Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
385/18.2T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1º SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
DIREITOS FEDERATIVOS
DIREITOS ECONÓMICOS
FONTES DE DIREITO
REGULAMENTOS DA FIFA
JOGADOR PROFISSIONAL
TRANSFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- CHEILA LINHARES BORGES, Participação de terceiros investidores nos direitos económicos do praticante desportivo – problema ou solução numa ótica juslaboral?, in https://estudogeral.sib.uc.pt;
- JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, Os “direitos económicos de terceiros” sobre os atletas profissionais: mitos, luzes e sombras”, p. 50, in http://revistas.ulusofona.pt;
- JOÃO LEAL AMADO, Os “Fundos de Jogadores”: um breve olhar juslaboral, Desporto & Direito – Revista Jurídica do Desporto, n.º 4, 2004, p. 27-35 ; Anotação à Lei 54/2017, de 14 de Julho, almedina, 2018, p. 147, XLI a XLIII e p. 148, XLIV;
- JOSÉ MANUEL MEIRIM, “Introdução” e “Os agentes desportivos”, in JOSÉ MANUEL MEIRIM (coord.), Direito do Desporto, UCE, 2017, p. 5-34;
- MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, O regime das Sociedades Desportivas, in JOSÉ MANUEL MEIRIM (coord.), Direito do Desporto, UCE, 2017, p. 35-46.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 671.º, N.º 1.
REGULAMENTO DA FIFA: - ARTIGO 18.º.
REGIME DAS SOCIEDADES DESPORTIVAS, APROVADO PELO DL N.º 10/2013, DE 25 DE JANEIRO.
REGULAMENTO DO ESTATUTO, DA CATEGORIA, DA INSCRIÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE JOGADORES (VERSÃO 2018/2019): - ARTIGO 35.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 14-10-2008, PROCESSO N.º 7929/2008-7, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. Os direitos económicos emergentes do contrato de trabalho desportivo representam uma expectativa jurídica ou um direito sujeito a condição suspensiva: se o jogador for transferido na vigência do contrato, o clube/entidade patronal receberá tais vantagens patrimoniais; se isso não suceder, nada terá a receber; não se confundem com os direitos federativos; esses direitos económicos têm a natureza de direito futuro;
2. A distinção entre direitos federativos e direitos económicos reside ainda no seguinte: enquanto os direitos federativos apenas podem ser detidos pelo CLUBE, é comum a repartição destes direitos económicos emergentes do contrato de trabalho desportivo entre o clube e terceiros, por vezes o próprio jogador;
3. os Regulamentos da FIFA são fonte de direito, que não podem ser ignoradas também em Portugal, ainda que tenham de ser compatibilizados com os regulamentos das associações nacionais, como a FPF, que muitas vezes repete nos seus regulamentos as regras internacionais; o Regulamento da FIFA e o art.º 18.ºter só foram aprovados já depois de ter sido celebrado o acordo invocado nestes autos entre a A. e a 2ª R., não se podendo dizer que, na data do mesmo, houvesse uma proibição regulamentar que impedisse a estipulação contratual em discussão;
4. A mudança de entidade patronal não é incompatível com a vigência e validade do acordo (discutido nos autos) entre A. e 2ª R, mesmo já depois da 2ª R não ser a entidade patronal do atleta; a 1ªR substituiu a 2ª R no contrato de trabalho, que assim se manteve em vigor, nos termos em que antes estava, à excepção da nova entidade patronal; o contrato de trabalho do atleta é o mesmo e manteve-se em vigor.
5. Porque a transferência do atleta foi realizado pela 1ª R (e não pela 2.ª), o acordo entre a A. e a 2ª R não vincula a 1ªR.
6. A 1ªR sucedeu na posição contratual da 2ªR no contrato de trabalho com o atleta, pois só esse contrato é objecto de transmissão ope legis.
7. A melhor interpretação que se pode colher da opção legal é no sentido de, através destas operações, se ter realizado uma “transmissão integral da posição contratual” – um negócio translativo da integral posição do CLUBE para a nova entidade, mantendo o jogador todos os direitos e deveres contratados mas agora junto da nova entidade patronal – quer a mesma seja apelidada de sub-rogação legal ou cedência de posição contratual (especial).
8. Por força do regime geral aplicável também aos contratos, o negócio jurídico de alienação (ou repartição de direitos) sobre direitos económicos dos atletas deve ser aceite, e bem assim o negócio de repartição económica dos proveitos daquele resultantes.
9. Por força do exposto, a 2ª R. ao celebrar o contrato de fls…com a A. procurou repartir os benefícios económicos futuros relativos a um direito que ainda não lhe assistia (na data da celebração, por ser futuro), o que fez através de negócio jurídico válido – validade esta que veio já afirmada da 1ª instância, sem que tivesse sido posta em causa nos recursos. Com a constituição da BB, o Clube deixou de ser a entidade empregadora do atleta DD, uma vez que o mesmo tinha contrato para participar em competições desportivas que só podiam ser levadas a cabo através de entidade com estrutura jurídica societária. Tal imposição decorreu da lei. Foi também a lei que determinou que houvesse modificação da relação laboral do atleta – passou a ser trabalhador da BB, em vez do Clube; a modificação da relação laboral apenas incluiu a alteração da entidade patronal, mantendo-se, na íntegra, todo o teor dos acordos e compromissos havidos com o atleta, e deste para com a entidade patronal. Não há dúvidas razoáveis de que o legislador quis colocar a sociedade desportiva na posição jurídica que antes pertencia ao CLUBE, na sua relação com o atleta. Também não há dúvida de que a 2ªR não poderia exigir, face ao Portimonense, os direitos económicos relativos à transferência do atleta por já não ser ela a entidade empregadora.
10. Mas já não se pode afirmar que a 2ªR não possa exigir da 1ªR os 20% dos direitos económicos relativos à transferência para o Portimonense (questão não relevante no presente processo) – os mesmos 20% que a 2ªR se obrigou a pagar ao A.
11. A A. tinha um acordo com a 2ª R, merecedor de tutela jurídica no momento em que foi celebrado. A alteração legal que obrigou à transmissão do contrato de trabalho do atleta não deve influir na manutenção da tutela que lhe é devida, já que a mesma provêm de outro título jurídico – o acordo entre A. e 2ªR – ainda que o referido instrumento esteja de alguma forma ligado ao contrato de trabalho do atleta: a verificação da condição estava dependente de vicissitude relativa ao mesmo.
12. Lendo a PI, a sentença e o acórdão, facilmente se verifica que não chegou o tribunal a conhecer do pedido subsidiário, por ter considerado procedente o pedido principal. Nessa medida, a eventual responsabilidade da 2ªR perante a A. não foi objecto de decisão, não estando em causa no presente recurso. Por esse motivo, não pode o STJ conhecer do pedido subsidiário na medida em que considera não procedente o pedido principal, estando obrigada a remeter os autos ao tribunal recorrido para que este decida sobre o ponto, já com os contornos jurídicos traçados e com a questão objecto do recurso decidida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1. "AA, Lda." propôs a presente acção declarativa condenatória, com processo comum, contra "BB, Lda." e "CC", formulando os seguintes pedidos:

"a) Ser a 1ª a R. condenada a pagar à A., ao abrigo do "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol", da quantia de 36.000,00 € a título de direitos económicos do jogador DD, mais IV A à taxa legal em vigor, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b) Subsidiariamente, para o caso do "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol", alegado em 40 a 170 e junto como documento 3, vir a ser julgado nulo, ineficaz ou inexequível, e não obter vencimento o supra alegado em 33° a 42° desta p.i., mais deve:

b.l) Declarar-se que a A. tem o direito de exigir da l .ª R. a restituição da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b.2) Ser a 1ª R. condenada a reconhecer o pedido formulado em b.1 );

b.3) Ser a 1ª R. condenada a pagar à A. a quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;

c) Subsidiariamente, para o caso do supra alegado em 24° a 27° e 30° a 42° e 43º a 53° (por referência à 1 a R.) não resultar provado. e não forem julgados procedentes os pedidos supra formulados em a) e b), mais deve o 2ª R. ser condenado a pagar à A., ao abrigo do "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol", da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de direitos económicos do jogador DD, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;

d) Subsidiariamente, para o caso do "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vinculo desportivo de atleta profissional de futebol", alegado em 4° a 17º e junto como documento 3, vir a ser nulo, ineficaz ou inexequível, por referência ao 2° R. e não obter vencimento o supra alegado em 59º a 70º desta p.i., nem for julgado provado e procedente o pedido c) supra formulado, mais deve:

d.l) Declarar-se que a A. tem o direito de exigir do 2ª R. a restituição da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;

d.2) Ser a 2ª R. condenado a reconhecer o pedido formulado em d.l );

d.3) Ser a 2ª R. condenado a pagar à A. a quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento".

Alegou, para tanto, ter celebrado com o segundo réu um contrato, que reduziram a escrito e denominaram de "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vincula desportivo de atleta de futebol", mediante o qual aquele cedeu a este 20% dos direitos económicos decorrentes de qualquer futura transferência do atleta DD, jogador contratado por este clube, e que, tendo em 3 de Julho de 2015 sido constituída a primeira ré e cedidos a esta a posição no contrato de trabalho e os direitos económicos do jogador e vindo este a ser transferido em Maio de 2016, nenhum dos réus procedeu ao pagamento à autora daquela percentagem no valor da transferência de 180.000,00€. Mais alegou ter promovido e participado nas reuniões entre os responsáveis da primeira ré e do clube para o qual o jogador foi transferido, sustentando, por isso, que caso se considere aquele contrato nulo, é-lhe devida a mesma quantia a título de enriquecimento sem causa.

O "CC" apresentou também contestação, defendendo-se por impugnação. Assentou a sua defesa no facto de não ter recebido qualquer valor da transferência do jogador e, nessa medida e apesar de ter celebrado o aludido contrato com a autora, nenhum valor poder com esta repartir.

A Autora exerceu o contraditório quanto aos fundamentos de defesa dos réus.

3. Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção procedente e condenou a "CC Futebol BB, Lda." a pagar à Autora a quantia de 36.000,00€, acrescida de juros calculados à taxa de 4% ao ano desde 10 de Março de 2018 até efectivo e integral pagamento, bem como o valor IVA calculado à taxa legal em vigor à data da liquidação do imposto.

4. Inconformada com a sentença, a l.ª Ré interpôs recurso, que foi conhecido pelo TR e que veio a decidir: “Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.”

5. Novamente inconformada, a recorrente (1.ª R) interpôs recurso de revista, na qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

“A – Versa o presente recurso sobre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que com fundamentação diferente do que havia sido a fundamentação do Tribunal de 1ª instância, concluiu pela condenação da 1ª R.

B – Com o devido respeito, crê-se que ao condenar a 1ª R. no pedido, com fundamento na sub-rogação legal do contrato de trabalho desportivo, considerando o acordo celebrado entre a A. e o 2º R como obrigação decorrente da relação laboral, o Tribunal não fez a mais criteriosa apreciação das circunstâncias em análise nos autos e não fez adequada interpretação da questão sub judice, nem o melhor enquadramento legal.

C – A transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o 2º R. e o Jogador DD, para a 1ª R. por força da criação desta ao abrigo do DL nº 10/2013 de 25 de Janeiro, conforme decorre do artigo 24º, não acarreta a transmissão para a 1ª R. das obrigações decorrentes do acordo celebrado entre a A. e o 2º R. quanto à repartição dos direitos económicos que o 2º R. viesse a obter com a transferência do jogador ou indemnização pela cessação do contrato.

D – Em primeiro lugar, dir-se-á que o acordo entre o A. e o 2ª R. pelo qual este cedeu aquele determinada percentagem dos direitos económicos do jogador DD foi celebrado para vigorar APENAS e SÓ enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre esse atleta e o 2º R. e/ou qualquer das suas renovações.

E – Aliás, isso resulta da própria natureza dos direitos cedidos (direitos económicos), que conforme resulta do contrato, mais não são que a mera expectativa patrimonial decorrente da contrapartida financeira proveniente da transferência onerosa do Jogador ou indemnização pela cessação do contrato de trabalho desportivo.

F - O mesmo é dizer que o 2º R. só havia de repartir a percentagem que viesse a auferir com a A., se DURANTE a execução do contrato de trabalho entre o 2º R. e o Jogador se verificassem aquelas condições susceptíveis de gerar uma mais valia financeira.

H – No espírito do contrato, se houvesse uma qualquer vicissitude contratual que determinasse a circunstância de o 2º R. deixar de ser entidade empregadora daquele jogador sem auferir qualquer quantia, nada havia a repartir com a A.

 I – A transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo não gerou qualquer provento financeiro para o 2º R., que deixou de ser entidade empregadora do contrato de trabalho desportivo celebrado com o Jogador DD.

J – Assim interpretado o contrato celebrado entre a A. e o 2º R. só uma interpretação errónea do mesmo pelo Tribunal pôde levar ao resultado que consta da decisão recorrida, pois tal significa atribuir efeitos ao contrato o mesmo já havia sido transferido para a 1ª R.

K – A correcta análise do contrato à luz dos direitos que o 2º R. detinha e a cessão de créditos que acordou permitem concluir que com a transferência ope legis do contrato, sem qualquer contrapartida, nada haveria para repartir com a A.

L - A tese de uma transição para a 1ª R. do acordo que havia sido celebrado entre o 2º R. e a A., a pretexto da transição do contrato de trabalho desportivo, não tem razão de ser, nem suporte legal.

M - A questão dos direitos económicos do jogador é um direito eventual, falando-se a este respeito em “germe de direito”, em “direito nascituro que pode surgir e pode ainda abortar”.

N - Existe uma panóplia de situações em que não há qualquer receita para a entidade empregadora em decorrência do contrato de trabalho desportivo: pense-se nas hipóteses em que o Jogador cumpre integralmente o contrato até ao seu termo, vindo o mesmo a expirar por caducidade, ou ainda numa revogação por mútuo acordo entre a entidade empregadora e jogador ou como sucedeu no caso presente, a transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo por força da criação da sociedade desportiva.

O - NÃO EXISTE norma legal que determine a transferência de quaisquer direitos e obrigações do contrato de repartição dos direitos económicos que foi celebrado entre a A. e o 2.º R., que só existiu porque havia um contrato de trabalho desportivo, MAS só enquanto o mesmo perdurasse.

P - Aqui não se trata de obrigações do 2º R. enquanto entidade empregadora, que foram transferidos para a 1ª R. por força da “sub-rogação legal do contrato” como refere a decisão recorrida.

R – A decisão recorrida não acolhe a causa de pedir invocada pela A. ao abrigo da qual sustentava a condenação da 1ª R. por força do artigo 22º do DL 10/2013 de 25 de Janeiro, pois o mesmo apenas se refere às entradas em espécie e não indica substracto legal para a condenação legal da 1ª R. no pedido.

S – Com a transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo, gerou-se ex novo na esfera jurídica da 1ª R. a expectativa de obter uma quantia pela transferência do jogador ou obter uma indemnização pela cessação injustificada do contrato.

T – Estamos perante uma perspectiva meramente civilista, que nada tem a ver com a perspectiva laboral (onde ocorreu uma verdadeira modificação subjectiva por força da lei), o que equivale a dizer que estamos no campo do direito de crédito como elemento do património do respectivo titular, isto é, um valor patrimonial realizável pelo interessado que como tal pode ser objecto de comércio jurídico.

U – A 1ª R. não acordou nenhuma cessão de créditos com a A., e é absolutamente estranha quanto aquele contrato em que a A. interveio, e transferiu posteriormente o Jogador e recebeu o que tinha direito, pois nada tinha de repartir com a A. por nada lhe haver cedido.

V - Na decisão recorrida, o Tribunal violou por erro de interpretação o disposto nos arts. 577º do CC e ainda os arts. 22º nº 4 e 24º do DL 10/2013 de 25 de Janeiro, concluindo sem fundamento pela cessão da posição contratual num contrato em que a 1ª R. não foi tida nem achada e não emerge do complexo de direitos e obrigações da relação laboral.

Nestes termos – e nos do douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências – deve o presente recurso de Revista ser julgado procedente, por provado, e consequentemente ser a decisão recorrida revogada e a 1ª R. absolvida do pedido, com as legais consequências. Assim decidindo farão V. Exas., aliás como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”

O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Mais contesta a admissão da revista, nomeadamente a pedida revista excepcional.

A 2ª R. não apresentou qualquer posição. Verifica-se que também não recorreu subordinadamente, mantendo a sua posição de inacção tal como já havia feito com a sentença.

6. Porque a acção, com a respectiva causa de pedir, e pedidos comportar quer um pedido principal contra a 1ªR, quer pedidos subsidiários contra a 2ªR, tendo o STJ de aplicar o direito aos factos provados, para evitar decisões surpresa, ante a não apresentação de contra-alegações pela 2ªR, foram as partes (todas) convidadas a considerar a possibilidade de este tribunal vir a julgar procedente algum (ns) dos pedidos subsidiários (contra a 2ªR).

7. Em resposta ao convite do tribunal respondeu a A., com o requerimento de fls…, no qual vem ainda a inserir uma reclamação para a conferência do despacho da relatora que admitiu a revista, por entender que, in casu, ocorrer dupla conformidade. No demais, insiste na posição já defendida ao longo do processo, com justificações alternativas e subsidiárias.

O 1ºR e o 2.R ofereceram a sua posição sobre a questão suscitada no convite do tribunal.

Colhidos os visto, cumpre analisar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

8. Vêm provados os seguintes FACTOS (com rectificação efectuada pelo Tribunal da Relação):

1) A "AA, Lda." dedica-se ao agenciamento, à assessoria e à representação de atletas nas negociações e celebrações de contratos.

2) O "CC" é uma colectividade desportiva fundada na ... em ... de 1915, a qual foi reconhecida como entidade de utilidade pública.

3) A "CC - Futebol BB, Lda." foi constituída em 3 de Julho de 2015, tendo como sócio único o "CC", com a quota de valor nominal 50.000,00€, e por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva.

4) No contrato de sociedade ficou estipulado que a entrada do sócio único era realizada em espécie, através da transferência de direitos e obrigações do clube fundador para a sociedade desportiva, tendo tal realização consistido na entrega dos direitos dos jogadores EE e FF

, no valor total de 50.000,00€.

5) Em 10 de Dezembro de 2014, o "CC" celebrou com DD um acordo mediante o qual este "obrigou-se a prestar a actividade de futebolista ao clube, em representação e sob a autoridade e direcção deste, mediante retribuição", com início em 1 de Julho de 2015 e termo em 30 de Junho de 2017.

6) Mais ficou estipulado que "durante a vigência do presente contrato, caso exista uma transferência onerosa do Jogador, os outorgantes aceitam e reconhecem que do valor liquido da eventual transferência 10% (dez por cento) pertencem ao jogador".

7) A autora e o segundo réu celebraram um acordo em 10 de Dezembro de 2014, que reduziram a escrito e denominaram de "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vincula desportivo de atleta de futebol", mediante o qual:

- As partes declararam que o "CC" era detentor dos direitos federativos do atleta de futebol DD no âmbito do contrato vigente para as épocas 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017 e titular de 90% dos direitos económicos, sendo que os restantes 10% pertenciam ao atleta;

- E acordaram que, enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre o atleta e o "BB" e/ou qualquer das suas renovações, o "BB" cedida à autora 20% do valor total dos direitos económicos e financeiros decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária (empréstimo) do atleta para outra entidade de prática desportiva, empresa ou grupo de investidores de Portugal ou do estrangeiro, durante a vigência do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações, bem como do que venha a ser auferido a título de cláusula penal pelo rompimento antecipado do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações pelo atleta",

Ressalvaram ainda que qualquer futura transferência seria decidida única e exclusivamente pelo "BB" com a concordância do atleta.

8) No dia 1 de Julho de 2016, a primeira ré, com a concordância do atleta, celebrou um acordo com o "GG" mediante o qual acordaram em que, a título definitivo, o jogador passasse a prestar a sua actividade desportiva para este mediante o pagamento da quantia de 180.000,00 €.

9) O "GG" pagou à 1.8 ré a quantia de 180.000,00 €.

9. O âmbito da revista, de acordo com o disposto nos artigos 635.°, n.° 4 e 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, define-se pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

10. As questões colocadas pelo recorrente são as seguintes:

a) questão da admissibilidade do recurso – não verificação do impedimento dupla conforme;

b) Interpretação da cláusula segunda do acordo celebrado entre A. e 2ª R;

c) Saber se a posição contratual da 2ª R foi transmitida para a 1ªR, incluindo nessa transmissão os direitos económicos o acordo relativo aos mesmos celebrado entre a A. e a 2ª R.

11. Sobre a questão da admissibilidade da revista – e a existência de dupla conformidade ou não – art.º 671.º, n.º1 do CPC  – cumpre dizer o seguinte: as decisões da 1ª instância e do TR são idênticas apenas na medida em que consideram procedente a acção, quanto ao pedido principal; mas a fundamentação das decisões é distinta, não se socorrendo dos mesmos fundamentos/institutos jurídicos, nomeadamente porque ora de trata de justificação contratual ora se trata de enriquecimento sem causa.

É assim de entender que a decisão de admitir a revista, normal, deve manter-se, improcedendo o pedido da recorrida e bem assim a reclamação apresentada quanto ao indicado ponto.

 

12. Antes de avançar na resolução das questões suscitadas, cumpre fazer uma pequena abordagem introdutória sobre a problemática dos direitos económicos do praticante desportivo e seu enquadramento normativo.

Como indica Cheila Linhares Borges[1], seguindo a orientação do seu mestre e professor, JOÃO LEAL AMADO (sozinho ou em associação com DANIEL LORENZ) nos inúmeros escritos em que aborda este tema, pode dizer-se[2]:
Normalmente, direitos económicos são definidos como o montante líquido resultante da cessação de um contrato de trabalho desportivo celebrado ente um jogador e o clube, antes do seu termo. Esta prática consiste, muito sinteticamente, em permitir que um terceiro que “invista no talento de um jogador de futebol” figure como titular de X por cento ou da totalidade do chamado “passe” do jogador, vindo a lucrar com a eventual transferência (“venda”) deste.”

(p.23)
“Hoje, o que temos são terceiros investidores que são proprietários de uma parte ou da totalidade dos direitos económicos dos atletas. Estes direitos dão ao terceiro investidor a expetativa jurídica de vir a quinhoar no valor arrecadado com a transferência do atleta, quanto maior for o investimento maior será o valor a que eventualmente terá direito. Ressalve-se que a relação entre o terceiro e o clube é uma relação comercial e não laboral. Existem países onde, há já algum tempo, a prática encontra certa regulamentação, sendo mesmo proibida em alguns deles, por legislação própria nacional.
Países como a Inglaterra, França, Colômbia, Polónia, Ucrânia fizeram uma aplicação restritiva do referido artigo 18bis, proibindo expressamente a transmissão de direitos económicos a terceiros. Estados como a Croácia, Noruega e Panamá, implementaram um sistema de registo de jogadores envolvidos em práticas TPO, através desse mesmo registo é possível identificar os ditos jogadores assim com as entidades que detêm percentagens de direitos económicos de jogadores. O Brasil e a Argentina também implementaram um sistema de registo público, a que qualquer pessoa tem acesso e onde é possível saber que jogador tem os seus direitos económicos cedidos e a respetiva percentagem.
Já na Argentina, Chile, Uruguai, Itália, África do Sul, só os clubes estão autorizados a repartir direitos económicos de jogadores, ficando excluídos os terceiros privados. O Brasil integra a questão da TPO nos artigos 286.º a 298.º do CC, enquadrando a TPO como uma transação estruturada como uma atribuição por um clube de uma determinada parte de um eventual e futuro crédito em troca de um determinante montante pecuniário, assim sendo a TPO é vista como uma cessão de créditos. As associações de futebol brasileiras seriam obrigadas a aceitar práticas de TPO, por força la lei federal. Facto é que a maioria dos países passou em incluir nos seus regulamentos o artigo 18 bis do RETJF sem fazer qualquer alteração, aplicando-o diretamente. Portugal é um dos países com mais atividade no mercado de transferências, consubstanciando uma ponte para as deslocações de jogadores entre o Brasil e a Europa. Não se poderá ignorar que as realidades específicas e circunstanciais financeiras a nível nacional, o contexto histórico, bem com a existência (ou não) de regulamentação por parte dos organismos desportivos e/ou autoridades estaduais determinaram o desenvolvimento de práticas de TPO a nível nacional. As condições de economia do futebol profissional, a sua capacidade de ter acesso a talentos do desporto determina a escala de práticas TPO a nível dos clubes. Mesmo assim, os clubes portugueses não estão entre os maiores clubes geradores de receita.”

(Na nota 80, p. 45)
 “Seguindo os ensinamentos de SALOMAN LEVY, “os ativos representam benefícios futuros esperados”, pelo que “tratar o atleta como um ativo do clube não significa tratá-lo como res” – “Patrimonialidade do Atleta de Futebol”, AA. VV., Curso de Direito Desportivo Sistêmico, vol. II, OAB-ESA, Quartier Latin, São Paulo, 2010, pp. 730 e 731”.

Também JOÃO LEAL AMADO tem dedicado atenção ao contrato (especial) de trabalho desportivo. Este autor indica que o contrato em causa é um contrato a termo, com efeito estabilizador, que permite que seja considerado como um elemento do “activo patrimonial” da entidade empregadora desportiva (p. 191), e sem que o praticante o possa denunciar a qualquer momento e ad nutum; a este contrato está associado uma expectativa de ganho com a eventual transferência do atleta.

A ideia de que a entidade empregadora do atleta é titular de dois conjuntos de direitos – direitos federativos ou desportivos (direito de utilizar o atleta em exclusivo na competição desportiva) e direitos económicos (a expectativa de ganho em caso de venda do atleta quando o contrato está em vigor), está também arreigada na prática nacional e vem aceite pela doutrina. Tais direitos têm como fonte o contrato de trabalho (p. 194).

É também incontroverso que os referidos direitos económicos são direitos condicionais – estão sujeitos a uma condição suspensiva (a futura e eventual transferência do atleta) – p. 193 – ainda que igualmente dependentes da aceitação da transferência pelo atleta – e que os mesmos têm sido regularmente “objecto” de disposição contratual, por vezes, em beneficio de um terceiro (que não é parte no contrato de trabalho); essa disposição contratual é realizada pela entidade patronal, o que permite deduzir que é esta a titular da correspondente posição jurídica activa (seja a mesma qualificada como direito subjectivo ou expectativa)[3].

E a qualificação desta situação activa como expectativa vem assim fundamentada: está relacionada com um direito futuro e eventual, dependente da verificação da condição(ções). É assim um denominado “direito” com debilidade, ou de um “direito nascituro” (p. 196)[4].

Pode assim aceitar-se o que veio referido na sentença quando afirmou:

 “ (…) da relação obrigacional emergente da celebração do contrato [de trabalho desportivo] nascem os apelidados direitos federativos e os direitos económicos ou financeiros: aqueles correspondem ao direito do empregador (ou seja, o clube) de registar o jogador na respectiva federação ou liga profissional para permitir que o mesmo participe nas competições oficiais organizadas por tais organizações desportivas; já estes traduzem-se em qualquer [quaisquer] vantagens com natureza patrimonial que advenham da transferência [e cedência] do jogador durante a vigência do contrato. Ora, estes direitos ditos económicos decorrem precisamente do facto de o contrato de trabalho desportivo estar necessariamente sujeito a termo, sendo certo que é este termo, conforme evidencia João Leal Amado, que permite que a vinculação contratual represente para o clube/entidade patronal um activo patrimonial”.[5]

(…) “desta forma, os direitos económicos emergentes do contrato representam uma expectativa jurídica ou um direito sujeito a condição suspensiva (como os classifica Leal Amado, ob.cit., p. 193): se o jogador for transferido na vigência do contrato, o clube/entidade patronal receberá tais vantagens patrimoniais; se isso não suceder, nada terá a receber.”

Sobre os direitos económicos e sua qualificação como expectativa/direito de crédito condicional, não pode deixar de se referir que JOÃO LEAL AMADO ao defender tratar-se de um direito de crédito condicional destaca a sua natureza de direito futuro:
Trata-se, pois, no caso em apreço, da cessão de um crédito futuro e condicional, consistindo o evento condicionante na transferência do atleta durante o período de vigência do contrato de trabalho desportivo: e esta, note-se, é uma condição mista, pois depende, em parte, de terceiros, desde logo do próprio atleta ― existência de propostas contratuais de outros clubes e, ainda e sempre, do assentimento do atleta para que a operação em causa se consume…”[6].
Ou ainda
“15. A posição do titular dos “direitos económicos” cifra-se assim, em rigor, numa esperança ou, quando muito, numa expectativa jurídica: a expectativa da eventual aquisição do crédito que o negócio tende a conferir-lhe; ele tem, apenas, direito a um direito futuro e eventual, dependente da verificação da condição ― a transferência do atleta.”[7]

Importa igualmente deixar evidenciada a situação dos clubes de futebol após a aprovação do DL n.º 10/2013, de 25 de Janeiro (regime das sociedades desportivas)[8]: a única forma de poderem manter o valor dos activos que resultava dos contratos celebrados com os jogadores – sempre que os mesmos tivessem acesso a competições desportivas indicadas na lei – era a de transferirem os contratos para uma sociedade desportiva, na qual passariam a ser titulares de uma participação social.

Na verdade, o DL n.º10/2013, de 25 de Janeiro, alterou o regime das sociedades anónimas desportivas e no seu preâmbulo diz-se:
“Procede-se, assim, à reformulação do regime jurídico das sociedades desportivas, impondo que a participação em competições desportivas profissionais se concretize sob a forma jurídica societária – extinguindo- se o chamado regime especial de gestão –, admitindo- se agora que as entidades desportivas de natureza associativa, ou aquelas que pretendam constituir ex novo uma sociedade desportiva, possam optar entre a constituição de uma sociedade anónima desportiva (SAD) ou de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas (BB, Lda.)”

Mas este diploma também contém normas que importam aqui destacar. No Artigo 3.º (Formas de constituição de sociedades desportivas) diz a lei que “A sociedade desportiva pode ser constituída: a) De raiz; b) Por transformação de um clube desportivo; c) Pela personalização jurídica de uma equipa que participe ou pretenda participar, em competições desportivas.”.

Por seu turno no Artigo 22.º (Entradas em espécie) diz-se:
1 - O clube fundador pode transferir para a sociedade desportiva, no ato de constituição desta, ou em momento posterior, a totalidade ou parte dos direitos e obrigações de que é titular que se encontrem afetos à participação nas competições desportivas profissionais da modalidade ou modalidades que integram o objeto da sociedade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o clube fundador deve elaborar um inventário dos direitos e obrigações objeto da transferência, o qual deve constar de documento escrito, que figura em anexo ao ato constitutivo da sociedade e que é verificado e avaliado por revisor oficial de contas.
3 - A transferência de passivos deve ser acompanhada de transferência de ativos, devidamente avaliados nos termos do número anterior, de valor, pelo menos, equivalente àqueles.
4 - A transferência dos direitos e obrigações do clube fundador não depende de consentimento da contraparte, sendo a sociedade desportiva responsável perante os credores do clube pela diminuição da garantia patrimonial que vier a resultar da transferência, em seu favor, da posição contratual do clube em quaisquer contratos.”

E no Artigo 24.º(Transferência de direitos desportivos) lê-se:
“São obrigatória e automaticamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos e os contratos de formação desportiva relativos a praticantes da modalidade ou modalidades que constitui ou constituem objeto da sociedade.”

Ora, estas últimas duas normas inserem-se no Capítulo IV - Sociedades que resultem da personalização jurídica das equipas, situação que é plenamente aplicável à constituição da sociedade 1ª R., pelo que a referência a determinadas entradas em espécie que foram aportadas na constituição da sociedade 1ª R., em nada prejudicada a aplicação do regime indicado no art.º 24.º: trata-se de questão não contraditória com a de os demais contratos que não tenham sido utilizados como entrada para o capital social serem também objecto de transmissão, por força do art.º 24.º (e não do art.º 22.º).

Outra ideia a reter é a que foi indicada na sentença quando aí se afirmou: “a distinção entre direitos federativos e direitos económicos reside ainda no seguinte: enquanto os direitos federativos apenas podem ser detidos pelo CLUBE, é comum a repartição destes direitos económicos emergentes do contrato de trabalho desportivo entre o clube e terceiros, por vezes o próprio jogador. Este fenómeno de repartição de direitos económicos com terceiros (o chamado fenómeno da TPO – third-party ownership – ou TPI – third party investment), que representa uma importante forma de financiamento dos clubes desportivos, tem dado origem a posições fracturantes quanto à sua admissibilidade….”[9]

Neste contexto cumpre destacar a referência feita ao Regulamento da FIFA, em cujo art.º18ºter[10], se consagra uma proibição de o clube ou o jogador repartirem com terceiros os direitos económicos emergentes do contrato de trabalho, mas sempre se acrescenta que, a referida proibição, tem de ser contextualizada e inserida no tempo[11] [12].

Em termos de contextualização (da FIFA e seus regulamentos), cumpre remeter para o explicitado no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/10/2008, tirado no processo 7929/2008-7[13], e do qual resulta o seguinte: os Regulamentos da FIFA são fonte de direito, que não podem ser ignoradas também em Portugal, ainda que tenham de ser compatibilizados com os regulamentos das associações nacionais, como a FPF, que muitas vezes repete nos seus regulamentos as regras internacionais[14].

Contudo, o Regulamento indicado (da FIFA) e o art.º 18.ºter só foram aprovados já depois de ter sido celebrado o acordo invocado nestes autos entre a A. e a 2ª R., não se podendo dizer que, na data do mesmo, houvesse uma proibição regulamentar que impedisse tal estipulação; em segundo lugar, mesmo a partir do momento em que a FIFA introduziu a proibição, não se tratou de uma proibição absoluta, pois ficaram ressalvados acordos anteriores.

A primeira nota vinha já indicada na sentença ao dizer: “analisando a questão, apenas se antevê como eventual obstáculo ao aludido contrato de cessão o já referido art.º 18.ºter do regulamento sobre o estatuto e transferência de jogadores de futebol da FIFA. Contudo, já sem necessidade de equacionar o valor daquele regulamento, não ignorando que o atleta e o clube estão sujeitos à jurisdição da FPF que, por sua vez, é associada da UEFA e esta da FIFA, importa evidenciar o seguinte: a referida norma só se aplica aos contractos celebrados após 1 de Março de 2015 (quando o que se analisa é anterior a esta data, impondo apenas relativamente aos anteriores a comunicação da sua celebração para registo interno da FIFA….; mais: a violação da referida norma não importa por si nulidade do contrato, o que terá de ser apreciado à luz da ordem jurídica interna de cada um dos Estados onde o litigio em torno do contrato seja despoletado, mas importará apenas, no caso de a questão ser submetida a jurisdição da FIFA, a aplicação de multas aos clubes e jogadores. Repare-se que mesmo que assim não fosse, sempre importaria equacionar se aquela norma regulamentar interna de uma federação internacional não seria atentatória do princípio da liberdade contratual…”.

Além disso, os poderes da FIFA têm de ser conjugados com os poderes das organizações nacionais – como a FPF – já que “foi a opção do Estado Português, no que respeita às Federações Desportivas Nacionais, como a FPF, delegar nelas poderes regulamentares relativamente a diversas questões inerentes às actividades desportivas” [15] [16] [17].

A este título deve mesmo aludir-se ainda ao art.º 35.º do REGULAMENTO DO ESTATUTO, DA CATEGORIA, DA INSCRIÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE JOGADORES (versão 2018/2019) da FPF, que permite confirmar a validade do acordo dos autos (por ser anterior a 1 de Maio de 2015), onde se diz:
Artigo 35.º Propriedade de terceiros de direitos económicos de jogadores
1. Nenhum clube ou jogador pode celebrar um acordo com terceiros em que estes sejam autorizados a participar, total ou parcialmente, em compensação a pagar relativamente a futura transferência de um jogador de um clube para outro, ou que lhe sejam concedidos quaisquer direitos em relação a uma futura transferência ou compensação por transferência.
2. Os acordos previstos no número anterior, celebrados até a 1 de maio de 2015 podem continuar em vigor até ao termo do contrato. Contudo, a sua duração não pode ser prolongada.
3. A validade de qualquer acordo celebrado entre 1 de janeiro de 2015 e 30 de abril de 2015 não pode ter uma duração contratual superior a 1 ano a contar da data da assinatura.

10. Feitas as considerações indicadas, atentemos agora na questão de saber se o contrato celebrado entre a A. e a 2ªR – e em especial a cláusula segunda – permite concluir que, no caso dos autos, a solução jurídica dada nunca poderia ser a encontrada pelo tribunal recorrido.

Diz a recorrente que a repartição de direitos económicos efectuada no acordo celebrado entre A. e 2ªR pressupunha que esta se mantivesse como entidade empregadora e que o contrato estivesse em vigor aquando da realização de uma transferência do atleta para outra entidade.

Não se contesta que este é um sentido lógico do que consta da cláusula. Não há dúvidas de que o acordo entre o A. e o 2ª R. foi celebrado para vigorar enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre esse atleta e o 2º R. e/ou qualquer das suas renovações; é natural que se o contrato de trabalho do atleta tivesse “outro sorte” (que não o seu cumprimento e vigência pelo prazo estabelecido) não se mantivesse em vigor, desde que essa “outra sorte” se enquadrasse no que era expectável (dentro do leque das opções disponíveis para os interessados na data da celebração); tendo-se concluído que a situação dos autos obedeceu a uma lógica distinta – foi o resultado possível/necessário – por força da alteração legal, não existem motivos para concluir que o acordo entre o A. e o 2ª R. tenha deixado de vigorar.

É de concordar com a recorrente quando diz “existe uma panóplia de situações em que não há qualquer receita para a entidade empregadora em decorrência do contrato de trabalho desportivo: pense-se nas hipóteses em que o Jogador cumpre integralmente o contrato até ao seu termo, vindo o mesmo a expirar por caducidade, ou ainda numa revogação por mútuo acordo entre a entidade empregadora e jogador (…)”.

O mesmo não se pode dizer da  parte final da mesma frase, quando equipara cumprimento do contrato, caducidade, revogação por mutuo acordo a “transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo por força da criação da sociedade desportiva”; as circunstâncias comparadas não estão ao mesmo nível, nem quanto à sua voluntariedade, nem quanto à sua previsibilidade, nem quanto ao controlo sobre a sua ocorrência.

Estamos assim em crer que a mudança de entidade patronal não é incompatível com a vigência e validade deste acordo entre A. e 2ª R, mesmo já depois da 2ª R não ser a entidade patronal do atleta; a 1ªR substituiu a 2ª R no contrato de trabalho, que assim se manteve em vigor, nos termos em que antes estava, à excepção da nova entidade patronal; o contrato de trabalho do atleta é o mesmo e manteve-se em vigor.

  Não se acompanha a conclusão da recorrente quando diz “com a transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo, gerou-se ex novo na esfera jurídica da 1ª R. a expectativa de obter uma quantia pela transferência do jogador ou obter uma indemnização pela cessação injustificada do contrato”. É que a posição da 1ª R. não surge ex novo – trata-se de uma posição já existente, que é objecto de transmissão”, também designada aquisição derivada translativa.

Apesar do exposto, é de acompanhar o argumento da recorrente: porque a transferência do atleta foi realizado pela 1ª R (e não pela 2.ª), o acordo entre a A. e a 2ª R não vincula a 1ªR.

A 1ªR sucedeu na posição contratual da 2ªR no contrato de trabalho com o atleta, pois só esse contrato é objecto de transmissão ope legis.

A situação do contrato de trabalho do atleta DD resultou de um quadro legal (mais vastos e unitário) que não pode deixar de ser tido em consideração: i) foi a lei que, ao modificar o enquadramento normativo das competições desportivas, “obrigou” à mudança da entidade patronal, se a mesma pretendia manter o valor económico do contrato e a sua participação nos eventos desportivos de competição; ii) a mudança da lei foi acompanhada de actos de vontade dos visados – o CLUBE (2ªR) optou, por acto de vontade livre e esclarecida, por constituir uma BB na qual figurou como sócio único, através da personificação da equipa; iii) na sua essência, o teor do contrato entre a 2ªR e o atleta manteve as mesmas cláusulas e condições, passando a entidade patronal a ser outra (1ªR); iv) a distinta personalidade jurídica da 1ªR e da 2ª R não alteram a lógica do exposto, pois cumprem outras finalidades, que não a de alterar as posições jurídicas dos interessados. O sentido do art.º 24.º do DL confirma esta mesma ideia.

Isto significa que a melhor interpretação que se pode colher da opção legal é no sentido de, através destas operações, se ter realizado uma “transmissão integral da posição contratual” – um negócio translativo da integral posição do CLUBE para a nova entidade, mantendo o jogador todos os direitos e deveres contratados mas agora junto da nova entidade patronal – quer a mesma seja apelidada de sub-rogação legal ou cedência de posição contratual (especial).

Por força do regime geral aplicável também aos contratos, o negócio jurídico de alienação (ou repartição de direitos) sobre direitos económicos dos atletas deve ser aceite, e bem assim o negócio de repartição económica dos proveitos daquele resultantes.

Por força do exposto, a 2ª R. ao celebrar o contrato de fls…com a A. procurou repartir os benefícios económicos futuros relativos a um direito que ainda não lhe assistia (na data da celebração, por ser futuro), o que fez através de negócio jurídico válido – validade esta que veio já afirmada da 1ª instância, sem que tivesse sido posta em causa nos recursos. Com a constituição da BB, o Clube deixou de ser a entidade empregadora do atleta DD, uma vez que o mesmo tinha contrato para participar em competições desportivas que só podiam ser levadas a cabo através de entidade com estrutura jurídica societária. Tal imposição decorreu da lei. Foi também a lei que determinou que houvesse modificação da relação laboral do atleta – passou a ser trabalhador da BB, em vez do Clube; a modificação da relação laboral apenas incluiu a alteração da entidade patronal, mantendo-se, na íntegra, todo o teor dos acordos e compromissos havidos com o atleta, e deste para com a entidade patronal. Não há dúvidas razoáveis de que o legislador quis colocar a sociedade desportiva na posição jurídica que antes pertencia ao CLUBE, na sua relação com o atleta. Também não há dúvida de que a 2ªR não poderia exigir, face ao Portimonense, os direitos económicos relativos à transferência do atleta por já não ser ela a entidade empregadora.

Mas já não se pode afirmar que a 2ªR não possa exigir da 1ªR os 20% dos direitos económicos relativos à transferência para o Portimonense (questão não relevante no presente processo) – os mesmos 20% que a 2ªR se obrigou a pagar ao A.

A A. tinha um acordo com a 2ª R, merecedor de tutela jurídica no momento em que foi celebrado. A alteração legal que obrigou à transmissão do contrato de trabalho do atleta não deve influir na manutenção da tutela que lhe é devida, já que a mesma provêm de outro título jurídico – o acordo entre A. e 2ªR – ainda que o referido instrumento esteja de alguma forma ligado ao contrato de trabalho do atleta: a verificação da condição estava dependente de vicissitude relativa ao mesmo.

Assim, a resposta do sistema jurídico fundada na cessão da posição contratual da 2ªR para a 1ª, ou na sub-rogação legal, tal como vem defendida no acórdão recorrido, não é aquela que se impõe no quadro legal indicado.

Contra a solução defendida pelo acórdão recorrido sempre se diria que a mesma opera uma extensão dos efeitos do contrato para terceiro (não parte), o que envolve a eficácia externa das obrigações, solução que não é defensável pelo menos em termos tão amplos. Na visão do acórdão recorrido, coloca-se a BB na exacta posição que o CLUBE tinha no momento em que constituiu a sociedade desportiva passando a dela fazer parte como sócio único: a BB tem de respeitar os compromissos que foram anteriormente firmados pelo CLUBE, quer na sua relação com o atleta, quer na relação com outras entidades, como a A.

Porém, para se chegar a esta conclusão não se atendeu, na sua plenitude, ao regime jurídico: não houve uma transmissão da posição contratual da 2ª R, relativa ao acordo com o A., que fosse feita em favor da 1ªR; o acordo entre a A. e o 2ª R não estava abarcado pelo regime da transmissão ope legis resultante da Lei das sociedades desportivas; as duas RR. têm personalidade jurídica distinta, à qual corresponde património distinto e responsabilidade distinta; uma solução que passe por reconhecer o direito da A. a perceber 20% dos direitos económicos não implica necessariamente que a responsabilidade seja da 1ªR; o acordo que a A. reclama foi celebrado com a 2ª R., sendo esta a devedora que nele figura – foi esta que se comprometeu a repartir com a A. os direitos económicos; no momento em que celebrou o acordo com a A., a 2ªR era a titular de tais direitos económicos, podendo deles dispor nos termos em que o fez, ainda que os mesmos correspondam a um direito futuro e condicional; com a transmissão do contrato de trabalho da 1ª R para o Portimonense verificou-se a condição a que o acordo entre A. e 2ª R se reportava, tornando (em abstracto) legítima a exigência do cumprimento do acordado; o facto de a 2ª R já não ser a entidade patronal do atleta não inviabiliza a solução - se não cumpre o acordado, tem (em abstracto) de responder pelo incumprimento.

As indicações efectuadas com menção “em abstracto” apresentam a seguinte justificação – no presente recurso não se pode decidir uma questão que não tenha já sido objecto de decisão pelo tribunal recorrido. Ora, lendo a PI, a sentença e o acórdão, facilmente se verifica que não chegou o tribunal a conhecer do pedido subsidiário, por ter considerado procedente o pedido principal. Nessa medida, a eventual responsabilidade da 2ªR perante a A. não foi objecto de decisão, não estando em causa no presente recurso. Por esse motivo, não pode o STJ conhecer do pedido subsidiário na medida em que considera não procedente o pedido principal, estando obrigada a remeter os autos ao tribunal recorrido para que este decida sobre o ponto, já com os contornos jurídicos traçados e com a questão objecto do recurso decidida (a 1ªR não tem de responder perante a A., nem sequer a título de enriquecimento sem causa). O contraditório sobre o ponto foi já exercido pêlos interessados, na sequência do convite formulado, colocando-se o tribunal em condições de aplicar o direito aos factos provados entrando no conhecimento de pedido outrora tipo por prejudicado.

Para melhor se compreender porque a 1ªR não é responsável nem sequer a título de enriquecimento sem causa, poder-se-ia dizer o seguinte: estando definido que a 1ªR não substitui a 2ªR na sua posição contratual com a A. no negócio relativo aos direitos económicos, mas não se podendo decidir como se devem processar as relações entre a 1ª e 2ªRR, tudo aponta para que, na relação entre 1ªR e A. a 1ªR tenha motivos para não efectuar qualquer repartição de direitos económicos com a A.; saber se o direitos económicos devem ser repartidos entre 1ª e 2ªR é questão distinta – e de que não cumpre analisar no recurso.

Mais se diria:

O facto de a 2ª R já não ser a entidade patronal do atleta não é motivo (em abstracto) justificativo do incumprimento, nem ocorreu uma extinção da sua obrigação/prestação pelo facto de a 1ª R nada lhe ter pago a título de direitos económicos relativos à transferência do atleta DD; tal não pagamento apenas releva na relação entre 1ªR e 2ªR, questão que não cumpre analisar no presente processo.

Ainda quanto à alegação de não ter recebido qualquer valor da transferência do jogador, sempre se diria: i) ter ou não recebido percentagem da transferência é questão que importa exclusivamente na relação entre 1ª e 2ª R, já que a 1ª R veio a assumir a posição da 2ª no contrato com o atleta; ii) o cumprimento do acordado com a A. é problema distinto e apenas a decidir em face dos factos e do acordo que tenha existindo entre 1ª e 2ªR; iii) o acordo apresentado pela A. vincula a 2ªR na relação com a A., devendo ser integral e pontualmente cumprido, desde que verificada a condição acordada – transferência do atleta, na pendência do contrato de trabalho original (por facilidade de expressão, digamos, já que não se sabe se o contrato teve alterações).

Tendo-se indicado que a relação entre 1ªR e 2ªR é um problema entre elas – não discutido neste processo – e na medida em que isso possa relevar, dir-se-ia: i) com a transferência ope legis da 1ªR na posição da 2ªR, a 1ªR passou a ocupar a posição jurídica desta; ii) sabemos já que a posição da 2ªR sobre os direitos económicos tinha o seguinte conteúdo – inicialmente, teria 90%, repartindo 10% com o atleta; por força do acordo com o A, os 90% reduziram-se para 70%; iii) porque a situação se obtém por diferentes títulos jurídicos e a 1ºR apenas sucede na posição do primeiro título (contrato de trabalho), a segunda restrição, limita os direitos da 2ªR, mas não que dizer que essa limitação seja oponível à 1ªR – tudo estará em saber, e provar, como e o que se passou, no que toca a este ponto, entre 1ªR e 2ªR. Abstractamente, pode questionar-se: a 1ªR soube do acordo entre a A. e a 2ªR, ou de alguma forma foi informada – teve conhecimento, ou devia tê-lo – de que a 2ªR já havia contratualmente limitado a sua participação nos direitos económicos?  O que foi entre elas acordado?

Devem, assim, improceder os pedidos formulados pela A. relativos à 1ªR.

Já no que respeita aos pedidos da A. relativos à 2ª R, a situação é distinta.

É possível que se entenda que o acordo do A. e da 2ª R obriga esta a pagar ao A. o valor acordado, por ser um acordo que se repute válido e que deva ser cumprido pelo devedor, nos exactos termos acordados. Mas esta decisão (ou a inversa) só pode tomada pelo tribunal da Relação.

Justificando:

Revendo os autos, verifica-se que a 2ª R, absolvida na 1ª instância e na Relação, em nenhum momento apresentou recurso subordinado.

Contudo isso não significa que a decisão de absolvição tenha sido definitiva (trânsito em julgado), pois o recurso interposto da sentença e do acórdão impediram o trânsito em julgado da referida absolvição, mantendo-se em aberto, no recurso de revista todas as possibilidades de condenação (ou não) em face dos pedidos e causa de pedir da acção.

Tendo a A. formulado uma pretensão contra a 2ªR, para o caso da pretensão contra a 1ªR. não proceder – situação que só agora se torna definitiva – é altura de os tribunais apreciarem o pedido correspondente, em que a A. havia indicado (PI, alínea c)): “Subsidiariamente, para o caso do supra alegado em 24° a 27° e 30° a 42° e 430 a 53° (por referência à 1 a R.) não resultar provado e não forem julgados procedentes os pedidos supra formulados em a) e b), mais deve o 2ª R. ser condenado a pagar à A., ao abrigo do "instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol", da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de direitos económicos do jogador DD, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento”.

A apreciação do pedido subsidiário – prejudicado – deve portanto ser efectuado pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art.º679.º do CPC, que remete para o art. 665.º, n.º2, dizendo que tal norma não se aplica ao STJ, motivo pelo qual só o tribunal recorrido pode dela conhecer.

III. Decisão

Pelas razões indicadas, é concedida a revista, decidindo-se:
1. Absolver a 1ªR (BB, Lda.) dos pedidos contra ela formulados pela A.
2. Que os autos baixem ao TR para conhecimento do pedido subsidiário, formulado contra a 2ªR.

Custas do recurso pela recorrida, uma vez que a 2ªR não contra-alegou; as custas da recorrida também se justificam pela improcedência da reclamação contra despacho de admissão do recurso.

Lisboa, 1 de Outubro de 2019

Fátima Gomes

Acácio Neves

Fernando Samões

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[1] “Participação de terceiros investidores nos direitos económicos do praticante desportivo – problema ou solução numa ótica juslaboral?”, Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/41039/3/Participa%C3%A7%C3%A3o%20de%20terceiros%20investidores%20nos%20direitos%20econ%C3%B3micos%20do%20praticante%20desportivo.pdf
[2] Entre outros, cf.  JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, “Os “direitos económicos de terceiros” sobre os atletas profissionais: mitos, luzes e sombras”, p. 50, disponível para consulta em http://revistas.ulusofona.pt/ind ex.php/rfdulp/article/view/4978.
[3] Excluindo a necessidade de no acordo participar o atleta – p. 195.

[4] No mesmo sentido, cf. JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, “Os “direitos económicos de terceiros” sobre os atletas profissionais: mitos, luzes e sombras”, disponível para consulta em http://revistas.ulusofona.pt/ind ex.php/rfdulp/article/view/4978.
[5] A distinção é semelhante à do relatório elaborado pela KPMG, «Project TPO», de 8 de Agosto de 2013, e citada na nota 9 do texto de JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, “Os “direitos económicos de terceiros” sobre os atletas profissionais: mitos, luzes e sombras”.
[6] Cf. JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, “Os “direitos económicos de terceiros” …, obra citada, p. 12 e ainda nota 12, do texto citado: “… É isso mesmo, reitera-se, que aqui sucede: a cessão de um crédito futuro e condicional, dir-se-ia, a venda de uma esperança ou de uma expectativa de ganho.”
[7] A mesma ideia vem referida na Anotação à Lei 54/2017, de 14 de Julho, da autoria de JOÃO LEAL AMADO, almedina, 2018, p. 147, XLI a XLIII e p. 148, XLIV.
[8] Cf. o estudo de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “O regime das Sociedades Desportivas”, in JOSÉ MANUEL MEIRIM (coord.), Direito do Desporto, UCE, 2017, p. 35-46.
[9] Esta ideia vem também expressa por JOÃO LEAL AMADO e DANIEL LORENZ, in “Os “direitos económicos de terceiros” …, obra citada: “Sucede, entretanto, que se vem assistindo nesta matéria a um crescente fenómeno de dissociação entre os “direitos federativos” e os “direitos económicos”: ambos resultam do contrato de trabalho, mas a titularidade destes últimos direitos pode caber, total ou parcialmente, a terceiros estranhos à relação laboral desportiva, nos termos de “contratos de investimento ou de financiamento” celebrados entre o clube empregador e o terceiro-investidor, através dos quais aquele cede a este, a título oneroso, uma determinada percentagem de tais direitos económicos”.
Cf. ainda JOÃO LEAL AMADO, «Os “Fundos de Jogadores”: um breve olhar juslaboral», Desporto & Direito – Revista Jurídica do Desporto, n.º 4, 2004, pp. 27-35.
[10] O regulamento já tinha o art.º 18.º bis que dizia: Artigo 18ºbis Influência de terceiros nos clubes
1. Nenhum clube pode celebrar um contrato que permita a uma das partes ou a um terceiro adquirir uma posição de influência relacionadas com a sua independência, políticas ou desempenho das suas equipas, em matérias laborais e de transferências.
2. A Comissão Disciplinar da FIFA pode impor sanções disciplinares aos clubes que não respeitem as obrigações estabelecidas no presente artigo.
(original: 1. No club shall enter into a contract which enables the counter club/counter clubs, and vice versa, or any third party to acquire the ability to influence in employment and transfer-related matters its independence, its policies or the performance of its teams. 2. The FIFA Disciplinary Committee may impose disciplinary measures on clubs that do not observe the obligations set out in this article).
O art.º 18.º ter passou a dizer, em acréscimo: Propriedade de terceiros dos direitos económicos dos jogadores: 1. Nenhum clube ou jogador deve celebrar um acordo com um terceiro em que um terceiro tem o direito de participar, total ou parcialmente, em compensação devida em relação à transferência futura de um jogador de um clube para outro, ou está sendo designado qualquer direito em relação a uma transferência futura ou compensação de transferência
(original: 1. No club or player shall enter into an agreement with a third party whereby a third party is being entitled to participate, either in full or in part, in compensation payable in relation to the future transfer of a player from one club to another, or is being assigned any rights in relation to a future transfer or transfer compensation.
2. The interdiction as per paragraph 1 comes into force on 1 May 2015.
3. Agreements covered by paragraph 1 which predate 1 May 2015 may continue to be in place until their contractual expiration. However, their duration may not be extended.
4. The validity of any agreement covered by paragraph 1 signed between 1 January 2015 and 30 April 2015 may not have a contractual duration of more than 1 year beyond the effective date.
5. By the end of April 2015, all existing agreements covered by paragraph 1 need to be recorded within the Transfer Matching System (TMS). All clubs that have signed such agreements are required to upload them in their entirety, including possible annexes or amendments, in TMS, specifying the details of the third party concerned, the full name of the player as well as the duration of the agreement.
6. The FIFA Disciplinary Committee may impose disciplinary measures on clubs or players that do not observe the obligations set out in this article).
Para o segundo semestre de 2019 está anunciada já a informação de que a FIFA aceita que os atletas possam beneficiar de direitos económicos, não caindo na categoria de terceiro.
[11] Cf. as notas 1 do texto de … onde se lê: “(…) em Dezembro de 2012 o Comité Executivo da UEFA «decided that the ownership of football players by third parties should be prohibited as a matter of principle. Consequently, world football’s governing body FIFA will be requested to issue relevant worldwide regulations prohibiting third-party ownership of players». Segundo a referida decisão, «UEFA, through its Professional Football Strategy Council (PFSC), would also be ready to implement a regulatory framework to ban third-party ownership arrangements in UEFA competitions, should FIFA not take the appropriate steps. In that case, a transitional period of three to four seasons would apply». A FIFA respondeu a esta interpelação, primeiro através da sua Circular n.º 1335, de 14 de Janeiro de 2013, e mais tarde, em Setembro de 2014, o Comité Executivo da FIFA decidiu mesmo proibir a titularidade de direitos económicos de futebolistas por parte de terceiros, após um período de transição, criando um grupo de trabalho com a missão de redigir as normas proibitivas correspondentes, de forma a incorporá-las no Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA.
[12] O mesmo terá sido também fonte da fundamentação usada pela 1ª instância.
[13] Disponível em www.dgsi.pt
[14] Cf. ainda JOSÉ MANUEL MEIRIM, “Introdução” e “Os agentes desportivos”, in JOSÉ MANUEL MEIRIM (coord.), Direito do Desporto, UCE, 2017, p. 5-34.
[15] Ac do TR de Lisboa, de 14/10/2008, tirado no processo 7929/2008-7– citação.
[16] Isso mesmo decorre, v.g., do art.º22.º (transferência de praticantes desportivos) da Lei 54/2017, de 14 de Julho (contrato de trabalho desportivo).
[17] Cf. JOSÉ MANUEL MEIRIM, “Introdução” e “Os agentes desportivos”, in JOSÉ MANUEL MEIRIM (coord.), Direito do Desporto, UCE, 2017, p. 5-34.


2. A "CC - Futebol BB, Lda." contestou, invocando a falta de legitimidade passiva com fundamento no facto de não ter celebrado com a autora o contrato que esta invoca, e por impugnação. Em síntese sustentou que não se operou para a sua esfera jurídica qualquer transferência dos direitos ou obrigações emergentes daquele contrato e, nessa medida, não está obrigada a repartir o valor da transferência do jogador com a autora.