Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34/20.9YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
SUSPEIÇÃO
JUIZ
ISENÇÃO
INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O princípio norteador do instituto da suspeição é o de que a intervenção do juiz [ou instrutor de procedimento disciplinar] só corre risco de ser considerada suspeita, caso se verifique motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, imparcialidade referenciada em concreto ao processo em que o incidente de recusa ou escusa é suscitado, a qual pressupõe a ausência de qualquer preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir ou às pessoas afetadas pela decisão.
II - A lei quer afastar a intervenção do instrutor que tenha dado mostras de algum preconceito em relação ao arguido, de ter interesse pessoal no desfecho do processo ou cujo comportamento possa objetivamente suscitar dúvidas fundadas sobre a sua isenção; segundo, que para atingir o seu fim, a lei reclama a utilização dos seguintes critérios operativos: (i) a perspetiva do queixoso pode ser importante, mas não é decisiva; (ii) o juízo sobre a seriedade, gravidade e adequação do(s) motivo(s) deve fazer-se de acordo com o ponto de vista do cidadão comum; (iii) a desconfiança sobre a imparcialidade haverá de aferir-se de factos objetivos e não de meras conjeturas.
III - Os motivos de suspeição pressupõem seriedade e gravidade adequadas a gerar dúvidas sobre a imparcialidade da intervenção no ato do órgão ou do seu agente, pelo que só poderão ser aceites quando assumam tal natureza, devendo ser encarados na dupla perspetiva da imparcialidade subjetiva e da imparcialidade objetiva.
IV - A imparcialidade subjetiva - que constitui o primeiro dever do agente como garantia da prossecução do bem público – há de, por isso, presumir-se até prova em contrário, para a qual se exige que sejam alegados e demonstrados factos ou circunstâncias que permitam revelar exteriormente, ou em sinais objetivos, matéria do foro íntimo daquele.
V - Na garantia da imparcialidade objetiva, sobreleva a compreensão externa sobre a aparência de correção da atuação da Administração.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 34/20.9YFLSB

Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O Sr. Juiz ...... Dr. AA intentou junto do STJ uma acção contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), em que impugna a Deliberação do Plenário da entidade demandada de 06-10-2020, que indeferiu o incidente de suspeição deduzido contra o instrutor no processo disciplinar n.° …….05.

Na acção invoca o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na apreciação dos pressupostos da arguição de suspeição de instrutor, fazendo os seguintes pedidos (transcrição):
A) A deliberação do CSM datada de 06/10/2020 – doc. 22 junto, independentemente de o CSM o vir a juntar – ser declarada nula, como o autor expôs e justificou no seu requerimento com remessa registada de 12/10/2020 – doc. 20, também sem prejuízo da junção que o CSM há de fazer;
B) Pelos factos e fundamentos aduzidos pelo Autor no incidente de suspeição contra o Exmº. Instrutor e na presente ação deve declarar-se que Ele nutre pelo Autor – visado no processo disciplinar – grave inimizade com o já evidente propósito e conseguir a sua expulsão da Magistratura Judicial Portuguesa, sem fundamento nem razões como aponta a parte final da acusação;
C) Em consequência, deve a deliberação em crise ser revogada, o identificado Instrutor afastado definitivamente da instrução do processo disciplinar com a advertência de que não pode direta ou indiretamente exercer qualquer ato no mesmo processo ou em qualquer outro em que o aqui Autor possa vir a ser visado, deixando ao CSM o encargo de proceder à substituição mostrando os critérios de seleção de maneira a possamos acreditar que tal escolha satisfaz os critérios de imparcialidade para o encargo de instrutor natural.

2. O CSM apresentou defesa na qual conclui no sentido da improcedência da acção.

3. O Ministério Público entendeu não se dever pronunciar.

Dispensada a realização de audiência prévia, nos termos do disposto no art. 87.º-B do CPTA, e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Saneamento
4. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território (art. 170.º, n.º 1, do EMJ).

O processo é o próprio e é válido (cf. artigos 66.º ss. do CPTA, ex vi art. 169.º do EMJ).

A petição inicial não é inepta.

III. Fundamentação
5. De facto
5.1. Factos Provados

Tendo em atenção a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, está provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos e de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a seguinte matéria de facto, a qual se passa a enunciar (de acordo com a sua ordem lógica, e, dentro desta, também cronológica) subordinada aos seguintes números:
1) Na sessão do Plenário Ordinário da entidade demandada de 03-03-2020, no âmbito de procedimentos aí autuados sob os n.os «……..06 e …..85», foi proferida deliberação com o seguinte teor:
C — Instaurar processo disciplinar ao Exmo. Sr. Juiz ......, Dr. AA, pelos factos constantes da certidão remetida pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta Coordenadora do Ministério Público, extraída dos autos de processo de inquérito crime n.º 19/16……, que deu entrada neste CSM em 12/02/2020 e pelos factos constantes do relatório elaborado pelo Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro, Dr. BB, datado de 27/02/2020, no âmbito da averiguação sumária a irregularidades na distribuição de processos no Tribunal da Relação ….., que constituem indícios suficientes da violação de deveres funcionais por parte do Exmo. Sr. Juiz ...... visado, suscetíveis de o constituir em responsabilidade disciplinar e porventura criminal.
Mais foi deliberado por unanimidade mandatar o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente deste Conselho, para designar os Exmos. Senhores Inspetores Judiciais Extraordinários que instruirão os respetivos processos disciplinares.
(cf. doc. 1 junto à petição inicial; vide também fls. 188 do processo administrativo instrutor apenso aos autos, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
2) O processo disciplinar instaurado pela deliberação referida em 1) foi autuado nos serviços da entidade demandada sob o n.º «…….05» (cf. processo administrativo instrutor apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido).
3) No âmbito do procedimento referido em 2), o aqui autor recebeu uma comunicação datada de 06-03-2020, subscrita pelo próprio Sr. Instrutor, Juiz Conselheiro jubilado, Dr. CC, subordinado ao assunto «Comunicação de início de instrução em processo disciplinar», notificando-o de nessa mesma data iniciara a instrução do aludido procedimento (cf. doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4) No âmbito do procedimento referido em 2), o Sr. Instrutor proferiu a 22-06-2020 despacho no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Os presentes autos de inquérito disciplinar indiciam que foi cedida pelo então Presidente do Tribunal da Relação ....... a utilização das instalações do Tribunal da Relação ....... para a realização duma atividade ……, totalmente exógena à atividade daquele tribunal superior, presidida pelo anterior Presidente do mesmo Tribunal. Por tal forma se pretendeu beneficiar a existência e atividade daquele tribunal ….., bem como as partes que o constituíam, os quais, durante um período de tempo de mais de um ano, utilizaram as instalações do Tribunal da Relação ........
[…]
Relativamente ao crime de denegação de justiça, a que alude o artigo 382.º do Código Penal, a deliberação do Conselho Superior de Magistratura tem na sua génese certidão extraída de processo criminal pelo que nada há a determinar em relação ao artigo 83.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
No que concerne ao crime de abuso de poder verifica-se que os factos que o indiciam não constam daquela certidão pelo que, dando cumprimento ao normativo citado, se dá conhecimento dos mesmos ao Conselho Superior da Magistratura entendendo-se que os poderes de cognição do presente inquérito devem incluir tais factos.
Assim, extraia certidões de fls. 202 a 208; 365; 371 a 431; 462 a 467 e 668 a 674 […]
(cf. doc. 13 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
5) No âmbito do procedimento referido em 2), o Sr. Instrutor proferiu a 01-07-2020 despacho no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Iniciou-se o presente processo disciplinar […] no âmbito da averiguação sumária a irregularidades na distribuição de processos no tribunal da Relação ....... […]
Iniciado o procedimento disciplinar apurou-se que, para além dos factos relacionados com os referidos certidão e relatório, os autos indiciam, ainda, a existência de outros factos que são suscetíveis de tipificar a violação de deveres funcionais consubstanciados na irregular cessão das instalações do Tribunal da Relação ........ Por igual forma se constata que, para além dos processos indicados na certidão e relatório ali referidos, igualmente carece de justificação a distribuição processual a que foi sujeito o processo 188/11….. em que são recorrentes DD e outros e recorrido o Ministério Público e outros.
Relativamente a este último processo entende-se que o seu conhecimento e valoração se inscreve no propósito inscrito na deliberação do Conselho […] que visa apurar globalmente irregularidades existentes na distribuição processual no tribunal da Relação ....... e que esteve na origem da instauração do presente processo disciplinar.
Relativamente aos indícios de existência de violação do dever funcional consubstanciados na indevida cessão do espaço do Tribunal da Relação, e conforme se referiu em decisão anteriormente proferida nos autos (em 22 de junho de 2020), entendeu-se que, apontando os mesmos para a prática de um crime de abuso de poder a que alude o artigo 382.º do Código Penal, se deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 83.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, remetendo-se certidão para os devidos efeitos., Igualmente se referiu que, não constando os mesmos factos da certidão que deu origem aos presentes autos, se entendia que os mesmos deveriam ser abrangidos nos limites de cognição do presente processo disciplinar.
Nessa conformidade, solicite-se ao Conselho Superior da Magistratura que se digne informar se o entendimento daquele órgão decisório é o de concordância no sentido de que o presente inquérito deve abranger os factos relativos à irregular cessão de utilização do espaço do Tribunal da Relação ........
 (cf. doc. 8 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
6) Na sessão do Plenário Ordinário da entidade demandada de 07-07-2020, «[…] foi deliberado por unanimidade concordar com o alargamento proposto, consubstanciado na indevida cessão do espaço do Tribunal da Relação ......., devendo notificar-se o Exmo. Senhor Juiz ......, arguido nestes autos, do ora deliberado» (cf. fls. 173 do processo administrativo instrutor).
7) A 08-07-2020 o aqui autor, representado por mandatário, apresentou requerimento dirigido ao Sr. Instrutor, no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Dr. AA, juiz ......, tendo sido notificado […] do despacho […] como tendo sido proferido em 01/07/2020, vem:
I — Dizer:
[…]
4. O Excelentíssimo Conselheiro, Instrutor, na audição ao visado em 12/05/2020 questionou-o sobre a “cessão do espaço do Tribunal da Relação” […]; nos próprios dizeres do despacho, é legítimo deduzir que estava então sem cobertura ou poderes, daí estar agora a solicitá-los; além disso, decorre do mesmo despacho, o Excelentíssimo visado já foi alvo de «decisão anteriormente proferida nos autos (em 22 de junho de 2020), entendeu-se que (…) apontando os mesmos para a prática de um crime (…)», o que tudo é desconhecido do interessado/visado por não ter sido notificado, ficando, de facto, impedido de exercer o legal direito de defesa.
[…]
5. Vem, outrossim, referido um processo com o n.º 188/11….. sobre qualquer eventual questão que dele resulte e que possa envolver o visado, sendo certo que não foi ouvido direta ou indiretamente quando convocado, não sabendo que elementos suportam a aludida referência, […]
II — Requer […] que lhe seja facultada a imediata consulta dos autos do processo disciplinar, nomeadamente para confronto dos elementos referidos nos n.os 1, 4 e 5, consulta esta deferida pelo prazo mínimo de dez dias com entrega para essa consulta ser feita no escritório do mandatário onde terá melhores meios e condições.
Requer ainda que, para os devidos efeitos, mande proceder à notificação da decisão de 22 de junho de 2020, referida e transcrita acima no n.º 4 […]
(cf. doc. 5 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
8) O autor foi convocado para prestar declarações no âmbito do procedimento referido em 2) no dias 12-05-2020 e 16-07-2020, sendo já inquirido também acerca da matéria enunciada nos despachos referidos em 4) e 5) (facto não impugnado).
9) A 24-07-2020 o Sr. Instrutor, apreciando o requerimento referido em 8), proferiu despacho com o seguinte teor:
● Pretende o arguido a sua notificação de decisão de 22 de junho:
 — O mesmo despacho refere-se à remessa de certidões dos presentes autos ao Conselho Superior da Magistratura nos termos do artigo 83.º, n.º 2, do EMJ e, consequentemente, não tem a natureza de um ato decisório (artigo 97.º do Código de Processo penal e 131.º do EMJ), mas consubstancia uma comunicação imposta legalmente que, em si, não afeta o recorrente pelo que não há lugar à requerida notificação.
● Requer o arguido a imediata consulta dos autos de processo disciplinar:
— Nos termos do artigo 120.º do EMJ, durante o prazo de apresentação de defesa, o defensor nomeado, ou o mandatário constituído, podem exam9inar o processo no local onde o mesmo se encontra depositado que, no caso, será o Conselho Superior da Magistratura.
Sem embargo deverá ser tido em atenção o segredo de justiça a que estão sujeitas as certidões juntas o qual vincula também o consultante dos presentes autos.
(cf. doc. 10 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
10) Na mesma data foi deduzida acusação contra o ora autor (idem).
11) A 18-08-2020 o Sr. Instrutor do procedimento referido em 2), apreciando requerimento apresentado a 17-08-2020 pelo autor no qual solicitava a requisição da totalidade do processo n.º 188/11…., mais requerendo a suspensão do prazo de apresentação de defesa à acusação referida em 10), proferiu despacho no qual se deferiu parcialmente o requerido, admitindo-se a consulta do processo requerido noas instalações da entidade demandada, e não a requisição, e se prorrogava em 10 dias o prazo para apresentação de defesa, com a condição de prévia autorização pelo CSM (cf. doc. 14 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido).
12) A 21-08-2020 o autor apresentou novo requerimento, reiterando o pedido de prorrogação de prazo para apresentação de defesa, também por estar a decorrer o seu período de férias, e esclarecendo que pretendia que o mesmo fosse prorrogado em prazo não inferior a 30 dias, depois de notificado da disponibilidade do processo e seus apensos (cf. doc. 15 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido).
13) A 25-08-2020 o Sr. Instrutor indeferiu o pedido de ampliação da prorrogação de prazo referido em 12) (idem).
14) A 07-09-2020 o ora autor apresentou junto da entidade demandada um instrumento processual, que requereu fosse autuado por apenso ao procedimento referido em 2), pelo qual deduzia incidente de suspeição contra o Sr. Instrutor identificado em 3), com o seguinte teor:
AA, Juiz ...... no Tribunal da Relação ......., arguido no processo em epígrafe, vem deduzir incidente de suspeição, a instruir e tramitar por apenso ao processo principal, contra o Instrutor escolhido e nomeado pelo Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, Juiz Conselheiro Jubilado, CC, por os autos conterem e manifestarem matéria que sobeja e que configura motivo sério e grave, adequado a gerar, como gera, a inerente desconfiança sobre a sua imparcialidade na condução do processo disciplinar, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.    Os autos de processo disciplinar foram abertos por deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 3 de março de 2020, a qual teve na sua génese uma certidão enviada pelo Ministério Público (MP) do inquérito n.° 19/16….. a correr termos no MP junto do Supremo Tribuna de Justiça (STJ), no qual têm a qualidade de arguidos três Juízes ...... do TR...
2.    Em tal inquérito, como dos autos principais consta, o requerente tem a qualidade de testemunha, tendo sido ouvido por escrito em 5/2/2020.
3.    Tendo o CSM nomeado como instrutor o ora suspeito, este comunicou ao aqui requerente que era “visado” no processo disciplinar, fez as diligências que entendeu, delas não resultando sequer indícios factuais.
4.    O requerente tem a profunda convicção de que exerceu as funções de Presidente e Vice Presidente do TR… de forma empenhada, honesta e séria, quanto possível e que saiba, isenta de irregularidades, incluindo no concreto das distribuições de processos, como comprovado pelo CSM na sua deliberação de 7/7/2020, que aprovou o relatório do Exmo. Inspetor sobre essa matéria e como se infere dos termos deste processo disciplinar em que foram feitas diligências e nada mas rigorosamente nada de factualidade concreta foi encontrado como revestindo irregularidade da responsabilidade do requerente.
5.    No seu mandato de Vice-Presidente, entre 13 de maio de 2014 e 8 de setembro de 2016, o Requerente também não agiu de modo a que da sua conduta resultasse qualquer irregularidade nas distribuições; aliás, não consta na referida certidão enviada pelo MP, extraída do inquérito n.° 19/16….., que o requerente aí estivesse sequer indiciado fosse pelo que fosse, outro tanto não sucedendo com outros ...... da mesma Relação, em que tal documento reporta irregularidades de distribuição de três processos.
6.    Das diligências de instrução de que se destaca a recolha de abundante papel (inútil), bem como dos depoimentos das testemunhas que executaram as distribuições, ouvidas por iniciativa do inquiridor, nada consta em contrário, ou seja, no sentido de imputar ao Requerente a prática de qualquer irregularidade.
7.    Apesar disso, sabendo o Exmo. Inquiridor que o Requerente não praticou qualquer ato que constitua ilícito disciplinar, dito doutro modo, não consta no processo qualquer indício de que tivesse praticado qualquer ato, por qualquer razão que se desconhece e não tem obrigação de conhecer mas que será alheia ao regular desempenho da função de Instrutor, pese tudo isso, em despacho acusatório de 28 de julho de 2020 decidiu imputar ao aqui Requerente uma “infração disciplinar continuada” (!), apontando-lhe as pesadas penas de demissão e aposentação compulsiva, com fundamento genérico, em síntese, de que teria “permitido” e teria “tido conhecimento” dessas irregularidades de distribuições que sabe terem sido praticadas por terceiros em autoria material (funcionários) e moral (Juízes ...... que agiram nas costas do Requerente) como consta no inquérito n.° 19/ 16…., de onde foi enviada a certidão ao CSM - alíneas z) e aa) do despacho acusatório.
8.    Ora, o Requerente não só não permitiu, como não tinha maneira de evitar que tal acontecesse, como aliás consta na certidão emitida do inquérito n.° 19/16….. e nas próprias alíneas da acusação deste processo disciplinar, em que tais atos também são imputados à ação de terceiros.
9.    Como declarou, na qualidade de testemunha, no inquérito n.° 19/16….. e no processo disciplinar, na qualidade de visado, o Requerente não sabia nem tinha conhecimento da prática das irregularidades das distribuições no que respeita aos processos referidos sob as alíneas 1), p) e t), do despacho acusatório, ou quaisquer outros, já que a função de qualquer magistrado no que respeita às distribuições, nos termos do Art. 213.° do Cód. Proc. Civil (entre outros) consistia, como consiste, em tomar posição perante dúvidas do funcionário, em casos concretos, o que é feito verbalmente. Por isso, se o funcionário - autor material da distribuição - obedecer, como está provado, que cumpre ordens de terceiros (no caso foram dadas pelo então Presidente) e oculta tal comportamento ao magistrado adstrito à distribuição, não tem este forma de saber que foi praticada tal irregularidade, além do mais porque o magistrado, ainda que quisesse conferir a distribuição, não dispunha de meios para o fazer já que tão pouco tem acesso ao sistema (password); e se o quisesse fazer seria acusado de não confiar no desempenho e honestidade do funcionário e estaria a ter uma perda enorme de tempo aplicado no que é suposto ser o desempenhado correto e principal da função.
10.  Se tivesse tido conhecimento, antes, durante ou mesmo depois do ato, o Requerente seguramente que ou teria impedido tal irregularidade (caso das duas primeiras hipóteses) ou diligenciado junto de quem de direito para dar conhecimento da correção a que tinha procedido e para que fossem tomadas as medidas e retiradas as consequências inerentes ao ato.
11.  As ais. z) e aa) do despacho acusatório têm uma redação equívoca que nem sequer permite ao requerente defender-se da imputação, já que não define em que consiste o “permitiu” e também não identifica o como e o quando “tinha conhecimento” das irregularidades dessa distribuição por absoluta ausência de factualidade que suporte tais imputações genéricas e conclusivas.
12.  Mas, pior do que isso, a exponenciar essa equivocidade, que prejudica a defesa e o Requerente de forma grosseira, não apresentando matéria nem imputação direta e frontal, o despacho acusatório não indica em que elementos de prova se estrutura, uma vez que se limita a remeter, por grosso, para depoimentos e certidões as quais ou não apresentam qualquer factualidade e, pasme-se os depoimentos pese embora tirados por intervenção do Instrutor, até se mostram favoráveis ao visado; pese isto, a ousadia vai ao ponto de na acusação, como preâmbulo, preparação e antevisão da decisão que já terá em termos definitivos, mostrar que é sua intenção propor medida punitiva enquadrada nas disposições legais que expressamente indica, ou seja demissão ou aposentação compulsiva - artigo 85.°, n.° 1, als. f) e g) do EMJ que abusiva e erroneamente considera aplicável.
13.  Resumindo o que é óbvio, o Exmo. Instrutor não encontrou factos mas, pasme-se, á indica e abre o leque das penas.
14.  É que lido, relido e compulsado o processo, com a dificuldade conscientemente criada, negando mesmo a confiança para análise sem apresentar qualquer fundamento válido para o fazer, verifica-se que o mesmo não contém qualquer elemento, por mínimo que seja, em que o Exmo. Instrutor se baseia para fazer tão graves imputações de “permitiu” e “tinha conhecimento”.
15.  As afirmações de “permitiu” e “tinha conhecimento” são da lavra e invenção do Exmo. Instrutor, não contendo os autos qualquer elemento de prova, pessoal ou de outra natureza, que lhe permita extrair tais conclusões ou convicções pessoais.
16.  O processo disciplinar encontra-se desorganizado de uma forma que não seria de esperar de um Juiz Conselheiro, estando recheado de certidões relativas a atos de terceiros, de que constitui claro exemplo as extensas certidões de fls. 957 a 1357, de 1358 a 1498 e de fls. 1510 a 1695, indicadas como meios de prova, sem que o Requerente tenha a ver com o seu conteúdo, o que também dificultou a sua consulta para defesa, isto para não referir centenas e porventura milhares de folhas que nada mas rigorosamente nada têm a ver com a abusiva porque genérica acusação, o que permite a conclusão de que houve consciência propósito.
17.  Sendo certo que essas certidões e atos de terceiro, não respeitando ao Requerente, como que caucionam, por um processo ilegal e desleal de proximidade/osmose, só porque contam do despacho, uma imputação desses atos ao requerente, quando nenhuma regra processual autoriza que tal seja feito, agora se entendendo porque, puxando de uns papéis, em ato de declarações, lhe foi dito e referido que este assunto terá que sido visto na sua globalidade.
18.  Ora o requerente tem no inquérito n.° 19/16….. a qualidade de testemunha e não de arguido como o Instrutor, com o carreamento desses atos de terceiro para o processo disciplinar parece querer apontar, como se o MP necessitasse da ajuda de alguém para exercer as suas funções de titular da ação penal.
19.  O Exmo. instrutor é Juiz Conselheiro jubilado, sabendo que as suas funções de instrutor de um processo disciplinar se não confundem com as de Magistrado do MP, não lhe sendo lícito reportar-se a ilícitos penais que o MP não encontrou, seja qual for o seu propósito desse reporte.
20.  Não tendo encontrado factos que integrem ilícito disciplinar por parte ter sido a proposta clara do arquivamento do processo ficando assim demostrada a independência, imparcialidade e lisura do respetivo instrutor.
21.  Ora, não só tal não aconteceu como o Exmo. instrutor foi mais longe, abalançando-se a fazer afirmações genéricas, tais como o requerente “permitiu” e “teve conhecimento”.
22.  Ao fazê-lo, sem qualquer elemento de prova que tal lhe permitisse, o Exmo. Instrutor revela falta de imparcialidade, ao inverter, contrariando- a, a forte prova indiciária existente no inquérito n.° 19/16……, em que a manipulação da distribuição é imputada a outrem, no caso, ao então Presidente do TRL, que deu ordens a funcionária para executar a distribuição nos moldes em que a fez, à revelia e às escondidas do Requerente, que é testemunha nesse inquérito.
23.  Para este efeito ou qualquer outro não compreendido nas suas competências de mero instrutor de um processo disciplinar, o Exmo. Instrutor citou na acusação um conjunto vasto de atos de terceiros, arguidos no inquérito n.° 19/16….., sob as alíneas a) a m), p) a s) e alíneas t) a v) do Ponto III do despacho de acusação, a induzir quem tenha que decidir ter havido alguma comparticipação do requerente nesses atos, como resulta das afirmações “permitiu” e “teve conhecimento”.
24.  Exemplo concreto desse exercício torpe, está a atribuição ao Requerente de atos e responsabilidades efetivas e já comprovadas e imputadas a terceiros, uns já condenados e outros a caminho, e também na ambiguidade, nebulosidade e obscuridade de que o Instrutor usa no seu fraseado acusatório, para assim lhe imputar infração disciplinar inexistente, como é ocaso do texto das i) e u), do seu n.° III, que, por pudor, nos dispensamos de transcrever.
25.  Ora, não sendo esta ambiguidade e indefinição admissível a um magistrado que atingiu o grau de Juiz Conselheiro, a redação de tais alíneas só pode ser interpretada como uma fórmula malévola de prejudicar a defesa do Respondente e de beneficiar outrem a quem tais atos são imputados no inquérito n° 19/16….., revelando falta de imparcialidade na condução deste processo disciplinar e de preencher a sua própria necessidade de encontrar quem, justa ou injustamente - no caso, injustamente - responda por ato de terceiro no negrume de imputações ocas de conteúdo.
26.  Ao usar de tal procedimento o Exmo. Instrutor parece querer arrogar- se também a qualidade de superior hierárquico do Ministério Público junto do STJ, carreando para o processo disciplinar matéria que eventualmente permita associar o requerente aos crimes indiciados em tal inquérito, sendo certo que o MP o não fez e ao Exmo. Instrutor do processo disciplinar está vedado fazer.
27.  Arguidos no inquérito n.° 19/16…… são aqueles para os quais o MP recolheu indícios para tanto e não também aqueles que o Exmo. instrutor, pese embora a sua qualidade de Juiz Conselheiro Jubilado de uma Secção Criminal, alvitre que o MP deveria constituir como tal.
28.  Não é admissível que o Exmo. instrutor não tenha presente que a sua ação nestes autos ocorre na qualidade de instrutor de processo de natureza disciplinar e não no âmbito das funções de superior hierárquico do MP, de relator de um recurso penal ou de juiz de instrução quando era possível consertar e aumentar o libelo acusatório deixando o trabalho de separar o útil e o sem fundamento ao juiz do julgamento.
29.  As citações com imputação malévola ao Requerente de atos de terceiros neste processo disciplinar constitui ato abusivo e ilícito e a sua invocação, por notoriamente evidente, geram efetivo prejuízo, já irreparável ao Requerente, ainda que posteriormente venha a ser reconhecida a sua inocência como é legítimo esperar.
30.  O que consta do inquérito n.° 19/16….. é de facto grave mas não é imputado ao requerente.
31.  Esta ação tortuosa do Exmo. Instrutor, por contraposição a uma instrução pormenorizada e esclarecedora dos fatos, a apontar para o sancionamento do requerente por sobre todas as regras, revelou-se já no seu despacho de 22/6/2020, que escondeu do Requerente, não o notificando ao seu mandatário, no qual, sem dispor de poderes de averiguação disciplinar, como ele próprio admite no seu despacho de 1/7/2020 e resulta da análise da deliberação do CSM de 3/3/2020, sem qualquer contraditório, em violação do principio da legalidade consagrado no art. 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), em violação do principio da participação consagrado no art. 12.° do mesmo Código e também em violação do principio da boa-fé, consagrado no seu art. 10.°, julgou descobrir indícios de crime de abuso de poder, numa matéria que é do conhecimento público desde fins de Fevereiro de 2020 e que até esta data não determinou qualquer ação por parte do MP, titular da ação penal.
32.  O Exmo. Instrutor, sem ouvir o requerente, sem analisar a situação no seu conjunto depois de analisar os elementos de prova recolhidos, logo descortinou indícios de crime, arrogando-se aqui, mais uma vez, a posição de superior hierárquico do MP.
33.  Se o Exmo. instrutor não consegue libertar-se das suas vestes de Juiz Conselheiro não deveria ter aceitado o encargo de instruir o processo disciplinar, onde não tem qualquer função de julgador.
34.  Mais grave será ainda o caso de o Exmo. Instrutor não ter presente o paralelismo de magistraturas e a ausência de hierarquia entre um Juiz Conselheiro, por maior que seja o seu mérito, e a magistratura do MP.
35.  Outros indícios têm os autos no sentido de que o Exmo. Instrutor, tendo já apontado, sub-repticiamente, porque a elas só se acede pela leitura dos preceitos que cita, para penas disciplinares máximas, se propõe dificultar e até impedir a defesa do requerente, revelando grave tendenciosidade contra ele, como acontece com:
-      A invocação de uma infração continuada fora do contexto razoável da respetiva figura jurídica, que impede a graduação de eventual sanção disciplinar de acordo com a culpa revelada;
-      A desorganização do processo disciplinar, a começar pela numeração das suas folhas, confusa, por rubricar, devidamente comprovada pela anotação apócrifa, a lápis, depois de iniciada a consulta pelo seu mandatário, aposta na capa de cada volume a indicar as folhas que esse volume comportaria, mas, essencialmente, nele amontoando certidões inúteis relativas aos atos de terceiro, como acontece com as certidões de fls. 957 a 1357, de 1358 a 1498 e de fls. 1510 a 1695, as quais obnubilam a ausência de elementos de prova da imputação, como referido, e em muito dificultaram a consulta do processo disciplinar.
-      O atafulhar do processo com estas inutilidades contrasta com a omissão de elementos de prova imprescindíveis para a descoberta da verdade material, como acontece com a deliberação do CSM de 7/7/2020 e com o original do processo n.° 188/11……, cuja consulta negou por despachos de 18/8/2020 e 25/8/2020.
-      A prática de atos com uma cadência que, se não revelam propósitos de perturbação do requerente e da sua defesa, a essa perturbação conduzem, impedindo a necessária reflexão, como acontece com:
- O despacho de 22/6/2020, não notificado ao requerente, como 
-      O despacho de 1/7/2020, só notificado ao advogado do requerente em 7/7/2020;
-      Nesta data de 7/7/2020 já o CSM estava a analisar o pedido do instrutor, sem o requerente sobre ele se pronunciar;
-      Com efeito, o Exmo. Instrutor cumpriu ele próprio o seu despacho de 1/7/2020, entregando cópia dele ao Exmo. Vice-Presidente do CSM nesse mesmo dia, 1/7/2020, assim se antecipando à data em que o Secretário do processo se propôs notificar esse despacho ao Exmo. Vice-Presidente, a saber, 3/7/2020;
-      A ausência de despacho sobre o requerimento de 8/7/2020, que só veio a ser proferido a 24/7/2020, quando já de pouco servia, porque o Exmo. Instrutor tudo atropelou para exarar despacho de acusação nesta data.
-      A marcação telefónica de ato processual, cujo conteúdo foi escondido ao requerente, a 13/7/2020;
-      Para ter lugar a 16/7/2020, já em férias judiciais;
-      A notificação de despacho acusatório a 28/7/2020, já em férias pessoais do requerente, que eram do seu conhecimento, estando marcadas no CSM para o período de 28 de julho a 31 de agosto de 2020.
-      A total desconsideração do conteúdo do auto de interrogatório de 16/7/2020, a fls. 1718 a 1720, que nem sequer cita como elemento de prova, a contrastar com a pressa na sua realização, relativo ao vislumbrado “crime de abuso de poder”, nomeadamente no que respeita à importante invocação de interesse público do ato nele referido, em oposição também com a gravidade que subjetivamente imputa ao ato.
-      O envio da notificação do despacho acusatório para uma morada (… Dt°) que não era a do requerente, como o Exmo. instrutor sabia, porque tinha a sua folha biográfica no processo, com a morada correta.
-      A fixação de prazo para defesa durante as férias pessoais do requerente, a decorrerem de 28 de julho a 31 de agosto de 2020, do conhecimento pessoal do CSM e do Exmo. Instrutor, como se tal já fizesse parte de uma qualquer sanção disciplinar futura, em violação do disposto no art.° 59.°, n.° 1, al. d), da Constituição da República Portuguesa, do art.° 9.°, do EMJ e do art.° 130.°, do Regime Legal do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), aplicável, ex vi art.° 188.°, do EMJ.
-      A recusa de confiança do processo ao mandatário do requerente para organização da defesa, sem fundamento legal, à revelia da prática judiciária e administrativa, sem que exista qualquer valor legal a acautelar com o esconder do processo na sede do CSM, restando-lhe a discricionária e ilegal dificultação da defesa, que acresce à anterior.
36.  A notificação do Requerente no primeiro dia das suas férias e a fixação de prazo para defesa a correr nos restantes dias de férias impediu o requerente de as gozar, usando do necessário e legal descanso, uma vez que para organizar a sua defesa se viu obrigado, pela ação do Exmo. Instrutor, a passar esses dias entre o escritório do seu mandatário e a sede do Conselho Superior da Magistratura.
37.  Ficando impedido de ter o descanso anual previsto na lei e na CRP materializado no gozo das férias, no caso, com a família e de se deslocar à aldeia da sua naturalidade para cumprir as inerentes obrigações familiares e tratar dos seus ancestrais haveres.
38.  Encontrando-se o Requerente com saúde precária, muito devido a estes comportamentos que constituem evidente violência a que tem estado sujeito injustificadamente essencialmente pela forma abusiva de condução do processo disciplinar, a cuja matéria é alheio, como dele consta (!), além de que o Requerente foi também impedido pelo Exmo. Instrutor de utilizar o tempo de férias para procurar os habituais cuidados médicos, despendendo esse tempo a desfolhar os muitos papéis inúteis que ele amontoou nos autos.
39.  Para além da sua inconstitucionalidade e ilegalidade, a que corresponde o regime sancionatório especial do art. 130.º e sancionada com coima por constituir contraordenação grave (art. 246.°, n.° 2, do Código do Trabalho), a fixação de prazo para defesa nas férias pessoais do requerente configura um ato hostil, impróprio de um Juiz Conselheiro com setenta anos, desajustado também em relação a um Juiz com 38 anos de exercício de funções, o qual para além das consequências da sua inconstitucionalidade e ilegalidade, não pode deixar de ser tomado como um ato de inimizade grave.
40.  Trata-se também de um ato suscetível de envergonhar o CSM, cuja ação não deverá ser associada a comportamentos persecutórios, próprios de entidades privadas desqualificadas no ranking das empresas, antes lhe correspondendo o dever de, com lealdade, proporcionar ao respondente o direito de se defender.
41.  Com efeito, não existe norma legal que permita sequer, dar uma aparência de legalidade à decisão do Instrutor de fazer correr o prazo de defesa do requerente nas suas férias pessoais, há muito marcadas.
42.  E se norma previsional houvesse, que não há, a permitir marcar o prazo de defesa nas férias do Requerente, sempre tal ação se configuraria como um flagrante abuso de direito, em face do instituto há muito consagrado no art. 334.°, do C. Civil, por não lhe corresponder qualquer valor digno de proteção legal, antes se configurando como um ato gratuito, discricionário e arbitrário.
43.  A ação deste Instrutor na condução do processo disciplinar não é, pois, imparcial, prejudica a defesa do requerente, constituindo uma violação consciente do seu direito a um processo equitativo, consagrado no Artigo 20.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa.
44.  Ao não indicar os fatos e os elementos de prova que sustentam as expressões conclusivas de “permitiu” e “tinha conhecimento”, que aliás, não existem, atenta a configuração da impugnação da decisão em matéria de facto que venha a ser proferida, o Exmo. Inspetor viola também o mesmo preceito constitucional e ainda o princípio constitucional da igualdade, consagrado no Art. 13.°, da Constituição, já que nega ao requerente/Juiz um direito que assiste à generalidade dos trabalhadores, a quem esse direito sempre é concedido.
44. Em processo disciplinar, mesmo que o visado seja um juiz, não há lugar a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, não podendo o requerente responder pelo que não fez, nem mandou fazer e muito menos servir como bode expiatório de uma qualquer disfunção dos Tribunais, como a ação do Exmo. Instrutor declaradamente permitirá fazer com o uso sem conteúdo das expressões “permitiu” e “teve conhecimento”.
46.  E o instrutor suspeito sabe que o requerente não fez, como resulta dos termos do processo disciplinar que ele próprio conduziu e no qual inexistem elementos de prova que lhe permitam dizer que “permitiu” e “teve conhecimento” dos atos de terceiro que consubstanciam os ilícitos penais a que se reporta a certidão enviada ao CSM do inquérito n.° 19/16…...
47.  Contrariando os elementos em que se baseia essa certidão, o Exmo. instrutor cita atos de terceiro, e por um raciocínio meramente subjetivo retira a ação de manipulação da distribuição ao arguido a quem ela é indiciariamente atribuída no inquérito n.° 19/16….., coloca-a num outro arguido desse processo (al. i) do seu despacho), cita neste processo disciplinar atos imputados naquele inquérito e em processo disciplinar a terceiros, desnecessários para este processo disciplinar e coloca o requerente a “permitir” e a “ter conhecimento”, como se existisse algum concertamento entre ambos, que assim deixa insinuado, sendo que esta manipulação contraria frontalmente a prova indiciária do inquérito n.° 19/16….., onde outros são arguidos pela manipulação da distribuição no TRL, mas o requerente é mera testemunha e também a prova indiciária recolhida pelo Exmo. Instrutor nestes autos, em especial, os depoimentos das testemunhas EE e FF.
48.  Acresce que, para imputar infração disciplinar ao requerente, o instrutor do processo disciplinar preocupou-se apenas com o que possa substanciar uma acusação,
-      Omitindo diligências em benefício da defesa, nomeadamente as que decorrem das suas declarações de 12/5/2020, e de 16/7/202, bem sabendo que tal omissão prejudica a defesa do requerente.
-      Ouvindo acrítica e ingenuamente o depoimento das funcionárias judiciais executantes das distribuições manipuladas, sem as confrontar com os elementos de prova já publicamente conhecidos, que permitem atribuir-lhe comparticipação nos atos de distribuição irregulares, como acontece com a retenção de um processo após recebimento de uma chamada telefónica do...... (!), como se de inimputáveis se tratasse e não de cidadãs e funcionárias judiciais em pleno uso das suas faculdades mentais, permitindo até que uma delas se escude na alegação de que não sabia que era ilegal retirar processos da distribuição aleatória sem fundamento para tal (depoimentos das testemunhas EE e FF).
-      Não solicitando ao TRL certidão das decisões do requerente, como Presidente do TRL, que atestam as alterações que o Requerente fez no funcionamento do TRL, como sejam a mudança de funcionários da distribuição, a chamada dos Presidentes das Secções a fazerem essa distribuição e a implementação da distribuição diária, em tudo obnubilando a ação do Requerente.
-      Olvidando as declarações do Requerente no que respeita ao interesse público presente na realização de julgamento arbitrai e no que respeita ao paralelismo de interesse público dos “Encontros Anuais do CSM”, que simplesmente ignorou, não as citando, sequer, no despacho de acusação, (declarações do requerente, datadas de 16/7/2020), como um instrutor isento não faria.
-      Não juntando aos autos a deliberação do CSM de 7/7/2020, que aprova relatório que atesta a regularidade da distribuição durante o mandato do requerente como Presidente do TR…, a qual é do seu conhecimento porque foi divulgada por comunicação pública do CSM.
-      Apressando um despacho de acusação que trata a matéria por alto, sem pormenor, - as funcionárias obedeciam a quem? ao Presidente ou ao requerente? como executaram a distribuição irregular? em que datas? etc. ... - e por grosso - sem identificação das funcionárias executantes (ou funcionária) de cada uma delas e motivação da sua ação ilegal sem correspondência com os poucos elementos de prova recolhidos e confusa, como não é admissível a um Juiz Conselheiro, como acontece com o texto da al. u) do seu ponto III.
49.  Por despacho de 22/6/2020, o Exmo. Instrutor ordenou a extração de certidão por “abuso de poder” num momento processual em que não estava autorizado a instruir processo disciplinar por essa matéria, uma vez que o CSM não tinha deliberado nesse sentido.
50.  A extração de certidão e o juízo indiciário da existência de ilícito penal feito num momento processual em que o requerente não tinha sido ouvido na qualidade de arguido, em ordem a poder invocar em sua defesa os argumentos de interesse público que mais tarde veio a invocar nas suas declarações de 16/7/2020, constitui uma usurpação das competência do MP e prejudica o Requerente, como que a empurrar a matéria e o MP para inquérito, para o qual esta entidade não encontrou fundamento.
51.  Tais atos revelam falta de imparcialidade na condução do processo disciplinar, agressão do direito de defesa do requerente e inimizade grave para com o mesmo.
52.  Atentos os factos acima referidos, de organização confusa do processo com documentos relativos a atos de terceiros e de ausência de concretos elementos de prova em que o Exmo. Instrutor se baseia para fazer as imputações de “permitiu” e “tinha conhecimento”, constantes das alíneas z) e aa) do despacho de acusação, foi requerido ao Exmo. instrutor que permitisse e providenciasse a consulta do original de todo o processo n.° 188/11….. e suspendesse o prazo de defesa.
53.  O Exmo. Instrutor, que já aligeirara a instrução, apressando-a com os atos acima referidos, em ordem a que o prazo de defesa corresse nas férias pessoais do requerente, mais uma vez sem fundamento legal, por despachos de 18/8/2020 e 25/8/2020, negou tal consulta NECESSÁRIA À ORGANIZAÇÃO DA DEFESA do Requerente, dizendo-lhe no primeiro, além do mais que “...o art. 90.º do Código de Processo Penal atribui-lhe esse direito de consulta no respetivo tribunal”, expressão deslocada do contexto em que nos encontramos - consulta de um processo criminal, por quem nele não tem a qualidade de interveniente a qualquer título, para efeitos de defesa em processo disciplinar - assim violando flagrantemente o direito de defesa do Requerente.
54.  Uma vez que o Instrutor obteve, consultou e retirou certidões do processo 188/11….. como se veio a apurar pela consulta deste processo disciplinar e referência na acusação como meio de prova e daí retirou motivo infundado para a acusação, sem dar a mesma oportunidade de consulta ao ora Requerente como devia, solicitou o Requerente insistentemente que fosse de novo obtido todo o processo para ser consultado no CSM, tendo o Instrutor repetidamente, de forma arrogante, remetido o ora Requerente para a busca e consulta por iniciativas próprias no local onde se encontrar tal processo dando mesmo a entender que é assim que deve proceder atirando com o visado e seu mandatário para o ridículo de serem confrontados se são parte ou mandatário no processo, como pretende o Inquiridor com a invocação do art. 90.° do Cód. Proc. Penal. Pelos vistos não foi esse o percurso que o acusador calcorreou. Com isto, ficou o ora Requerente diminuído nos seus meios de defesa e sentindo-se ofendido com esta despudorada duplicidade de critérios, já que para o acusador vale tudo até esconder os alegados meios de prova que ciosamente guarda só para si tornando-os inacessíveis à parte contrária, para aquilatar da alegada validade como meio de prova e eventualmente encontrar prova a seu favor.
55.  Esta ação permanente do Instrutor aqui sob suspeição na condução do processo disciplinar, que persiste e dá mostras de continuar, trazendo a ele ilícitos penais que não são imputados ao requerente, fazendo afirmações legalmente relevantes sem meios de prova que as suportem, coartando o seu direito de defesa, parecendo apontar para um sancionamento disciplinar grave do Requerente a todo o custo e sem respeito de normas legais, sendo ele um Juiz Conselheiro jubilado da área criminal, poderá integrar até os elementos constitutivos do crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.°, n.os 1 e 2, do C. Penal, fazendo ainda incorrer o Exmo. Instrutor na correspondente infração disciplinar.
56.  Mas, no que a este processo disciplinar diz respeito, integra seguramente o conceito de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, por inimizade grave, a que se reporta o art. 43.°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, devendo, pois, ser afastado da condução do processo disciplinar e substituído por instrutor que seja publicamente tido como justo, equitativo e imparcial nas suas decisões e que se assuma como tal, o que se requer.
57.  Mais se requer que o novo instrutor nomeado saneie este processo, com a retirada de todas as referências a atos de terceiros, desentranhamento dos respetivos documentos, bem como de todos os documentos inúteis por não terem relação com o presente processo, com a eliminação da imputação discricionária de “permitiu” e “teve conhecimento”, com a realização das diligências instrutórias impostas pelas declarações e depoimentos constantes dos autos, nomeadamente, confrontado as testemunhas com a sua ação pessoal nos atos de distribuição irregular, pedindo ao TR… e ao CSM os elementos pertinentes na sua disponibilidade, atendo a sua ação aos elementos objetivos de prova dos autos e afastando dela qualquer cogitação e propósito de natureza subjetiva, uma vez que só assim haverá justiça na decisão deste processo, como dispõe o art. 43.°, n.° 5, do Cód. Proc. Penal, pois, só assim se começará a vislumbrar que há intenção de ser procurada a verdade material, o respeito pela defesa e a realização de justiça que respeite os princípios legais e constitucionais.
58.  Concomitantemente com este incidente, requerer-se-á também que seja aberto o correspondente processo disciplinar para apreciação da conduta do Instrutor, na perspetiva da violação dos seus deveres como juiz, de que se destaca pela sua gravidade, a violação do direito a férias do requerente, em si mesma e também na vertente dos seus efeitos no direito de defesa do requerente, fazendo-se desde já notar que o exercício do poder disciplinar é um poder vinculado e não discricionário, devendo efetivar-se sempre que se perspetivam indícios de violação de deveres profissionais.
O presente requerimento deve ser admitido, como apenso, produzir efeitos imediatos no concerne, nos termos legais, à suspensão no exercício das funções de instrução do PD, por parte do Exmo. Conselheiro, seguindo-se os ulteriores termos.
PROVA:
I      - Documental, por extração de certidões nos autos do processo principal (processo disciplinar):
A)   Os depoimentos das testemunhas, executantes da distribuição, EE e FF, prestados no inquérito n.° 19/16……., a fls. 346 a 349 e 334 a 337 destes autos, certificados a. fls. 328, e os seus depoimentos prestados nestes autos, a fls. 218 a 222, requerendo-se que deles seja extraída certidão e que a mesma seja junta a este incidente.
B)   As declarações do requerente, datadas de 12/5/2020, a fls. 672 a 674, e datadas de 16/7/2020, a fls. 1718 a 1720, requerendo-se que delas seja extraída certidão e que a mesma seja junta a este incidente.
C)   A certidão enviada ao Conselho Superior da Magistratura pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, extraída do inquérito n.° 19/ 16….., a fls. 3 a 40 destes autos e certidão do depoimento de fls. 691 a 710, requerendo-se que dela seja extraída certidão e que a mesma seja junta a este incidente.
D)   O despacho de acusação, a fls. 1771 a 1783 e o expediente de notificação, e fls. 1783 e verso e fls. a seguir a 1785, ainda por numerar, requerendo-se que delas seja extraída certidão e que a mesma seja junta a este incidente.
E)   Os despachos de 22/6/2020, a fls. 798 a 801 e seu cumprimento, a fls. 955, 956, 1504, de 1/7/2020, fls. 1499 e 1500, o seu cumprimento, de fls. 1501 e 1505, a deliberação de fls. 1697-1698, o requerimento de fls. 1506 a 1509 e a notificação de fls. 1784, os despachos de 18/8/2020 e de 25/8/2020 e os requerimentos sobre que incidiram e o requerimento que é posterior a este último, todos a fls. por numerar, requerendo-se que seja extraída certidão e que a mesma seja junta a este incidente.
F)   Mais se requer que o Exmo. Secretário dos autos de processo disciplinar, certifique a data (dia e hora) da notificação na pessoa do advogado constituído, para que o requerente se apresentasse no Supremo Tribunal de Justiça no dia 16/7/2020 e seu conteúdo, ou seja, para que efeitos se deveriam apresentar o requerente e seu mandatário.
G)   As deliberações do Conselho Superior da Magistratura de 3/3/2020 e de 7/7/2020 e o Relatório do Inquérito conduzido pelo Exmo. Conselheiro, BB, por esta aprovado, requerendo-se que seja requisitada à Exma. Juíza Secretária a respetiva certidão para junção a este incidente.
H)   Certidão (das certidões) de fls. 957 a 1357, de 1358 a 1498 e de fls. 1510 a 1695, a qual para não empecilhar este incidente como já foi empecilhado, deliberadamente, o processo disciplinar, devem ser organizadas por apenso ao incidente.
II     - Testemunhas a inquirir à matéria do incidente:
A)   Drª GG, advogada, a notificar na Rua……….
B)   Sr. HH, Técnico de Estruturas, a notificar na mesma morada.
III   - Junta: 9 documentos numerados.
(cf. fls. 1-20 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
15) A 06-10-2020 o Plenário da entidade demandada, apreciando o requerimento referido em 14), que foi autuado por apenso ao procedimento referido em 2) sob o n.º de procedimento «…….05-A», proferiu deliberação com o seguinte teor:
Deliberam no Plenário do Conselho Superior de Magistratura:
O Ex.mo Sr. Juiz ...... Dr. AA veio deduzir incidente de suspeição do Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro-Jubilado Dr. CC, nomeado Inspetor Judicial Extraordinário, no procedimento disciplinar instaurado por deliberação de 03.03.2020 do Plenário do CSM contra o Sr. Juiz .......
No seu extenso articulado, impugna factualidade que lhe é imputada na acusação deduzida e invoca irregularidades processuais, concretamente redação equívoca de várias alíneas da acusação, falta de indicação dos meios de prova, desorganização do procedimento disciplinar, usurpação de competência, violação dos direitos de defesa e omissão de diligências.  Concluiu pela existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro, por inimizade grave, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do Código Processo Penal, pedindo o seu afastamento do processo.
O Ex.mo Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, pronunciou-se sobre o incidente de suspeição, defendendo a sua falta de fundamento legal e, consequentemente, o seu indeferimento.                    
Foi ordenada a junção a este incidente de cópias das peças processuais do processo disciplinar solicitadas pelo Requerente nas als. a) a e) e, ainda, das deliberações do CSM e do relatório de inquérito referidos na al. g). E, na sequência do requerido na al. f), foi prestada pelo Sr. Secretário esclarecimento, por ele certificado, sobre a data e sobre a forma como se processou a notificação para a diligência do dia 16.07.2020.                                                        
Não tendo sido alegado qualquer relacionamento prévio de qualquer tipo entre o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro nomeado Inspetor Extraordinário e o Ex.mo Sr. Juiz ......, é inútil proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente.  
 Fundamentação
Nos termos do art. 43.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ex vi art. 114.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redação da Lei n.º 67/2019, de 30.07, a intervenção do instrutor no procedimento disciplinar pode ser recusada «quando ocorrer o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».
Com o instituto da recusa do juiz por suspeição pretende-se salvaguardar a independência do julgador.
As regras da independência e imparcialidade são inerentes ao direito de acesso aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
O incidente de suspeição deduzido pelo Sr. Juiz ...... arguido no procedimento disciplinar respeita à imparcialidade, ou não, do Sr. Inspetor Judicial Extraordinário.
A imparcialidade do juiz, no caso, do instrutor, não se apresenta sob uma noção unitária, reflete dois modos diversos, mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a imparcialidade subjetiva e a imparcialidade objetiva.
No plano subjetivo, como referido no acórdão do STJ, de 29.03.2006, in C.J, Acórdãos do STJ, ano XIV, I, págs. 220 a 222. «(...) a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro íntimo perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado (...)».
Na sua dimensão objetiva, «(...) em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (v. g., a não cumulabilidade de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objetivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si».
Mas como salienta ainda o mesmo acórdão: «A imparcialidade objetiva apresenta-se, assim, como um conceito que tem sido construído muito sobre as aparências, numa fenomenologia de valoração com alguma simetria entre o “ser” e o “parecer”. Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objetiva, que poderia ser devastadora, e para não tombar na “tirania das aparências” (...) ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe-se que o fundamento ou os motivos invocados, sejam, em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação - a garantia externa de uma boa justiça, que seja mas também pareça ser».
No entanto, como é entendimento pacífico na jurisprudência (cf. Ac. do STJ de 28.11.2019, proferido no processo n.º 3795/13.8TDLSB.L1-A.S1), a recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existência de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.
No mesmo sentido, Ac. do STJ de 05.04.2000, CJ, (ASTJ), ano VIII, Tomo I, págs. 244/245, com o sumário: «Só deve ser deferida escusa ou recusado o juiz natural quando se verifiquem circunstâncias muito rígidas e bem definidas, tidas por sérias, graves e irrefutavelmente denunciadoras de que ele deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.»
Assim, o juiz ou, no caso, o inspetor judicial/instrutor, apenas pode ser afastado quando situações sérias e evidentes gerem desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que tem que se traduzir em dados concretos que o permitam concluir.
Esses motivos sérios e graves têm que resultar de comportamentos intraprocessuais ou extraprocessuais que objetivamente considerados determinem desconfiança quanto à imparcialidade do juiz para a resolução daquele caso.
Não são suficientes simples impressões subjetivas, designadamente quanto à valoração das provas e interpretação das normas jurídicas a aplicar.
Só uma exigência acrescida nos fundamentos que justifiquem um afastamento do juiz, no caso do instrutor, permite obviar a que o incidente de recusa seja utilizado como expediente para afastar um certo julgador.
Importa, ainda, salientar que no incidente de recusa de juiz ou instrutor não cabem discordâncias jurídicas quanto a decisões, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios.
O Ex.mo Sr.º Juiz ...... assenta parte significativa da fundamentação do presente incidente de recusa, concretamente nos pontos 1 a 10, 46, 47 e 48, a impugnar a factualidade que lhe é imputada na acusação. Por outro lado, defende inexistirem elementos probatórios que suportem a acusação, omissão de indicação dos meios de prova e erro na valoração das provas (pontos 12 a 15, 22, 23, 44 a 47). Sustenta ainda, nos pontos 11, 15, 21, 23 a 25 e 44, que a acusação, nas suas alíneas z), aa), i) e u) padece de redação equívoca, ambígua e obscura e contém afirmações genéricas, invoca nulidades processuais (pontos 16, 17, 35 a 43, 48, 53 a 55), bem como usurpação de funções (pontos 25 a 30, 49 e 50).
Sucede que o incidente de suspeição por recusa do Inspetor judicial/Instrutor do processo disciplinar não é o meio próprio para o arguido impugnar os factos descritos na acusação, a valoração da prova recolhida e as infrações disciplinares que lhe são imputadas. É no articulado de oposição à acusação, denominado «defesa do arguido», (atuais art.s 118.º, n.ºs 2 e 3 e 119.º, n.º1, do EMJ), que o acusado, no procedimento disciplinar, tem de deduzir a sua contestação, por impugnação simples ou motivada, alegando novos factos, arguindo nulidades e outras exceções.
A utilização do incidente de recusa com semelhantes fundamentos constitui um desvio processual inaceitável.
O Sr. Juiz ......, para além da censura da matéria da acusação, defende também que o Sr. Juiz Conselheiro Jubilado - Inspetor Extraordinário praticou várias irregularidades processuais em seu desfavor, revelando esses alegados vícios a sua falta de imparcialidade na condução do processo.
Como se referiu, o meio adequado para o arguido no procedimento disciplinar atacar as irregularidades processuais na condução do processo é no articulado de defesa.
No entanto, na apreciação do parâmetro de ordem objetiva, um conjunto de decisões interlocutórias proferidas na condução do processo em violação da lei, contrariando as posições da jurisprudência e cerceando o direito de defesa, podem fazer suscitar dúvidas, razoavelmente fundadas pelo lado relevante das aparências, sobre a imparcialidade do juiz.
Importa, pois, passar a apreciar os arguidos vícios processuais e a alegada usurpação de funções.
Quanto a terem sido juntos ao procedimento disciplinar extensas certidões de outros processos, é obviamente competência do Sr. Inspetor Judicial, como instrutor do processo disciplinar, ordenar a junção dos documentos que entender pertinentes e, em princípio, os documentos juntos visam comprovar os factos que constam da acusação ou que com eles estejam conexionados. Saber se esses documentos têm ou não relevância para a prova da factualidade imputada ao arguido, é questão de mérito do procedimento disciplinar.
Carece, contudo, de qualquer fundamento sustentar que os documentos foram juntos para prejudicar o direito de defesa do arguido.
Relativamente aos vícios da acusação, ao contrário do que sustenta o Sr. Juiz ......, não padece a mesma de redação equívoca, nem de qualquer ambiguidade ou obscuridade, contendo uma narração precisa e objetiva dos factos imputados ao Sr. Juiz ......, designadamente nas criticadas als. i), u), z) e aa), sendo indiscutível que este, apesar de discordar da acusação, a interpretou convenientemente.
Especificamente quanto às expressões «permitiu» e «tinha conhecimento», constantes da al. z) do ponto III, relativas à distribuição manual de processos no Tribunal da Relação ......., referidas nas anteriores alíneas, contra as quais o Sr. Juiz ...... se insurge de forma tão veemente, e ainda os factos constantes do ponto III, al.s i), u) e aa), são claramente matéria de facto, integrando os referidos na al. aa) os elementos subjetivos da infração.
A questão de saber se a prova produzida no procedimento é ou não suficiente para se considerar essa factualidade indiciada é matéria alheia ao presente incidente de recusa.
De qualquer forma, sempre se adianta, quanto à prova de factos em processo disciplinar, não se suscitar qualquer dúvida sobre a possibilidade legal de se recorrer a presunções ligadas aos princípios da normalidade ou das regras da experiência.
Por outro lado, como impõe atualmente o art. 117.º, n.º 3, do EMJ, na redação da Lei n.º 67/2019, de 27.08 (anterior art. 117.º, n.º 1), a acusação tem de discriminar os factos (objetivos e subjetivos) constitutivos da infração disciplinar, as circunstâncias de tempo e lugar da sua prática e os factos que integram circunstâncias agravante ou atenuantes, indicando os preceitos legais e as sanções aplicáveis.
Por isso, é totalmente infundada a invocação de irregularidade baseada em ter a acusação proposto medida punitiva enquadrada nas disposições legais que indica.
Relativamente à arguida irregularidade da acusação estar alegadamente a imputar a comparticipação ao Sr. Juiz ...... em factos praticados por terceiros, arguidos no inquérito criminal; a imputar-lhe infração disciplinar «inexistente» e uma infração continuada, também carece essa argumentação de qualquer relevância.
Como atrás se referiu, se há ou não prova suficiente para sustentar a acusação e se os factos integram ou não as infrações disciplinares imputadas e na forma continuada são questões de mérito, não invocáveis num incidente de suspeição.
Ainda num registo de discordância da acusação, defende o Sr. Juiz ...... como pressuposto da suspeição a desconsideração da sua invocação do «interesse público» na cedência de um espaço físico no Tribunal da Relação para realização de diligências de um tribunal arbitral (Ponto IV da acusação).
Esta argumentação, bem como a decorrente das declarações por ele prestadas no interrogatório de 16.07.2020, conforme acima já se deixou dito, apenas podem ser invocadas em sede de defesa.
A arguida omissão de diligências em benefício da defesa também não pode servir de fundamento à recusa do Sr. Inspetor Extraordinário.
Como refere o Sr. Juiz Conselheiro incumbe ao Sr. Juiz ......, no exercício do seu direito de defesa, sugerir as diligências que entenda por convenientes, designadamente a solicitação de certidão das decisões que atestam as alterações na distribuição de processos que tomou como Presidente do Tribunal da Relação ......., não competindo ao instrutor do processo disciplinar predizer ou conjeturar quais as providências que interessam à defesa do arguido. 
O Sr. Juiz ...... defende ainda ser ilegal a fixação de prazo para a sua defesa neste procedimento disciplinar durante as suas férias pessoais.
Também quanto a esta questão entendemos não haver qualquer irregularidade processual, limitando-se o Sr. Inspetor Extraordinário a cumprir as disposições legais impostas pelo EMJ e legislação subsidiária.
O procedimento disciplinar previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais consubstancia um procedimento administrativo ao qual são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Procedimento Administrativo (cf. art. 83.º- E do EMJ, na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27.08 e art. 131.º na anterior redação).
Como é entendimento jurisprudencial uniforme os prazos dos procedimentos disciplinares são prazos administrativos.
Assim, ao procedimento disciplinar aplica-se o regime previsto no art. 87.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que os prazos não se suspendem durante as férias judiciais.
Como refere o Sr. Inspetor Extraordinário, «a compaginação dos prazos de instrução do processo disciplinar com a dimensão limitada dos prazos de instrução do processo disciplinar não se compadece com um regime de suspensão durante as férias e muito menos é admissível uma suspensão determinada por vontade do arguido, seja para ir em gozo de férias, seja para apresentar a respetiva defesa.»
Tendo o Sr. Juiz ...... um processo disciplinar instaurado, que tem de ser instruído em curtos prazos, não pode invocar o seu direito a férias para obter uma suspensão do prazo para a defesa não legalmente prevista.
De resto, o Sr. Juiz ......, como consta do documento por ele junto, como n.º 3, já informou a Sr.ª Presidente em exercício do Tribunal da Relação ....... que oportunamente indicará o período para o gozo dos dias de férias de que se viu privado para apresentar a sua defesa.
Não há, pois, qualquer fundamento para se considerar como ilegal a fixação do prazo para defesa durante o período de férias do Sr. Juiz .......
Relativamente ao envio da notificação da acusação para uma morada que não era a do Sr. Juiz ......, como é manifesto essa tarefa compete ao Sr. Secretário e nunca esse lapso pode ser imputado ao Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, nem se vislumbra como o mesmo possa ter afetado o seu direito de defesa.
Também qualquer outra irregularidade ou atraso nas notificações não pode ser imputado ao Sr. Inspetor Judicial Extraordinário.
Por outro lado, quanto a ter sido efetuada, por telefonema para o seu Advogado, em 13.07.2020, a sua notificação para o segundo interrogatório de 16.07.2020, não constitui qualquer irregularidade processual que tenha afetado o seu direito de defesa, até porque nas primeiras declarações, em 12.05.2020, o Sr. Juiz ...... já se tinha pronunciado sobre a cedência do espaço do Tribunal da Relação ....... para funcionamento do Tribunal Arbitral, sobre que incidiu o segundo interrogatório.
De qualquer forma, o momento adequado para ter arguido alguma irregularidade na notificação para as segundas declarações de 16.07.2020, era no decurso dessa diligência. Mas do respetivo auto de declarações nada consta.
Quanto à recusa da confiança do processo, o Sr. Inspetor Extraordinário limitou-se a cumprir o art. 111.º do EMJ na atual redação, que dispõe:
«1 — Sem prejuízo do disposto no art. 120.º-A, o procedimento disciplinar é de natureza confidencial até á decisão final, ficando arquivado no Conselho Superior da Magistratura.
» 2 — O arguido, o defensor nomeado ou o mandatário constituído podem, a todo o tempo e a seu pedido, examinar o processo e obter cópias ou certidões, salvo se o instrutor, por despacho fundamentado, considerar que o acesso ao processo pode obstar à descoberta da verdade.
» 3 — O requerimento da emissão de certidões ou cópias a que se refere o número anterior é dirigido ao instrutor, a quem é deferida a sua apreciação, no prazo máximo de cinco dias.
» 4 — A partir da notificação a que se refere o artigo 118.º, o arguido e o seu advogado podem consultar e obter cópia de todos os elementos constantes do processo, ainda que anteriormente o instrutor tenha proferido despacho nos termos do n.º 2.»
Por outro lado, o art. 120.º do EMJ na anterior redação estipulava que durante o prazo para a apresentação da defesa, o arguido, o defensor nomeado ou o mandatário constituído podem examinar o processo no local onde este se encontra depositado.
Assim, e não havendo coincidência entre consultar o processo e o exame fora da secretaria, como claramente resultava do anterior artigo 120.º do EMJ, o arguido ou o seu defensor apenas podem consultar o processo na secretaria.
Este é o regime que resulta da aplicação subsidiária do CPP, por força do disposto no art. 83.º do EMJ, na sua atual redação.
Na verdade, durante o inquérito, nos termos do art. 89.º do CPP, o arguido pode consultar o processo ou elementos dele constantes, mediante requerimento. Nos termos do art. 86.º n.os 1, 4 e 5, do CPP apenas quando o processo se tornar público o arguido pode requerer à autoridade judiciária competente o exame dos autos fora da secretaria.
Tendo o processo disciplinar natureza confidencial até à decisão final (art. 111.º, n.º 1, do EMJ), a aplicação subsidiária dos citados artigos do CPP, tem como consequência que o processo disciplinar apenas pode ser consultado na secretaria. 
Importa ainda salientar que tendo o arguido direito a obter cópia ou certidões do procedimento disciplinar, nos termos do citado art. 111.º n.º 2, do EMJ, em nada é afetado o seu direito de defesa por não lhe ter sido confiado o processo.
Não foi, pois, praticada qualquer irregularidade por ter sido recusada a confiança do processo.
Quanto à consulta do processo 188/11…..., o Sr. ...... terá que o fazer nos termos do art. 90.º do Código Processo Penal, nas mesmas circunstâncias de qualquer outro cidadão.
De referir que os elementos a considerar desse processo serão apenas os que constam do procedimento disciplinar e, relativamente a esses, o Requerente do incidente não alega que a eles não tivesse acesso.
Quanto à atuação do Sr. Inspetor Judicial Extraordinário referida nos pontos 31 a 35, que alegadamente viola o princípio do contraditório, a deliberação do Plenário do CSM de 07.07.2020, concordou com o alargamento proposto na certidão apresentada pelo Sr. Inspetor Judicial nos autos de processo disciplinar em que é arguido o Sr. Juiz ......, consubstanciado na indevida cessão do espaço do Tribunal da Relação ........
A referida deliberação do Plenário, ao concordar com a proposta de alargamento do objeto do processo disciplinar, validou a atuação do Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, sendo o meio próprio de impugnar essa deliberação a ação administrativa (art. 169.º do EMJ).      
Importa, por fim, apreciar a alegada usurpação de funções.
É inequívoca a existência de completa autonomia e de total separação de poderes e competências entre os sujeitos processuais jurisdicionais, que atuam no domínio do processo penal, e a autoridade administrativa disciplinar, que atua ao nível do apuramento de responsabilidade disciplinar, praticando atos e tomando decisões concretas nesse âmbito.
A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do «ne bis in idem». Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um «minus» relativamente ao criminal, mas sim um «aliud».
No entanto, o princípio da autonomia do processo disciplinar não impede que o instrutor do processo tome posição quando entenda haver indícios de factualidade passível de integrar ilícito criminal.
Pelo contrário, o art. 83.º, n.º 2, do EMJ expressamente prevê que «quando, em procedimento disciplinar se apure a existência de infração criminal, o inspetor dá de imediato conhecimento desse facto ao Conselho Superior da Magistratura e ao Ministério Público.»
Esta norma está em consonância com o art. 242.º, n.º 1 al. b), do Código de Processo Penal, que dispõe a obrigatoriedade de denúncia ao MP «para os funcionários, na aceção do art. 386.º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.»
Assim, ao ordenar a extração de certidão de peças do procedimento disciplinar por entender que estão indiciados factos passíveis de integrar ilícito criminal, o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário está a dar cumprimento a uma obrigação legal.
Como refere, na sua resposta ao incidente de suspeição, o incumprimento desse dever pode constituir para o instrutor do processo disciplinar uma violação dos deveres de zelo ou de prossecução do interesse público.
A circunstância alegada pelo Sr. Juiz ...... de apenas ter sido inquirido como testemunha no inquérito criminal n.º 19/16……, não constitui qualquer obstáculo a que, atenta a prova produzida no presente procedimento, o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário entenda que se indicia a prática de um ilícito criminal pelo arguido no processo disciplinar.
Por outro lado, a remessa da certidão para o MP não carece de autorização do CSM, que apenas depois da apreciada a defesa apresentada pelo Ex.mo Sr. Juiz ......, que, caso o requeira, incluirá uma audiência pública, nos termos do art. 120.º-A do atual EMJ, decidirá qual o enquadramento jurídico dos factos que considerar provados.
Por outro lado, o entendimento do Sr. Juiz Conselheiro nomeado Inspetor Extraordinário, no sentido de que a factualidade que considerou indiciada e que passou a constar do ponto IV, als. a) a e) da acusação, é passível de integrar a prática do crime de abuso de poder, não comporta de forma alguma a interpretação de que esteja a confundir as suas funções no processo disciplinar com as funções de magistrado do MP ou que esteja a interferir no entendimento que o MP, como único titular da ação penal e com total autonomia, venha a tomar sobre essa questão no processo criminal.
É pacífico e está reconhecido no nosso ordenamento jurídico uma autonomia entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar e consequentemente entre o processo criminal e o processo disciplinar, persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos.
É, pois, de concluir que a atuação do Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro, Inspetor Extraordinário na condução do processo disciplinar - e é só dessa que se trata, por não haver referência a qualquer relacionamento anterior entre o instrutor e o arguido —  observou as normas legais e, ainda que o Exmo. Sr. Juiz ...... dela legitimamente discorde, não basta a sua avaliação pessoal para não confiar na atuação do inspetor judicial recusado.
Não, há, pois, qualquer fundamento consistente adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Ex.mo Sr. Inspetor Judicial Extraordinário.    
Deliberação 
Pelos fundamentos expostos os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberam recusar o incidente de suspeição deduzido pelo arguido Ex.mo Sr. Juiz ...... Dr. AA, por ser manifestamente infundado.
                                                             Lisboa, 06.10.2020
(cf. doc. 22 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
16) Face ao teor da deliberação referida em 15) no âmbito do procedimento referido em 14), e dado que entretanto o ora autor já apresentara defesa no procedimento disciplinar referido em 2), o Sr. Instrutor identificado em 3) proferiu a 09-10-2020 despacho pelo qual se pronunciou quanto ao requerimento probatório enunciado na defesa, deferindo a promovendo a junção aos autos de elementos documentais requeridos pelo ora demandante, agendando inquirições e instando o ora autora a esclarecer sobre que matéria pretendia ver esclarecida pelas testemunhas II, FF, JJ e KK, posto que as mesmas haviam sido inquiridas na qualidade de testemunhas em sede de instrução do procedimento disciplinar e estava junta aos autos certidão dos depoimentos prestados no âmbito do processo de inquérito n.º 19/16….. (cf. doc. 19 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido).
17) A 12-10-2020 o autor apresentou requerimento junto da entidade demandada arguindo a nulidade da deliberação referida em 15), por não estarem discriminados os factos provados e não provados e não ter sido analisada criticamente a prova, em violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, ex vi artigos 607.º, n.os 3 e 4, e 295.º do mesmo diploma, que sustenta serem aplicáveis subsidiariamente nos termos do art.  4.º do Código de Processo Penal (cf. doc. 20 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido).
18) Na mesma data o autor apresentou requerimento no procedimento referido em 2), endereçado ao Sr. Instrutor identificado em 3), dando conta de ter suscitado a nulidade da deliberação referida em 15) e de o incidente de suspeição não estar, por esse motivo, ainda decidido, concluindo com o seguinte pedido: «Com estes e melhores fundamentos, evitando-se com isso a prática de atos nulos e inconvenientes para os serviços afetados, deve ser reconhecida a justeza dos fundamentos expostos e, em consequência, com igual diligência expedita, devem ser avisadas as pessoas de que não devem comparecer nas datas para que ilegalmente foram convocadas»  (cf. doc. 21 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido).
19) A 20-10-2020 o Plenário da entidade demandada, apreciando o requerimento referido em 17), proferiu deliberação com o seguinte teor:
Deliberam no Plenário do Conselho Superior de Magistratura:
O Exmo. Sr. Juiz ...... Dr. AA veio arguir a nulidade da deliberação de 06.10.2020 que recusou, por manifestamente infundado, o incidente de suspeição por ele deduzido.
Sustenta que a deliberação padece do nulidade, por não estarem discriminados os factos provados e não provados e não ter sido analisada criticamente a prova.
Invoca ter sido violado o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, ex vi art.s 607.º n.º 3 e 4 e 295.º do mesmo diploma, que sustenta serem aplicáveis subsidiariamente nos termos do art. 4.º do Código de Processo Penal.
Importa conhecer:
Como questão prévia, importa referir, que estamos perante uma deliberação de um órgão administrativo, que decidiu um incidente de suspeição, que equivale a um recurso para o Plenário do CSM.
Ora, o artigo 191.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo apenas permite a reclamação de ato administrativo que decidiu anterior reclamação ou recurso administrativo, quando houver omissão de pronúncia.        
No caso, a única verdadeira questão suscitada pelo Ex.mo Sr. ......, saber se havia fundamento para afastamento do processo disciplinar do Sr. Inspetor Extraordinário, foi decidida, sendo entendimento pacífico que não é obrigatório analisar todos os argumentos alegados pelas partes, mas apenas o pedido formulado.
Não houve omissão de pronúncia, nem esta nulidade foi arguida.
Havia, pois, fundamento para rejeição liminar desta reclamação. 
De qualquer forma, passamos a conhecer e decidir a arguida nulidade.
Em primeiro lugar, carece de fundamento legal a aplicação ao presente incidente do disposto nos arts. 295.º, 607.º n.º 3 e 4 e  615 do Código de Processo Civil.
A tramitação do incidente de suspeição, a seguir no procedimento disciplinar dos magistrados judiciais, é, por força do art. 114.º do EMJ, a prevista nos art.s 43.º a  45.º do Código Processo Penal, com as necessárias adaptações.
O citado artigo 45.º do CPP prevê uma específica tramitação do incidente de suspeição, estipulando o seguinte:
«1 — O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:
» (…)
» 3 — O juiz visado pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.
» 4 — O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.
» 5 — O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa.»
Não existe, pois, qualquer lacuna no CPP, que justifique a aplicação do regime geral dos incidentes em processo civil e as normas relativas às nulidades da sentença em processo civil, ao presente incidente de suspeição.
 De resto, o Código de Processo Civil prevê uma tramitação específica para o incidente de suspeição nos artigos 120.º a 126.º, distinta da prevista no processo penal. 
Assim, no caso, a tramitação processual do incidente de suspeição rege-se pelo disposto nos art.s 43.º a  45.º do Código Processo Penal.
Do n.º 4 do citado artigo 45.º do CPP resulta claramente que apenas se impõe a fixação dos factos provados e não provados e a sua motivação, quando o incidente de recusa prosseguir para a fase de instrução e não quando o incidente como ocorreu, no caso presente, é recusado liminarmente por ser manifestamente infundado.
A recusa do incidente por ser manifestamente infundado equivale em processo civil ao indeferimento liminar por manifesta improcedência e não há qualquer norma a impor que nesse despacho se indiquem discriminadamente os factos provados e não provados e a sua motivação, que pressupõe a instrução.
Na manifesta improcedência por ser evidente a inviabilidade da pretensão do demandante, atenta a factualidade alegada, é inútil qualquer discussão e instrução posterior.
Como é evidente, no indeferimento liminar, apenas se podem considerar provados os factos que resultem dos documentos, com força probatória plena junto aos autos e nunca se podiam elencar os factos não provados, nem especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção.
Não se forma convicção quanto a factos provados por documento autêntico ou confissão. 
Por outro lado, não se pode confundir a alegação de factos (ocorrências concretas da vida real/acontecimentos do mundo exterior), com a argumentação jurídica, alegação de juízos valor e considerações subjetivas da parte.
 Ora, no caso, apesar do Reclamante pretender que se discriminem os factos provados e mesmo os não provados, ao longo da sua extensa alegação, não os concretiza, nem sequer os indica com um mínimo de rigor.
Também nesta reclamação continua sem indicar quais os factos com relevância para o incidente que não foram considerados e que, em seu entender, se deviam julgar provados. Omite essa indicação por, apesar de não o admitir, inexistir qualquer facto com interesse para a decisão do incidente que tenha sido desconsiderado.
No caso, a única factualidade relevante, está circunscrita à tramitação do procedimento disciplinar, atos processuais e decisões do Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, que constam das cópias do processo disciplinar juntas ao presente incidente e foram referidos na fundamentação da deliberação, como adiante se exemplificará.
Como se referiu na fundamentação da deliberação em causa, o Ex.mo Sr. ...... impugnou a factualidade que lhe é imputada na acusação, defendeu inexistirem elementos probatórios que suportem a acusação, omissão de indicação dos meios de prova e erro na valoração das provas. Sustentou ainda que acusação padece de redação equívoca, ambígua e obscura e contém afirmações genéricas, invoca nulidades processuais e defende ainda que o Sr. Juiz Conselheiro usurpou as suas funções.
O incidente de suspeição não é o meio próprio para o arguido impugnar os factos descritos na acusação, a valoração da prova recolhida e as infrações disciplinares que lhe são imputadas, nem para se decidir as arguidas nulidades e exceções.
Por isso, é absolutamente infundada a pretensão do Reclamante que se julgue provada a argumentação que alega, que pontualmente integra factualidade completamente irrelevante, a sustentar uma pretensa violação dos seus direitos de defesa.   
Como é manifesto, não é no incidente de suspeição que o Plenário do CSM se vai pronunciar sobre a factualidade que consta da acusação e decidir se a mesma está ou não provada.
Quanto às nulidades e exceções arguidas, que se reconduzem a meras questões de direito, não deixaram de ser apreciadas separadamente, indicando-se os factos relevantes que se limitam a atos processuais e decisões do Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, designadamente: ter sido fixado o prazo para o Sr. Juiz ...... apresentar a sua defesa neste procedimento disciplinar durante as suas férias pessoais; ter sido enviada a notificação da acusação para uma morada que não era a do Sr. Juiz ......; ter sido efetuada, por telefonema para o seu Advogado, em 13.07.2020, a sua notificação para o segundo interrogatório de 16.07.2020; ter -lhe sido recusada a confiança do processo disciplinar e a consulta do processo crime n.º 188/11……; ter o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário ordenado a extração de certidão de peças do procedimento disciplinar, para participação criminal contra o Sr. ......, apesar de ter sido apenas inquirido como testemunha no inquérito criminal n.º 19/16…….
No entanto, entendemos que essa factualidade objetivamente analisada e enquadrada juridicamente não traduz qualquer nulidade processual que tenha afetado o direito de defesa do arguido.    
Em resumo: A deliberação que recusou o incidente de suspeição por manifestamente infundado, não tinha de elencar discriminadamente os factos provados e não provados, que não foram sequer indicados com um mínimo de precisão. Por outro lado, conheceu das nulidades e exceções suscitadas pelo Ex.mo Sr. Juiz ...... indicando a factualidade essencial e, por isso, não padece da arguida nulidade.  
Pelo exposto os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberam indeferir a nulidade arguida Ex.mo Sr. Juiz ...... Dr. AA.
(cf. doc. 23 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)


5.2. A convicção do Tribunal quanto aos factos provados formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos com os articulados bem como dos documentos constantes do processo administrativo, que não foram impugnados.

5.3. Factos não provados

Não existem factos a dar como alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.


6. De Direito

6.1. Vem o autor impugnar a Deliberação do Plenário da entidade demandada de 06-10-2020, que indeferiu o incidente de suspeição que deduzira in illo tempore contra o Sr. Instrutor nomeado no âmbito do procedimento n.º«…..05», que havia sido instaurado por deliberação do CSM de 03-03-2020, com origem em certidão extraída pelo Ministério Público junto deste STJ do inquérito judicial n.º 19/16…… remetida ao CSM, bem como no relatório de inquérito conduzido e concluído pelo Conselheiro Dr. BB.

Alega o autor que da conduta do Sr. Instrutor, Juiz Conselheiro Jubilado, Dr. CC, se retiram indícios susceptíveis de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade na condução do procedimento disciplinar, aduzindo, para tanto e em síntese, o seguinte:

— a última convocatória para declarações foi feita telefonicamente ao fim do dia de 13-07-2020 para 16-07-2020 com a indicação de tratar-se da matéria do requerimento do autor de 08-07-2020, «vindo a constatar na comparência que tinha caído em logro já que se tratou de interrogatório sobre matéria nova “engendrada” não constante na deliberação de 03/03/2020 do CSM nem nos dois documentos e, que a mesma se baseara», sendo que só com o despacho de 01-07-2020, expedido nos CTT a 03-07-2020 e chegado ao destino a 06-07-2020, é que o aqui autor encontrou atos/decisões praticados e proferidos no processo disciplinar (por ex. o datado de 22-06-2020 referido naquele despacho de 01-07-2020) que denunciavam alegadamente que o instrutor «calcorreava trilhos fora do âmbito do processo disciplinar, com práticas ardilosas, tudo tendente a incriminar o Autor, como ficou comprovado que, sem especificar matéria de facto, suporta-se e imputa meras previsões legais e conclusivas, apontando como já tendo a sua decisão tomada com a/s pena/s a aplicar»;

— das diligências do Sr. Instrutor não resultam sequer indícios factuais que suportem existência de qualquer ilícito disciplinar ou doutra natureza imputável ao aqui autor, estando nesse caso os dois documentos em que se estribou a deliberação de 03-03-2020 do CSM para instaurar o procedimento disciplinar em apreço, bem como as diferentes certidões que recolheu por todo o lado, nomeadamente no processo disciplinar contra Dr. LL e no Proc. 188/11….. em que, entre outros, é arguido o cidadão DD (cf. n.os 16, 17, 18, 23 a 30 do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusão H) da petição inicial);

— mesmo assim, o Sr. Instrutor, com data de 24-07-2020, deduziu acusação contra o autor, imputando-lhe uma infração (teórica) continuada aos seus deveres nela aduzindo, nomeadamente, que o autor «permitiu» e «teve conhecimento» da distribuição irregular de três processos (cf. n.os 7 8, 9, 12, 22 e 48, 3.º §, do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusão I) da petição inicial);

— o Sr. Instrutor «ardilosamente buscou e rebuscou alegados factos para impedir a prescrição de eventual matéria de facto que nem existe com referência à certidão e relatório referidos acima», de tal sorte que «a sua conduta maldosa chegou ao ponto de engendrar a existência de crime de “abuso de poder” que sub-repticiamente introduziu no processo disciplinar no seu despacho de 22/06/2020 que ocultou, não o notificando», tendo o autor apenas tomado conhecimento em consulta dos autos de procedimento disciplinar quando estava a preparar a sua defesa contra a acusação, portanto já depois de estar notificado da acusação (cf. n.os 31, 32, 48, 5.º §, e 49 do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusão K) da petição inicial) — sendo esse o momento em que o autor «concluiu com segurança que o instrutor lhe ocultou diligências e procedimentos incriminatórios para assim “obter” suporte para não ter que reconhecer que as generalidades e inexistência de factos nem invocadas podiam ser por o tempo decorrido (prescrição) impedir tal»;

— é de «extrema gravidade» imputar ao autor «acusações sem qualquer suporte factual, como seja a alínea z) da acusação,   onde,  com referência a três  distribuições  de  processos constantes no inquérito judicial 19/16…., aí tidas como irregulares, o instrutor, sem mais e sem prova contra o aqui Autor afirma e imputa-lhe “permitiu” e “tinha conhecimento” […], constituindo este comportamento evidente denúncia caluniosa, injúria e difamação, o que por isso, entre outras matérias, foi presente à entidade competente para efeitos de procedimento criminal» (cf. n.os 7 a 11, 17, 21, 44, 47 e 52, entre outros, do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusão M) da petição inicial);

— em consulta ao processo disciplinar e por estar incluído na acusação «de forma obscura» na sua alínea u) do n.º 3, verificou-se que o suspeito tinha tido entre mãos o processo judicial n.º 188/11….., de onde tinha extraído certidões e concluiu pela existência de distribuição irregular, facto este não apurado no inquérito judicial n.º 19/16…… e muito menos com alusão de imputabilidade ao aqui autor, sendo que, nem as certidões por si retiradas (fls. 957 a 1357 do procedimento disciplinar), nem o próprio Sr. Instrutor lograram trazer matéria de facto para os autos disciplinares de onde pudesse resultar que a(s) distribuição/ões tivesse(m) sido irregular(es), com precisão de data e a quem imputa e porquê tal eventual irregularidade, consignando-se que tal processo terá variadas distribuições, facto que o Sr. Instrutor podia e devia ter apurado e não apurou como devia. Ainda assim, «sem pejo, imputa tal ao aqui autor na nebulosa al. u) do n.º 3 em conjugação com a al. z) do mesmo número, razão por que foi requerida a consulta do processo, o que negou - despachos de 18/08 e 25/08/2020, coartando conscientemente os direitos do aí acusado em denegação da descoberto da verdade material, do respeito pelo princípio da igualdade das partes, não permitindo o meio que ele próprio usou» (cf. n.os 35 § 4 e 52 a 54 do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusões N), O) e P) da petição inicial);

«bem pior do que isto, está que a distribuição, tida pelo Instrutor suspeito como irregular, não consta como tal nem é atribuída autoria no Inquérito judicial 19/16…..», sendo aliás demonstrativo da «índole do suspeito o facto de dizer que “descobriu” a irregularidade que o inquérito judicial não logrou descobrir e não ter comunicado ao processo de inquérito tão fantasiosa descoberta, sendo legítimo concluir que não o fez por não ter feito descoberta nenhuma, o que legitima, entre tantas irregularidades/ilegalidades do suspeito que o autor o tenha como não possuindo qualidades mínimas para desempenhar a função e que os seus atos demonstram estar movido por inimizade grave. É exemplo disso, o facto de, mesmo sem poderes, ter ousado tomar a iniciativa pessoal de inventar uma certidão sobre matéria para que não estava mandatado e nem existia e que sabia não constituir qualquer ilícito, por estar suportada legal e constitucionalmente, além de ser prática no TRL, ou seja imputar e denunciar como crime de abuso de poder o facto de ter sido autorizado o uso de espaço daquele Tribunal para a realização de julgamento arbitral […], omitindo a audição e notificação ao autor» (cf. n.os 31, 32, 35 §§ 7 a 9, 49 e 50 do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusões Q), R) e S) da petição inicial);

«o suspeito ultrapassou tudo incluindo normas legais para tão rápido quanto possível deduzir acusação contra o Autor antes de suas férias anuais como resulta dos atos que praticou, entre eles: despacho de 22-06-2020 cuja notificação foi omitida evitando que o visado tomasse posição; despacho de 01-07-2020 que cumpriu pessoalmente (o próprio) na mesma data e que só notificou com data de 07-07-2020; silêncio absoluto sobre requerimento de 08-07-2020 na sequência deste despacho; marcação telefónica em 13-07-2020 para diligência em 16-07-2020 (já em férias), onde a parte foi levada de boa fé ao engano - seria para apreciação do requerimento de 08-07-2020 e na verdade foi para audição sobre matéria nova fora do âmbito do PD […]; notificação da acusação com data de expedição em 27-07-2020, com o que o prazo para exercer a defesa iniciado de seguida para correr ininterruptamente sendo que tal aconteceu nas férias judiciais e férias pessoais do aqui autor, facto seguramente do conhecimento do suspeito, que as tinha, havia muito, aprovadas e comunicadas ao CSM, com o que - é legítimo concluir -houve intenção de impedir o descanso legal anual» (cf. n.os 35, § 14, e 36 a 43 do requerimento de suspeição, reproduzido em 14) do probatório, e conclusão T) da petição inicial);

«do “desempenho” do instrutor no PD, de que o exposto constitui amostra relevante, decorre, com toda a evidência, que ele não mostra ser capaz de ação e desempenho desapaixonados, pelo contrário, age de forma desabrida e descarada para prejudicar irremediavelmente o aqui autor, o que se torna manifesto, além do mais, no apontar das penas que se adivinham pela mera referência que faz de uma lista de artigos e alíneas do EMJ e LGTFP, convertendo a sua atuação em demonstração de ter eleito o autor como maior inimigo», sendo certo, aliás, que «tal tem sido a pressa do suspeito, que dois dias depois de o CSM ter indeferido o requerimento de suspeição, o mesmo notificou por correio eletrónico, ao fim do dia 12-10-2020, para inquirições na manhã do dia 15, em evidente demonstração de tentativa de impedir que o aqui autor viesse como veio pôr em causa a deliberação do órgão, suscitando como suscitou nulidade de tal decisão por falta de especificação dos factos que terão servido de fundamento a tal indeferimento, também em causa nesta ação. Motivado pela muita pressa, não respeitou o prazo de notificação […], a regra geral sobre o prazo […] nem a regra de designação de data para diligências em que haja mandatário constituído […], sendo que a diligência foi marcada para data em que ainda não havia notificação».

Além de aduzir os argumentos supra enunciados acerca da alegada falta de imparcialidade e invocada inimizade que motivou o Sr. Instrutor, o autor também se insurgiu contra a própria entidade demandada, ao nível das deliberações que apreciaram o requerimento incidental de suspeição. Aduziu, a este respeito, que, apesar da clareza, o CSM indeferiu o pedido de suspeição alegando falta de fundamento consistente, o que não corresponde aos factos articulados evidentemente notórios na marcha do processo e conduta facciosa do instrutor, tendo nessa decisão, por razões inalcançáveis, sido omitida a instrução para que foi apresentado meio de prova e foi omitida a fixação dos factos provados e não provados, como impõe o disposto nos artigos 607.º, n.os 3 e 4, e 295.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 4.º do CPP (este omisso sobre a matéria) e por norma remissiva do EMJ (art. 114.º e, antes, art. 112.°).

6.2. Estando em causa a arguição de pretensa suspeição do instrutor, importa atender ao que dispõe o artigo 43.º do Código do Processo Penal (CPP), aqui aplicável ex vi artigo 114.º do EMJ.

É o seguinte o teor do artigo aludido:
Artigo 43.º
Recusas e escusas
1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º
3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.os 1 e 2.
5 - Os atos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

A fórmula usada no n.º 1 do art. 43.º do CPP, fazendo apelo a noções de forte intensidade, transmite um comando hermenêutico inequívoco no sentido de fazer apelo a um grau de exigência e de consistência particularmente densos, concretizados e caracterizados, necessários para demonstrar que a parcialidade do julgador (no caso do instrutor) se encontra afectada. Como refere a doutrina da especialidade, «o valor essencial da imparcialidade como condição e qualidade estrutural da função de julgar, e a quebra simbólica na confiança que decorre da dúvida sobre a consistência do valor, exigem um apertado juízo prudencial na verificação dos pressupostos de que depende a recusa» ([1]).

6.3. Também a jurisprudência tem asseverado que o juízo que deve presidir à suspeição de instrutores de procedimentos disciplinares deve ser utilizado com rigor. Um excurso por algumas decisões ([2]) permite surpreender as seguintes linhas de força a este propósito:
Diferentemente dos impedimentos previstos nos art. 39.º e 40.º do CPP, os fundamentos da suspeição previstos no supra transcrito art. 43.º n.º 1 e 2, não estão taxativamente indicados na lei, podendo abranger qualquer motivo sério, grave e adequado a gerar suspeita sobre a imparcialidade do magistrado no exercício da função.
Está-se aqui perante o chamado teste subjetivo da imparcialidade que visa apurar se o magistrado deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da mesma.
No entanto, os motivos sérios, graves e adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado instrutor, em fases anteriores do mesmo processo, fora dos casos previstos no art. 40.º, situação prevista expressamente no n.º 2 do citado art. 43.º, hão de resultar de objetiva justificação fornecida pelo requerente do incidente, não pelo convencimento subjetivo deste. «Por isso é que determinados atos ou determinados procedimentos (quer adjetivos, quer substantivos), só podem relevar para a legitimidade da recusa que se suscite, se neles, por eles ou através deles, for possível aperceber - aperceber inequivocamente - um propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro. As meras discordâncias jurídicas com os atos processuais praticados ou com a sua ortodoxia, a não se revelar presciente, através deles, ofensa premeditada das garantias da imparcialidade, só por via de recurso podem e devem ser manifestadas e não através de petição de recusa.» Cf. neste sentido, entre outros, os acs. STJ de 27.05.1999, P. 323/99, de 06.11.96, CJSTJ Ano IV, tomo III, 1996, p. 187, de 29.06.2000, P. 943-B/98, de 16.05.2002, P. 01P3914 e de 11.11.2000, P 49/00.3JABRG.G1 e a jurisprudência do TEDH neles citada e ainda o Prof. Pinto de Albuquerque, na nota 4 ao art. 43.º, CPP anotado, 3.ª edição atualizada, p. 128.

 (Ac. do STA de 01-03-2011, proc. n.º 01231/09)
Dito isto, resta saber se a situação de facto descrita pelo autor se enquadra ou não, com as necessárias adaptações, na antedita previsão normativa, isto é, falta indagar se, em razão dos factos /índices alegados, a intervenção do instrutor no processo disciplinar corre «o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.»
E seguindo a Doutrina (Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª ed., p. 128 e segs.) e a Jurisprudência (Vide Acórdão STA de 2011.03.01- proc. n.º 01231/09 e as indicações que nele se contêm sobre a Jurisprudência do STJ e do TEDH.), nessa indagação devemos ter em conta: primeiro, que a lei quer afastar a intervenção do instrutor que tenha dado mostras de algum preconceito em relação ao arguido, de ter interesse pessoal no desfecho do processo ou cujo comportamento possa objetivamente suscitar dúvidas fundadas sobre a sua isenção; segundo, que para atingir o seu fim, a lei reclama a utilização dos seguintes critérios operativos: (i) a perspetiva do queixoso pode ser importante, mas não é decisiva; (ii) o juízo sobre a seriedade, gravidade e adequação do(s) motivo(s) deve fazer-se de acordo com o ponto de vista do cidadão comum; (iii) a desconfiança sobre a imparcialidade haverá de aferir-se de factos objetivos e não de meras conjeturas.
(Ac. do STA de 29-01-2014, proc. n.º 01132/12)

A gravidade e a seriedade do motivo hão de revelar-se, assim, por modo prospetivo e externo, e de tal sorte que um interessado – ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão – possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vistas pelo lado do processo (intervenções anteriores), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão.
(Ac. do STJ de 21-03-2013, proc. n.º 19/13.1YFLSB)

O princípio da imparcialidade postula que a Administração dispense um tratamento equitativo a todos que com ela lidam, desdobrando-se nas garantias de imparcialidade no procedimento e na própria decisão, campo em que se lhe impõe o dever de ponderar todos os interesses públicos secundários e interesses privados legítimos.
[…]
Nas situações de suspeição, a lei não proíbe a intervenção do titular do órgão ou agente, sendo a questão decidida por outro órgão da administração, que conheça do carácter daquele que vai agir pela administração e os interesses em causa no procedimento. Não tendo sido reconhecida administrativamente a sua falta de isenção ou retidão, a invalidação judicial só deverá ocorrer se o ato praticado ou o procedimento em que ele se formou evidenciarem (mormente, ao nível da imparcialidade e da proporcionalidade) que a decisão foi tomada por esses motivos.
(Ac. do STJ de 27-04-2016, proc. n.º 3/15.0YFLSB.S1)

Os motivos de suspeição pressupõem seriedade e gravidade adequadas a gerar dúvidas sobre a imparcialidade da intervenção no ato do órgão ou do seu agente, pelo que só poderão ser aceites quando assumam tal natureza, devendo ser encarados na dupla perspetiva da imparcialidade subjetiva e da imparcialidade objetiva.
A imparcialidade subjetiva – que constitui o primeiro dever do agente como garantia da prossecução do bem público – há de, por isso, presumir-se até prova em contrário, para a qual se exige que sejam alegados e demonstrados factos ou circunstâncias que permitam revelar exteriormente, ou em sinais objetivos, matéria do foro íntimo daquele.
Por outro lado, para além dos casos de impedimento taxativamente enunciados na lei […], os motivos que ponham em causa a imparcialidade objetiva do agente deverão revelar-se em situações em que a confluência de interesses ou circunstâncias pessoais do mesmo não permitam garantir a sua imparcialidade, por serem de tal modo graves que a projeção externa dessa imparcialidade suscita reparos no público em geral e, particularmente, nos afetados diretos pela sua intervenção.
Na garantia da imparcialidade objetiva, sobreleva a compreensão externa sobre a aparência de correção da atuação da Administração. Assim, esta garantia, que, mais do que do agente e do «ser», releva do «parecer», apenas pode ser afetada, não pela impressão subjetiva do destinatário da atuação quanto ao risco de algum prejuízo ou preconceito existente contra si, mas, antes, por motivos relevantes, que, pelo lado também de um homem médio, objetivamente, possam ser encarados com desconfiança, por poderem ser vistos, externamente, como suscetíveis de afetar, na aparência, a garantia da boa atuação da Administração.
(Ac. do STJ de 22-01-2019, proc. n.º 77/18.2YFLSB)

Da exposição feita a propósito do regime jurídico dos impedimentos, recusas e escusas decorre que o princípio norteador do instituto da suspeição é o de que a intervenção do juiz [ou instrutor de procedimento disciplinar] só corre risco de ser considerada suspeita, caso se verifique motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, imparcialidade referenciada em concreto ao processo em que o incidente de recusa ou escusa é suscitado, a qual pressupõe a ausência de qualquer preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir ou às pessoas afetadas pela decisão.
A imparcialidade pode ser vista sob duas vertentes:
— subjetiva, consubstanciando-se na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes;
— objetiva, traduzindo-se na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afetando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais.
É notório que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, só são suscetíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objetivamente consideradas. Efetivamente, não basta o mero convencimento subjetivo por parte do Ministério Público, arguido, assistente ou parte civil ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência de suspeição.
Por outro lado, como a própria lei impõe, não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo certo ser necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam sérios e graves.
A lei não define nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos, pelo que será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas. Em todo o caso, certo é que o preceito do artigo 43.º, n.º 1, não se contenta com um «qualquer motivo», ao invés, exige que o motivo seja duplamente qualificado (sério e grave), o que não pode deixar de significar que a suspeição só se deve ter por verificada perante circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.
(Ac. do STJ de 13-04-2016, proc. n.º 324/14.0TELSB-Y.L1-A.S1)

6.4. Cientes deste enquadramento e das alegações do autor, será que podemos concluir que dos autos resulta uma alegação pertinente e demonstrada (ainda que indiciariamente) de violação das garantias de imparcialidade do Sr. Instrutor na condução do procedimento disciplinar, que possa permitir a procedência do incidente de suspeição?

A resposta à questão enunciada não pode ser senão negativa, por três motivos essenciais e distintos, a saber:
i) o argumentário do autor é essencialmente (senão mesmo exclusivamente) vocacionado para mobilizar os meios de defesa que são convocáveis precisamente em sede de defesa à acusação, ainda em fase procedimental ou graciosa, ou de impugnação, numa subsequente fase contenciosa, da decisão que aplique sanção disciplinar — mas já não em sede de dedução do incidente de suspeição;
ii)  em nenhum momento do argumentário ensaiado pelo autor se identifica uma alegação (e menos ainda demonstração) de falta de imparcialidade do Sr. Instrutor ; e
iii)  não se demonstra sequer que o Sr. Instrutor tenha actuado ao arrepio, em subversão ou alheio a qualquer credencial normativa para a prática dos actos praticados no âmbito da instrução.

Importa esclarecer cada uma destas asserções.

6.5. Desde logo, constata-se que, reiterando o argumentário constante do seu requerimento de arguição de suspeição, vem o autor agora, em sede impugnação da deliberação sub judice, assacar ao Sr. Instrutor um conjunto de práticas geradoras de pretensos vícios procedimentais. Fá-lo, porém, confundindo matéria atinente à defesa da acusação e matéria atinente à pretensa suspeição do Inspetor.

Com efeito, grande parte do argumentário ensaiado pelo demandante reporta-se, no essencial, a uma discordância estrita quanto a certos pontos da acusação. Isso mesmo se surpreende:
i) na discordância em relação à matéria de facto descrita na acusação [cf., v.gr., pontos 1-12, 31, 46, 47 e 48 do requerimento de suspeição reproduzido em 14) do probatório];
ii)  na alegada ambiguidade ou obscuridade de algumas das alíneas da acusação (v.gr. pontos 11, 15, 21 e 44 do mesmo requerimento de suspeição);
iii) na circunstância de em sede de acusação ser proposta a sanção aplicável e
iv) na consideração das infrações disciplinares imputadas e da sua forma continuada (v.gr., ponto 35) do requerimento de suspeição);
v) na desconsideração, na acusação, da invocação efectuada pelo arguido de interesse público quanto à cedência de espaço do Tribunal da Relação ....... para a realização de diligências de tribunal arbitral (v.gr., os pontos 35) e 48) do requerimento de suspeição); e
vi)  na alegada desorganização do processo e no suposto processado inútil (v.gr. pontos 6 e 16 do requerimento de suspeição).

Além disso, o autor invoca e alega ainda a preterição de garantias de defesa, traduzidas: i) na usurpação de competência e a junção de documentos/certidões de outros processos (v.gr. pontos 18-19, 26, 27, 28, 32, 34 e 50 do requerimento de suspeição); ii) na violação dos direitos de defesa consubstanciada na violação de prazos processuais; iii) na omissão de diligências em prejuízo da defesa; iv) na ilegalidade da coincidência do prazo para apresentação de defesa com as suas férias pessoais; v) na notificação da acusação para morada incorrecta; vi) na irregularidade da notificação para o segundo interrogatório; vii) na recusa da confiança do processo; viii) na especificação da consulta do processo n.º 188/11…..; e ix) na violação do princípio do contraditório no que respeita ao alargamento do objecto do processo disciplinar.

Resulta assim dos autos, pois, que o autor parece confundir os desideratos e escopos específicos do incidente de suspeição, por um lado, e de defesa à acusação e de impugnação da decisão disciplinar, por outro lado: é que todas as aludidas questões são mobilizáveis em sede de defesa à acusação, primeiro, e em sede de impugnação contenciosa de uma suposta decisão de aplicação de sanção disciplinar, depois.

 São essas, e só essas, as sedes próprias para invocar todas as questões suscitadas pelo autor, que conhecem no âmbito do incidente de suspeição, portanto, um «foro» estranho e impróprio.

Na verdade, como vimos supra, as meras discordâncias jurídicas com os actos processuais praticados ou com a sua ortodoxia só podem e devem ser manifestadas por via de defesa à acusação ou de recurso contencioso da decisão sancionatória; mas já não devem nem podem ser arguidas ou sindicadas no âmbito dos incidentes de escusa (a não ser que se revele presciente, através deles, ofensa premeditada das garantias da imparcialidade). Cf. neste sentido, entre outros, não só alguma doutrina da especialidade ([3]), como sobretudo os Acs. do STJ de 06-11-1996 (in CJSTJ Ano IV, tomo III, 1996, p. 187, de 27-05-1999 (proc. n.º 323/99), de 29-06-2000 (proc. n.º 943-B/98), de 11-11-2000 (proc. n.º 49/00.3JABRG.G1) e de 16-05-2002 (proc. n.º 01P3914), bem como o Ac. do STA de 10-03-2011 (proc. n.º 01231/09) e ainda a jurisprudência do TEDH neles citada.

Essa sobreposição efectuada pelo autor das duas esferas bem delimitadas da tutela da posição do arguido (em sede de incidente de suspeição e a título de defesa quanto à acusação) é particularmente evidente na discordância em relação à matéria descrita na acusação, que consubstancia uma pura impugnação dos factos cujo lugar é em sede de defesa e não num requerimento de dedução de suspeição.

Na verdade, a impugnação dos factos constantes da acusação deduzida, bem como a censura de inferências extraídas dos mesmos factos, têm o seu lugar próprio na defesa a produzir, pois que esse é o lugar adequado para o arguido exprimir a sua desaprovação em relação às conclusões ali constantes e à imputação que sobre o mesmo recai. É na defesa, pois, que se concentram todos os meios de defesa, quer no plano dos factos, quer na invocação de eventuais patologias processuais.

Assim, se ao arguido cabe o direito de defesa, que atinge um dos momentos culminantes na resposta à acusação, já não é legalmente admissível mobilizar o que consubstancia matéria de defesa para imputar razões de suspeição e, nomeadamente, a denominada falta de imparcialidade.

De resto, sempre se refira que, a admitir-se a lógica do raciocínio do arguido em relação a qualquer acusação, ou em relação a uma decisão condenatória proferida, então existiria sempre e em qualquer circunstância motivo para afirmar a ausência de imparcialidade, porquanto, no limite, o acusador, ou julgador, não viu os factos da forma que o arguido pretendeu. Como é apodítico, não é essa a natureza do instituto em apreço, nem é esse o escopo subjacente à sua consagração.

Mais, extraindo dessa asserção todos os corolários, subverter-se-ia a arquitetura procedimental e garantística própria do procedimento disciplinar, porquanto: i) não só se deslocaria para um incidente anómalo todo o acervo garantístico próprio e natural do procedimento, como ii) estipular-se-ia, na prática e ao arrepio do figurino normativamente consagrado, um resultado perverso, traduzido ou no esvaziamento dos mecanismos de defesa a se (que passariam a ser esgrimidos apenas no âmbito deste incidente) ou na duplicação das garantias de defesa (que poderiam passar a ser arguidas indistinta e indiscriminadamente em duas sedes diversas). Além disso, cercear-se-ia e inibir-se-ia quem fosse nomeado instrutor de um exercício que, sendo sempre limitado e vinculado juridicamente, como é óbvio, se pretende ainda assim isento e, portanto, livre e esclarecido — posto que, confundindo garantias de defesa stricto sensu e garantias de imparcialidade, abriria automaticamente a via impugnatória para a dedução de incidente de suspeição pela mera prática de actos procedimentais pelos instrutores, transformando um incidente anómalo e excecional em meio de resposta normal e constituindo um anátema apriorístico e excessivamente oneroso para as funções de instrução.

Por identidade de razão, as aludidas nulidades processuais também não devem ser invocadas em sede de incidente de suspeição. O local e sede próprias para a sua arguição, apreciação e decisão é na defesa apresentada pelo arguido, e ainda no âmbito procedimental, e na impugnação contenciosa que venha eventualmente a apresentar de uma hipotética decisão de aplicação de sanção disciplinar. Tudo quanto se deixou estabelecido a propósito da desadequação de invocação, no incidente de suspeição, de uma discordância relativa à matéria de facto, cujo lugar é a resposta à acusação e não o incidente de suspeição, é aqui aplicável por identidade (ou até maioria) de razão: também aqui não será admissível mobilizar eventuais patologias processuais para, em sede de dedução de incidente de suspeição, se afirmar em função dessas supostas patologias, um propósito de cercear os direitos de defesa. Também aqui, portanto, não estamos perante vícios ou questões que integrem o objeto do incidente de suspeição, mas sim questões de mérito a invocar em sede de defesa à acusação.

6.6. Nesse conspecto, a invocação das questões e vícios invocados pelo autor apenas lograria sucesso neste âmbito incidental se alegasse e densificasse suficientemente quais os motivos sérios, graves e adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado instrutor. Com efeito, determinados actos ou determinados procedimentos (quer adjetivos, quer substantivos), só podem relevar para a legitimidade da recusa que se suscite, se neles, por eles ou através deles, for possível aperceber – e aperceber inequivocamente – um propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro, ou um intuito de prejudicar o arguido. De outro modo, não sendo alegada nem demonstrada essa falta de imparcialidade associada à prática de actos procedimentais próprios da instrução, estar-se-á já perante meras discordâncias jurídicas com os actos processuais praticados ou com a sua ortodoxia, que, como vimos já, só por via de defesa à acusação ou de recurso contencioso da subsequente decisão de aplicação de sanção disciplinar podem e devem ser manifestadas — já não, portanto, através de petição de recusa.

Pois bem, um excurso pelo requerimento de suspeição reproduzido em 14) do probatório permite-nos reter que o autor se afadigou em considerar a conduta do Sr. Instrutor, na condução do procedimento disciplinar, de «falta de imparcialidade» (ponto 22) na condução de um «processo ilegal e desleal de proximidade/osmose» (ponto 17), de «exercício torpe» (ponto 24), «fórmula malévola e falta de imparcialidade» (ponto 25), «imputação malévola» (ponto 29), «ação tortuosa e escondendo do requerente» (ponto 31), «grave tendenciosidade» (ponto 34), «comportamento persecutório» (ponto 40) ou «despudorada duplicidade de critérios» (ponto 44).

No entanto, estas considerações e estas alegações, na sua exacta formulação e atento o seu exacto contexto, são insuficientes para caracterizar uma situação de falta de imparcialidade que possa justificar um pedido incidental de suspeição do instrutor.

Tenhamos presente que, tal como se deixou estabelecido a montante, que os motivos sérios, graves e adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado instrutor, hão de resultar de objectiva justificação fornecida pelo requerente do incidente, não pelo convencimento subjetivo deste.

Seguindo aqui de perto a exposição efectuada pelo Ac. deste STJ de 22-01-2019 (proc. n.º 77/18.2YFLSB), a imparcialidade – que constitui o primeiro dever do agente como garantia da prossecução do bem público – tem de, por isso, presumir-se até prova em contrário, para a qual se exige que sejam alegados e demonstrados factos ou circunstâncias que permitam revelar exteriormente, ou em sinais objectivos, matéria do foro íntimo daquele. Por outro lado, porque o que sobreleva é a compreensão externa sobre a aparência de correcção da atuação da Administração, a imparcialidade apenas pode ser afectada, não pela impressão subjetiva do destinatário da actuação quanto ao risco de algum prejuízo ou preconceito existente contra si, mas, antes, por motivos relevantes, que, pelo lado também de um homem médio, objectivamente, possam ser encarados com desconfiança, por poderem ser vistos, externamente, como susceptíveis de afectar, na aparência, a garantia da boa actuação da Administração no exercício da sua acção disciplinar.

Na certeza, porém, de que não há dúvida de que é ao requerente, autor ou demandante que incumbe, desde logo, o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela pretendida. Significa isto que deve ser feita logo na petição inicial, mais do que a mera enunciação dos pressupostos normativos ou uma asserção proclamatória e conclusiva, a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão. Tal é o que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.

Ora, perscrutada a petição inicial, constata-se que o autor se limita a sugerir a parcialidade na condução do processo disciplinar ou a inimizade grave para com o mesmo, como indícios da suposta violação da imparcialidade. Fá-lo, porém, de uma forma conclusiva e sem aduzir qualquer argumento, ou indicar que norma legal foi omitida ou assinalar qual o procedimento legalmente exigido que não foi observado, e consequentemente sem comprovar tais alegações. Pelo que não vislumbramos nenhuma alegação que, de forma concreta e tangível, suporte a invocação de uma suposta violação da imparcialidade. Seja das alegações do autor, seja da matéria de facto apurada, não se demonstra que a instrução do procedimento disciplinar tenha sido objeto de tratamento parcial, discriminatório, desigual, tudo com o objetivo de prejudicar o arguido, limitando-se o demandante a tirar ilações subjetivas do que poderá ter sucedido no âmbito da formação da vontade do Sr. Instrutor.

E se nada é alegado, menos ainda é demonstrado.

Aliás, malgrado o autor aludir a uma pretensa relação de inimizade por parte do Sr. Instrutor e, até uma suposta «sede de vingança» e propositada vontade de lhe causar prejuízo, certo é que não se demonstra que autor (arguido) e instrutor sequer se tivessem conhecido antes da instauração e instrução do procedimento disciplinar a que se reportam os presentes autos. Nada há que sugira qualquer antecedente pessoal ou do foro profissional geradora de uma pretensa desconfiança acerca da imparcialidade do Inspetor, nem um relacionamento prévio de qualquer tipo, muito menos qualquer desconfiança ou inimizade.

7. Afastada que está a hipótese de verificação de uma situação de inimizade, restaria indagar das demais alegações do autor com referência ao pedido de suspeição do instrutor, ou seja, da suposta existência de parcialidade na condução do processo disciplinar da qual tivesse resultado a agressão do direito de defesa do arguido.  Mas mesmo por aqui, não logra o demandante sucesso: não só a alegação reportada à agressão dos direitos de defesa terá de ser apreciada noutra sede que não o incidente de suspeição, como vimos já, como também a alegação de uma falta de parcialidade dirigida à citada agressão das garantias de defesa do arguido ficaria dependente — face à falta de demonstração de inimizade e face à exigência de uma prova objetiva (e não em meras perceções do próprio arguido), nos termos estabelecidos adrede — da demonstração de falta de credencial normativa para os diversos actos e operações que o instrutor adotou durante a instrução.

Certo é, porém, que o autor não logra demonstrar essa falta de base legal ou normativa para os actos praticados pelo Sr. Instrutor. Aliás, summo rigore, as invocadas irregularidades processuais avançadas pelo arguido consubstanciam uma interpretação incorreta dos preceitos aplicáveis.

Senão, vejamos.

7.1. Quanto à alegada ilicitude decorrente, na perspetiva do autor, de determinação da junção ao procedimento disciplinar de certidões extraídas de outros processos, diremos que, ponderando objetiva e circunstanciadamente essa concreta conduta procedimental do Sr. Instrutor, dúvidas inexistem de que se trata de uma determinação perfeitamente ajustada à fase instrutória do processo disciplinar, legalmente justificada e admissível.

Atentando na leitura conjugada do disposto no artigo 83.º-E e artigos 115.º a 117.º do EMJ, resulta claro que em matéria disciplinar são aplicáveis, com as devidas adaptações, o Código de Procedimento Administrativo (CPA), o Código Penal (CP), o Código de Processo Penal (CPP) e, na sua falta, os princípios gerais do direito sancionatório.

Pois bem, de acordo com o artigo 58.º do CPA, subordinado à elucidativa epígrafe «princípio do inquisitório», «o responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados».

Cf. a este propósito alguma doutrina da especialidade ([4]) e a jurisprudência da Secção de Contencioso do STJ (vide, por todos, o Ac. de 24-10.2019, proc. n.º 67/18.5YFLSB).

Além disso, e de acordo com o postulado nos artigos 286.º a 292.º do CPP, aplicável subsidiariamente à instrução do procedimento disciplinar em apreço, resulta indiscutível que a instrução é formada pelo conjunto dos actos que o juiz entenda dever levar a cabo, sendo admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

Como tal, tendo em vista o apuramento e a investigação integral dos factos, a determinação dada pelo Sr. Instrutor, no decurso da instrução, de junção ao procedimento disciplinar de certidões de outros processos considerados relevantes, não merece qualquer censura, nem colide com nenhuma norma ou princípio jurídico vigentes.

7.2. Ainda a propósito da junção de elementos extraídos de outros processos, alude o autor acerca de uma alegada usurpação de funções e de violação de separação de poderes, aduzindo que arguidos no inquérito n.º 19/16…. são aqueles para os quais o Ministério Público recolheu indícios para tanto, e não também aqueles que o Sr. instrutor, pese embora a sua qualidade de Juiz Conselheiro Jubilado de uma Secção Criminal, alvitre que o MP deveria constituir como tal, não sendo admissível que o instrutor não tenha presente que a sua ação no procedimento disciplinar tem essa estrita natureza, e não resulta do âmbito das funções de superior hierárquico do Ministério Público, de relator de um recurso penal ou de juiz de instrução, quando era possível consertar e aumentar o libelo acusatório deixando o trabalho de separar o útil e o sem fundamento ao juiz do julgamento. Prossegue o autor alegando que esta «ação tortuosa» do instrutor, por contraposição a uma instrução pormenorizada e esclarecedora dos factos, julgou descobrir indícios de crime de abuso de poder, numa matéria que é do conhecimento público desde fim de fevereiro de 2020 e que não determinou qualquer ação por parte do Ministério Público, titular da ação penal. Mais: segundo o autor, o instrutor, sem ouvir o requerente, sem analisar a situação no seu conjunto depois de analisar os elementos de prova recolhidos, logo descortinou indícios de crime, arrogando-se aqui, mais uma vez, a posição de superior hierárquico do Ministério Público, sendo que, «se o Exmo. instrutor não consegue libertar-se das suas vestes de Juiz Conselheiro não deveria ter aceitado o encargo de instruir o processo disciplinar, onde não tem qualquer função de julgador. // Mais grave será ainda o caso de o Exmo. Instrutor não ter presente o paralelismo de magistraturas e a ausência de hierarquia entre um Juiz Conselheiro, por maior que seja o seu mérito, e a magistratura do MP». Isto porque, por despacho de 22-06-2020 o Sr. Instrutor ordenou a extração de certidão por abuso de poder, num momento processual em que não estava autorizado a instruir processo disciplinar por essa matéria, uma vez que o CSM não linha deliberado nesse sentido. A extração de certidão e o juízo indiciário da existência de ilícito penal feito num momento processual em que o autor não tinha sido ouvido na qualidade de arguido, em ordem a poder invocar em sua defesa os argumentos de interesse público que mais tarde veio a invocar nas suas declarações de 16-07-2020, constitui, no entendimento do autor, uma usurpação das competência do Ministério Público e prejudica o arguido, «como que a empurrar a matéria e o MP para inquérito, para o qual esta entidade não encontrou fundamento».

Vejamos.

Por ora, releva apurar se a conduta do Sr. Instrutor, ao mandar extrair a certidão, traduz prática procedimental ao arrepio de credencial normativa suficiente — e, portanto, se poderá, no limite, traduzir na aludida usurpação de funções e na violação de separação de poderes, animado pelo intuito de perseguir e prejudicar o ora demandante. Só isso releva no âmbito que ora nos ocupa e que se prende em exclusivo com o incidente de suspeição e com a sindicância da deliberação impugnada ao indeferir tal incidente.

Ora, a esta luz, a resposta é desfavorável à pretensão do autor.

Com efeito, estão bem delimitados legalmente os limites que informam o procedimento disciplinar por contraposição ao processo penal. Essa autonomia existe e esta Secção de Contencioso teve já oportunidade para a delimitar com precisão e exaustividade, nomeadamente em arestos recentes ([5]).

Em contrapartida, a argumentação expendida pelo autor omite preceitos legais que norteiam o procedimento disciplinar que são aqui totalmente pertinentes. Efetivamente, o artigo 83.º do EMJ, apesar de consignar expressamente o princípio da autonomia do processo disciplinar, também estabelece no seu n.º 2 que, «quando em processo disciplinar se apure a existência de infração criminal, dá-se imediato conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura». Trata-se de um preceito cuja ratio é assimilável à do art. 242.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que estatui a obrigatoriedade de denuncia ao Ministério Público, entre outros, «para os funcionários, na aceção do artigo 386.º do Código Penal quanto aos crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas».

Vale isto por dizer que, sendo certo que não existe, como resulta da própria natureza do Estado de Direito, nenhuma obrigação generalizada de denúncia da prática de crimes, igualmente é exato que os servidores públicos (estes apenas quanto aos crimes de que tomarem conhecimento no exercício das funções e por causa delas) têm esse dever, o que é inteiramente compatível com a natureza do vínculo que mantêm com o Estado.

É, pois, a esta luz que o art. 83.º, n.º 2, do EMJ consagra uma obrigação de comunicação por parle do instrutor do processo disciplinar, o qual fica constituído no dever de dar a conhecer ao Ministério Público todos os factos que possam traduzir a prática de um crime. Este dever de denúncia ao Ministério Público existe independentemente da natureza do crime que os factos praticados, e denunciados, possam traduzir.

Acresce que o incumprimento desse dever de comunicação pode constituir, ele próprio, uma violação dos deveres de zelo ou prossecução do interesse público.

Consequentemente, o que está em causa é rigorosamente o cumprimento de uma obrigação legal, não uma qualquer deriva em sede de competência.

Em suma: tendo em vista o apuramento e a investigação integral dos factos, parece ser de julgar que a determinação dada pelo Sr. Instrutor, no decurso da instrução, de junção ao procedimento disciplinar de certidões de outros processos considerados relevantes, não merece qualquer censura, nem colide com nenhuma norma ou princípio jurídico vigentes, encontrando respaldo normativo expresso.

7.3. Prosseguindo no seu desiderato, o autor vem ainda arguir que a conduta do Sr. Instrutor é reveladora de parcialidade, por omissão de diligências requeridas pela defesa

Uma vez mais, deverá esta questão ser dirimida a propósito da defesa à acusação ou da impugnação da deliberação final que eventualmente venha a aplicar sanção disciplinar ao autor.

De todo o modo sempre se refira que tal circunstância não demonstra, de forma alguma, qualquer diminuta imparcialidade do Sr. Instrutor.

Resulta expressamente do disposto no artigo 116.º, n.º 2, do EMJ que «o arguido pode requerer ao instrutor que promova as diligências de prova que considere essenciais ao apuramento da verdade, as quais podem ser indeferidas, por despacho fundamentado, quando este julgue suficiente a prova produzida» (sublinhados nossos).

O preceito é claro ao atribuir credencial normativa expressa para que o Sr. Instrutor indefira requerimentos probatórios. De resto, doutrina ([6]) e jurisprudência dos órgãos de cúpula das jurisdições administrativa ([7]) e comum ([8]) têm vindo a reconhecer uma grande amplitude «discricionária» ao Instrutor do processo disciplinar, em sede de apreciação dos requerimentos probatórios do trabalhador ou arguido, bem como um espaço de legitimidade e validade dos actos que indeferem diligências instrutórias requeridas por arguidos em procedimentos disciplinares.

Improcede a pretensão do autor também neste ponto.

7.4. Um outro argumento ensaiado pelo autor é o de que seria ilegal e demonstrativo de violação da imparcialidade do Sr. Instrutor a fixação do prazo para apresentação de defesa à acusação durante as suas férias pessoais.

Como acima assinalado, à tramitação do procedimento disciplinar aplicam-se, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias constantes do EMJ e, subsidiariamente, o regime decorrente do CPA, do CP e do CPP – cfr. artigo 83.º-E do EMJ na redação atual. A contagem do prazo está, pois, sujeita às regras do CPA, o que se compreende, dado que o procedimento disciplinar traduz uma sucessão de actos, encadeados, e que culminam com uma decisão.

Cf., assim, Ac. do STJ de 24-10-2019 (proc. n.º 18/19…..).

Ora, atenta a específica natureza do processo disciplinar, enquanto procedimento administrativo especial, ao qual são necessariamente aplicáveis as regras gerais de contagem dos prazos administrativos, conforme previsto no CPA, temos que os prazos respeitantes a procedimentos administrativos, seja de natureza disciplinar ou outra, não se suspendem durante as férias judiciais e, menos ainda, durante as férias pessoais dos intervenientes. Tal é o que decorre do art. 87.º do CPA.

É, assim, linear a conclusão de que ao processo disciplinar se aplica o regime previsto no art. 87.º do CPA, pelo que os prazos não se suspendem durante as férias judiciais. Efetivamente, a compaginação dos prazos de instrução do processo disciplinar com a dimensão limitada dos prazos de prescrição não se compadece com um regime de suspensão durante as férias. Assim como também se pode asseverar que muito menos é admissível uma suspensão determinada pela vontade do arguido, seja para ir em gozo de férias, seja para apresentar a respetiva defesa, seja para se deslocar a qualquer local.

Assim, a conduta do Sr. Instrutor balizou-se dentro dos limites expressamente previstos na lei aplicável e é demonstrativa de zelo e prossecução da desejável celeridade procedimental.

7.5. Quanto à questão da consulta do processo n.º 188/11….., constatamos que o autor alegou uma «despudorada duplicidade de critérios» e uma ofensa, já que «para o acusador vale tudo, até esconder os alegados meios de prova».

De novo, não lhe assiste razão, ao menos na perspetiva que ora interessa apurar, que é a da existência de base legal e credencial normativa para a atuação do Sr. Instrutor, por um lado, e para a apreciação de uma suposta falta de imparcialidade ou de um animus nocendi justificador do incidente de suspeição.

Na verdade, existe uma norma geral e abstrata que regula a questão da consulta dos autos de processo disciplinar, não estando em causa tão-somente uma alegada «prática judiciária e administrativa». Já o art. 120.º do EMJ, na redação da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro, dispunha que, durante o prazo para a apresentação da defesa, o arguido, o defensor nomeado, ou o mandatário constituído, podiam examinar o processo no local onde este se encontra depositado.

Por seu turno, o art. 111.º do EMJ, na redação cogente, dispõe que o arguido, o defensor nomeado, ou mandatário constituído, podem, a todo o tempo e a seu pedido, examinar o processo e obter cópias ou certidões, salvo se o instrutor, por despacho fundamentado, considerar que o acesso ao processo pode obstar à descoberta da verdade. Mais refere o n.º 4 do mesmo normativo que, a partir da notificação a que se refere o artigo 118.º, o arguido e o seu advogado podem consultar e obter cópia de todos os elementos constantes do processo, ainda que anteriormente o instrutor tenha proferido despacho nos termos do n.º 2.

Na certeza, porém, de que uma coisa é a consulta do processo; outra, distinta, é o exame fora da secretaria. Não se encontrando tal distinção consignada no referido Estatuto, cumpre recorrer ao direito subsidiário nos termos do art. 83.º do EMJ.

É nessa sequência que surge o apelo ao art. 89.º do CPP, segundo o qual, durante o inquérito, o arguido pode consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes. Quando, nos termos dos n.os 1, 4 e 5 do art. 86.°, o processo se tornar público, e só nessa altura, o arguido pode requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho que o autorizar fixar o prazo para o efeito.

Importa ter presente que o processo disciplinar tem natureza confidencial até à emissão de decisão final (art. 111.º, n.º 1, do EMJ) e, como tal, está resguardado das regras relativas à publicidade — o que, em última análise e face ao normativo referido, significa que o mesmo não pode ser consultado fora da secretaria.

Também nessa sequência importa referir que, se o arguido pretende consultar o processo 188/11….., poderá fazê-lo nos termos legais como qualquer outro cidadão na mesma circunstância. Tratando-se de um processo penal, o preceito aplicável é o artigo 90.º do CPP.

Assim, também no que respeita à recusa da confiança do processo não se demonstra que a determinação do Sr. Instrutor indicie que esteja comprometida ou de algum modo prejudicada a sua imparcialidade: tal recusa assentou em fundamento legal e foram apresentadas alternativas que em nada prejudicavam a defesa do arguido, ora autor, dado o teor dos artigos 111.º do EMJ e 86.º do CPP, aplicável ex vi artigo 83.º-E do EMJ. Era, pois, admissível a consulta do processo nos serviços do CSM e a emissão de certidões ou cópias, quando requeridas, não merecendo qualquer reparo, do ponto de vista legal, considerando a fase processual em que o mesmo se encontra, o indeferimento da confiança do processo.

Face ao exposto também por aqui se prefigura que a conduta do Sr. Instrutor se encontra alicerçada na lei vigente, não sendo demonstrativa de qualquer juízo violador da equidistância que subjaz à sua atuação inspetiva.

7.6. O autor insurge-se ainda contra o facto de, em sede acusatória, o Instrutor ter indicado as sanções aplicáveis. Considerando tal facto como inadmissível, o demandante conclui que o mesmo constitui a demonstração cabal da «inimizade e parcialidade», quando não da invocada «atuação torpe e malévola» do Sr. Instrutor, expressa no «fraseado acusatório» empregue.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, o art. 117.º, n.º 3, do EMJ, na sua redação atual, determina que, «caso não ocorra arquivamento, o instrutor deduz acusação no prazo de 10 dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infração disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática e os factos que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, indicando os preceitos legais e as sanções aplicáveis» (sublinhados nossos). Dúvidas não existem de que é requisito de perfeição acusatória a indicação das sanções aplicáveis. Assim é, aliás, porque, precisamente face à anterior redação do EMJ (que suprimia esta exigência), firmou-se um entendimento jurisprudencial consolidado no sentido da exigência da necessidade de referência às penas aplicáveis, bem expressa nos Acs. do Tribunal Constitucional n.º 499/2009, de 30-09-2009, e n.º 516/03, de 28-10-2003 ([9]). Pronunciando-se sobre esta matéria decidiu este ultimo acórdão: «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, a norma do artigo 122.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação segundo a qual não impõe a comunicação ao arguido do relatório final do instrutor, quando a notificação da acusação ao arguido não tenha incluído a indicação das normas tidas por violadas e da natureza da pena que lhe é aplicável, e a decisão final seja no mesmo sentido deste relatório».

A única dúvida suscitada pelo tema prende-se com as consequências da omissão do mesmo. Sobre tal questão se pronunciou o Ac. do STJ de 27-05-2020 (proc. n.º 22/19.8YFLSB), ao preconizar que se reveste de natureza essencial a indicação das sanções aplicáveis, e que, não sendo as mesmas consignadas na acusação, poderá admitir-se que essa omissão possa ser suprida posteriormente através da notificação do relatório final.

Não se identifica, portanto, qualquer diminuição da imparcialidade do Sr. Instrutor, nem intuito persecutório, na consignação na acusação das sanções em que poderá incorrer o arguido, quando do regime jurídico aplicável decorre até que, pelo contrário, o que poderia traduzir postergação de garantias de defesa seria o inverso, ou seja, o facto de a acusação não conter a referência à pena aplicável. A indicação da sanção é que decorre de uma perspetiva garantística da posição do arguido, pois que o mesmo poderá defender-se desde o início, das várias posições assumidas pelo instrutor no processo. É aliás recorrente, e uniforme, a posição da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça sobre o tema em apreço ([10]).

8. Aqui chegados, concluímos que as pretensas irregularidades e vícios suscitados pelo autor, por referência à pretendida suspeição do inspetor, traduzem: i) nalguns casos, desacordo com o teor da acusação (quanto aos factos, à ambiguidade de alguns artigos da referida acusação, ao tratamento jurídico ao nível da alegada desconsideração de um invocado interesse público ou na consignação de sanções aplicáveis) — o que apenas pode ser invocável em sede de defesa à acusação; ii) noutros casos, consubstanciam questões irrelevantes ou juízos conclusivos e meras impressões subjetivas (v.gr., a desorganização do processo — que, além de ser uma opinião conclusiva do autor, não tem em conta neste âmbito a junção aos autos de uma pluralidade de elementos fácticos, nomeadamente de decisões proferidas nos diversos processos, o que poderá acentuar o denominador comum existente nos mesmos); e iii) alegadas preterições de garantias de defesa — que, além de também apenas deverem ser conhecidas, quanto ao mérito das alegações do autor, em sede de defesa à acusação ou numa eventual impugnação da deliberação sancionatória, também não revelaram de forma objetiva e tangível qualquer menor imparcialidade do Sr. Instrutor.

 Em face do exposto dúvidas inexistem de que a tramitação do procedimento disciplinar em apreço decorreu nos moldes legalmente previstos e de que as vicissitudes ocorridas foram tratadas pelo Sr. Instrutor de forma desinteressada e imparcial, em estrito cumprimento da Constituição e da Lei, tendo em vista a celeridade, eficiência e a boa administração, tudo em nome do superior interesse público.

III. Decisão

Pelos fundamentos improcede a acção.

Custas pelo Autor, em função do seu decaimento, que foi total (artigos 527.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, e Tabela I-A, ambos do Regulamento das Custas Processuais.

Valor da acção: € 30 000,01 (cf. artigos 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do ETAF e, por remissão deste, também no artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ).

***

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras, Maria dos Prazeres Beleza, Maria Olinda Garcia, Paula Sá Fernandes, Maria Margarida Blasco e Maria Rosa Oliveira Tching e do Exmo. Senhor Conselheiro, Ilídio Sacarrão Martins, que compõem este Colectivo.

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2021

Fátima Gomes, que assina digitalmente

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_______________________________________________________


[1] António Pereira Madeira / António Jorge de Oliveira Mendes / Eduardo Maia Costa / António Henriques Gaspar / António Pires Henriques da Graça / José António Henriques dos Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2015, anotação art. 43.°
[2] Disponíveis, salvo indicação expressa e pontual em contrário com referência a outra fonte, em http://www.dgsi.pt.

[3] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, 2011, nota 4 ao art. 43.º, p. 128.
[4] Mário Esteves de Oliveira / Pedro Costa Gonçalves / J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, reimpressão, 2010, pp. 307 e 308.
[5] Vide Acs. de 30-06-2020 (processos n.os 46/19.5YFLSB e 3/20.9YFLSB, este por nós relatado, inédito ainda) e de 24-11-2020 (proc. n.º 4/20.7YFLSB).
[6] Abel Antunes / David Casquinha, Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico-Disciplinar da LTFP, Lisboa, Rei dos Livros, 2018, pp. 699 e 700.
[7] Ac. do STA de 06-10-2011 (proc. n.º 0667/11).
[8] Cf. Acs. do STJ de 24-11-2016 (proc. n.º 3/16.3YFLSB), 04-07-2019 (proc. n.º 69/18.1YFLSB), de 30-06-2020 (processos n.os 49/19.0YFLSB e 62/19.7YFLSB)  e de 24-02-2021 (proc. n.º 15/20.2YFLSB).
[9] Publicado no Diário da República, II Série, de 11-02-2004.
[10] Como o ilustram os acórdãos de 05-07-2012 (proc. n.° 69/11.2YFLSB), de 28-02-2018 (proc. n.º 30/17.3YFLSB) e de 27-05-2020 (citado proc. n.° 22/19.8YFLSB).