Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1012/15.5T8VRL-AM.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
PROMITENTE-COMPRADOR
CONSUMIDOR
TRADIÇÃO DA COISA
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE BENS IMÓBEIS.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, p. 133 e 134;
- Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2015, 2ª edição, p. 376.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 755.º, N.º 1, ALÍNEA F).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2019, IN DR N.º 141/2019, SÉRIE I, DE 25-07-2019.
- DE 02-04-2019, PROCESSO N.º 822/14, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-04-2019, PROCESSO N.º 872/10, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I- A qualidade de consumidor é uma condição essencial da atribuição do direito de retenção ao promitente-comprador que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência.

II- O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2019 uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para efeitos do disposto no Acórdão n.° 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”

III- Na esteira deste Acórdão, goza do direito de retenção, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação. De fora do conceito de “consumidor” ficam os promitentes-compradores que pretendem adquirir o bem para revenda, para o exercício de uma actividade profissional, ou lucrativa, como a locação.

IV- O Recorrente apenas alegou e provou que tem o imóvel arrendado há cerca de cinco anos.

V- Assim, o Recorrente, não tendo logrado demonstrar a sua qualidade de “consumidor” nos termos definidos pelo AUJ 4/2019, não goza do direito de retenção, nos termos do estatuído no artº 755º, nº 1, al. f) do Código Civil.   

Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça     

        

          I- Relatório:

AA veio impugnar a lista de credores reconhecidos alegando, em suma, ter celebrado com a insolvente um contrato promessa de compra e venda relativo a fracção autónoma tipo T3, no 2º andar topo norte interior, com lugar de garagem na cave, situada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, no Lote número 1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., tendo pago a totalidade do preço ajustado, ou seja a quantia de €122.954,00.

Mais alegou que, logo após a construção do imóvel, as chaves da fracção foram-lhe entregues, tendo desde então integrado a posse da fracção, no decurso da qual a arrendou há cerca de 5 anos. Termina pedindo o reconhecimento de um crédito no valor de €245.908.00, correspondente ao sinal em dobro garantido por direito de retenção.

O Tribunal proferiu saneador-sentença reconhecendo o referido crédito como comum.

Inconformado o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Este Tribunal por acórdão proferido, em 16 de Novembro de 2017, julgou totalmente improcedente a apelação, mantendo integralmente a sentença com a seguinte fundamentação:

Como bem entendeu a sentença recorrida, não foram alegados factos de molde a poder habilitar o tribunal a decidir se o impugnante tem ou não esse estatuto de consumidor. A cedência de arrendamento da fracção tanto pode constituir uma actuação isolada do impugnante como também é perfeitamente compatível com o exercício duma actividade profissional lucrativa”.

Do acórdão da Relação veio o impugnante AA  interpor recurso de revista excepcional, concluindo o seguinte:

“1a O presente Recurso de Revista Excecional em tempo interposto, uma vez que entende o Recorrente relativamente esta questão, per si, reúne também os pressupostos previsto no Art. 672º,n.°2 do CPC.

2a Com efeito, refere tal acórdão ora posto em crise, que não mereceu acolhimento o recurso de Apelação apresentado por duas ordens de motivos, ou melhor, por um entendimento do qual se subtraiu o subsequente: a falta de natureza de "consumidor final" do ora Recorrente e, consequentemente não lhe ver se aplicado o respetivo direito de retenção.

3a Assim, e preenchendo o requisito de tal alínea a) do Art. 672° sempre se dirá ser fundamental, do ponto de vista factual definir o que se entende por consumidor final, em concreto nos presentes autos e atendendo ao dispositivo do recente Acórdão desse douto Supremo Tribunal de 03/10/2017 (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 212/1 L1T2AVR-B.P1.S1, 6ª SECÇÃO, Relator Júlio Gomes).

4a O AUJ n,° 4/14 e o atual acórdão do STJ, importa articular ambos os dispositivos, para se consagrar uma delimitação concreta e uniforme do que se entende por "consumidor final", não só no âmbito dos presentes autos, como para dar a necessária e imprescindível certeza e segurança jurídica.

5a Releva, ainda, de fulcral importância para tal desiderato que fique bem claro o que se entende como consumidor final e, do ponto de vista processual, com é definido o mesmo.

6a Ou seja, e não obstante a existência ou não de factos que assim concretizem tal definição, é poder/dever do julgador determinar tal classificação e que critérios deverão operar, existindo ou não prova e delimitadores da atribuição de tal classificação.

         7a E também curial entender, em caso de dúvida, se o sujeito dever-se-á atender como consumidor final ou não e o porquê de tal opção.

8a Assume ainda fulcral importância jurídica e social aferir todas estas questões, não só para situações que no passado se criaram e atualmente se encontram em discussão, como para acautelar futuras situações como apresente e que, infelizmente, não são pouco vulgares no país, apesar da anunciada diminuição do número de insolvências pendentes em Tribunal.

9a Acrescentando, ainda e nos termos da alínea b), n.° 1 do citado preceito legal, esta questão, pelos motivos acima expostos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos suscitam "interesses de particular relevância social", sendo curial fornecer tal segurança e certeza a todos os operadores judiciários e, especialmente, económicos e cidadãos, atendendo aos valores e importância que imóveis, como a situação nos presentes autos, têm para qualquer economia familiar.

10a É também a própria natureza dos bens (e valores dos mesmos) justificativa, per si, do presente recurso, aliás, no seguimento do espírito da própria lei substantiva geral que sempre acautela (e bem) todos os atos de disposição relacionados com bens imóveis - note-se, a mero título de exemplo o regime relativo à alienação de imóveis por um cônjuge casado, mesmo quando é sem bem próprio...

11a Ora, o que o Recorrente fez foi relatar (e ver provada) a mais escrupulosamente possível a realidade fatual existente.

12a E fê-lo, sendo tendo alegado e provado os factos constantes dos artigos 12° a 91° da Impugnação à Lista de Credores reconhecidos e ainda o aditamento ao requerimento de prova através do requerimento datado de 17.10.2016, com a Ref ..., nos termos do qual se peticionou que fossem transmutados para estes autos os meios de prova apresentados no Apenso AB (ação de restituição e separação da massa) através dos requerimentos com as referências ... f06.06.20l6'), … (06.06.2016), ... f01,06.2016) e ... (20.05.2016) tendo sido requerida a dispensa da sua junção em suporte informático dado ao elevado número de folhas, remetendo-se para aquele apenso, por uma questão de economia processual, o que foi deferido pelo Tribunal a quo por despacho datado de 14,07.2016, com a referência ….

13a Nesses requerimentos a prova que foi junta diz respeito ao contrato de arrendamento celebrado entre o Impugnante e o arrendatário, à sua declaração de IRS, aos pagamentos da água, eletricidade e telecomunicações da fraçao em causa, e ainda ao articulado de oposição à Insolvência apresentado pela Insolvente no âmbito do processo n.° 1484/13.2TBVRL que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real, Io Juízo, onde a BB Lda. se opôs à declaração de insolvência e alegou no artigo 35° e 36° que o ora Impugnante AA, estava na posse da fração respetiva, dela usufruindo totalmente e que já havia negociado e acordado com este a outorga da respetiva escritura, o que de facto não se veio a concretizar.

14a Portanto, tendo sido admitida a junção aos presentes autos, da prova documental junta ao apenso AB e tendo ainda sido dispensada a sua junção aos presentes autos por parte do Impugnante atento o princípio de economia processual, deveria o tribunal a quo ter tido em linha de conta tal prova documental, o que não sucedeu.

15a Portanto, contrariamente àquilo que considera o Tribunal a quo, o Impugnante expressou bem nos presentes autos que o imóvel se destinava à sua habitação e que só o arrendou por motivos profissionais, pois teve de ir viver para outra cidade, onde teve de arrendar casa, e por tal facto por forma a obter uma receita para poder pagar a renda da casa onde reside por motivos profissionais é que arrendou o imóvel.

16a Contudo é preciso notar que o imóvel está arrendado há 5 anos, mas o Impugnante já tem a tradição dele desde 2005, porquanto, durante 7 anos, o Impugnante viveu no referido apartamento, como se fosse seu, como de facto é, uma vez que já o pagou na totalidade, como aliás veio o gerente da Insolvente atestar através de declaração por si assinada e junta pelo Impugnante na açao de separação e restituição de bens da massa.

17a Ou seja, o Recorrente enunciou toda a matéria conducente a ver-lhe reconhecido este seu direito e a sua posição de credor reclamante, com base no pagamento integral do preço e entrega da coisa.

18a Com efeito, em 2004 celebra o negócio, logo se seguida entra na posse (tendo-lhe sido entregues as respetivas chaves) habita-o e, nos últimos cinco anos arrendou-o.

17a São três os pressupostos que marcam o direito de retenção: a existência de um crédito emergente de um contrato promessa de transmissão ou constituição de um direito real; a entrega ou tradição da coisa abrangida ou objeto da promessa ; o incumprimento definitivo imputável ao promitente, como fonte de crédito do retentor.

18a A tradição de que fala o art. 755°, nº 1, al. f) do C.C. não se confunde com a posse e pode existir sem esta.

19a A tradição da coisa é constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e por um elemento positivo (ato que exprima a tomada de poder sobre a coisa).

20a A alínea b) do art. 1263° do C.C. confere igual valor à tradição material e à tradição simbólica; tradição material é a realizada através de um acto físico de entrega e recebimento da própria coisa; a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões.

21a É válida e eficaz a tradição para os promitentes compradores, ainda que meramente simbólica, do andar objeto do contrato promessa, por estar provado que através da entrega a este as chaves de acesso ao prédio, onde se localizava o andar, e ainda que, a partir de então, o recorrente poder aceder ao prédio em questão, fazendo uso da chave que lhes foi entregue, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

22a Para a constituição da retenção não se exige sequer a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade, pelo promitente adquirente de um direito de crédito relativamente à contraparte.

23a O reconhecimento do direito de retenção pelo promitente comprador não depende da verificação, por sentença, dos respetivos pressupostos, não sendo exigível que esteja munido de título executivo nem a apresentação daquela sentença, sendo inteiramente admissível que o reconhecimento do crédito e da garantia alegadas seja feita, no contexto da acção de insolvência, no processo de verificação e graduação de créditos.

24a Para que o direito de retenção se deva reconhecer ao promitente, é suficiente uma traditio ficta - a entrega de um objeto que representa simbolicamente a coisa e permita a atuação material sobre ela.

25a É o que ocorre, frequentemente, no caso de prédios urbanos ou de frações de prédio urbano, em que basta para a realização da traditio a entrega das chaves - que não ocorra no local - que permitam aceder aqueles bens.

26a O direito de retenção resolve-se no direito conferido ao credor, que encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.

27a O direito de retenção, porque dispõe de sequela - de que a inerência, i.e. inseparabilidade do direito real e da coisa é a noção base - é um verdadeiro direito real.

28a Veio, no entanto, a jurisprudência, por meio do ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.° 4/2014, DE 20/03/2014 concretizar:"Fixa jurisprudência nos seguintes termos: No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído na alínea J) do n.°l do artigo 755"do Código Civil (Rev. n" 92/05.6TYVNG-M.PIS1F).

29a Não definindo o que se entende por "consumidor promitente comprador".

30a Para tal efeito o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 212/l 1.1T2AVR-B.P1.SI, Relator: JÚLIO GOMES, Data do Acórdão: 03-10-2017, determinou: I - O AUJ n.° 4/14, de 20-03-2014, não uniformizou o próprio conceito de consumidor. II - O conceito de consumidor não é unívoco, podendo, mesmo do ponto de vista do direito, serem-lhe atribuídos diferentes sentidos, III - No AUJ n.° 4/2014 encontram-se elementos que permitem concluir que o próprio não adotou a conceção de consumidor intermédio, mas antes a de consumidor final, excluindo do conceito aquele que compra ou promete comprar com escopo de revenda. IV- Do conceito de "consumidor" inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis. V - Agem como consumidores, na aceção de utilizadores finais, e não como profissionais do ramo imobiliário, os recorrentes que instalaram nas respetivas frações que prometeram comprar uma agência de seguros e um salão de cabeleireiro "

31a Tal como em nada resulta dos presentes autos que o Reclamante, ora Recorrente o fizesse com o fito profissional, logo se afastando a sua natureza "comercial" e não de consumidor final.

32a Aliás, mesmo nada se dizendo quanto a tal nunca a presunção de "comerciante" não consumidor final poderá funcionar.

33a Pois, como se conclui, em caso de dúvida, sempre o mesmo será entendido como consumidor final.

34a Atendendo à unidade do sistema jurídico não se pode deixar de invocar o Art 2º Lei n.° 24/96, de 31 de Julho (versão atualizada) Lei de Defesa do Consumidor.

35a E Ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.° 1097/04.0TBLLE.E1.S1: O conceito de consumidor, constante da Lei n° 29/81, de 22-08, da Lei n.° 24/96, de 31-07, do DL n. ° 359/91, de 21-09, da Directiva 1999/44/CE, de 25-05, e do DL n. ° 67/2003, de 08-04 (entretanto reformulado pelo DL n." 84/2008, de 21-05) tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos esses diplomas: consumidor é a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou coletiva) que exerça com carácter profissional um actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

36a Pelo que, tendo em conta tais definições, o Recorrente é (sempre) consumidor.

37a O próprio Art. 2º do Código Comercial determina sob a epígrafe: "Atos de comércio: Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.

38a Também por esta via o ora Recorrente é consumidor (e não comerciante) nem nada na presente transação permite concluir, pelo lado do Recorrente a sua natureza comercial.

39a Aliás, a própria definição de "consumidor no dicionário, ensina-nos: "Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire bens de consumo, sejam produtos ou serviços; alguém que faz compras; aquele que consome."

40a Ou seja, é o Recorrente, que adquiriu um bem de consumo (a fração ora objeto) usufruiu dela primeiro como sua habitação e, desde há cinco anos para cá arrendando-a, como seu proprietário, como qualquer outra pessoa pode fazer e sem natureza comercial, uma vez que não vive de tal, nem é a sua ocupação.

41a Este douto Supremo Tribunal já teve ocasião de afirmar reiteradamente o AUJ n.° 4/2014 não uniformizou o próprio conceito de consumidor - assim, por exemplo, o Acórdão de 24/05/2016 (NUNO CAMEIRA), de 05/07/2016 (ANA PAULA BOULAROT) e o Acórdão de 16/02/2016 (MARIA CLARA SOTTOMAYOR).

42a O conceito de consumidor (final, relativo ou não profissional ou produtor) no Direito da União Europeia parece ser no essencial aquele conceito absoluto de consumidor.

43a Importa, aliás, sublinhar que para alguma doutrina tal conceito só pode compreender-se plenamente tendo em conta que não visa apenas a proteção do consumidor - pese embora a importância deste escopo, mesmo segundo o direito primário da União - mas também a integração do mercado comum e o pleno exercício pelo consumidor dos seus direitos nesse mercado, o que levou alguns a considerarem que existe alguma tensão imanente nesse mesmo conceito

44a O Advogado-Geral F. G. JACOBS, nas suas Conclusões apresentadas a 16 de Setembro de 2004, no Processo C-464/01, Johann Gruber contra Bay Wa AG, depois de afirmar que "é concedida aos consumidores proteção especial, e excecional, pelo facto de, quando celebram um contrato nessa qualidade, estarem numa posição mais fraca do que o vendedor que atua no quadro da sua atividade comercial ou profissional.

45a Em suma, remete-se para o sentido comum da expressão utilizador final e destaca-se que não será consumidor quem compra (ou promete comprar) com escopo de revenda. Ora esse sentido comum é compatível com a noção de que é consumidor o não profissional do ramo, isto é, aquele cuja atividade profissional não consiste propriamente na compra e venda de imóveis ou na compra visando outro escopo lucrativo que terá por objeto imediato o prédio ou fracção (por exemplo, para arrendamento) e que vai ser, assim, o utilizador final do bem.

46a Já o Acórdão do STJ de 29/05/2014 (JOÃO BERNARDO) quando conclui que "do conceito de "consumidor" inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis".

47a O que sucedeu nos presentes autos, sendo a Insolvente "comerciante" e o Recorrente mero "consumidor" do produto "fração autónoma" que adquiriu pagou e entrou na posse.

48a A própria Convenção de Bruxelas não exige que a fraqueza relativa da posição de consumidor seja apreciada em cada caso, mas, no interesse da segurança jurídica, considera que uma pessoa que adquire bens ou serviços para uma finalidade fora da sua atividade comercial ou profissional está numa posição mais fraca que a do vendedor.

49a A posição de MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS ensina-nos "não sofre dúvidas que o promitente-comprador é in casu o consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda".

508 E nada da revenda ou do seu uso profissional foi carreado para os presentes autos.

51a Nem é possível fazê-lo, por não ser verdade, nem a partir de tal extrapolar a conclusão como a sentença ora posta em crise da falta de natureza de "consumidor” do Recorrente.

52a Aliás, e se é bem entendido na doutrina que quem invoca um direito tem de o provar, também não é menos verdade que toda a legislação parta do pressuposto e da defesa desse mesmo consumidor, logo, a existir prova, sempre a mesma teria de ser originária de uma qualquer contraparte ou do próprio AI, assim justificando a sua opção, coisa que não se verifica suceder.

53a Aliás, a entende-se de modo diverso sempre tal seria incompatível e uma imposição contrária à própria defesa que o legislador procura fazer do consumidor.

54a Ou seja, outra conclusão não é possível se não a que se entenda que todos, a principio são consumidores. Depois, analisando casuisticamente e preenchido os respetivos requisitos é que se poderá afirmar se determinado sujeito efetivamente é ou não consumidor, verificados que sejam os pressupostos para a aplicabilidade de tal regime ao Recorrente.

55a O que neste caso seria (e não ficou provado, nem alegado, note-se!) ter comprado tal fração para revenda ou no exercício da sua atividade comercial.

56a Provando-se, isso sim, que a habitou e agora a tem, desde há cinco anos, arrendada, o que por si só bastaria para que o Tribunal a quo verificasse que pelo menos no momento da aquisição e da posse o Recorrente a destinou ao seu "consumo", habitando-a.

57a E, existindo indícios no processo (veja-se, por exemplo a sua declaração de IRS) que tal não é o seu objeto de negócio ou atividade profissional.

58a Concretizando, o Recorrente, alegou, provou e concretizou os motivos para lhe ser aplicado tal instituto do direito de retenção, fazendo prova dos seus requisitos.

59a A haver prova ou matéria que contrariasse tal sempre teria de ser uma das contrapartes ou contrainteressados a fazê-lo, coisa que não foi feita, nem seria possível por não ser verdadeira.

60a Distinguem-se assim duas realidades: os factos que lhe permitem invocar tal qualidade, que se verificaram, foram alegados e provados; e os factos de "exclusão" de tal qualidade que, a existirem sempre teriam de ter sido invocados por outra parte ou interessado e que não se verificou.

61a Não se peça é agora (por ética ou legalmente concebível) é que compita ao Recorrente fazer prova dos factos positivos e integradores de tal direito e, simultaneamente, faça prova negativa de todos os demais que poderia ser motivo de exclusão de tal direito cujos pressupostos preencheu, e bem, para ver ser-lhe aplicado tal regime.

62a Compete a este Supremo Tribunal sindicar o estatuto de consumidor atribuído pelo Tribunal da Relação ao recorrente, não na sua dimensão factual, mas na presente situação excecional de contradição lógica das presunções judiciais usadas pela Relação e de aplicação do próprio direito.

63a Relembre-se, a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 3374/07.9TBGMR-C.G2.S1, N° Convencional:6a. SECÇÃO, Relator: NUNO CAMEÍRA, Data do Acórdão 24-05-2016 "Tendo-se provado, no caso dos autos, (i) que os recorridos, promitentes-compradores, são pessoas singulares que adquiriram a fração fora do âmbito da sua atividade profissional; (ii) que o arrendamento para habitação celebrado foi um ato isolado (não se provaram arrendamentos de outros imóveis seus); (iii) que não exercem com carácter profissional atividade económica lucrativa; e (iv) que ao prometerem comprar a fração à sociedade insolvente não a destinaram a uma atividade profissional, nem agiram no âmbito de uma atividade dessa natureza, é de concluir que são consumidores, na aceção que o AUJ teve em vista e adotou ao interpretar o disposto no art. 755.°, n.°l, al f), do CC. "

64a Ora, a própria fundamentação do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/14 que se apoiou claramente, como se infere da respetiva da fundamentação, no ensinamento do Prof. Pestana de Vasconcelos, que nos Cadernos de Direito Privado, n° 33, pág. 3 e segs, referindo-se à definição de consumidor, escreve na nota n° 25 (pág. 8), que a resultante dos artigos 10°, n° 1 e 11°, n° s 1 e 2 do Anteprojeto do Código do Consumidor, segundo a qual é "consumidor a pessoa singular que para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua atividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou coletiva, se apresenta como profissional", se mostra "ponderada e equilibrada", devendo "orientar o intérprete na concretização do consumidor para este efeito, dando inteiro cumprimento, no caso concreto, à ratio da disposição, o que vale dizer, só tutelando quem efetivamente é carente de tutela". Na sua obra Direito das Garantias (Almedina, 2015, 2ª edição-pág. 376) este mesmo Autor ensina que o art° 755°, n° l, f), do CC, é "...materialmente uma norma de tutela do consumidor" e que "...embora a letra da lei não faça essa precisão, o recurso aos outros elementos hermenêuticos permite reconstruir a ratio - que é, claro, o aspeto decisivo - e restringir, nessa medida, o alcance da norma: o direito de retenção do art. 755º n. ° 1, al. f) só beneficia o consumidor. Nos outros casos, ou seja, quando o promitente-adquirente não seja um consumidor, não há qualquer tutela particular".

65a Pois como muito bem concluiu tal Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 3374/07.9TBGMR-C.G2.S1, N° Convencional:6a. SECÇÃO, Relator: NUNO CAMEIRA, Data do Acórdão 24-05-2016: "A luz do exposto, e tendo em consideração que no caso dos autos os recorridos, promitentes compradores, são pessoas singulares que adquiriram a fracão fora do âmbito da sua atividade profissional; que o arrendamento para habitação celebrado foi, tudo o indica, um ato isolado pois não se provou que tenham dado de arrendamento e aufiram rendas de outros imóveis de que sejam titulares); que não exercem com carácter profissional atividade económica lucrativa; e que ao prometer comprar a fracão à sociedade declarada insolvente não a destinaram a uma atividade profissional nem, além disso, agiram no âmbito duma atividade dessa natureza, concluímos que são consumidores, na aceção que o AUJ 4/2014" (nosso sublinhado).

66a Pelo exposto, mal andou o Tribunal da Relação ao proferir o Acórdão ora posto em crise e que deverá ser substituído por um que realmente acolha o direito correio, aplicando-o ao caso sub judice e assim fazendo a costumada justiça, ou seja, reconhecendo reunidos os pressupostos de facto e direito para o Recorrente ver o Instituto do Direito de Retenção reconhecido nos presentes autos.

67a Todos os acórdãos supra citados e que servem de fundamento à revista excecional nos termos da al. c) do n.° 1 do artigo 672° do CPC, foram publicados no site oficial do Ministério da Justiça, no Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça e das bases jurídico documentais (www.dgsi.pt), não se verificando a imposição da prova do trânsito em julgado porquanto se trata de jurisprudência publicada nos meios correntes de informação, e nos meios oficiais de publicação de jurisprudência, como ocorre comummente no aludido site www.dgsi.pt- Cfr. cópias que se juntam como Docs. n.° 1, 2, 3 e 4.

O CC SA contra-alegou pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Os autos foram submetidos à formação a que alude o artº 672, nº 3 do CPC, tendo esta admitido a Revista excepcional, com a seguinte fundamentação:

“Tem esta Formação sido sensível, no que concerne à integração daquela alínea a), relativamente aos casos em que a jurisprudência se revela pouco firme, havendo discrepâncias relevantes, com repercussão nítida nos sentidos das decisões.

No presente caso, está em causa, de modo fulcral, o conceito de “consumidor” para efeito dos normas que o AUJ n.°4/14, publicado no Diário da República, I Série, de 19.5.2014, interpretou.

O qual tem sido reiteradamente tratado neste Supremo Tribunal, mas sem que se tenho ainda alcançado um consenso tranquilizador. Tal se podendo ver dos Acórdãos que o recorrente junta, mormente do Acórdão de 24.5.2016 (processo n.°3374/07.9TBGMR-C.G2.Sl) e respetivo voto de vencido.

É certo que a Relação refere que “não foram alegados factos de molde a poder habilitar o tribunal a decidir se o impugnante tem ou não esse estatuto de consumidor”, mas um juízo confirmativo ou denegativo a este respeito implicava a entrada no mérito do recurso, o que esta Formação não pode nem pretende.

Com a admissão face à alínea a) fica prejudicada a apreciação face às demais.

Termos em que se admite o revista excecional”.

II- Objecto do Recurso        

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Todavia, como estamos no âmbito de uma revista excepcional, admitida nos termos do nº 1, al. a) do artº 672º do CPC, o objecto do recurso restringe-se ao tema definido pelo despacho da Formação, ou seja, à apreciação do conceito de consumidor, para efeitos das normas que o AUJ 4/14 interpretou, e, consequentemente, apurar se o impugnante alegou e demonstrou essa qualidade.

III - Fundamentação

Fundamentos de facto:

A factualidade dada como provada é a constante do relatório supra.

IV- Apreciação do mérito do recurso

Antes do Acórdão Uniformizador n.° 4/2014, a questão de saber se o direito de retenção, previsto no artº 755°, n.° 1, al. f), do Código Civil, devia ter aplicação no âmbito do processo de insolvência suscitava diferentes opiniões, encontrando-se na doutrina quem admitisse essa solução em termos amplos, quem a admitisse apenas na hipótese de o promitente-comprador ser um consumidor e quem excluísse tal aplicação. Na jurisprudência, as opiniões também não eram unânimes e, por isso, veio a verificar-se a necessidade de uniformização, que conduziu ao Acórdão n.° 4/2014.

 O teor do segmento uniformizador deste acórdão, reconhecendo o direito de retenção apenas ao promitente-comprador que tivesse a qualidade de consumidor, não granjeou a unanimidade do Pleno das Secções Cíveis.

Com a publicação do Acórdão n.° 4/2014, os diferentes entendimentos quanto ao alcance da solução não ficaram pacificados.

Parte da doutrina continuou a defender uma solução mais ampla, quanto ao âmbito de aplicação do direito de retenção do promitente-comprador.

No que concerne à jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça, posterior àquele acórdão, pronunciou-se no sentido de um conceito restrito de consumidor, do qual ficavam excluídos aqueles que destinassem o imóvel a um fim profissional, vindo, depois, a admitir também o conceito de consumidor num sentido amplo, no qual cabe a hipótese de o bem prometido comprar, e objecto de traditio, ser destinado ao exercício de uma actividade profissional.

Porém, a questão, hoje, encontra-se solucionada pela prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2019, publicado no Diário da Republica nº 141/2019, Série I, de 25/07/2019.

Este acórdão uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para efeitos do disposto no Acórdão n.° 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”

O acórdão uniformizador nº 4/2019, como nele se consagra, veio a adoptar “um conceito restrito de “consumidor” que incorpore as notas tipológicas consagradas no artº 2º, nº 1 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31/07)”. Sendo que esta Lei consagra uma noção de consumidor que se apresenta com vocação de aplicação supletiva, sempre que o conceito não seja especificamente formulado por outro diploma para determinada área temática. Dispõe o art. 2.°, n° 1, deste diploma: ‘’Considera-se consumidor todo aquele e a quem, sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios’’. Este conceito de consumidor está em sintonia com os diplomas normativos que têm como fonte o direito comunitário -DL 67/2003 de 8/4, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, alterado pelo DL 84/2008 de 21/4, que aditou o artigo Iº-B em cuja alínea a) se remete para o conceito de consumidor, previsto no citado artigo 2º, nº 1 da Lei nº 24/96 de 31/7 e Decreto-Lei 24/2014 de 14/2, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 2011/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011-, que no seu artigo 3º define como consumidor, para efeitos daquele diploma, “a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.  

 Assim, na esteira do acórdão nº 4/2019, goza do direito de retenção, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação. De fora do conceito de “consumidor” ficam os promitentes-compradores que pretendem adquirir o bem para revenda, para o exercício de uma actividade profissional, ou lucrativa, como a locação.[1]

Vejamos agora se, perante a factualidade provada, o Recorrente goza da qualidade de consumidor, nos termos definidos no AUJ 4/2019.

Dos factos provados, com interesse para a decisão, resulta que o Recorrente “celebrou com a insolvente um contrato promessa de compra e venda relativo a fracção autónoma, tipo T3, no 2º andar topo norte interior, com lugar de garagem na cave, situada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, no Lote número 1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., tendo pago a totalidade do preço ajustado, ou seja a quantia de €122.954,00”.

Mais se provou que “logo após a construção do imóvel, as chaves da fracção foram-lhe entregues, tendo desde então integrado a posse da fracção, no decurso da qual a arrendou há cerca de 5 anos”.

Da factualidade provada, indiscutível se torna o Recorrente reúne parte dos requisitos para, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, poder beneficiar do direito de retenção, nos termos do artº 755º, nº 1, al. f) do CC, tais como a qualidade de promitente- comprador, em contrato com eficácia meramente obrigacional, devidamente sinalizado, com traditio, e que não obteve o cumprimento por parte do administrador da insolvência.

Porém, o Recorrente não alegou nem conseguiu provar a sua qualidade de “consumidor”, nos termos definidos no acórdão uniformizador.

 A qualidade de consumidor é uma condição essencial da atribuição do direito de retenção ao promitente-comprador que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência. Como refere Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias (Almedina, 2015, 2ª edição-pág. 376) o art° 755°, n° 1, f), do CC, é “...materialmente uma norma de tutela do consumidor” e que “...embora a letra da lei não faça essa precisão, o recurso aos outros elementos hermenêuticos permite reconstruir a ratio - que é, claro, o aspeto decisivo - e restringir, nessa medida, o alcance da norma: o direito de retenção do art. 755º n. ° 1, al. f) só beneficia o consumidor. Nos outros casos, ou seja, quando o promitente-adquirente não seja um consumidor, não há qualquer tutela particular”.

 Ora, no caso em apreço, os factos não permitem a atribuição ao Recorrente do estatuto de “consumidor”, tal como este foi definido pelo AUJ 4/2019.

 Com efeito, o Recorrente não alegou, aquando da sua reclamação e da respectiva impugnação, que, após a traditio tenha usado e fruído o imóvel para a sua habitação própria. Apenas o veio fazer em sede de apelação e revista, pelo que, tratando-se de questão nova, não alegada em 1ª instância, não poderá ser apreciada. Como é sabido, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre[2].

O único facto provado com relevo para apreciação do tema decidendum é o de que o Recorrente tem o imóvel arrendado há cinco anos. Facto que traduz a finalidade da aquisição do imóvel não para uso próprio (habitação), mas para uma finalidade lucrativa, como seja a locação.

Deste modo, o Recorrente não logrou demonstrar a sua qualidade de “consumidor”, nos termos definidos no AUJ 4/2019, cujo ónus sobre ele recaía, nos termos do artº 342º, nº 1 do Código Civil.  

V- Decisão:

Nestes termos, improcede a revista mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 1 de Outubro de 2019

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Assunção Raimundo

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[1] Neste mesmo entendimento, em acórdãos proferidos posteriormente à prolação do AUJ 4/2019 (mas antes da sua publicação), vide: acórdãos de 2-04-2019 e de 9-04-2019, processo nºs 822/14 e 872/10, 6ª Secção, Relatora Graça Amaral, disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, páginas, 133/134.