Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
343/04.4TTBCL.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS (PROVAS)
DIREITO DO TRABALHO - SUJEITOS (IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO)
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Pedro Romano Martinez e outros, in ‘Código do Trabalho’, 5.ª Edição, obra colectiva, pág. 137.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1.
CÓDIGO DE TRABALHO/2003 (CT): - ARTIGOS 22.º, 23.º, N.º3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 59.º, N.º1.
RCT (LEI N.º 35/2004, DE 29 DE JULHO): - ARTIGOS 32.º, 33.º, 35.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/10/1996, PROCESSO 16/96, D.R., I SÉRIE - A, DE 4.12.1996;
-DE 9/11/2005, 23/11/2005 E DE 25/5/2008, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 22/4/2009, IN WWW.DGSI.PT .

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, N.º 313/89, 13.º VOL., TOMO II, PGS. 917/SS.[3],
Sumário : I – O princípio da igualdade (art. 13.º da C.R.P.), desenvolvido no art. 59.º/1 da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

II – O princípio do ‘trabalho igual, salário igual’, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjectivos.

III – A inversão do ónus da prova a que alude o n.º3 do art. 23.º do Código do Trabalho, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação.

IV – Não tendo sido invocado/provado tal fundamento, a existência de factos bastantes que permitam concluir pela verificação da prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador face ao qual se diz discriminado, constitui ónus do A., não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I –

1.

AA, devidamente identificado, interpôs no Tribunal do Trabalho de Barcelos, em 18-05-2004, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra «BB – Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil», pedindo que:

- Se declare que o A. exerce no R. funções e actos materiais correspondentes à categoria profissional de formador;

- A classificação do A. seja efectuada por aquela categoria profissional;

- O R. seja condenada a reconhecer que o A., no mínimo, presta serviço/trabalho de quantidade, qualidade e natureza igual ao trabalho prestado pelos outros colegas que prestam labor na mesma secção de formação, e declarar-se que lhe assiste o direito de receber do R. o mesmo valor, a título de remuneração base e outros acréscimos salariais, que aquela paga, desde Setembro de 1998, aos demais colaboradores;

- O R. seja condenada a pagar ao A. as diferenças de remuneração havidas desde Setembro de 1998 até Abril de 2004, as quais importam no valor global de € 23.817,63 (vinte e três mil oitocentos e dezassete euros e sessenta e três cêntimos) e bem assim, para o futuro, o valor correspondente à remuneração mensal mais elevada paga pelo R. ao colaborador que exerce funções equivalentes às do A., em natureza, quantidade e qualidade, importância que deverá ser acrescida de juros computados à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

- Subsidiariamente, e na eventualidade de na presente demanda se não conseguir quantificar, com exactidão, as diferenças salariais a que o A. tem direito, requer a liquidação das mesmas em execução de sentença (sic).

 Alegou para tanto, em síntese útil, que foi admitido ao serviço do R. em 1998-03-02 para, mediante retribuição mensal, ultimamente no montante de € 807,47, exercer as funções de “monitor auxiliar”, como efectivamente exerceu, classificando-o o R. como “formador III, da letra A”.

 Porém, a partir de Setembro de 1998, momento em que o A. terminou o curso de formação pedagógica de formadores, deveria ter passado a auferir retribuição igual aos restantes formadores, por o trabalho prestado ser igual em quantidade, qualidade e natureza.

 Daí a sua reclamação de diferenças salariais com referência ao trabalhador do R., classificado como formador, que aufira retribuição mais elevada entre os trabalhadores com tal categoria.

2.

Contestou o R., por impugnação e por excepção, alegando, em resumo, que o A. não aceitou ser reclassificado como “formador III”, o que impediu a sua progressão nos escalões salariais.

De qualquer modo, porque inexistia regulamento interno ou IRC aplicável e porque a progressão referida dependia da avaliação do desempenho e da antiguidade de cada trabalhador, entende que o A. não tem direito às reclamadas reclassificação e diferenças salariais, tanto mais que o A. não fazia acompanhamento dos estágios dos formandos, nas empresas, tarefa que cabia ao seu Colega Paulo Torres.

Alega, por último, que em seu entender não se verifica qualquer violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, pois são consentidas diferenças desde que objectivamente fundadas.

O A. respondeu à contestação.

3.

Discutida a causa, proferiu-se sentença, em que se decidiu que o A. exerce, no R., funções e actos materiais correspondentes à categoria profissional de formador, desde Março de 1999, sendo essa a categoria profissional em que tem que ser classificado.

E condenou o R. a reconhecer que o A., no mínimo, presta serviço/trabalho de quantidade, qualidade e natureza igual ao trabalho prestado pelos outros colegas que prestam labor na mesma secção de formação; a pagar-lhe o mesmo valor, a título de remuneração-base e demais acréscimos salariais que aquela paga, desde Março de 1999, aos demais colaboradores Formadores; a pagar-lhe as diferenças de remuneração havidas desde Março de 1999 até Abril de 2004, a liquidar em execução de sentença, e bem assim, para o futuro, o valor correspondente à remuneração mensal mais elevada, paga pelo R. ao colaborador que exerce funções equivalentes às do A., em natureza, quantidade e qualidade, acrescida de juros, computados à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

4.

Irresignado com o assim decidido, veio o R. interpor recurso de apelação, a que o Acórdão de fls. 535-558 negou provimento, confirmando a sentença impugnada…embora restringindo o direito a diferenças salariais ao período que se inicia em 9.3.1999.

Não se conformando com o assim ajuizado, traz-nos o R. a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo:

1.  O acórdão de fls. deve ser revogado porque fez errada aplicação do Direito.

2.  Entendeu o Tribunal da Relação do Porto que o ónus recaía sobre o Recorrente, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho/2003 e que a diferença retributiva é injustificada e discriminatória porque não foi provado qualquer facto que a suporte.

3.  O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objectivo), ou com base em categorias tidas pelo legislador como factores de discriminação (sexo, raça, idade e outras), destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.

4.  Tem sido entendimento pacífico e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que, para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.

5.  Tal ónus, como resulta dos autos e até do acórdão recorrido, não foi cumprido pelo Recorrido.

6.  O Código do Trabalho de 2003 consignou o direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, no seu artigo 22.º, nos seguintes termos: "1 - Todos os trabalhadores têm direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho. 2 - Nenhum trabalhador ou candidato a emprego, pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.

7.  No artigo 23.º Código do Trabalho/2003, versando a proibição de discriminação, estabeleceu-se: "1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. (...) 3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1. ".

8.  A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou o Código do Trabalho/2003, tratou da matéria da igualdade e não discriminação no seu Capítulo V, dispondo, nos artigos 32.º e ss. diversas normas em regulamentação daquelas.

9.  O particular regime de repartição do ónus de alegação e prova, que decorre dos referidos artigos, não dispensa o trabalhador, que invoca a prática discriminatória de que resulta um tratamento diferente, de alegar e provar os factos integrantes de tal prática.

10. O que tal regime consagra é uma atenuação daquele ónus nas situações em que sejam invocadas diferenças de tratamento, designadamente em termos salariais, motivadas por um dos factores característicos de discriminação consignados na lei ou a estes qualitativamente equiparáveis, por contenderem com o superior valor da igual dignidade social de todos os cidadãos.

11. Deste modo, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles factores.

12. Alegado e demonstrado um desses factores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário.

13. A presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, naturalmente, tal fundamentação há-de traduzir-se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao   normal desenvolvimento  da   relação   laboral, atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei.

14. Deste modo, numa acção - como a em causa nos autos -, em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, não funciona a aludida presunção, por isso compete ao autor/recorrido, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual.

15. No caso em apreço, não contém a matéria de facto disponível factos concretos que permitam estabelecer comparação entre a actividade desenvolvida por um e outro dos trabalhadores ao serviço do Recorrente, por forma a suportar um juízo sobre a igualdade do trabalho prestado e do respectivo valor, não bastando para tal a prova de que Recorrido desempenhava funções de determinada categoria profissional.

16. Resulta até dos autos que o Recorrido não exerce as "mesmas funções" do P... A..., nem possuiu a mesma antiguidade deste e do A... J..., do A... M...e do J... A....

17. Acresce ainda que, no último parágrafo (5.º) da parte decisória da sentença proferida pela 1.ª Instância e confirmada em parte pelo acórdão recorrido - fls. 30 - diz-se: "condena-se a ré a pagar ao A. as diferenças de remuneração havidas desde Março de 1999 a Abril de 2004, a liquidar em execução de sentença, e bem assim, para o futuro, o valor correspondente à remuneração mensal mais elevada paga pela R. ao colaborador que exerce funções equivalente às do A. em natureza, quantidade e qualidade, acrescida de juros computados à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

18. Muito se estranha como é que possa ser tal decisão proferida - inculcando, assim, a necessidade de vir a apurar o colaborador que exerce funções equivalentes às do Recorrido - quando a procedência do pedido deste, pressupõe a demonstração (prova) de que há um colaborador com as mesmas funções.

19. Numa tentativa de suprir o (não) cumprimento daquele ónus, a sentença da 1.ª Instância – e, na medida em que a confirmou, o acórdão recorrido – acaba por relegar, (de forma inadmissível), para execução a determinação de quem, em concreto, tem idênticas funções.

20. Quanto ao argumento utilizado pelo acórdão recorrido, não pode entender-se que, pelo simples facto de o legislador ter transformado o incidente da liquidação em execução de sentença num incidente a processar na acção declarativa depois da prolação da sentença – cfr. art. 378.º, n.º 2, do CPC, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 38/2003, de 08 de Março – isso signifique a dispensa por parte do Autor do ónus de carrear os factos/a causa de pedir para os autos.

21. As circunstâncias em que a formulação de um pedido genérico é admissível pela lei processual civil vêm fixadas no artigo 471.º e são inaplicáveis no caso dos autos.

22. É Jurisprudência pacífica e uniforme que: "I. Só nos casos em que, no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença, não haja elementos para fixar o objecto ou quantidade do pedido, pode aplicar-se a norma do n.º 2 do art. 661° do Cód. Proc. Civil, proferindo-se condenação no que se liquidar em execução de sentença. II. A remissão para a execução de sentença não poderá ser em razão da falta de prova dos factos, mas antes por inexistência de factos provados, por não serem conhecidos ou estarem em evolução no momento em que é instaurada a acção ou no da decisão quanto à matéria de facto. III. Consentir-se no apuramento do crédito e do respectivo montante em execução de sentença, seria o mesmo que conceder uma segunda oportunidade ao autor para, na mesma acção, aperfeiçoar a petição inicial. IV. Tal significaria também subverter princípios fundamentais em processo civil, permitindo uma intolerável intromissão da fase declarativa, numa situação em que ela é manifestamente inadmissível" - Ac. S.T.J. -2ª, de 13.01.2000/Sumários, 37.º-34.

23. Com a remissão apreciada, a sentença violou, designadamente, o disposto no artigo 661.º, n.º 2, do C.P.C., o que importa a sua revogação.

Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, com o que se fará Justiça.

O recorrido não ofereceu resposta.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que propende no sentido da improcedência do recurso, posição a que apenas a impetrante reagiu sumariamente, reiterando o conteúdo das alegações oportunamente produzidas.

                                           __

5.

Do objecto da Revista.

As questões a dilucidar e resolver são as seguintes:

- Do tratamento discriminatório do A. em termos salariais./‘Trabalho igual, salário igual’.

- Do ónus da prova.

- Da liquidação em execução de sentença das reclamadas diferenças de retribuição.

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Colhidos os ‘vistos’ do Exm.ºs Adjuntos, cumpre decidir.

                                                               II –

                                                 Dos Fundamentos.

A – De Facto.

O Tribunal recorrido estabeleceu como assente a seguinte factualidade:

1 – No dia 02/03/98, o autor foi admitido para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, através do contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 meses, renovável por mais duas vezes por igual período – cfr. doc. junto aos autos a fls. 14/15, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2 – Tal contrato foi alvo de dois aditamentos, um a 01/09/98 e outro a 01//09/99 – cfr. docs. de fls. 16 e de fls. 17, para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3 – O autor foi contratado para exercer funções de monitor auxiliar.

4 – Numa primeira fase (nos dois primeiros meses) o autor limitou-se a assistir à formação ministrada por um formador para que assimilasse as metodologias de ensino habitualmente praticadas nos cursos de formação profissional, passando depois a leccionar acções acompanhado por um monitor com curso de formação.

5 – Após a conclusão do respectivo curso de formação pedagógica de formadores e, pelo menos, a partir de 09/03/99, o autor passou a exercer as funções inerentes à sua categoria com total autonomia e responsabilidade, à semelhança dos demais monitores que formavam e formam a Equipa de formadores do réu – cfr. doc. junto aos autos a fls. 75, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6 – Na presente data, o autor continua a exercer funções inerentes à categoria de monitor – o que fez de forma contínua –, permanecendo contudo classificado pelo réu como monitor auxiliar.

7 – Actualmente, aufere uma retribuição ilíquida mensal de 807,47€.

8 – O réu dedica-se a monitorização de acções de formação profissional.

9 – No âmbito de apoio àquela sua actividade, o réu possui uma delegação em Barcelos, delegação essa na qual o autor exerce funções de formador na área de Manutenção – técnicas de máquinas de costura.

10 – Nesse mesmo estabelecimento prestam ainda trabalho, actualmente, mais sete colaboradores, trabalhadores subordinados do réu.

11 – Daqueles trabalhadores, CC exerce as mesmas funções que o autor (tendo ambos, inclusive, exercido funções em regime de rotatividade) e detém, como todos os outros, a categoria de formador.

12 – Ao serviço do réu, o autor auferiu as seguintes remunerações ilíquidas mensais: Esc.120.100$00/€599,06, de Março de 1998 a Março de 1999; Esc. 123.500$00/€616,50, de Abril de 1999 a Abril de 2000; Esc. 126.600$00/€631,48, de Maio a Setembro de 2000; Esc. 150.000$00/€748,20, de Outubro de 2000 a Abril de 2001; Esc. 155.600$00/€776,13, de Maio de 2001 a Março de 2002; €797,47, de Abril de 2002 a Novembro de 2003 e €807,47, de Dezembro de 2003 até à presente data.

13 – O autor, de sua livre iniciativa, coligiu, processou por meios informáticos e traduziu manuais e livros de instruções de funcionamento de maquinaria diversa para o réu, alguns com a colaboração de notas fornecidas por formandos.

14 – No exercício das suas funções, o autor utiliza as mesmas salas de aulas utilizadas pelos demais colaboradores do réu, com o mesmo tipo de alunos, com o mesmo horário de trabalho.

15 – O réu emitiu as declarações juntas aos autos de fls. 20 a 23, para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16 – A área de formação do autor corresponde à dos cursos de técnicos afinadores de máquinas de costura, diurnos e nocturnos, na qual elabora testes e exames – área Tecnologia da Confecção.

17 – Os restantes colaboradores do réu encontram-se classificados com a categoria de formadores que, na nova nomenclatura, passou a ser nível V, formador III, letra H, a que corresponde uma remuneração ilíquida mensal de 1.182,12€.

18 – Nessa mesma nomenclatura pretende o réu atribuir ao autor a categoria de formador nível V – letra A, cujas remunerações são de € 776,13 até 31 de Março de 2003 e de € 927,30 a partir dessa data.

19 – Aquando da admissão do autor inexistia no réu regulamento interno acerca das carreiras e progressão profissional, o qual apenas veio a ser criado a partir de 16/04/02 – cfr. doc. junto aos autos a fls. 84-128, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

20 – Existiam no ‘BB’, teoricamente, cinco categorias profissionais: monitor estagiário, monitor auxiliar, monitor, monitor qualificado e monitor qualificado responsável, as quais, porém, na prática, não traduziam uma real escala de progressão.

21 – A progressão na carreira ocorria de acordo com as “avaliações” efectuadas pelos coordenadores de formação e, em última instância, por decisão do Conselho de Administração do réu, inexistindo um critério objectivo que a definisse (atendendo-se contudo, para o efeito, entre outros aspectos, à antiguidade e desempenho profissional dos trabalhadores).

22 – As remunerações divergiam e os aumentos percentuais que sobre as mesmas incidiam variavam de formador para formador.

23 – A 23/03/01 o réu contratou a empresa de consultadoria e valorização de recursos humanos ‘CRH’ para elaborar um projecto de reestruturação de carreiras.

24 – De acordo com os regulamentos propostos por esta empresa e aprovados pelo réu, a progressão na carreira passou a ser horizontal e vertical – cfr. Acta n.º 314 do Conselho de Administração do réu e Regulamento supra citado, juntos aos autos a fls. 82 e de fls. 84-128, docs. para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

25 – No que concerne às carreiras verticais, o grupo profissional da área de formação integra as carreiras profissionais de formadores – IV, III, II e I –, e monitores – B e A.

26 – Quanto à grelha salarial, as diferentes categorias profissionais foram integradas em 8 níveis de enquadramento, cada um deles com doze escalões de progressão.

27 – Na sequência do processo de cotações de funções efectuado pela aludida empresa de consultadoria, todos os formadores do Departamento de Manutenção, sector de máquinas de costura, foram integrados na categoria profissional de formador III, tendo esta categoria sido posicionada ao nível V de enquadramento salarial.

28 – O posicionamento na grelha salarial dependeu das remunerações-base, tendo-se estabelecido como regra que todos os trabalhadores seriam integrados no escalão salarial imediatamente superior ao da remuneração que auferiam à data da reestruturação das carreiras.

29 – Ficou também estabelecido que aquando dessa integração no escalão imediatamente superior resultasse um aumento superior a 10%, o aumento seria faseado.

30 – O contrato do autor transformou-se em contrato sem termo no dia 1 de Março de 2001.

31 – O autor recusou a sua reclassificação proposta pelo réu, quanto à sua inclusão no escalão A.

32 – O art. 6.º do supra mencionado Regulamento de carreiras horizontais prevê a possibilidade de um sistema de avaliação de mérito, dependendo a progressão nos escalões salariais da classificação que o trabalhador tiver nessa mesma avaliação (cfr. fls. 127 v).

33 – Actualmente, a diferença salarial entre o autor e os seus colegas é de 406,43€.

34 – O autor nunca acompanhou os estágios dos formandos nas empresas.

35 – O formador CC era a pessoa que maioritariamente efectuava tais acompanhamentos.

36 – O réu remeteu ao autor as cartas datadas de 02/12/02 e de 05/04/04, as quais se encontram juntas aos autos a fls. 172/173 e a fls. 174/175, para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

37 – O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte remeteu ao réu as missivas datadas de 25/02, 26/03, 03/10 e de 06/05, todas do ano de 2002, as quais estão juntas aos autos a fls. 176, 177, 178 e 179/180, para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

                                                    ___

O quadro factual estabelecido não foi objecto de impugnação, nem se vislumbra justificação para fazer uso do disposto no art. 729.º/3 do C.P.C., razão por que as questões propostas hão-de dilucidar-se e resolver-se com base nos factos assim fixados.

                                                    ___

B – O Direito.

Equacionadas, acima, as questões que integram o objecto do recurso –que se nos apresenta aferido e delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, por via de regra – avancemos então para o seu tratamento e solução sequencial.

B.1 – A questão primordial:

Igualdade e não discriminação.

Do trabalho igual, salário igual.

Ónus da prova.

Embora com um voto de vencido, (como consignado a fls. 558 e declaração aí anexa), o Acórdão sub specie confirmou a sentença da 1.ª Instância, apenas restringindo a direito a diferenças salariais ao período que se inicia em 9.3.1999.

Assente que a divergência das partes se não coloca ao nível da categoria de formador III e do nível V, mas antes e apenas no que se refere à letra – uma vez que o R. atribuiu a letra H aos demais formadores e ao A. pretende aplicar-lhe a letra A – o que se traduz afinal numa diferença retributiva para menos, no montante de € 406,43, concluiu-se pela inexistência de fundamento para a diferença e, por isso, pelo tratamento discriminatório do A. em termos salariais.

E porque se entendeu ser do empregador o ónus da prova dos motivos justificativos da diferença retributiva – seja na vigência da LCT, seja no tempo do Código do Trabalho de 2003 – manteve-se a condenação do R. nos sobreditos termos.

Vejamos se bem.

Como se consignou no identificado quadro normativo de significação, com as convocadas considerações de natureza doutrinal – que não vêm postas em causa e concitam, na generalidade, o nosso sufrágio – o princípio da igualdade, na perspectiva aqui relevante, (a salarial, a trabalho igual salário igual), encontra suporte Constitucional no art. 59.º, n.º1, a), que concretiza, especificamente, o princípio programático proclamado no art. 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

(‘Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.

Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual’. – art. 13.º.

Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna’. – art. 59.º, n.º1). 

É pacificamente entendido e aceite, nemine discrepante, que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora[1], o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

São exemplos lapidares disso, ao nível da Jurisprudência deste Supremo Tribunal, entre tantos outros contendo fundamentação igualmente impressiva, o Aresto citado na decisão revidenda[2] e, mais remotamente – referido a título apenas demonstrativo do entendimento há muito firmado no Tribunal Constitucional – o Acórdão deste Tribunal n.º 313/89, in ‘Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo II, pgs. 917/ss.[3], em cujos termos o que o princípio em causa proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes designadamente em meras categorias subjectivas.

Importa reter, na parametrização do problema, enquanto corolário do princípio em causa, que a igualdade de retribuição pressupõe a prestação de trabalho de igual natureza, quantidade e qualidade, apenas sendo proscrita a diferenciação arbitrária, sem qualquer fundado/objectivo motivo, ou com base em categorias tidas como factores de discriminação, (sexo, idade, raça, etc.), sem fundamento material atendível.

Isso sem embargo de a proibição postulada não abranger as situações em que trabalhadores com a mesma categoria profissional, na mesma empresa, são pagos diferentemente ante a diversa natureza, qualidade ou quantidade do trabalho prestado, em consideração nomeadamente do seu zelo, eficiência ou produtividade.

A resposta que buscamos implica, porém, deixar previamente esclarecido a quem compete o respectivo ónus da prova.

Perspectivando a questão na sua dupla vertente (prova da diferença retributiva e prova dos seus motivos ou justificação), a deliberação ´sub judicio' – depois de considerar que, à falta de regra específica no império de vigência da LCT, a solução seria a da regra geral do art. 342.º/1 do Cód. Civil, com breve alusão de referências doutrinais que, de jure condendo, advogavam a inversão do ónus da prova nesta matéria, tendendo à igualdade material das partes, (sic, a fls. 554), com o empregador a ter de provar os fundamentos da diferença de tratamento do trabalhador em causa relativamente aos outros perante os quais se sentiria discriminado – reconhece que o Código do Trabalho de 2003 inovou, concretamente com a introdução da regra constante do n.º3 do art. 23.º, pondo a cargo do empregador o ónus da prova da justificação da diferença das condições de trabalhoassim procedendo à sua inversão, atentas as regras consagradas no referido art. 342.º do Cód. Civil.

Assim, no seu entendimento, considerada a problemática da igualdade retributiva, ao trabalhador compete provar que há um ou mais trabalhadores que auferem retribuição superior, competindo ao empregador provar que tal diferença tem um fundamento válido, não arbitrário.

Integrado na Subsecção III, sob a epígrafe ‘Igualdade e não discriminação’, dispõe-se, quanto à hipótese que aqui releva, no art. 23.º do Código do Trabalho/2003:

‘1 – O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

2 – Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objecto ser legítimo e o requisito proporcional.

3 – Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º1’. (Bold nosso).

O Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º35/2004, de 29 de Julho, definindo conceitos, contém no seu art. 32.º:

‘1 – Constituem factores de discriminação, além dos previstos no n.º1 do art. 23.º do Código do Trabalho, nomeadamente, o território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social.

2 – Considera-se:

a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito legal numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificada por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

d) Trabalho de valor igual, aquele que corresponde a um conjunto de funções, prestadas ao mesmo empregador, consideradas equivalentes atendendo, nomeadamente, às qualificações ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado’.  

No que concerne ao direito à igualdade nas condições de acesso e no trabalho plasmou-se no art. 33.º, designadamente, que:

 ‘1- O direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho respeita…

c) À retribuição e outras prestações patrimoniais, promoções a todos os níveis hierárquicos e aos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir…

O art. 35.º[4] consagra uma extensão da protecção em situações de discriminação:

‘Em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho, à formação profissional e nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de licença por maternidade, dispensa para consultas pré-natais, protecção da segurança e saúde e de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licença parental ou faltas para assistência a menores, aplica-se o regime previsto no n.º3 do art. 23.º do Código do Trabalho em matéria de ónus da prova’.

Tudo ponderado, diremos que o entendimento sustentado na decisão ´sub judicio' não é exactamente o que se tem por consentâneo.

Como se estampa no referido Acórdão de 22.4.2009 – cuja sóbria fundamentação e bondade de solução se mantêm – este Supremo Tribunal, quando chamado a dirimir litígios em que não se mostra invocado qualquer dos factores característicos de discriminação (v.g., sexo, idade, raça, etc.), tem entendido, em termos uniformes,[5] que, para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.

Com efeito – e continuando a seguir de muito perto os seus fundamentos, que se transcrevem, em parte – quem invoca a prática discriminatória tem igualmente de alegar e provar, além do diferente tratamento resultante de tal prática, os factos integrantes de um daqueles factores de discriminação, uma vez que o juízo a emitir, (seja por discriminação directa, seja por discriminação indirecta, na noção dos conceitos adiantada nas acima transcritas alíneas a) e b) do n.º2 do art. 32.º do RCT), pressupõe que…‘em razão de um factor de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável’.

Só se/quando alegado e demonstrado um desses factores é que a Lei faz presumir que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo então recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao factor indicado, mas sim a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.

Assim, na hipótese de a acção ter por fundamento algum dos factores característicos da discriminaçãoque não é a do caso sujeito – o trabalhador que se sinta discriminado, uma vez provados os factos que integram o invocado fundamento, não tem que se preocupar com os factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, funcionando a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, com inversão do ónus da prova quanto ao nexo causal presumido.

Na situação aprecianda – em que efectivamente não vem alegado, como causa petendi, factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos factores característicos da discriminação – não funciona o particular regime de repartição do ónus da prova, cuja inversão, atenuando as dificuldades do cumprimento do ónus em tais circunstâncias, beneficiaria a posição processual do trabalhador.

O funcionamento da presunção de discriminação, nos termos em que vem formulada, pressupunha, pois, a invocação/demonstração de factos qualificáveis como característicos factores de discriminação.

Assim sendo, não funcionando a presunção, competia ao A., nos termos da regra geral do art. 342.º/1 do Cód. Civil, alegar e provar factos que, respeitantes à identidade das faladas natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado por trabalhadores da empresa com a mesma categoria, viabilizassem concluir, comparativamente, que, o pagamento que lhe foi feito pelo empregador afronta o princípio para trabalho igual salário igual.

Porém, os factos provados são claramente insuficientes para se poder dar como assente que o trabalho por si prestado era/é igual ou objectivamente semelhante, no seu todo, ao do trabalhador relativamente ao qual se considera discriminado, só isso impostando a reclamada paridade retributiva.

O que se sabe de relevante, quanto a esta matéria, de acordo com os factos retidos, é que, não obstante o seu colega CC exercer as mesmas funções que o A. – detendo ambos, como todos os outros, a categoria de formador – este (o A.) nunca acompanhou os estágios dos formandos, nas empresas, acompanhamento que era maioritariamente efectuado pelo formador CC (cfr., v.g., os pontos 11, 34 e 35 da fundamentação de facto).

Aquando da admissão do A. inexistia no R. regulamento interno acerca das carreiras e progressão profissional, o qual só veio a ser implementado a partir de 16.4.2002.

Existiam no R., teoricamente, cinco categorias profissionais, sendo que a progressão na carreira ocorria de acordo com as ‘avaliações’ efectuadas pelos coordenadores de formação, e, em última instância, por decisão do Conselho de Administração do R., inexistindo um critério objectivo que a definisse (atendendo-se contudo, para o efeito, entre outros aspectos, à antiguidade e desempenho profissional dos trabalhadores). (Sublinhados agora).

As remunerações divergiam e os aumentos percentuais que sobre as mesmas incidiam variavam de formador para formador – tudo matéria de facto constante dos respectivos pontos 19, 20, 21, 22.

Por fim, – reportando-nos ao documento junto aos Autos a fls. 75, para o qual se remeteu e cujo conteúdo se houve como integralmente reproduzido no item 5. – verifica-se que, na equipa de formadores do R., o CC consta como tendo sido admitido em Janeiro de 1990 e os demais também em 1990 e em 1991.

O A., como no mesmo ponto de facto se plasmou, passou a exercer as funções inerentes à sua categoria, com total autonomia e responsabilidade, a partir de Março de 1999.

Competindo o referido ónus ao A., (o de provar que o seu trabalho era igual ao do trabalhador CC, seu colega, não só quanto à natureza, mas também quanto à quantidade e qualidade), como se deixou dilucidado, não pode concluir-se – contrariamente ao ajuizado no Acórdão sob censura – que o R. tenha afrontado o princípio da equidade retributiva, reflectido na consagrada proposição ‘para trabalho igual, salário igual’.

Não procederá, por isso, o peticionado pelo A.

                                                    __

Ante o apontado sentido da decisão, fica necessariamente prejudicado o tratamento da última questão, de que, por isso, se não conhece.

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                                                    II –

Nos termos expostos, delibera-se conceder a Revista e – revogando o Acórdão impugnado – absolve-se o R. do pedido.

Custas pelo A., nas Instâncias e no S.T.J.

Lisboa, 12 de Outubro de 2011


Fernandes da Silva (relator).
Gonçalves Rocha.
Sampaio Gomes.



[1] - Usando a expressão de que já se serviu o Acórdão deste Supremo Tribunal de 22.4.2009, in www.dgsi.pt, que seguimos de perto, como melhor adiante se refere.
[2]  - Ac. do S.T.J. n.º 16/96, de 22.10.1996, no D.R., I Série-A, de 4.12.1996.
[3]  - Invocado no Acórdão deste S.T.J. de 9.11.2005, Relator Cons. Pinto Hespanhol.
[4]  - Sobre o alcance da norma, vide, v.g., a anotação de Guilherme Dray ao art. 23.º do Código do Trabalho, in ‘Código do Trabalho’, 5.ª Edição, obra colectiva, Pedro romano Martinez e outros, pg. 137.
[5] - Cfr., inter alia, os Acórdãos de 9.11.2005, 23.11.2005 e de 25.5.2008, in www.dgsi.pt