Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/21.4YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão: DESPACHO RECLAMADO MANTIDO.
Sumário :
I — Os pedidos formulados no processo cautelar devem ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na ação principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal — consiste nisto o requisito da instrumentalidade das providências cautelares.
Decisão Texto Integral:



PROC. N.º 7/21.4YFLSB

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ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Requerente:     AA
Requerido:       Conselho Superior da Magistratura

1. Por apenso ao processo que corre termos na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça sob o n.º 2/21.3YFLSB, veio o aí autor instaurar processo cautelar, requerendo duas providências cautelares (antecipatórias) para regulação provisória de situação, nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, al. e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante designado CPTA) e associando à primeira delas um pedido de decretamento provisório, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do mesmo diploma.

2. Cumprindo proferir despacho liminar, nos termos do artigo 116.º, n.º 1, do CPTA, aqui aplicável ex vi dos artigos 166.º, n.º 2, e 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante designado EMJ), foi a providência rejeitada, em 15.03.2021, por despacho proferido pela ora Relatora, no uso dos poderes referidos no artigo 27.º, n.º 2, al. f), do CPTA, por carência da característica da instrumentalidade que, nos termos do artigo 113.º do CPTA, informa a tutela cautelar, tornando a presente pretensão cautelar manifestamente ilegal, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, al. d), do CPTA.

3. Inconformado com este despacho, veio o requerente AA reclamar para a conferência.
Num esforço de síntese das alegações deduzidas na reclamação, é possível dizer que o requerente aponta ao despacho reclamado, essencialmente, os vícios seguintes:
(1) nulidade por omissão de pronúncia nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al. d), e 613.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA, uma vez que, apesar de se o requerente ter aludido até a “outras providências (...) porventura consideradas mais adequadas para a salvaguarda dos interesses do Requerente que estão em risco, nada foi dito ou decidido a este respeito (cfr., sobretudo, alegações 9 a 17 e 51);
(2) desrespeito pelo disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 7.º, 7.º-A e 8.º do CPTA, que impõem ao Tribunal uma abordagem não formalista do processo administrativo e, consequentemente, o obrigam a uma apreciação do mérito dos pedidos formulados (cfr. sobretudo, alegações 41 a 48 e 51); e
(3) uso de um fundamento de rejeição liminar que não integra qualquer dos fundamentos constantes do elenco taxativo do artigo 116.º do CPTA (cfr. sobretudo, alegação 51);

4. O recorrido Conselho Superior da Magistratura veio apresentar a sua resposta, pronunciando-se pela manifesta improcedência da pretensão do reclamante.

A questão a decidir pelos Juízes nesta Secção de Contencioso é, em síntese, a de saber se o despacho de indeferimento liminar deve ser revogado, designadamente com algum / alguns dos fundamentos aduzidos pelo requerente.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS
Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.


O DIREITO
Desde logo, é oportuno conhecer, precisamente, o teor do despacho ora reclamado:
De harmonia com a disciplina jurídica dos artigos 112.º e s. do CPTA, podem ser requeridas providências de quaisquer tipos, desde que adequadas a assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no processo principal, do qual a providência depende. Esta ideia de utilidade, aliás, permite recortar o processo cautelar com reporte à ideia da finalidade clara que preside àquela figura: garantir que a decisão proferida num processo de cognição plena terá aptidão para, quando da respectiva prolação, produzir todos os efeitos para que tende.
São, de forma consensual, dogmática e exegeticamente aceites como características típicas das providências cautelares a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade. Pela primeira das características aludidas pretende significar-se, em bom rigor, que a função e a estrutura da providência cautelar estão dependentes de uma acção principal, já intentada ou a intentar num certo prazo; pela segunda, por seu turno, que a tutela cautelar apenas alcança uma resolução não definitiva do litígio, ou, dito por outras palavras, que a regulação estabelecida pela providência se destina a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir nos autos principais venha definir a matéria controvertida; e pelo terceiro e último dos marcos característicos das providências cautelares, pressupõe-se uma cognição sumária da situação de facto e de direito. Esta sumariedade cognitiva, associada à urgência, manifesta-se, afinal, num juízo de probabilidade ou de verosimilhança relativamente à existência do direito que se pretende acautelar.
Prosseguindo esta ideia, cumpre ainda reforçar que, atento o teor dos artigos 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, ambos do CPTA, “o principal traço característico da tutela cautelar é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos principais, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos. É o n.º 1 deste artigo 113.º que melhor espelha esta característica, ao assumir que 'o processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito', isto é, do processo, já intentado ou a intentar, no qual se discute a matéria controvertida. Por este motivo, o artigo 114.º, n.º 3, alínea e), exige que, no requerimento cautelar, seja indicada a ação de que depende ou irá depender o processo cautelar, havendo que concretizar o pedido que nela foi ou será formulado, pois só assim o tribunal poderá apreciar a verificação da caraterística da instrumentalidade e do requisito do 'fumus boni iuris' para negar ou conceder a providência requerida”[1].
Dito isto, importa antes de mais cotejar o petitório do requerente formulado no requerimento inicial do presente processo cautelar com os pedidos formulados, a final, na petição inicial da acção declarativa principal de que dependem estes autos, para aquilatar, em bom rigor, onde se estriba a pretensão ora deduzida, com vista à caracterização da aludida instrumentalidade em causa nos presentes autos.
Na acção administrativa n.º 2/21.3YFLSB, em que o ora requerente demanda o Conselho Superior da Magistratura (CSM), são formulados, a final, os seguintes pedidos:
a)            declarar extinto por caducidade ou, caso assim não se entenda, por prescrição o processo disciplinar n.º 155/2015-PD, instaurado pelo Réu contra o Autor, e declarar expressamente que este é magistrado judicial, com todas as devidas consequências legais; ou
b)            caso assim não se entenda, seja determinada a anulação da douta deliberação aprovada pelo Réu no dia 20 de outubro de 2020, com fundamento na violação dos diversos princípios, direitos e artigos (...) concretizados [na petição inicial], que aqui se dão por reproduzidos; e
c)            condenar o Réu a, no prazo máximo de 50 (cinquenta) dias após a anulação da respetiva deliberação, realizar as diligências que se mostrem pertinentes para a apreciação das pretensões do Autor, proceder à audiência prévia deste e, ainda, a tomar posição sobre a requerida reabilitação à luz dos factos apurados, designadamente sobre o comportamento do Autor.
Por seu turno, nos presentes autos, em que é entidade requerida também o CSM, o requerente conclui formulando os seguintes pedidos:
a)            o reconhecimento provisório por esse Supremo Tribunal, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015; e
b)            a imposição ao Requerido do dever de, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, creditar mensalmente na conta bancária do ora Requerente (com o NIB que aquele já conhece, mas que aqui se consigna: ………..95) a importância de € 500,00 (quinhentos euros), por conta das quantias que previsivelmente terá de lhe pagar após aquela mesma decisão.
Requer-se também muito respeitosamente que a providência indicada em a) seja decretada provisoriamente por V. Exa. ao abrigo do preceituado no artigo 131.º do CPTA e que tal douta decisão seja comunicada ao CEJ por meio expedito (cfr. os artigos 114.º, n.º 4, e 122.º, n.º 1, do CPTA).
Cotejando os petitórios formulados, é possível desde já sustentar que inexiste a antedita relação de instrumentalidade entre os presentes autos cautelares e a acção declarativa principal de que estes dependem.
Explique-se como se chegou a esta conclusão.
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O primeiro pedido formulado nos presentes autos (“reconhecimento provisório de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015”) consubstancia pedido cautelar que, nos exactos termos em que vem formulado, tem de ter por referência, na instância declarativa principal a que se reporte, uma pretensão subsumível às als. g), c) ou h) do artigo 37.º do CPTA, ou seja, respectivamente, à hipótese de reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições, de condenação à não emissão de acto administrativo ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares.
Ora, como é visível, nenhum dos pedidos formulados no Proc. 2/…. (acção principal) se reporta a qualquer das aludidas previsões: os dois primeiros pedidos daquele processo são pedidos anulatórios de um concreto acto administrativo da aqui entidade requerida e o terceiro pedido aí formulado combina uma pretensão de reconstituição da situação actual hipotética que existiria não fosse a prática do acto que se pretende ver anulado com uma pretensão de condenação à prática de um acto que o aqui requerente entende devido (apreciação e decisão do pedido de reabilitação).
Quer dizer: os pedidos formulados no processo declarativo principal de que dependem estes autos cautelares subsumem-se às previsões das als. a) (impugnação de acto administrativo), b) (condenação à prática de acto administrativo) e i) (condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime) do citado artigo 37.º
A dessintonia entre o que é peticionado no processo principal e no processo cautelar é, pois, evidente e insanável.
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Mas sempre se refira adicionalmente, ainda com referência a este primeiro pedido que o requerente formula nos presentes autos (e que inclusive pretende ser objecto de decretamento provisório, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPTA), dois argumentos adicionais que militam em sentido desfavorável à sua admissão.
Por um lado, ao pedido de reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições (que, em rigor, deveria ser formulado na instância declarativa principal de que dependem estes autos) associa a lei processual uma especial exigência, em termos de legitimidade ativa ou de interesse em agir — requisito esse que se estende à instância cautelar, por força da aludida característica de instrumentalidade.
Assim, nos termos do artigo 39.º do CPTA, os pedidos de simples apreciação só podem ser requeridos através da acção administrativa em situações de incerteza do direito, de ilegítima afirmação por parte da Administração da existência de determinada situação jurídica, de inexistência de acto administrativo ou de fundado receio de que a Administração possa vir a adotar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorreta da situação jurídica existente. Se estas situações não ocorrerem haverá falta de interesse em agir para requerer o pedido de simples apreciação, que é o pressuposto que está em causa naquele artigo 39.º, como o denuncia a própria epígrafe do artigo.
Ora, tal como decorre dos pedidos, da causa de pedir e dos factos alegados na petição inicial do Proc. 2/…., bem como no requerimento inicial dos presentes autos, não há qualquer situação de incerteza que permita um pedido de simples apreciação nos termos do artigo 39.º do CPTA. Diversamente, seja com a decisão que aplicou a sanção disciplinar, seja com o acto impugnado de Outubro de 2020, o requerente ficou com a certeza de que o CSM: em primeiro lugar, manteve a decisão disciplinar, cuja sanção não considerou ter sido aplicada num procedimento que deveria ter sido extinto por caducidade nem por prescrição; e, em segundo lugar, indeferiu as demais pretensões formuladas pelo requerente, seja no sentido de lhe ser aplicada lei sancionatória mais favorável, seja não apreciando o pedido de reabilitação.
Portanto, este pedido, enquanto reportado a uma pretensão de reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições, teria de ser rejeitado liminarmente. Se não veja-se: se entendida a providência cautelar requerida como reportada a um pedido de simples apreciação, como rigorosamente deveria ser, e dado ser inequívoco que falece o pressuposto de falta de interesse em agir indicado naquele artigo 39.º do CPTA, sempre seria de recusar liminarmente esta providência por manifesta ilegitimidade do requerente, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, al. b), do CPTA; se a providência de reconhecimento de qualidades não se reporta a um pedido principal de pedido de simples apreciação, pois a aqui entidade requerida já prolatou um acto administrativo em sentido contrário ao reconhecimento visado pelo requerente — motivo pelo qual, aliás, o ora requerente não deduziu na instância declarativa tal pedido de simples apreciação, mas sim uma verdadeira acção de pretensão conexa com actos administrativos (de impugnação e de condenação à prática de acto devido) —, então sempre faleceria, nos termos estabelecidos supra, a instrumentalidade cautelar, devendo ser rejeitada ao abrigo da al. d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA[2].
Por outro lado, e mais decisivamente, ainda que se entenda que o “reconhecimento provisório de que o ora Requerente não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos” pode reportar-se, mais do que (ou em vez de) a uma pretensão de reconhecimento de qualidades, a uma pretensão substantiva de condenação à não emissão de acto administrativo ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares, sempre terá por objecto uma actuação administrativa diversa daquela que constitui objecto do processo principal e por destinatário uma entidade administrativa alheia à entidade requerida.
Na verdade, uma leitura integrada do requerimento inicial permite compreender que o verdadeiro intuito do requerente é a obtenção de uma pronúncia jurisdicional que se sobreponha a um outro acto administrativo (que não aquele que é impugnado no processo principal), que poderá vir a ser praticado brevemente (após o exercício de audiência prévia pelo requerente) e que não figura no objecto do processo principal.
De facto, nos artigos 207.º e 208.º do requerimento inicial e no doc. 24 entretanto junto no dia 12.03.2021, constata-se que, por despacho de 18.02.2021 do Senhor Diretor do Centro de Estudos Judiciários (doravante CEJ), foi o requerente notificado para se pronunciar, em sede de audiência prévia e ao abrigo do disposto no artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo, acerca da intenção do CEJ de excluir o aqui demandante dos 37.º Curso de formação de magistrados para os tribunais judiciais e 8.º Curso de formação de juízes para os tribunais administrativos e fiscais, por lhe ter sido aplicada uma pena de demissão enquanto juiz de direito, motivo pelo qual deles se considera excluído. Além disso, o mesmo despacho ordenou a extração de certidão para remessa ao Ministério Público para efeitos de exercício de acção penal.
Compreende-se, portanto, que a providência que poderia ir ao encontro do interesse prosseguido e reconhecido pelo próprio requerente nos artigos 207.º e 208.º do requerimento inicial seria a providência de admissão provisória a concursos e exames, prevista no artigo 112.º, n.º 2, al. b), do CPTA, e não tanto a de regulação provisória de uma situação. Para tanto, contudo, teria o requerente de se assegurar que também o CEJ figurava como demandado, requerido ou contrainteressado nos presentes autos, por forma a ser abrangido pela força e autoridade de caso julgado da decisão cautelar.
Certo é, porém, que não só o CEJ não é demandado no processo principal — nem sequer demandado nos presentes autos (nem poderia sê-lo, ainda que na qualidade de contrainteressado, como veremos de seguida) —, como o acto praticado por aquela autoridade administrativa não pode ser conhecido por este Tribunal, dada a redação do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Prendendo impugnar uma decisão do CEJ, o requerente teria de intentar a pertinente acção administrativa (e respectiva providência cautelar) no tribunal administrativo de círculo territorialmente competente. A incompetência absoluta deste Tribunal impede, por conseguinte, que o CEJ possa vir a ser demandado no âmbito da relação material controvertida que opõe o ora requerente e o CSM, entidade requerida.
Por aqui se vê que, além de não se verificar a instrumentalidade da pretensão cautelar formulada neste primeiro pedido com referência ao processo principal, a primeira providência requerida nunca obteria o seu efeito: é que uma regulação provisória (mesmo que decretada provisoriamente ao abrigo do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPTA — e, portanto, insusceptível de recurso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo) nunca obrigaria o CEJ, porque não foi demandado. Recorde-se que, “além da eficácia 'inter partes' - que o caso julgado possui sempre -, o caso julgado também pode atingir terceiros. Tal sucede através de uma de duas situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros. Aquela eficácia verifica-se quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou decidido entre os legítimos contraditores [] deve ser aceite por qualquer terceiro. [Na certeza, porém, de que] da circunstância de o efeito reflexo depender da presença em juízo de todos os interessados diretos resulta que, numa ação em que é alegado um direito absoluto, o caso julgado da respetiva decisão nunca pode realizar aquele efeito. Como esse direito não é individualizado por qualquer sujeito vinculado (exatamente pela ausência de qualquer relação), não é possível delimitar os interessados diretos que devem ser demandados para que se realize essa eficácia reflexa. Portanto, nenhum titular de um direito incompatível fica vinculado a aceitar um direito absoluto reconhecido em juízo entre terceiros”[3].
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Por seu turno, a segunda providência requerida nos presentes autos também não pode ser admitida liminarmente.
Com efeito, se é certo que a regulação provisória de quantias prevista no artigo 133.º do CPTA tem em vista a tutela de situações prementes de carência económica, não é menos verdade que o é tendo por referência processos declarativos principais nos quais se pretendam acautelar pretensões materiais subjectivas dirigidas à obtenção do cumprimento de obrigações de pagar quantias em dinheiro; e essas pretensões terão de ser aí reguladas de forma definitiva, ou de ter aptidão para regular de forma definitiva a conformação material das quantias por conta das quais é peticionada a regulação provisória.
Para melhor ilustrar o que ora se vem afirmando, importa fazer notar que o próprio legislador do CPTA faz depender o decretamento da regulação provisória, além do mais, da probabilidade da pretensão material formulada no processo principal [exigência que se mantém, de resto, na redacção actual do preceito – cfr. n.º 2, al. c)]. Porque assim é desde sempre a doutrina vem apontando como casos típicos das acções principais, de que dependem estes pedidos de regulação provisória de quantias, as seguintes situações: em primeiro lugar, as acções de condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico-administrativas, ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, al. j), do CPTA; depois, residualmente, também se admitiam as hipóteses de acções de indemnização ou de acções administrativas especiais de condenação à prática de acto devido (casos de indeferimento ou recusa de atribuição de subsídio, pagamento de pensão, processamento de vencimento, etc.).
De qualquer modo, e bem vistas as coisas, em todos estes casos está em causa uma pretensão material do interessado, a ser reconhecida e declarada jurisdicionalmente num processo declarativo principal de que dependa o processo cautelar, em que esteja em causa uma obrigação de entrega de quantia em dinheiro[4].
Sucede que, como se concluiu, nenhuma das pretensões formuladas no Proc. 2/21.3YFLSB se reporta a nenhuma destas previsões, posto que em nenhuma delas está pedida (ou tem por objecto, sequer remota indireto, eventual ou mediato) qualquer obrigação pecuniária.
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Tudo visto e ponderado, decide-se, no uso dos poderes referidos no artigo 27.º, n.º 2, al. f), do CPTA, rejeitar liminarmente o presente pedido de decretamento de providências cautelares, por carência da característica da instrumentalidade que, nos termos do artigo 113.º do CPTA, informa a tutela cautelar, tornando a presente pretensão cautelar manifestamente ilegal, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, al. d), do CPTA”.

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Perante o teor do despacho reclamado – antecipa-se –, não será possível, a final, reconhecer razão ao requerente nas suas alegações. Se não veja-se.
Acaba de se ver que razão principal que justificou o despacho de rejeição da providência cautelar foi a ausência de uma relação de instrumentalidade entre os pedidos formulados no requerimento cautelar e os pedidos formulados na acção principal. Apesar da discordância do requerente (cfr., em especial, alegação 45), acolhe-se aqui esta conclusão.
Como é do conhecimento geral, as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, de que são preliminares ou incidente (cfr. artigos 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, do CPTA). A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efectiva (consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a adopção de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. Quer dizer: a tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de acção principal, regular provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela acção, a contenda que opõe as partes.
Neste contexto o artigo 112.º, n.º 1, do CPTA admite que quem possua legitimidade para intentar um processo possa solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.
A função preventiva das providências cautelares conduz a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade. O procedimento cautelar caracteriza-se, assim, pela instrumentalidade (dependência da acção principal), pela provisoriedade (por não estar em causa a resolução definitiva de um litígio) e ainda pela sumariedade (porque implica uma cognição sumária da situação em litígio através de um procedimento simplificado e rápido).
O principal traço característico da tutela cautelar, escreve-se na doutrina, “é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos, que, por isso, são qualificados como processos principais[5].
A instrumentalidade constitui, portanto, um limite interno ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo[6].
Tendo presente esta ideia, e recuperando o cotejo que se efectuou no despacho ora reclamado entre os pedidos formulados na petição inicial do Proc. 2/…. e os pedidos formulados no requerimento inicial destes autos, tem de concluir-se que esta relação de instrumentalidade não se verifica.
Retome-se – e aprofunde-se, se for possível –, o raciocínio exposto no despacho reclamado.
Os pedidos formulados na acção declarativa principal de que dependem estes autos são – recorde-se – os de:
a) declarar extinto por caducidade ou, caso assim não se entenda, por prescrição o processo disciplinar n.º 155/…., instaurado pelo Réu contra o Autor, e declarar expressamente que este é magistrado judicial, com todas as devidas consequências legais; ou
b) caso assim não se entenda, seja determinada a anulação da douta deliberação aprovada pelo Réu no dia 20 de outubro de 2020, com fundamento na violação dos diversos princípios, direitos e artigos (...) concretizados [na petição inicial], que aqui se dão por reproduzidos; e
c) condenar o Réu a, no prazo máximo de 50 (cinquenta) dias após a anulação da respetiva deliberação, realizar as diligências que se mostrem pertinentes para a apreciação das pretensões do Autor, proceder à audiência prévia deste e, ainda, a tomar posição sobre a requerida reabilitação à luz dos factos apurados, designadamente sobre o comportamento do Autor.
Os dois primeiros pedidos são pedidos anulatórios de um concreto acto administrativo da aqui entidade requerida; o terceiro pedido combina uma pretensão de reconstituição da situação actual hipotética que existiria não fosse a prática do acto que se pretende ver anulado, com uma pretensão de condenação à prática de um acto que o aqui requerente entende devido (apreciação e decisão do pedido de reabilitação).
Ou seja, os pedidos formulados no processo declarativo principal de que dependem estes autos cautelares reconduzem-se às previsões da norma do artigo 37.º do CPTA, mais precisamente, das suas als. a) (impugnação de acto administrativo), b) (condenação à prática de acto administrativo) e i) (condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime).
Por sua vez, nos presentes autos cautelares, foram formulados os seguintes pedidos:
a)    o reconhecimento provisório por esse Supremo Tribunal, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015; e
b)      a imposição ao Requerido do dever de, até à prolação de uma douta decisão final nos autos principais, creditar mensalmente na conta bancária do ora Requerente (com o NIB que aquele já conhece, mas que aqui se consigna: ..................95) a importância de € 500,00 (quinhentos euros), por conta das quantias que previsivelmente terá de lhe pagar após aquela mesma decisão.
Requer-se também muito respeitosamente que a providência indicada em a) seja decretada provisoriamente por V. Exa. ao abrigo do preceituado no artigo 131.º do CPTA e que tal douta decisão seja comunicada ao CEJ por meio expedito (cfr. os artigos 114.º, n.º 4, e 122.º, n.º 1, do CPTA)”.
Pois bem, os pedidos formulados no processo cautelar devem ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na acção principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal[7].
Veja-se, para ilustrar, aquilo que se decidiu num caso com afinidades com o dos autos, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4.04.2019 Proc. 395/15.1BECTB-A:
(…) entre o procedimento cautelar requerido e a ação principal antes instaurada não existe relação de dependência e instrumentalidade do pedido cautelar relativamente à ação administrativa de impugnação de ato administrativo que aplica ao requerente a pena disciplinar de demissão.
Nas circunstâncias do caso concreto, em que não está pedida nem vem pedida a suspensão de eficácia da medida punitiva de demissão, o recorrente não pode concorrer ao concurso de professores para o ano letivo de 2019/2020. Enquanto não obtiver ganho de causa na ação principal, é impossível almejar a admissão ao concurso de colocação de professores.
Assim sendo, o recorrente com este requerimento cautelar não pode antecipar, a título provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal, mediante a admissão provisória em concurso de colocação de professores, designadamente, porque o objeto da ação principal não é a prática de ato administrativo, antes a remoção de ato administrativo, de conteúdo positivo, que ele pretenderia que não tivesse sido praticado, pois, torna inviável a manutenção da relação de emprego.
A medida cautelar pretendida pelo recorrente não assegura a utilidade da sentença a proferir na ação administrativa de impugnação de ato punitivo, por falta do pressuposto processual da instrumentalidade destes autos em relação à causa principal. O que bem ditou a rejeição liminar do requerimento cautelar apresentado pelo recorrente, por manifesta improcedência ditada por falta de fundamento da pretensão, nos termos do art 116º, nº 1 e nº 2, al d) do CPTA”.
Sucede que o primeiro pedido formulado nos presentes autos (“reconhecimento provisório […] de que o ora Requerente é um cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e de que não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos como consequência automática da pena disciplinar de demissão que lhe foi imposta através da douta deliberação aprovada pelo ora Requerido no dia 21 de dezembro de 2015”) consubstancia pedido cautelar que, nos exactos termos em que vem formulado, tem de ter por referência, na instância declarativa principal a que se reporte, uma pretensão susceptível de recondução às als. g), c) ou h) do artigo 37.º do CPTA, ou seja, respectivamente, reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições; condenação à não emissão de acto administrativo; ou condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares.
Ora, como é visível, nenhum dos pedidos formulados no Proc. 2/21.3YFLSB (acção principal) se reporta a qualquer das aludidas previsões: a dessintonia entre o que é peticionado no processo principal e no processo cautelar é, em conclusão, evidente e insanável.
Tudo visto, não pode dar-se razão ao recorrente quando diz que existe a relação de instrumentalidade que é indispensável para o decretamento de providências cautelares.
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(Re)visitada a razão essencial pela qual se despachou no sentido da rejeição liminar, veja-se agora os (outros) vícios apontados ao despacho.

(1) Da alegada nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC; e
 (2) Do alegado desrespeito pelo disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 7.º, 7.º-A e 8.º do CPTA
A origem destes vícios é a mesma: o não decretamento, no despacho reclamado, de providência(s) alternativa(s) às requeridas[8].
Entende o requerente que o Tribunal deveria ter decretado esta(s) providência(s): primeiro, porque o requerente o pediu; segundo, porque a isso obriga a lei.
Ora, desde logo, há que distinguir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no actual artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC[9].
Retirando as devidas consequências para o caso dos autos: o despacho reclamado não enferma da nulidade que lhe é imputada pelo requerente, pois não estavam reunidos os requisitos para que existisse o dever de decretar providências alternativas às requeridas. O tribunal só ficaria constituído neste dever se considerasse que tal decretamento era o rumo de acção adequado – o que, como se verá de seguida, não aconteceu.
De facto, se é certo que, desde logo em observância do princípio pro actione ou pro habilitate instantiae (cfr. artigo 7.º do CPTA), o juiz deve decretar “outras [providências] (...) porventura consideradas mais adequadas para a salvaguarda dos interesses do Requerente que estão em risco (cfr. artigos 116.º, n.º 5, ou 120.º, n.º 3, do CPTA), não é menos certo que esse poder-dever apenas tem lugar quando o Tribunal entenda que isto se justifica. Caso contrário, isto é, quando for evidente ou manifesto que a pretensão cautelar deduzida é infundada, o despacho liminar deve ser de indeferimento.
A própria doutrina a que alude o requerente na reclamação para a conferência, e de que a ora Relatora já deu boa nota no despacho de indeferimento liminar, reconhece que “podem ocorrer situações de rejeição liminar que não sejam passíveis de correção e que não justifiquem [sequer] prévio despacho de aperfeiçoamento: é o que sucede com as situações identificadas nas alíneas b), d) e e) do n.º 2 [do art. 116.º do CPTA][10].
Isto é suficiente para se concluir pela improcedência da alegada violação das normas referidas, quando afloram o princípio da tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPTA), a promoção do acesso à justiça (cfr. artigo 7.º do CPTA), o dever de gestão processual (cfr. artigo 7.º-A do CPTA) e o princípio da cooperação e da boa-fé processual (cfr. artigo 8.º do CPTA).
Vendo bem, aquilo que perpassa do despacho reclamado é, bem pelo contrário, um esforço significativo para captar, na sua essência, as pretensões formuladas no processo cautelar e no processo principal e equacionar hipóteses de aplicação de outro tipo de providências, com vista a “aproveitar” o presente processo cautelar. Mas mesmo esse exercício se revelou infrutífero. Senão, veja-se.
Por um lado, se entendida a providência cautelar requerida, como deveria ser, enquanto pedido instrumental reportado a pedido de simples apreciação na instância declarativa principal, sempre seria de entender que falece o pressuposto especial do interesse em agir indicado no artigo 39.º do CPTA.
Assim é porque, reiterando o estabelecido no despacho reclamado, é seguro que, através da decisão que aplicou a sanção disciplinar e com o acto impugnado praticado em Outubro de 2020, o requerente ficou ciente de que o CSM não só manteve a decisão disciplinar como também indeferiu as demais pretensões formuladas pelo requerente, seja no sentido de lhe ser aplicada lei sancionatória mais favorável, seja não no sentido de não apreciar o pedido de reabilitação. Logo, tal como decorre dos pedidos, da causa de pedir e dos factos alegados na petição inicial do Proc. 2/21.3YFLSB bem como no requerimento inicial dos presentes autos, não há qualquer situação de incerteza que permita um pedido de simples apreciação nos termos exigidos pelo artigo 39.º do CPTA, pelo que, mesmo nesta perspectiva, sempre seria de recusar liminarmente a providência por manifesta ilegitimidade do requerente, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, al. b), do CPTA.
Por outro lado, entendendo que a providência de reconhecimento de qualidades não se reporta a um pedido principal de pedido de simples apreciação, pois a aqui entidade requerida já prolatou um acto administrativo em sentido contrário ao reconhecimento visado pelo requerente — motivo pelo qual, aliás, o ora requerente não deduziu na instância declarativa tal pedido de simples apreciação, mas sim uma verdadeira acção de pretensão conexa com actos administrativos (de impugnação e de condenação à prática de acto devido) —, sempre faleceria, nos termos estabelecidos supra, a instrumentalidade cautelar, devendo ser rejeitada ao abrigo da al. d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA.
Acresce que, desenvolvendo-se o raciocínio em observância ao aludido princípio pro actione consagrado no artigo 7.º do CPTA, chegou a configurar-se, no despacho reclamado, a possibilidade de o pedido cautelar de “reconhecimento provisório […] de que o ora Requerente […] não deverá ser entretanto impedido de aceder ou concorrer com vista a aceder a cargos públicos […]” se referir, mais do que a uma pretensão de reconhecimento de qualidades, a uma pretensão substantiva de condenação à não emissão de acto administrativo ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares. Simplesmente, mesmo nessa perspectiva, não se conseguiu estabelecer o nexo de instrumentalidade necessário para admitir a providência requerida.
Na verdade, e como se referiu no despacho ora reclamado, uma leitura integrada do requerimento inicial permite compreender que o verdadeiro intuito do requerente é a obtenção de uma pronúncia jurisdicional que se sobreponha a um outro acto administrativo (que não aquele que é impugnado no processo principal), que poderá vir a ser praticado brevemente (após o exercício de audiência prévia pelo requerente) e que não figura no objecto do processo principal.

De facto, nos artigos 207.º e 208.º do requerimento inicial e no doc. 24 entretanto junto no dia 12.03.2021, constata-se que, por despacho de 18.02.2021 do Senhor Director do Centro de Estudos Judiciários (doravante CEJ), foi o requerente notificado para se pronunciar, em sede de audiência prévia e ao abrigo do disposto no artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo, acerca da intenção do CEJ em excluir o aqui demandante dos 37.º Curso de formação de magistrados para os tribunais judiciais e 8.º Curso de formação de juízes para os tribunais administrativos e fiscais, por lhe ter sido aplicada uma pena de demissão enquanto juiz de direito, motivo pelo qual deles se considera excluído. Além disso, o mesmo despacho ordenou a extracção de certidão para remessa ao Ministério Público para efeitos de exercício de acção penal.
Segundo se compreende, então, a verdadeira providência que poderia ir ao encontro do interesse prosseguido e reconhecido pelo próprio requerente nos artigos 207.º e 208.º do requerimento inicial seria a providência de admissão provisória a concursos e exames, prevista no artigo 112.º, n.º 2, al. b), do CPTA, e não tanto a de regulação provisória. Para tanto, contudo, teria o requerente de assegurar que também o CEJ figurava como demandado, requerido ou contrainteressado nos presentes autos, por forma a ser abrangido pela força e autoridade de caso julgado da decisão cautelar. Não basta, na verdade, limitar-se a requerer que seja aquela autoridade administrativa notificada de uma decisão cautelar que nem sequer a abrange, pelos motivos identificados no despacho cautelar, nomeadamente porque uma regulação provisória (mesmo que decretada provisoriamente ao abrigo do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPTA — e, portanto, insusceptível de recurso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo) nunca obrigaria o CEJ, porque não foi demandado.
Recuperando aqui os ensinamentos da doutrina da especialidade, citados no despacho reclamado, “além da eficácia 'inter partes' - que o caso julgado possui sempre-, o caso julgado também pode atingir terceiros. Tal sucede através de uma de duas situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros. Aquela eficácia verifica-se quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou decidido entre os legítimos contraditores […] deve ser aceite por qualquer terceiro. [Na certeza, porém, de que] da circunstância de o efeito reflexo depender da presença em juízo de todos os interessados diretos resulta que, numa ação em que é alegado um direito absoluto, o caso julgado da respetiva decisão nunca pode realizar aquele efeito. Como esse direito não é individualizado por qualquer sujeito vinculado (exatamente pela ausência de qualquer relação), não é possível delimitar os interessados diretos que devem ser demandados para que se realize essa eficácia reflexa. Portanto, nenhum titular de um direito incompatível fica vinculado a aceitar um direito absoluto reconhecido em juízo entre terceiros[11].
Certo é, porém, que não só o CEJ não é demandado no processo principal, nem sequer demandado nos presentes autos, como nem poderia sê-lo, ainda que na qualidade de contra-interessado, porque o acto praticado por aquela autoridade administrativa não pode ser conhecido por este Tribunal, dada a redacção dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 4.º do ETAF. Pretendendo impugnar uma decisão do CEJ, o requerente terá de intentar a pertinente acção administrativa (e respectiva providência cautelar) no tribunal administrativo de círculo territorialmente competente. A incompetência absoluta deste Tribunal impede, por conseguinte, que o CEJ possa vir a ser demandado no âmbito da relação material controvertida que opõe o ora requerente e o CSM, entidade requerida.
Mais se refira que, consultada a página daquela instituição na presente data, se verifica que o requerente foi admitido definitivamente a ambos os concursos (o 37.º Curso de formação de magistrados para os tribunais judiciais e o 8.º Curso de formação de juízes para os tribunais administrativos e fiscais), com o mesmo número de ordem (463)[12], e que, inclusivamente, chegou a realizar as provas escritas da via profissional em ambos os concursos, embora com diferentes desenlaces: foi excluído no 8.º concurso para os TAFs, com 8 valores[13] e foi aprovado, embora apenas com 10 valores, na prova escrita de Penal para o 37.º concurso dos tribunais judiciais[14].
Por aqui se vê, além do mais, que, além de não se verificar a instrumentalidade da pretensão cautelar formulada neste primeiro pedido com referência ao processo principal, nos termos estabelecidos adrede, também não se divisa sequer uma iminência absoluta de pronúncia jurisdicional (que nunca poderia ser efetuada por este Supremo Tribunal, reitera-se), no sentido de, em sede de decretamento provisório, obrigar o CEJ (ou qualquer outra autoridade administrativa não citada nem demanda nos autos principais nem nos cautelares) a admitir o ora requerente nos aludidos concursos. Essa admissão já foi lograda — ainda que, por outros motivos alheios à relação material controvertida, o requerente não tenha logrado aproveitamento nas provas escritas para os tribunais administrativos e fiscais, estando nesta fase excluído desse concurso (à semelhança de edições anteriores), sendo que, mesmo na Prova de Penal para a magistratura do Ministério Público, a classificação obtida, sendo suficiente para admissão aos subsequentes métodos de seleção, poderá não vir a ser suficiente para a graduação em lugar de provimento e colocação).
Mesmo que o CEJ venha a praticar o acto que o requerente receia vir a ser praticado, ele não fica desprotegido de tutela pela rejeição liminar decretada nos presentes autos: sempre lhe está a aberta a possibilidade de obstar aos efeitos de tal acto, quer preventivamente, intentando providência cautelar de admissão provisória a concursos e exames, conforme previsto no artigo 112.º, n.º 2, al. b), do CPTA, quer reactivamente, intentando providência cautelar de suspensão de eficácia — em qualquer caso no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e como preliminar de uma acção administrativa contra esse concreto acto do Director do CEJ, ainda que com causa(s) prejudicial/ais nas acções que se encontram a correr termos na Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal (Proc. 2/21.3YFLSB e Proc. 9/20.8YFLSB).

Por fim, quanto à última alegação – de que:
(3) o fundamento de rejeição liminar não integra o elenco taxativo do artigo 116.º do CPTA,
apenas se replica que este fundamento foi claramente enunciado no despacho de indeferimento e está previsto na al. d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA.

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Em especial no que toca à segunda providência cautelar requerida, na linha do que se afirmou no despacho reclamado, se é certo que a regulação provisória de quantias prevista no artigo 133.º do CPTA tem em vista a tutela de situações prementes de carência económica, não é menos verdade que o é tendo por referência processos declarativos principais nos quais se pretendam acautelar pretensões materiais subjectivas especificamente dirigidas à obtenção do cumprimento de obrigações de pagar quantias em dinheiro; essas pretensões terão de ser aí reguladas de forma definitiva ou de ter aptidão para regular de forma definitiva a conformação material das quantias por conta das quais é peticionada a regulação provisória.

Veja-se que é o próprio legislador do CPTA quem faz depender o decretamento da regulação provisória da probabilidade da pretensão material formulada no processo principal [exigência que se mantém, de resto, na redacção actual do preceito – cfr. n.º 2, al. c)]. Porque assim é, desde sempre a doutrina vem apontando como casos típicos das acções principais, de que dependem estes pedidos de regulação provisória de quantias, as seguintes situações: em primeiro lugar, as acções de condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico-administrativas, ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, al. j), do CPTA; depois, residualmente, as acções de indemnização ou de acções administrativas especiais de condenação à prática de acto devido (casos de indeferimento ou recusa de atribuição de subsídio, pagamento de pensão, processamento de vencimento, etc.).

Bem vistas as coisas, em todos estes casos está em causa uma pretensão material do interessado, a ser reconhecida e declarada jurisdicionalmente num processo declarativo principal de que depende o processo cautelar, em que está em causa uma obrigação de entrega de quantia em dinheiro[15].

Porém, como se viu já, nenhuma das pretensões formuladas no Proc. 2/21.3YFLSB respeita a alguma destas previsões.

Cumpre notar que isto vale para todas as pretensões que não têm por objecto obrigações de prestação pecuniária – mesmo que, se forem acolhidas, têm como efeito (eventual ou hipotético e se sempre mediato) obrigações de prestação pecuniária.

Está em causa nos autos uma situação deste último tipo: o requerente deduz, no processo principal, uma pretensão impugnatória que tem por objecto uma dada situação profissional, impugnado, no fundo, a decisão de aplicação de sanção disciplinar de demissão; em caso de procedência da sua pretensão, daí decorrerá a obrigação, em sede de reconstituição da situação actual hipotética, de pagamento ao autor das quantias que este deixou de receber a título de vencimento. Porém – e é isso o que importa reter –, a pretensão não se reporta directamente à percepção de qualquer quantia monetária (posto que não está em causa o indeferimento ou recusa de atribuição de subsídio, pagamento de pensão, processamento de vencimento, etc., nem está em causa, contrariamente ao alegado pelo requerente, o cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico-administrativas).



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III. DECISÃO

Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de rejeição liminar do requerido.

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Custas pelo requerente / reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

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Catarina Serra
Conceição Gomes
Leonor Cruz Rodrigues
Margarida Blasco
Maria Olinda Garcia
Ilídio Sacarrão Martins
Fernando Samões


Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.


Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Cfr. Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2017 (4.ª edição), p. 930.
[2] Veja-se, a propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 2.10.2020, Proc. 01049/20.2BEBRG, em cujo sumário pode ler-se: “I – A rejeição liminar do requerimento inicial de uma providência cautelar com fundamento na alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA, só deve ocorrer quando seja «manifesta» a falta de fundamento da pretensão, exigindo, por um lado, que seja imediatamente detetável perante os termos em que o requerente a formula e delimita no requerimento inicial, e, por outro, que outra conclusão não possa ser alcançada numa subsequente análise, mesmo que perfunctória, própria da decisão cautelar. II - O juízo sobre a manifesta falta de fundamento da pretensão, motivador da imediata rejeição, em sede de despacho liminar, do requerimento da providência cautelar, apela, assim, a um duplo critério: o da evidência, dispensando, assim, mais averiguações ou ponderações; e o da certeza, apoiado na convicção firme e segura de que a pretensão do requerente deverá ser, à luz do direito, indeferida”.
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 590-594.
[4] Cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida / Carlos alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pp. 1055-1057.
[5] Cfr., por todos, Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2017 (4.ª edição), p. 914.
[6] Cfr., neste sentido, Fernanda Maçãs, “As Medidas Cautelares”, in: Reforma do Contencioso AdministrativoO Debate Universitário, vol. I, Ministério da Justiça, Novembro de 2000, 457-458.
[7] Cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24.01.2019, Proc. 477/18.8BECTB.
[8] Dado terem em comum a origem no mesmo facto / omissão, tratam-se em conjunto os primeiros dois alegados vícios.
[9] Explica José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 143), “[q]uando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Conclui o autor: “[s]ão, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão .
[10] Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cit., p. 950.
[11] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 590-594.
[12] Vide lista de admitidos para o 8.º concurso para os TAFs in http://www.cej.mj.pt/cej/forma-ingresso/fich.pdf/8_taf_docs/8_TAF_Lista_admitidos_signed.pdf e a lista definitiva para o 37.º concurso para os tribunais judiciais (e magistrados do Ministério Público) in http://www.cej.mj.pt/cej/forma-ingresso/fich.pdf/37_curso_docs/37_Lista_admitidos_determinacao_judicial_signed.pdf.
[13]Vide resultados na prova escrita in http://www.cej.mj.pt/cej/forma-ingresso/fich.pdf/8_taf_docs/8_TAF_escritas_prof_sem_nome_signed.pdf.
[14] Vide resultados na prova escrita in http://www.cej.mj.pt/cej/forma-ingresso/fich.pdf/37_curso_docs/37_escritas_prof_sem_nome_signed.pdf.
[15] Hoc sensu, vide Aroso de Almeida / Fernandes Cadilha, op. cit., pp. 1055-1057.