A. na véspera, por mero SMS, e sem o cumprimento da tramitação exigida pelos art.ºs 194° e 196°, do Código do Trabalho (Ver n.º 8 da matéria de facto dada por provada na sentença de 1.ª instância);

- E, ao ser acusado de estar a faltar injustificadamente por não cumprir a determinação de mudança de local de trabalho, o A. invocou expressamente que aquela recusa se ficava a dever ao incumprimento pela R. da tramitação exigida para essa mudança (Ver n.º 12, da matéria de facto dada por provada na sentença de 1.ª instância);

15) Neste quadro, tal como consta do Acórdão atrás transcrito e da Doutrina que o sufraga, a recusa do A. de se apresentar no novo local de trabalho era lícita, não havendo faltas injustificadas e encontrando - se a R. em mora relativamente ao pagamento das retribuições devidas desde dezembro de 2016;

16) Aceitar como válida uma cláusula constante de um contrato de trabalho ou de uma Convenção Coletiva de Trabalho que confira ao empregador a transferência unilateral do contrato de trabalho do trabalhador torna indeterminável o local de trabalho, sendo por essa razão a cláusula nula por violação do art.º 280°, n.º 1, do Código Civil, da Cláusula 14ª, n.º 1, do CCT aplicável, e o princípio da segurança no emprego constante do art.º 53°, da Constituição;

17) E a questão que se coloca no caso dos autos nada tem que ver com a maior ou menor distância geográfica entre o local de trabalho a que o trabalhador estava afeto e aquele para onde o empregador pretende mudá-lo, ou com o tempo e despesas de deslocação;

19) E o conceito de "rotatividade" deixa de ser um conceito autónomo ou diferente do conceito de local de trabalho, tendo como única razão de existência a que decorre da destrinça entre as situações de mudança de local de trabalho que trazem ou não acréscimos de custos para o empregador como previsto está na Cláusula 17.º do CCT para a Segurança Privada celebrado entre a AES e o STAD;

18)  Trata-se, pois, de mudança de local de trabalho do A, imposta pela R. não relevando a mesma ocorrer na mesma área geográfica, sendo que esta última questão apenas releva em sede da existência de prejuízos sérios do A. decorrentes da mudança determinada e da possibilidade/impossibilidade de o A. os invocar quando a mudança foi exigida pela R.

19) Mudança essa que não poderia ser operada sem que tivesse sido dado cumprimento ao estabelecido nos art.ºs 191°, 194° e 196°, do Código do Trabalho;

20) E nem colhe aqui o entendimento acolhido pela sentença recorrida de que o A. não invocou a existência de prejuízos sérios que para a mesma adviriam da mudança de local de trabalho determinada pela R., pois, a existência de tais prejuízos sérios só teria que ser invocada pelo A. após ter tomado conhecimento da comunicação escrita e fundamentada que a R. deveria ter feito nos termos do art.º 196°, n.º 1, do Código do Trabalho, e, só ao tomar conhecimento - através da comunicação escrita - de que a mudança era definitiva (e não temporária) é que o A. poderia, nos termos do art.º 194º, n.º 5, do Código do Trabalho, invocar o prejuízo sério para recusar a mudança e rescindir o contrato de trabalho, mas nunca o poderia fazer em caso de mera transferência temporária, por não existir fundamento legal para tanto, e muito menos sem sequer saber (através da dita comunicação escrita e fundamentada) se a transferência era temporária ou definitiva;

21) E, ao contrário do que sustenta a R., o prejuízo sério não se circunscrevia a situações decorrentes da maior onerosidade ou acréscimos de tempos de deslocação, mas poderia até decorrer de transtornos causados na vida pessoal e familiar do A., tudo dependendo das condições de trabalho que viessem a ser estabelecidas no novo local de trabalho, nomeadamente em termos de horários e tempos/dias de descanso, sendo redutora a análise decorrente de meras distancias percorridas entre os locais de trabalho ou tempos gastos nas deslocações;

22) Sendo ilícito o despedimento declarado pela R. atenta a manifesta inexistência de justa causa de despedimento, tendo por essa razão o A. direito, nos termos dos art.ºs 389°, n° 1, e 390°, do Código do Trabalho, a que a R. seja condenada a:

a) Indemnizar o A. por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;

b) Reintegrar o A. no seu local de trabalho que era, desde a sua admissão há mais de 5 anos, a Biblioteca da Câmara Municipal da ..., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, exceto se a A. vier o optar, no momento processual próprio, pela cessação do contrato de trabalho nos termos previstos no art.º 391°, do Código do Trabalho, sendo nesse caso a indemnização calculada nos termos dos art.ºs 331º, n° 4, e 392°, n° 3, do mesmo Código;

c) Pagar ao A. as retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento declarado pela R.;

23) O douto Acórdão recorrido ao negar procedência ao recurso de apelação interposto, ao considerar licita a mudança do local de trabalho determinada pela R., ignorando o facto relevante de que o A. desde a sua admissão ao serviço da R. nunca ter tido outro local de trabalho, violou o art.º 280°, n° 1, do Código Civil, a Cláusula 14.ª, n.º 1, do CCT aplicável, o princípio da segurança no emprego constante do art.º 53°, da Constituição; ao considerar ilícita a recusa do A. de aceitar a mudança de local de trabalho que a R. ao fim de mais de 5 anos lhe pretendia impor, violou os art.ºs 106°, 129°, n° 1 ,f), 193°, 194° e 196°, do Código do Trabalho e os art.ºs  220° e 224° e seguintes do Código Civil; quando com aqueles fundamentos considerou válido o despedimento declarado pela R., violou os art.ºs 129°, n. 1, f), 193°, 194°, 196°, 331°, n.º 4, 389°, n.º 1, 390°, 391º e 392°, n.º 3, do Código do Trabalho;

23) Devendo por essa razão ser anulado o Acórdão recorrido, na parte em que dele se recorre, dando-se procedência à ação.”

             Termina pedindo que, dando-se provimento ao recurso, se revogue o acórdão recorrido e, consequentemente, na parte sob recurso, se julgue a ação procedente.


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             A Empregadora não respondeu ao recurso do Trabalhador, não apresentando contra-alegação.

IV

       Fundamentação:

     - Lei adjetiva aplicável:

        Tendo a instância se iniciado em 02 de outubro de 2017 e o acórdão recorrido sido proferido em 26 de setembro de 2018, são aqui aplicáveis os Códigos de Processo Civil e do Processo do Trabalho, nas suas atuais versões.


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        Questão colocada:

            

            - Se o despedimento do Trabalhador foi ilícito por não haver justa causa para o efeito por as faltas por ele dadas não poderem ser consideradas injustificadas.


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          Parecer do Ministério Público:

        Pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, foi emitido parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, no sentido de ser negada a revista.

             Notificado às partes, pronunciou-se o Autor reafirmando a sua posição já constante dos autos.



V

                - Da matéria de facto:



            As instâncias deram como prova a seguinte factualidade:

            

1. “Em 06 de Setembro de 2010, o Autor foi admitido para o desempenho de funções de Vigilante ao serviço da empresa “CC, Ld.ª”, tendo, em 01 de fevereiro de 2011, transitado para a Ré, sem perda de quaisquer direitos ou garantias, através de cessão de posição contratual – cf. resposta ao artigo 33.º da contestação.

2. O trabalhador tomou conhecimento e assinou os documentos 'NEP- 01/87 – R – NORMAS GERAIS DA CONDUTA DO VIGILANTE' e 'NEP – 02/87 – R – MISSÕES GERAIS DE CARÁCTER OPERACIONAL', onde constam as obrigações e diretivas emanadas pela empregadora necessárias ao bom cumprimento de serviço – cf. resposta ao artigo 2.º do articulado motivador do despedimento.

3. O Autor assinou o documento que consta a fls. 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cf. resposta ao artigo 4.º do articulado motivador do despedimento.

4. Nesse documento pode ler-se, além do mais, o seguinte:

'b) Iniciará o desempenho de funções no cliente C.M…. – Biblioteca, podendo a CC determinar alterações nos postos de trabalho quando conveniências do próprio serviço o exijam, comprometendo-se o trabalhador a aceitá-las”.

5. O Autor é atualmente trabalhador da Ré, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante – cf. resposta ao artigo 1.º do articulado motivador do despedimento.

6. No Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) aplicável à relação laboral – CCT celebrado entre a AES e o STAD, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8, de 28.02.2011 – nomeadamente no número 1 da Cláusula 15ª – consta que:

'A estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da atividade da segurança privada, sem prejuízo de, sendo caso disso, tal rotatividade vir a ser, no caso concreto, entendida como mudança de local de trabalho, nos termos e para os efeitos da presente cláusula.' – cf. resposta ao artigo 5.º do articulado motivador do despedimento.

7. O Autor prestava serviço nas instalações do cliente 'Biblioteca Municipal ..., situado na cidade da ... – cf. resposta ao artigo 7.º do articulado motivador do despedimento.

8. No dia 30 de novembro de 2016, foi comunicado ao trabalhador - através do Supervisor DD – que o seu novo local de trabalho passaria a ser nas instalações dos '... ...' e '... & ..., local onde se deveria apresentar a partir do dia 01 de dezembro de 2016 – cf. resposta ao artigo 8.º do articulado motivador do despedimento.

9. A comunicação foi efetuada por escrito, tendo o Supervisor enviado uma 'SMS' ao trabalhador AA, ficando este totalmente ciente e elucidado do local onde se deveria apresentar para cumprir as suas funções e, bem assim, ciente do novo horário de trabalho que teria que cumprir – cf. respostas ao artigo 9.º do articulado motivador do despedimento e 4.º da contestação.

10. O trabalhador recusou-se a prestar serviço no novo local de trabalho – cf. resposta ao artigo 10.º do articulado motivador do despedimento.

11. Nunca chegando a comparecer no posto indicado – cf. resposta ao artigo 11.º do articulado motivador do despedimento.

12. O Autor, mediante as cartas cujas cópias foram juntas a fls. 5 e 7 do processo disciplinar, invocou que recusava a mudança de local de trabalho por a Ré não ter efetuado qualquer comunicação que cumprisse os requisitos legais formalmente exigidos – cf. resposta ao artigo 5.º da contestação.

13. Por não se apresentar no seu local de trabalho, o Supervisor DD alertou constantemente o trabalhador para a necessidade de se apresentar no posto indicado, porquanto se encontrava escalado para tal e, assim, encontrava-se a incorrer em faltas injustificadas – cf. resposta ao artigo 13.º do articulado motivador do despedimento.

14. O trabalhador não alterou em nada a postura adotada, continuando a incorrer em faltas – cf. resposta ao artigo 14.º do articulado motivador do despedimento.

15. Em 26.02.2017, representado pelo STAD (sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas) instaurou o trabalhador procedimento cautelar não especificado contra a sua entidade patronal – ora R. nos presentes autos – cf. resposta ao artigo 15.º do articulado motivador do despedimento.

16. Processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juiz 4, sob o n.º 3237/17.0T8LSB – cf. resposta ao artigo 16.º do articulado motivador do despedimento.

17. Sucintamente, veio o trabalhador requerer a manutenção do seu anterior local de trabalho – Biblioteca ... – porquanto a ordem de transferência de local de trabalho seria nula, por incumprir os requisitos legais plasmados no Código do Trabalho (CT) – cf. resposta ao artigo 17.º do articulado motivador do despedimento.

18. Citada, apresentou a Ré a devida oposição, alegando, também sucintamente, que tal situação não se enquadrava na transferência de local de trabalho, havendo, antes sim, uma alteração de posto no âmbito da mobilidade geográfica, devidamente prevista no n.º 1 da Cláusula 15ª do CCT aplicável, devendo por isso o trabalhador cumprir a instrução de serviço e apresentar-se no local indicado – cf. resposta ao artigo 18.º do articulado motivador do despedimento.

19. Finda a fase dos articulados e realizada a competente audiência de julgamento, decidiu o Tribunal pelo não decretamento da providência cautelar – cf. resposta ao artigo 19.º do articulado motivador do despedimento.

20. O Autor nunca alegou perante a Ré qualquer prejuízo – cf. resposta ao artigo 23.º do articulado motivador do despedimento.

21. Se antes o trabalhador percorria, desde a sua residência, 14km para chegar ao seu anterior posto de trabalho, passou agora a percorrer, com o novo local de trabalho, 20km – cf. respostas aos 25.º e 26.º do articulado motivador do despedimento.

22. Não obstante as várias insistências da empresa, reiterando o local onde se deveria o trabalhador apresentar e alertando-o constantemente para o facto de estar a incorrer em faltas injustificadas, este não alterou o seu comportamento, optando por nunca comparecer ao serviço – cf. respostas aos artigos 29.º e 30.º do articulado motivador do despedimento.

23. A Ré reiterou ao Autor, através de missivas datadas de 20.02.2017, de 07.04.2017 e de 05.05.2017 a necessidade de se apresentar ao serviço no local para o qual se encontrava escalado – cf. resposta ao artigo 32.º do articulado motivador do despedimento.

24. O Autor respondeu à Ré conforme teor das cartas juntas ao processo disciplinar, a fls. 32 verso e 35 – cf. resposta ao artigo 33.º do articulado motivador do despedimento.

25. Notificado pela empresa para justificar as faltas que se encontrava a dar, o Autor não apresentou qualquer justificação – cf. resposta ao artigo 34.º do articulado motivador do despedimento.

26. A Ré instaurou processo disciplinar ao Autor, em 07.06.2017, com vista ao despedimento – cf. resposta ao artigo 35.º do articulado motivador do despedimento.

27. No qual se imputou ao trabalhador 198 (cento e noventa e oito) faltas injustificadas, contabilizadas até ao dia 16.06.2017, dia de elaboração da Nota de Culpa – cf. resposta ao artigo 36.º do articulado motivador do despedimento.

28. Mais concretamente, o trabalhador faltou ao serviço, sem motivo justificativo, nos dias:

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de dezembro de 2016;

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de janeiro de 2017;

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 fevereiro de 2017;

. 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de março de 2017;

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril de 2017;

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de maio de 2017;

• 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07,08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, e 16 de junho de 2017 – cf. resposta ao artigo 37.º do articulado motivador do despedimento.

29. Notificado da nota de culpa, o Autor respondeu, conforme consta da resposta à nota de culpa junta aos autos de procedimento disciplinar – cf. resposta ao artigo 38.º do articulado motivador do despedimento.

30. A Ré elaborou o Relatório Final – cf. resposta ao artigo 41.º do articulado motivador do despedimento.

31. O Autor não invocou, em qualquer momento, qualquer prejuízo decorrente desta alteração de local de trabalho – cf. resposta ao artigo 67.º do articulado motivador do despedimento.

32. O Autor auferia, até novembro de 2016, a retribuição mensal de € 641,93 (seiscentos e quarenta e um euros e noventa e três), acrescida de subsídio de refeição por cada dia de trabalho efetivamente prestado e de trabalho noturno prestado – cf. resposta ao artigo 36.º da contestação.

26) [7]Retribuições que a Ré deixou de pagar, desde 01 de dezembro de 2016 até à data do despedimento – cf. resposta ao artigo 37.º da contestação.

VI


       - Do direito:     

               

                Como todos os factos ocorreram a partir de 06 de outubro de 2010, pois a “ordem” de mudança foi comunicada em 30.11.2016 e as faltas em causa ocorreram de 01.02.2016 a 16.06.2017, é aqui aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, bem como o CCT celebrado entre “a AES – Associação de Empresas de Segurança”  e a “FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e Outros”, alteração e outras (texto consolidado), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8/2011, páginas 713 a 731 - sector de prestação de serviços de vigilância (segurança privada) [[cujo texto integral se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 2008, última publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 27, de 22 de Julho de 2010].


****


               Alega o recorrente que o seu local de trabalho é na “Biblioteca Municipal de ...” pelo que a ordem que recebeu para se apresentar no “... ...” e no “... & …”, é ilícita porquê a cláusula, ao abrigo da qual foi essa ordem foi emitida, está ferida de nulidade por não permitir identificar e determinar o seu local de trabalho.

                Assim sendo, o seu despedimento foi ilícito.


****

            - (I)licitude do despedimento do Trabalhador por não haver justa causa para o efeito, dado as faltas não poderem ser consideradas faltas injustificadas:
              Nos termos do artigo 98º, do CT, o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho.

             No contrato do trabalho existem deveres gerais para ambas as partes, tais como, proceder de boa-fé, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações, colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador [artigo 126º, do CT] e existem deveres para o empregador e para o trabalhador [artigos 127º e 128º, ambos do CT].

             Ora, o dever principal do trabalhador, perante o empregador, é a prestação da atividade do trabalho, de acordo com o regime de subordinação.

             Contudo, conexos com a prestação do trabalho existem outros deveres acessórios.

              Ou seja, como diz António Monteiro Fernandes[8], “[p]ara além da obrigação principal que assume através do contrato – a de executar o trabalho de harmonia com as determinações da entidade patronal -, recaem sobre o trabalhador outras obrigações, conexas à sua integração no complexo de meios preordenados pelo empregador, sendo uma de base legal (como o chamado dever de lealdade) e outras de origem convencional (como, em certas atividades económicas, a obrigação de não fumar).”

              Esta distinção resulta da fonte donde eles emanam – da lei, de convenção coletiva de trabalho, do próprio contrato de trabalho, etc.

             Maria do Rosário Palma Ramalho[9] também faz a distinção entre deveres acessórios integrantes da prestação principal e deveres acessórios independentes dessa prestação.

             Entre os primeiros estão, por exemplo, o dever de obediência, de assiduidade, de pontualidade e de zelo, e entre os segundos destacam-se o dever de lealdade, de respeito e de urbanidade.

             Estes deveres do trabalhador estão previstos, a título meramente exemplificativo, no artigo 128º, do CT.
          
              Por outro lado, nos termos do artigo 328º, n.º 1, alínea f), do CT, o empregador, no exercício do poder disciplinar, pode aplicar ao trabalhador as diversas sanções, que enumera, entre as quais se encontra o despedimento sem indemnização ou compensação.

             O despedimento por facto imputável ao trabalhador, nos termos do artigo 340º, alínea c), do CT, faz cessar o contrato de trabalho.
             
             Acresce que, segundo o artigo 338º, do CT, é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

              Ora, nos termos do artigo 351º, do n.º 1, do CT, a justa causa de despedimento é definida como sendo “o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e culpabilidade, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação do trabalho”.

             Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácer das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes – artigo 351º, n.º 3, do CT.
             
              Por fim, estabelece-se no artigo 330º, n.º 1, do CT, que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.

             A decisão disciplinar de despedimento obriga à análise de duas dimensões distintas:

1) O comportamento culposo do trabalhador (requisito subjetivo);
2)  Impossibilidade prática de manutenção da relação laboral entre o empregador e o seu trabalhador (elemento objetivo).

               Para haver justa causa deve verificar-se, ainda, um nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral.

               Relativamente ao elemento subjetivo, vem-se entendendo que, quer a culpa quer a gravidade da infração disciplinar, hão de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “bonus pater familias”, isto é, de um empregador normal, médio, colocado face ao caso concreto, utilizando critérios de objetividade e de razoabilidade, não podendo, pois, aferir-se em função do critério subjetivo do empregador.

                               

               Quanto ao elemento objetivo, considera-se que se verifica a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo laboral represente uma incomportável e injusta imposição ao empregador.

               Encontra-se, assim, a decisão disciplinar subordinada aos princípios da proporcionalidade, da adequação e, nomeadamente, à gravidade dos factos e à culpa do trabalhador – artigos 330º e 367º, n.º 4, ambos do CT -, devendo, para esse efeito, serem ponderadas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes, direta ou indiretamente relevantes [artigo 357º, n.º 4, do CT], tais como o quadro organizativo da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o caráter das relações entre as partes, a antiguidade hierárquica, o grau de responsabilidade das funções desempenhadas, os antecedentes disciplinares, o grau de arrependimento demonstrado.

               A justa causa visa, pois, sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, graves em si mesmas e nas suas consequências, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.


****


              Acresce que, na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador e compete ao empregador alegar e provar os factos por si invocados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador.


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Diz o artigo 256º, n.º 1, do CT, que a falta injustificada constitui violação do dever de assiduidade e determina a perda da retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador.

               Por último, a alínea g), do n.º 2, do mesmo artigo, estipula que constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento:


· As faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa (artigo 351º, n.º 2, alínea g), 1ª parte, do CT);
· Ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco (5) seguidas ou dez (10) interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco (artigo 351º, n.º 2, alínea g), 2ª parte, do CT/2009).


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               A Empregadora despediu o Trabalhador imputando-lhe 198 faltas injustificadas dadas entre o dia 01.12.2016 e o dia 16 de junho de 2017, depois de lhe ter determinado a apresentação num novo local de trabalho e do mesmo se ter recusado a prestar serviço nesse novo local.

               Com efeito, nunca chegou a comparecer no posto indicado, invocando, para o efeito, que recusava a mudança de local de trabalho por a Empregadora não ter efetuado qualquer comunicação que cumprisse os requisitos legais formalmente exigidos.

                VEJAMOS:

                a). Noção de local de trabalho:

               

               Dispõe o artigo 193º, do CT, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo 194º (n.º 1), sendo que este admite no seu n.º 2, que as partes podem alargar ou restringir o disposto no n.º 1, mediante acordo que caduca ao fim de 2 anos se não tiver sido aplicado.

               O local de trabalho é, em primeira linha, o espaço ou o lugar físicos onde é prestado o cumprimento da prestação do trabalho que, em regra, coincide com as instalações da empresa ou com o estabelecimento.

               Todavia, esta noção não abarca as situações em que a atividade laboral é desenvolvida, não se compadece com a fixação de um lugar de trabalho único ou mesmo preponderante, e, também, não é adequado para outras atividades, tais como, as dos contratos de trabalho em que o local de trabalho se sujeita a alterações periódicas por força da atividade desenvolvida pela empresa, e em que, pela sua especificidade estrutural, a atividade é prestada nas instalações de uma entidade diversa da do empregador.

               Sendo a atividade da Empregadora a de prestação de serviços de vigilância privada, os seus trabalhadores, em geral, não prestam a sua atividade nas suas instalações, mas sim nas instalações a vigiar, e nem em local fixo, dada a exigência da sua rotatividade por questões profissionais e empresariais, e, ainda, devido à precariedade dos contratos de prestação de serviços de vigilância. 

                É o que resulta da Lei n.º 34/2013[10], de 16 de maio – Lei que regula o exercício da atividade de segurança privada e da autoproteção.

               De acordo com o artigo 2º, alínea a), da Lei n.º 34/2013, é «empresa de segurança privada» “toda a entidade privada, pessoa singular ou coletiva, devidamente autorizada, cujo objeto social consista exclusivamente na prestação de serviços de segurança privada e que, independentemente da designação que adote, exerça uma atividade de prestação de serviços a terceiros de um ou mais dos serviços previstos no n.º 1 do artigo 3.º.

               No seu artigo 3º, n.º 1, refere-se que são serviços de segurança privada, nomeadamente, “a vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público”.

               Ora, dado o carácter redutor da noção inicial de local de trabalho [como sendo o espaço ou o lugar físicos onde é prestado o cumprimento da prestação do trabalho e que, em regra, coincide com as instalações da empresa ou com o estabelecimento], a doutrina e a jurisprudência, “têm aperfeiçoado a noção de local de trabalho, de modo a fazê-lo coincidir não com o espaço físico das instalações do empregador, mas com a ideia de centro estável ou predominante da atividade laboral (o que permite incluir tanto os casos do local de trabalho diluído como as deslocações do trabalhador ao serviço da empresa)[11]”.


*****


                b). Determinação do local de trabalho:

                   O local de trabalho é determinado, nos termos do artigo 193º, n.º 1, do CT, pelas partes e havendo contrato sob a forma escrita é o local que dele consta.



                Quando assim não suceda, nos termos do artigo 106º, n.º 2, alínea b), do CT, o empregador deve obrigatoriamente informar o trabalhador do seu local de trabalho ou, não havendo fixo ou predominante, a indicação de que o trabalho é prestado em várias localidades.

               

                Acresce que a determinação do local do trabalho faz surgir, nos termos do artigo 129º, n.º 1, alínea f), do CT, o direito à inamovibilidade na esfera jurídica do trabalhador, ou seja, enquanto o contrato de trabalho vigorar, o trabalhador tem direito a esse lugar.


****


               c). Transferência do trabalhador, pelo empregador, para outro local de trabalho – mudança de local de trabalho:

               Estipula o artigo 194º, n.º 1, alínea b), do CT que o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, quando o interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.

               Por sua vez, no n.º 5, da mesma norma, dispõe-se que no caso de transferência definitiva o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366º.

                Por fim, de acordo com o n.º 6, do mesmo normativo, é permitido aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho afastarem o disposto nos seus n.ºs 1 a 5 – cf., também, os artigos 2º e 3º, ambos do CT.

               Sendo assim, o disposto no artigo 194º, n.ºs 1 a 5, não goza de imperatividade.

               Conclui-se, pois, que é proibido ao empregador mudar o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos no CT, em IRCT’s, ou, ainda, quando haja acordo das partes.

               

                Por sua vez, o artigo 196.º do mesmo código, dispõe sobre o procedimento atinente à decisão de transferência de local de trabalho, determinando que «[o] empregador deve comunicar a transferência ao trabalhador, por escrito, com oito ou 30 dias de antecedência, consoante esta seja temporária ou definitiva» (n.º 1), devendo essa comunicação «(…) ser fundamentada e indicar a duração previsível da transferência, mencionando, sendo caso disso, o acordo a que se refere o n.º 2, do artigo 194.º».

               


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               d). Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao caso concreto:

               Como se disse, é aqui aplicável o CCT celebrado entre “a AES – Associação de Empresas de Segurança” e a “FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e Outros”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8/2011, páginas 713 a 731 [sector de prestação de serviços de vigilância e de segurança privada].

               Sobre o local de trabalho e a mobilidade geográfica do trabalhador consta no CCT o seguinte:


Cláusula 14.ª
Local de trabalho

1) Local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da atividade laboral pelo trabalhador.

2) Na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções.


Cláusula 15.ª
Mobilidade geográfica

1. A estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da atividade de segurança privada, sem prejuízo de, sendo caso disso, tal rotatividade vir a ser, no caso concreto, entendida como mudança de local de trabalho, nos termos e para os efeitos da presente cláusula.

2. Entende-se por mudança de local de trabalho, para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer alteração do local de trabalho definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, ainda que dentro da mesma cidade, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador.

3. O trabalhador só poderá ser transferido do seu local de trabalho quando:


a. Houver rescisão do contrato entre a entidade empregadora e o cliente;
b. O trabalhador assim o pretenda e tal seja possível sem prejuízo para terceiros (troca de posto de trabalho);
c. O cliente solicite a sua substituição, por escrito, por falta de cumprimento das normas de trabalho, ou por infração disciplinar imputável ao trabalhador e os motivos invocados não constituam justa causa de despedimento;
d. Houver necessidade para o serviço de mudança de local de trabalho e desde que não se verifique prejuízo sério para o trabalhador.

4. Sempre que se verifiquem as hipóteses de transferência referidas no número anterior, as preferências do trabalhador deverão ser respeitadas, salvo quando colidam com interesses de terceiros ou motivos ponderosos aconselhem outros critérios.

5. Se a transferência for efetuada a pedido e no interesse do trabalhador, considerando-se igualmente nesta situação aquele que anuiu à troca, nunca a empresa poderá vir a ser compelida ao pagamento de quaisquer importâncias daí decorrentes, seja com carácter transitório ou permanente.

6. Havendo mudança de local da prestação de trabalho por causas ou factos não imputáveis ao trabalhador, a entidade empregadora custeará as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada. O acréscimo de tempo (de ida para e regresso do local de trabalho), superior a quarenta minutos, gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho, será pago tendo em consideração o valor hora determinado nos termos da cláusula 22.ª, n.º 3, ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário.

7. Nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3 da presente cláusula, o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito a uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, salvo se a entidade empregadora provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador.

               


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               Ora, resulta das citadas cláusulas 14.ª e 15.ª, do CCT aplicável, que, apesar de o local de trabalho ser o geograficamente definido pela empregadora, ou o acordado entre as partes, para a prestação da atividade laboral pelo trabalhador, ou então, faltando esta definição, o local no qual o mesmo inicia as suas funções, certo é que a estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da atividade da segurança privada e essa rotatividade só deverá ser entendida como mudança de local de trabalho, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador.

                Caso a rotatividade seja entendida como mudança de local de trabalho, então só é possível nas situações descritas no n.º 3 da supracitada cláusula.

                Por fim, esta cláusula 15.ª do CCT afasta, como já se viu, o regime previsto no artigo 194.º do Código do Trabalho, faculdade que o n.º 6 deste preceito consente.      


*****


                e). Regressemos ao caso concreto:

               Com relevo, decorre dos autos que se provou a seguinte factualidade:

· Em 06 de setembro de 2010, o Trabalhador foi admitido para o desempenho de funções de vigilante ao serviço da empresa CC, Ld.ª, tendo, em 01 de fevereiro de 2011, transitado para a Empregadora, sem perda de quaisquer direitos ou garantias, através de cessão de posição contratual - facto do n.º 1;

· O Trabalhador assinou o documento que consta a fls. 37, onde se pode ler, além do mais, o seguinte:

b. Iniciará o desempenho de funções no cliente C.M…. – Biblioteca, podendo a CC determinar alterações nos postos de trabalho quando conveniências do próprio serviço o exijam, comprometendo-se o trabalhador a aceitá-las– facto n.º 4.

· O Trabalhador exercia as funções inerentes à categoria profissional de vigilante – facto do n.º 5.

· O Trabalhador prestava serviço nas instalações do cliente 'Biblioteca Municipal..., situada na cidade da ..., quando, no dia 30 de novembro de 2016, lhe foi comunicado através do seu supervisor que o seu novo local de trabalho passaria a ser nas instalações dos '... ...' e '... & …, local onde se deveria apresentar a partir do dia 01 de dezembro de 2016 – factos n.ºs 7 e 8.

· O Trabalhador, no entanto, recusou-se a prestar serviço no novo local de trabalho e nunca chegando a comparecer no posto – factos n.º 10 e 11.

· Se antes o Trabalhador percorria, desde a sua residência, 14km para chegar ao seu anterior posto de trabalho, passou agora a percorrer, com o novo local de trabalho, 20km – facto n.º 21.

· Não obstante as várias insistências da empresa, reiterando o local onde o Trabalhador se deveria apresentar e alertando-o constantemente para o facto de estar a incorrer em faltas injustificadas, este não alterou o seu comportamento, optando por nunca comparecer ao serviço, pelo que a Empregadora veio a despedi-lo imputando-lhe 198 faltas injustificadas, dadas entre o dia 01.12.2016 e o dia 16.06.2017 – factos n.ºs 12 a 24.


*****

               Ora, no âmbito do presente recurso de revista, o Trabalhador apenas alega que não existe diferença entre os conceitos de “local de trabalho” e “rotatividade e que, por isso, a ordem de transferência de local de trabalho que lhe foi dada é nula, por incumprimento do estabelecido no artigo 191.º, n.ºs 1 e 2, do CT.

               

               Ora, está provado que o Trabalhador aceitou iniciar o desempenho de funções «(…) no cliente C.M….. – Biblioteca, podendo a “CC” determinar alterações nos postos de trabalho quando conveniências do próprio serviço o exijam, comprometendo-se o trabalhador a aceitá-las».

               

               Daqui decorre que as partes definiram, por acordo, o local de trabalho do Trabalhador mas preveniram a possibilidade de alteração de acordo com as conveniências do serviço, o que se compreende tendo em conta, como já se assinalou, a natureza da atividade da empregadora, que está necessariamente sujeita à celebração, modificação e extinção dos contratos com os respetivos clientes, e vai ao encontro do estabelecido na supracitada cláusula 15.ª, onde se prevê como legalmente admissível a rotatividade de postos de trabalho no sector de atividade de segurança privada.

               Ou seja, atendendo às características específicas da atividade da segurança privada, os vigilantes podem ser confrontados com a rotatividade de postos de trabalho, passando a exercer as suas funções noutro posto, ao abrigo da mobilidade geográfica.

               Essa situação foi, aliás, prevista e aceite pelas partes, como resulta do documento de fls. 37, ou seja, da informação a que alude o artigo 106º, n.º 3, alínea b), do CT, informação essa que o Trabalhador também assinou, dando-lhe, assim, o seu aval, o seu consentimento e aceitação.

               Considerando a factualidade dada como provada e o regime jurídico aplicável, tendo a ré determinado alteração do posto de trabalho do Trabalhador, ao abrigo do regime de rotatividade previsto no n.º 1, da citada cláusula 15.ª, do CCT aplicável, era ao Trabalhador a quem incumbia o ónus de demonstrar que a ordem dada pela Empregadora deveria ser entendida como uma mudança de local de trabalho por não se integrar no conceito de rotatividade, por se tratar de facto impeditivo do direito alegado pela ré, por força do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil.

               Na verdade, no n.º 2, da Cláusula 15ª, dispõe-se que há mudança de local de trabalho “desde que determine acréscimo significativo (…)” ao passo que no artigo 194º, n.º 1, alínea b), consta “e a transferência não implique (…)”, ou seja, a formulação da cláusula é pela positiva e a do artigo é pela negativa.

                Ora, o Trabalhador não cumpriu esse ónus.

               Nessa medida, estamos perante uma situação de rotatividade no posto de trabalho ao abrigo da citada cláusula 15.ª, n.º 1, e não de mudança de local de trabalho, razão pela qual a Empregadora não estava obrigada a cumprir o procedimento previsto no artigo 196.º do Código de Trabalho, de comunicação escrita com oito ou trinta dias de antecedência, consoante a mudança fosse temporária ou definitiva.

               

              Neste sentido, e em situação bastante semelhante decidiu o Supremo Tribunal de Justiça de 19 de novembro de 2015, proferido no processo n.º 217/08.0TTCSC.L1.S1:

- Tendo as partes estabelecido, no contrato de trabalho, que o local de trabalho da trabalhadora, com a função de vigilante, correspondia a qualquer um dos locais de prestação de serviço de segurança privada pela empregadora, dentro da Região de ..., a mudança do correspetivo posto de trabalho da ... para a (...), ambos localizados na cidade de Lisboa, não consubstancia uma transferência do local de trabalho.

- Não ocorrendo uma modificação unilateral, por parte da empregadora, do local de trabalho da autora, mas sim uma mudança do posto de trabalho dentro dos limites geográficos do local de trabalho fixado contratualmente, não há lugar à aplicação do estatuído nos artigos 315.º a 317.º do Código do Trabalho de 2003, nem na cláusula 15.ª do Contrato Coletivo de Trabalho considerado aplicável.

               

               Conclui-se, assim, que a Empregadora atuou validamente a coberto da referida cláusula 15.ª que o Trabalhador, aliás, se comprometeu a aceitar, nos termos do documento de fls. 37, por ele assinado.

               

               Por conseguinte, o Trabalhador incorreu de facto em 198 faltas injustificadas, violando de forma grave e culposa o dever de assiduidade e pontualidade que sobre ele recaía nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, dessa forma assumindo um comportamento que torna inexigível a manutenção da relação de trabalho entre as partes e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 2, alínea g), do mesmo Código.


*****


              Decisão:

                Pelo exposto delibera-se:


1) Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.

2) Custas da revista, pelo Autor/recorrente.

3) Notifique.

                Segue em anexo o respetivo Sumário.


*****

                                                                                                                                          

Lisboa, 2019.09.25

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Paula de Sá Fernandes

__________________________
[1] - Registo n.º 011/2019
FP (R) – CM/PSF
[2] - Relatório elaborado com base nos das instâncias.
[3] - Doravante CT.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Doravante CPC.
[6] - Sendo a transcrição “ipsis verbis” manteve-se a pontuação, a numeração tal como consta e, ainda, “Autor” e “Ré” em vez de Trabalhador e Empregadora.
[7] - Conforme consta nas duas instâncias.
[8] - Direito do Trabalho, 18ª edição – edição especial comemorativa dos 40 anos, Almedina, 2017, página 273.
[9] - Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais -, 6ª edição, Almedina, 2016, Páginas 277 e ss.
[10] Alterada pela Lei n.º 46/2019, de 08 de julho. Contudo, tendo a alteração entrado em vigor apenas em 06.09.2019, não é aqui aplicável tendo em consideração a data dos factos. 
[11] - Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina, pagina 344.