Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4260/15.4T8FNC-E.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
AUDIÊNCIA PRÉVIA
SANEADOR-SENTENÇA
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I – Encontrando-se a nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido), o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.

II – O conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos obriga, de forma imperativa, o juiz à designação de audiência prévia, a realizar nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, facultando às partes a possibilidade de alegarem de facto e de direito sobre a matéria de que irá conhecer.

III – Havendo o juiz contrariado a tramitação processual até aí seguida (a audiência prévia foi designada várias vezes e entretanto adiada),  procedido à (implícita) dispensa da realização da audiência prévia sem se encontrarem reunidos os respectivos requisitos processuais indispensáveis para esse mesmo efeito e passado ao conhecimento imediato do mérito da causa, a respectiva sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do Código de Processo Civil.

IV – A violação das regras processuais que consiste na omissão ilegal da realização de uma diligência obrigatória que deveria ter tido lugar nos autos (a audiência prévia), comunica-se à decisão de mérito subsequente que é proferida fora do momento próprio, numa altura em que ao juiz se encontrava expressamente vedada a possibilidade de tomar conhecimento dessa matéria.

V – Tal decisão de dispensa da audiência prévia, que era no caso obrigatória, constituiu uma verdadeira decisão surpresa entendida enquanto “decisão que decide o que não pode decidir sem audiência prévia das partes”, surpreendendo as partes com o conhecimento que não poderia ter tido lugar antes de as mesmas exercerem o seu direito ao debate da matéria de fundo, de facto e de direito, não se circunscrevendo ao limitado e estrito âmbito da mera irregularidade procedimental, invocável nos comuns termos do artigo 195º, do Código de Processo Civil.

VI – A análise da situação e suas consequências seria completamente diferente se o juiz a quo houvesse, antes de proferir a decisão de mérito, notificado as partes, informando-as deste seu propósito e advertindo-as de que o faria na ausência de oposição destas, o que, a verificar-se, significaria, nessas circunstâncias, a sua anuência a esta agilização do processado, bem como o seu reconhecimento quanto à desnecessidade de alegarem de facto e de direito antes da prolação decisão que, conhecendo do fundo da causa, definiria a sorte do pleito.

VII - A dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.

VIII – O respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, não depende de um juízo subjectivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não ouvir as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir, mas é, bem pelo contrário, substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que especialmente lhe incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.
                             
Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
Instaurou Florasanto - Agricultura e Silvicultura, Lda., acção declarativa contra a Massa Insolvente da Santiago – Empresa Agro-Pecuária do Santo da Serra, pedindo a declaração de nulidade da resolução em benefício da massa insolvente realizada, por carta datada de 4 de Maio de 2016, sobre o contrato de arrendamento que identifica, celebrado entre a A. e a Santiago – Empresa Agro-Pecuária do Santo da Serra, ou subsidiariamente a condenação em indemnização pela resolução ilícita do referido contrato e o eventual exercício do direito de restituição do bem imóvel por abuso de direito, ao abrigo do disposto no artigo 334º do Código Civil.
A Ré contestou, alegando, entre outros fundamentos, a caducidade do direito a instaurar a presente acção.
Por despacho proferido em 21 de Junho de 2020 foi designada a realização de audiência prévia para o dia 9 de Setembro de 2020, pelas 14 horas, para os fins enunciados no artigo 591º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), do Código de Processo Civil, tendo por despacho proferido em 2 de Setembro de 2020 sido esclarecido que a diligência seria realizada presencialmente.
Em 15 de Setembro de 2020 foi designada a audência prévia, com as mesmas finalidades para o dia 20 de Outubro de 2020, pelas 14 horas.
Vieram as partes, actuando em conjunto através de requerimento entrado em juízo em 20 de Outubro de 2020, requerer a suspensão da instância por um período mínimo de 30 dias por se encontrarem na eminência de transacção.
Por despacho proferido em 20 de Outubro de 2020 foi decidido suspender a instância por trinta dias, desconvocando-se a audiência prévia designada.
Vieram as partes, através de requerimento conjunto entrado em juízo em 13 de Novembro de 2020, solicitar a prorrogação da suspensão por mais trinta dias, o que foi deferido por despacho proferido em 16 de Novembro de 2020.
Entretanto vieram de novo as partes, por requerimento conjunto de 22 de Dezembro de 2020, solicitar nova prorrogação da suspensão da instância por mais trinta dias.
Em 19 de Janeiro de 2021, sem qualquer outro tipo de diligência ou pronunciamento, foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 159 e seguintes:
Considerando que a MASSA INSOLVENTE comunicou aos autos, mediante requerimento datado de 23 de Dezembro de 2020, que após consultar a COMISSÃO DE CREDORES, decidiu não chegar a um acordo com a Autora, o Tribunal decide levantar a suspensão da presente instância.
I- DA FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA
O Tribunal fixa à presente acção o valor de 250.000,00€, nos termos dos artigos 297.°, nºs 1, parte, e 2, parte, 301.°, n.° 1, e 306.°, n.os 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil.
II- DESPACHO SANEADOR
(cfr. artigos 591.°, n.° 1, alínea d), e 595.°, n.° 1, ambos do CPC)
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
A petição inicial não enferma de ineptidão e o processo é o próprio.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Atento o respectivo interesse na causa, as partes são legítimas.
As partes encontram-se regularmente patrocinadas.
Não outras excepções, nulidades processuais ou questões prévias que importe conhecer.
Tendo em conta que o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos, o Tribunal decide conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos dos artigos 591.°, n.° 1, alínea d) e 595.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 17.°, n.° 1, do CIRE”.
Após o que o tribunal passou, de imediato, a proferir sentença, com o seguinte segmento dispositivo:
“Termos em que, o Tribunal decide:
1. Declarar a excepção peremptória de caducidade do direito de acção invocada pela R. MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE SANTAGRO - EMPRESA AGRO-PECUARIA DO SANTO DA SERRA, LDA. procedente e, por conseguinte, declarar a resolução em benefício da massa insolvente do "contrato de arrendamento rural” celebrado no dia 14 de Agosto de 2014, eficaz;
2. Absolver a R. MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE SANTAGRO EMPRESA AGRO-PECUARIA DO SANTO DA SERRA, LDA. do demais peticionado pela A. FLORASANTO - AGRICULTURA E SILVICULTURA, LDA.” .
Veio a A. interpôr recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa apresentando as seguintes conclusões:
“I.O presente recuso vem interposto do despacho saneador-sentença proferido nos autos, que julgou a acção improcedente, conhecendo do mérito da causa logo na fase de saneamento dos autos, por entender que "o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos”.
II. A decisão recorrida incorre em frontal violação do regime processual aplicável, incorrendo na sanção de nulidade, por vários fundamentos, dir-se-ia, concorrentes.
III. O artigo 591.° n.° 1, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.° do CIRE, estatui que, sempre que o Tribunal pretenda conhecer imediatamente do mérito da causa em sede de fase de saneamento, é obrigado a convocar audiência prévia, especificamente destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito da causa conclusão que é corroborada pacificamente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
IV. O disposto no artigo 593.° n.° 1 do CPC, em conjugação com a norma anterior, estabelece que uma eventual decisão de dispensa da audiência prévia é admissível dentro de certos condicionalismos, e apenas naqueles casos em que a acção deva prosseguir para além da fase de saneamento, o que é dizer: para a fase de julgamento.
V. No caso sub judice, o Tribunal a quo pretendeu decidir de imediato do mérito da causa, em sede de despacho saneador-sentença, nos termos do artigo 595.° n.° 1 do CPC, mas não realizou a audiência prévia, como se impunha que fizesse, nos termos do artigo 591.° n.° 1, alínea b), do CPC.
VI. A falta da realização da devida audiência prévia traduz-se na omissão de um formalismo legalmente imposto, susceptível de influir sobre a decisão da causa, originando uma nulidade, nos termos do artigo 195° n.° 1 do CPC, a qual desde se invoca, para todos os efeitos.
VII. A apontada nulidade por omissão, torna também nula a sentença recorrida por entre ambas existir uma relação de mútua dependência no plano processual, nos termos do disposto no artigo 195° n.° 2 do CPC - nulidade que igualmente se invoca desde já, para todos os efeitos.
VIII. Pelas razões expostas, acresce que a decisão recorrida acabou por se pronunciar sobre matéria que não podia conhecer, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC - o que igualmente se invoca, subsidiariamente.
IX. Concebendo-se por mera hipótese, e por cautelar de patrocínio, que a dispensa de audiência prévia em casos em que o Tribunal entenda proferir despacho saneador-sentença possa ser admissível ao abrigo dos respectivos poderes de gestão processual, tão pouco a decisão recorrida seria válida, mesmo à luz desse entendimento.
X. Primeiro, porque não foi proferida nos autos qualquer decisão cujo objecto fosse, especificamente, a dispensa da audiência prévia - sendo certo que essa putativa decisão não resulta do mero considerando feito no início do despacho recorrido, no sentido de que "o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzido”.
XI. Segundo, porque uma eventual decisão de dispensa de audiência prévia, em processos em que haja que ser proferido despacho saneador-sentença, sempre deveria ser precedida de contraditório das partes em juízo, nos termos expressamente impostos pelos artigos 3.° n.° 3 e 6.° n.° 1 do CPC.
XII. E, no caso sub judice, não foi conferida às partes a possibilidade de exercerem o contraditório quanto a qualquer decisão de dispensa de audiência prévia - decisão que, repita-se, em rigor, nunca foi proferida.
XIII. De resto, tão pouco as partes, em especial a Recorrente, manifestaram, em momento algum, intenção de prescindir da audiência prévia.
XIV. Acresce que o Tribunal a quo agendou efectivamente a audiência prévia nos autos, pro três vezes sucessivas - que vieram sempre a ser adiadas, por razões atinentes ao Tribunal ou às partes - e em todas as respectivas convocatórias fez constar que a audiência se destinada aos “fins enunciados no artigo 591.°, n.° 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), do Código de Processo Civil’ - onde se inclui a discussão da matéria de facto e de Direito relevante para a causa.
XV. Verifica-se, assim, que o Tribunal reputou, por três vezes sucessivas, necessária a realização de audiência prévia para os aludidos fins - tanto que a convocou! - o que torna a decisão recorrida, além de uma surpresa, também contraditória com actos antecedentes do Tribunal a quo.
XVI. Por conseguinte, o despacho recorrido sempre seria nulo, por constituir uma decisão- surpresa, em violação do direito da Recorrente ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC.
XVII. A procedência das nulidades invocadas supra determina a devolução dos autos à instância, para que tenha lugar a prática das formalidades ilegalmente omitidas pelo Tribunal a quo, seja a realização da audiência prévia, seja a concessão do contraditório quanto à eventual dispensa da audiência prévia, o que igualmente se requer desde já.
Nestes termos, requer-se a V.a Ex.a se digne admitir o presente recurso, julgando-o inteiramente procedente, e, consequentemente:
i)    declare a nulidade da decisão recorrida, por preterição ilícita de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 195.° n.° 1 e n.° 2 do CPC, e, concorrentemente, do artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC; ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese e sem conceder;
ii)   declare a nulidade da decisão recorrida, por traduzir uma putativa dispensa da audiência prévia com preterição ilícita do direito do Recorrente ao contraditório;
iii) em qualquer dos casos, na sequência da revogação da decisão recorrida, determine a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para ser convocada a realização de audiência prévia ou, sendo caso, disso, concedido o contraditório à Recorrente quanto à eventual dispensa de audiência prévia”.
A ré apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
“I. A nulidade de sentença constitui a única questão formulada pela Recorrente, não se revelando objecto de recurso a apreciação da matéria de facto ou de direito em que se fundou a decisão proferida.
II.   Incidimos, em resposta, sobre a argumentação e causas apontadas ao invocado vício de nulidade da sentença, da qual se declara antecipadamente não acolher merecimento junto da aqui Recorrida.
III. O conhecimento e eventual suprimento de nulidades de sentença, assim como a rectificação de erros materiais ou a reforma, pode ocorrer ainda que extinto o poder jurisdicional aquando de proferida decisão final, sem, contudo, alterar ou modificar a decisão proferida.
IV. A arguição de nulidade de sentença faz-se mediante recurso e a sua apreciação cabe ao juiz titular do processo, que aprecia a questão mediante despacho de pronúncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento (cfr., artigo 617° do C.P.C).
V. É unânime que a enunciação das causas elencadas pelo n.° 1 do artigo 615.° do C.P.C. é taxativa, e, é pela  sua análise que, ainda que omissa uma definição legal, haverá nulidade de sentença quando deparados com vício de formação, de actividade ou de construção da sentença.
VI. Começa, num primeiro argumento, a fundar erradamente a nulidade de sentença por meio da alínea d) do n.° 1 do artigo 615° do C.P.C.
VII.Há “excesso de pronúncia” quando a sentença conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando o juiz se ocupa de matérias que as partes não tenham suscitado; o que não representa a situação dos autos.
VIII.              Quando o estado do processo o permitir, por conter elementos suficientes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, para que o litígio em apreço possa ser decidido com a devida e necessária segurança jurídica e em estrita obediência dos princípios gerais que regem a tramitação processual, pode o juiz, sem necessidade de realizar audiência prévia, conhecer imediatamente do mérito da causa em despacho saneador.
IX. Vê-se pela consulta do processo confirmada uma intervenção processual activa das partes, pelo exercício atempado do seu direito de contradição, em resposta a solicitações do Tribunal ou por sua própria iniciativa, encontrando- se o  juiz, atendendo à matéria em discussão, apto a decidir atendendo às questões em discussão quer no sentido da procedência ou da improcedência da acção.
X. As questões apreciadas em sede de despacho saneador-sentença se encontravam prévia e suficientemente debatidas nos articulados das partes, não se configurando “decisão-surpresa”.
XI. É “decisão-surpresa” a que comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela.
XII. Também erradamente funda, num segundo argumento, a nulidade de sentença por preterição de diligência  processual obrigatória.
XIII.              A realização de audiência prévia não é, desde logo, de realização obrigatória, por se permitir a sua ausência, nos termos do artigo 592° do C.P.C., ou a sua dispensa, ao abrigo do artigo 593° do C.P.C.
XIV.             Em concurso, diga-se também, que no exercício do dever de adequação formal, contemplado pelo artigo 547° do C.P.C., e do dever de gestão processual, com previsão geral no artigo do C.P.C. e, ainda, com especial consagração na fase inicial do processo e da audiência prévia, no artigo 590° do C.P.C. pode ainda ser afastada pelo juiz quando as circunstâncias do caso em concreto assim o justifique.
XV.Havendo-se cumprido o contraditório, com efectiva discussão de facto e de direito e a dicussão das posições das partes nestes autos, a decisão pela conveniência e adequação do saneador-sentença não colide com a preterição de formalismo processual essencial ou até com violação do exercício do contraditório reconhecido às partes.
XVI.             A necessidade de adequação e simplificação torna-se mais reivindicativa quanto aos autos em discussão é atribuído carácter urgente e em que a tramitação processual adoptada deve respeitar com as devidas adaptações, os princípios gerais, disposições e quadros legais da insolvência (cfr., artigos e 17° do CIRE).
XVII.            Em articulação com o anterior, também erradamente funda a nulidade da sentença por a preterição de audiência prévia ser susceptível de influir sobre a decisão da causa.
XVIII.           Além de não conseguir demonstrá-lo, não nos parece verdadeiro ou com correspondência na realidade em processo em que se tem por garantido, efectivo e manifesto o exercício de contraditório pelas partes nos seus articulados e requerimentos supervenientes e em que a sentença proferida se pronuncia sobre matéria suficientemente debatida por ambas.
XIX.             A realização da audiência não teria a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada noutro sentido, pois o juízo final, expresso em despacho-saneador-sentença ou em sentença proferida em fase de julgamento, recairia sobre a apreciação da invocada excepção peremptória de caducidade do direito de acção, que seria sempre declarada procedente, com decaimento de todos os pedidos deduzidos pela A. aqui Recorrente.
XX.Por não preenchida qualquer das causas taxativas de nulidade de sentença e sem outra questão a apreciar, deve julgar-se improcedente o presente recurso, confirmando-se integralmente o despacho saneador- sentença proferido.
Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25 de Maio de 2021, que julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Interpôs Florasanto- Agricultura e Silvicultura, Lda, recurso de revista, dela constando as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 25/5/2021, que determinou a improcedência do recurso de apelação quanto ao despacho saneador-sentença proferido em 1.ª instância em 19/1/2021.
II. O recurso fundamenta-se, centralmente, na questão de saber se a sentença de 1.ª instância é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPC, por ter violado o comando legal que dita a realização de audiência prévia sempre que o juiz pretenda conhecer o mérito da causa em sede de despacho saneador-sentença.
III. Haverá, contudo, que invocar precipuamente uma nulidade do próprio Acórdão recorrido, nos termos conjugados do disposto nos artigos 615.º n.º 1, alínea d), e 666.º n.º 1 do CPC.
- Do enquadramento processual
IV. Ao presente recurso não é aplicável a norma especial prevista no artigo 14.º do CIRE, porquanto a mesma, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, diz apenas respeito a decisões proferidas no âmbito do processo (principal) de insolvência e no correspondente apenso de embargos à sentença de declaração de insolvência – o que não é aqui o caso.
V. O recurso enquadra-se, pois, no regime geral dos recursos, em particular no recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 do CPC.
VI. Constata-se, á luz do artigo 671.º n.º 1 do CPC, que o Acórdão recorrido foi proferido sobre decisão da 1.ª instância e pôs termo ao processo, confirmando a sentença de 1.ª instância que absolveu a Ré do pedido, preenchendo, assim, os pressupostos de recorribilidade aí previstos.
VII. Esclareça-se ainda que o Acórdão recorrido não consubstancia uma dupla conforme, na sua relação com a sentença de 1.ª instância, ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 3 do CPC:
VIII. Primeiro, porque a questão da nulidade da sentença de 1.ª instância por excesso de pronúncia, na qual se fundo o recurso de apelação, não foi, nem poderia logicamente ter sido, de todo, objecto de apreciação na referida sentença de 1.ª instância;
IX. Segundo, porque a questão da preterição de contraditório prévio quanto à decisão de dispensa de audiência prévia não foi sequer apreciada no Acórdão Recorrido.
X. Não se verificando a referida dupla conforme quanto a qualquer uma das questões que compõem o thema decidendum, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º n.º 3 do CPC, resta concluir que o recurso de revista é admissível, nos termos gerais.
XI. Sem prejuízo do que fica exposto, cumpre admitir, por mera hipótese e sem conceder, que o recurso de revista não seja admitido nos termos gerais.
XII. Nessa hipótese, sempre o presente recurso seria admissível enquanto revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º n.º 1, alínea c), do CPC, atenta a verificação de uma oposição, quanto à mesma questão de Direito e no domínio da mesma legislação, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão (fundamento) do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2018, proferido no âmbito do processo n.º 11749/17.9T8LSB.L1-7, conforme se passará a demonstrar adiante, a título subsidiário.
- Da nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia
XIII. No recurso de apelação antecedente, a Recorrente invocou, de modo expresso, a nulidade da sentença de 1.ª instância, aí recorrida, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPC, fundada na preterição do contraditório legalmente imposto quanto à (implícita) decisão de dispensa de realização de audiência prévia, nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CPC.
XIV. O enquadramento dessa questão ficou a constar dos pontos 21 a 41 das alegações de recurso, das conclusões IX a XVI e ainda do ponto ii) do pedido final, que aqui se dão por reproduzidos.
XV. Essa questão é substancial e formalmente autónoma da questão, também invocada no recurso de apelação, da nulidade em virtude da preterição da própria audiência prévia, enquanto acto processual obrigatório.
XVI. O Tribunal da Relação de Lisboa, contudo, não se pronunciou quanto à sobredita questão, embora a isso estivesse obrigado nos termos do disposto no artigo 663.º n.º 2, por remissão para o artigo 607.º do CPC.
XVII. Trata-se de uma omissão de pronúncia, sancionada com nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC, a qual se invoca para os efeitos do artigo 674.º n.º 1, alínea c), do CPC.
XVIII. Em conformidade, requer-se a V.ª Ex.ª ordene a remessa do processo ao douto Tribunal da relação de Lisboa, a fim de aí ser objecto da competente reforma, nos termos do disposto no artigo 684.º n.º 2 do CPC.
Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, sempre se considere o seguinte:
- Da nulidade da decisão de 1.ª instância por excesso de pronúncia
XIX. O Acórdão recorrido procura, erradamente, justificar a decisão tomada mediante o suposto preenchimento da norma excepcional presente no artigo 3.º n.º 3 do CPC, que permite que o contraditório seja afastado em casos de “manifesta desnecessidade”.
XX. O erro de julgamento aí em causa traduz-se na desconsideração da norma especial presente no artigo 591.º n.º 1, alínea b), do CPC, que dita, imperativamente, que a audiência prévia seja realizada sempre que o Tribunal pretenda conhecer do mérito da causa em sede de despacho saneador-sentença.
XXI. E, consequentemente, na desconsideração da manifesta violação, pela sentença de 1.ª instância, desse comando legal.
XXII. Consumando a demonstração do error in judicandi aqui em causa, acrescente-se que, sendo aplicável ao caso uma norma especial, que não conhece qualquer excepção – artigo 591.º n.º 1, alínea b), do CPC – torna-se inaplicável a excepção prevista para o princípio geral positivado no artigo 3.º n.º 3 do CPC, na qual o Tribunal da Relação de Lisboa procura alcandorar a sua decisão, pelo que a motivação da mesma sempre deverá ser considerada improcedente.
XXIII. A correcta interpretação das disposições legais aplicáveis – que é sufragada pela jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores – postula que a já demonstrada violação do comando legal presente no artigo 591.º n.º 1, alínea b), do CPC determina, por um lado, a nulidade processual da decisão judicial em causa, por preterição de uma diligência processual obrigatória, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC.
XXIV. E, por outro lado, concomitantemente, a nulidade da própria sentença, por excesso de pronúncia, na medida em que, ao apreciar o objecto do litígio sem antes realizar audiência prévia, conheceu de questões que, por disposição legal imperativa, não estava em condições de conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPC.
XXV. A solução defendida – a qual, repita-se, é corroborada pela jurisprudência pacífica – assenta numa (correcta) interpretação da mens legis da reforma do processo civil de 2013, no sentido de tornar a audiência prévia num acto/momento fulcral do processo declarativo, por significar uma oportunidade de debater de modo verbal, presencial e particularmente dinâmico, o thema decidendum em cada processo.
XXVI. De tal ordem que, de acordo com as referidas disposições legais, a decisão de mérito de qualquer processo de valor superior a metade da alçada da Relação deve, imperativamente, ser precedida de audiência prévia.
 Da oposição de julgados.
XXVII. Na hipótese, que se admite a título subsidiário e por mera cautela, de o presente recurso vir a ser enquadrado no regime da revista excepcional, nos termos acima aventados, sempre cumprirá demonstrar, em concreto, o preenchimento dos respectivos pressupostos á luz do artigo 672.º n.º 1, alínea c), do CPC, pugnando pela procedência do mesmo sob essas vestes formais.
XXVIII. Primeiro, considere-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2018, proferido no âmbito do processo n.º 11749/17.9T8LSB.L1-7 (Acórdão-fundamento) é um aresto de Tribunal da Relação já transitado em julgado.
XXIX. Segundo, o Acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido tomam por base precisamente a mesma legislação, a saber, o disposto no artigo 591.º n.º 1, alínea b), do CPC, em conjugação com os artigos 195.º e 615.º n.º 1, alínea d), do mesmo código.
XXX. Terceiro, é a mesma a questão essencial e determinantes das decisões, quer do Acórdão-fundamento, quer do Acórdão recorrido são inteiramente análogas, qual seja: a obrigatoriedade de realização de audiência prévia, nos casos contemplados pelo artigo 591.º n.º 1, alínea b), do CPC e as consequências da violação dessa obrigação processual pelo Tribunal, à luz das sanções de nulidade previstas nos artigos 195.º e 615.º n.º 1, alínea d), do CPC.
XXXI. Quarto, ficou patenteado que o Acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido contêm decisões frontalmente opostas quanto à referida questão essencial, em particular: o Acórdão-fundamento considera nula, por excesso de pronúncia, a decisão que incorra em violação da obrigação legal de realização de audiência prévia, nos termos conjugados dos artigos 591.º n.º 1, alínea b), e 615.º n.º 1, alínea d), do CPC; ao passo que o Acórdão recorrido nega que se verifique essa nulidade, ao abrigo das mesmas disposições.
XXXII. Quinto, a questão sub judice não foi objecto de qualquer Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência.
XXXIII. Fica demonstrado o preenchimento dos pressupostos do recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672.º n.º 1, alínea c), do CPC.
XXXIV. Por razões de economia e da procedência da interpretação postulada pelo Acórdão-fundamento, no sentido de ser efectivamente nula, por excesso de pronúncia, a decisão que aprecia o mérito da causa, sem antes realizar audiência prévia, nos termos conjugados do disposto nos artigos 591º, nº 1, alínea b), e 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Nestes termos, requer-se a V. Excia seja o presente recurso aceite e declarado procedente, a título de recurso de revista ou, subsidiariamente, revista excepcional, e consequentemente:
-seja o acórdão recorrido declarado nulo, por omissão de pronúncia, nos termos conjugados do disposto nos artigos 615º, nº 1, alínea d) e artigo 674º, nº 1, alínea c) do CPC, e mandado descer ao douto Tribunal da Relação de Lisboa, para que seja objecto da competente reforma, nos termos do disposto no artigo 684º, nº 2, do CPC, ou, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite,
-seja o acórdão recorrido revogado, com fundamento em erro de julgamento, e, por conseguinte, declarada a nulidade do despacho saneador-sentença da 1ª instància, com fundamento em violação do dever de realização de audiência prévia, nos termos conjugados do disposto nos artigos 591º, nº 1, alínea b), e 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Contra-alegou a Ré Massa Insolvente da Santagro – Empresa Auto-Pecuária do Santo da Serra, Lda., apresentando as seguintes conclusões.
A) Do objecto e da inadmissibilidade da revista
I.    O objecto do presente recurso de revista recai sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 25 de Maio de 2021 proferido sobre decisão da 1.ª instância, doravante designado Acórdão recorrido, com incidência decisória nas conclusões de recurso da apelante que recaíra unicamente sobre a invocada questão processual de nulidade da sentença proferida em 1.ª instância, com preclusão no que respeita à apreciação da matéria de facto ou de direito em que se fundou a sentença proferida em 1.ª instância.
II.  Com incidência e apreciação sobre questão processual, o Acórdão recorrido não se integra no quadro normativo do âmbito objectivo estatuído pelo n.º 1 do artigo 671º do C.P.C. («Decisões que comportam revista»); não é, assim, um acórdão proferido sobre a decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.
III. A motivação da decisão proferida em 2.ª instância remete para a “clássica distinção entre as nulidades do processo eas nulidades da sentença”econclui pela nulidade processual cometida e sanada em 1.ª instância, e, “não tendo a apelante suscitado qualquer outra questão a esta Relação, mais não resta senão considerar que improcedem as conclusões de recurso”.
B) Da arguida nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia.
IV. Persistindo a inadmissibilidade de revista sobre o Acórdão recorrido, a arguição de quaisquer nulidades sobre a decisão de 2.ª instância não pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, devendo, antes, por força do regime contemplado no artigo 66º do C.P.C., submeter-se ao Tribunal da Relação de Lisboa para subsequente decisão em conferência.
V.  Para que as nulidades da decisão de 2.ª instância possam ser apreciadas em revista, torna-se previamente necessário que o recurso seja admissível, não constituindo, por si só, fundamento para interpor recurso de revista, ou seja não tornam admissível o recurso sem antes se verificarem reunidos todos os pressupostos de admissibilidade da revista.
VI. Prevalecendo o entendimento de o Acórdão recorrido comportar revista, não subsiste o entendimento sobre a apontada nulidade da decisão de 2.ª instância por omissão de pronúncia nos termos invocados pela recorrente.
VII. Nenhum Tribunal está obrigado em decisão a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas sobre as questões suscitadas e, dentro destas, também, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr., n.º 2 do artigo 608º, n.º 2 do artigo 663º e artigo 679º todos do C.P.C.).
VIII. O Acórdão recorrido colhe o princípio expondo “(…) impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras arts. 635.º e 639.º do CPC, (…) salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito art.º 5.º, nº3.”
IX. Mencione-se que, também não assiste razão há Recorrente, visto ter-se, devidamente e em momento próprio, abordado na decisão de 2.ª instância a matéria de dispensa de realização de audiência prévia.
X.  A não consideração de todas as linhas de fundamentação jurídica das partes processuais não constitui causa de nulidade subsumível à alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do C.P.C., nem, consequentemente, revela-se como fundamento de recurso de revista nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 674º do C.P.C., nunca podendo ser julgada procedente.
C) Da arguida nulidade da decisão de 1.ª instância por excesso de pronúncia
XI. O recurso de revista não pode assentar numa repetição de arguição da nulidade da decisão de 1.ª instância por excesso de pronúncia, mas, tão-só, de eventuais nulidades presentes no acórdão recorrido (cfr., n.º 1 do artigo 671º do C.P.C.), sendo este o sentido adoptado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
XII. A questão da nulidade inserta na decisão da 1.ª instância, comprovando-se a sua apreciação no Acórdão recorrido, que a julga improcedente, fica definitivamente solucionada pelo Tribunal a quo.
XIII. A revista não pode servir o interesse da Recorrente, que se funda na mera discordância do sentido da decisão proferida no Acórdão recorrido de ter-se por confirmado o saneamento do vício de nulidade processual, de “reabrir” a discussão do que ficou decidido, com a merecida motivação, dentro do recurso de apelação.
XIV. Não pode, assim, servir de fundamento a nulidade da decisão de 1.ª instância por excesso de pronúncia nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 674º do C.P.C., nunca podendo ser julgada procedente.
XV.           Tambémpornão integraro elenco defundamentos típicos etaxativamente previsto no artigo 674º do C.P.C. não pode a revista recair sobre erro de julgamento.
XVI. No domínio do contraditório, o n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C. assegura que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem queas partes tenhamtido a possibilidade desobre elas se pronunciarem
XVII. Integram “caso de manifesta desnecessidade” as situações em que o efeito pretendido resulta automaticamente da lei, o enquadramento fáctico relevante se mostra insusceptível de controvérsia ou em que os contornos da lide tornam a decisão expectável.
XVIII.Também quando o estado do processo o permitir, por já conter elementos suficientes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, para queo litígio em apreço possa ser decidido com adevida enecessáriasegurança jurídica e em estrita obediência dos princípios gerais que regem a tramitação processual, pode o juiz, sem necessidade de realizar audiência prévia, conhecer imediatamente do mérito da causa em despacho saneador.
XIX. Vê-se pela consulta do processo confirmada uma intervenção processual activa das partes, pelo exercício atempado do seu direito de contradição, em resposta a solicitações do Tribunal ou por sua própria iniciativa, encontrando-se o juiz, atendendo à matéria em discussão, apto a decidir atendendo às questões em discussão quer no sentido da procedência ou da improcedência da acção.
XX.           As questões apreciadas em sede de despacho saneador-sentença se encontravam prévia e suficientemente debatidas nos articulados das partes, não se configurando “decisão-surpresa”.
XXI. É “decisão-surpresa” a que comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela.
XXII. Não pode, ainda, prevalecer a argumentação de preterição de diligência processual obrigatória.
XXIII.No exercício do dever de adequação formal, contemplado pelo artigo 547º do C.P.C., e do dever de gestão processual, com previsão geral no artigo 6º do C.P.C. e, ainda, com especial consagração na fase inicial do processo e da audiência prévia, no artigo 590º do C.P.C. pode a realização da audiência prévia ser afastadapelo juiz quando acircunstânciado caso em concreto assim o justifique.
XXIV.Havendo-se cumprido o contraditório, com efectiva discussão de facto e dedireito ea discussão das posições das partes nestes autos, a decisão pela conveniência e adequação do saneador-sentença não colide com a preterição de formalismo processual essencial ou até com violação do exercício do contraditório reconhecido às partes.
XXV. A necessidade de adequação e simplificação torna-se mais reivindicativa quanto aos autos em discussão é atribuído carácter urgente e em que a tramitação processual adoptada deve respeitar com as devidas adaptações, os princípios gerais, disposições e quadros legais da insolvência (cfr., artigos 9º e 17º do CIRE).
XXVI.A realização da audiência não teria a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada noutro sentido,pois o juízo final, expresso em despacho-saneador-sentença ou em sentença proferida em fase de julgamento, recairia sobre a apreciação da invocada excepção peremptória de caducidade do direito de acção, que seria sempre declarada procedente, com decaimento de todos os pedidos deduzidos pela A. aqui Recorrente.
XXVII. Além de não conseguir demonstrá-lo, não nos parece verdadeiro ou com correspondência na realidade em processo em que se tem por garantido, efectivo e manifesto o exercício de contraditório pelas partes nos seus articulados e requerimentos supervenientes e em que a sentença proferida se pronuncia sobre matéria suficientemente debatida por ambas.
XXVIII. Não se razão formal ou material à desdobrada e repetida argumentação adoptada pela Recorrente no sentido de assinalar excesso de pronúncia à decisão proferida em 1.ª instância, e de simultaneamente, com fundamento em erro de julgamento, resultar revogado o Acórdão recorrido.
Sobre o Recurso de Revista Excepcional
D) Do objecto e da inadmissibilidade da revista excepcional
XXIX.A revista excepcional pressupõe que a revista autónoma-regra só não seja admissível por se verificar a situação de “dupla conforme” entre a decisão da 1.ª instância e o Acórdão recorrido.
XXX. De acordo com a jurisprudência do STJ, a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais.
XXXI.Feita a análise da estruturação lógico-argumentativa, os segmentos decisórios das duas decisões proferidas nestes autos, não são coincidentes.
XXXII.Não podendo concluir-se pela confirmação da “dupla conformidade” quando é no Acórdão recorrido apreciada pela primeira vez a questão da nulidade da sentença (incidência decisória da apelação), com prejuízo sobre a admissibilidade da revista excepcional.
E) Da oposição de julgados
XXXIII. É interposto, a título subsidiário, recurso de revista excepcional fundando em contradiçãodo Acórdão recorrido com outro, indicando arecorrente,como Acórdão fundamento, o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2018, proferido no âmbito do Proc. nº 11749/17.9T8LSB.L1-7.
XXXIV. O Acórdão recorrido confirma que a não realização da audiência prévia acarreta uma nulidade processual, não contemplando uma oposição frontal ao Acórdão fundamento.
XXXV.Há uma diversidade jurisprudencial sobre a decisão da causa em 1.ª instância não precedida da realização da diligência de audiência prévia.
XXXVI. A contradição que se exige entre acórdão tem de se manifestar “no domínio da mesma legislação” e “sobre a mesma questão fundamental de direito”, não se bastando com uma mera sustentação diversa nas duas decisões, e, torna-se necessário que se verifique uma identidade do núcleo de situação de facto do Acórdão fundamento edo Acórdão recorrido (cfr., alínea c) do n.º 1 e al. c) do n.º2 do artigo 672º do C.P.C.
XXXVII. Sobre o despacho saneador enquanto acto processual de elaboração de sentença, não antecedido da realização da audiência prévia, a explicação para a divergência na jurisprudência quanto à admissibilidade ou não admissibilidade expressiva em diversos acórdãos das Relações é justificada pela ponderação sobre as circunstâncias específicas do caso, não se encontrando a solução jurídica alheia da actividade processual produzidas por todos os intervenientes, quer pelo juiz a quo, quer pelas próprias partes.
XXXVIII.Não há oposição de julgados porquanto não há identidade factual, pois, no Acórdão recorrido, os próprios autos confirmam o pleno exercício do contraditório, a solicitação do Tribunal ou por iniciativa dos intervenientes, pela discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão da 1.ª instância se baseou, não se verificando, ainda, uma situação de dispensa de audiência prévia à revelia da vontade manifestada pelas partes processuais.
XXXIX. As decisões proferidas no Acórdão fundamento e no Acórdão recorrido são diferentes, mas a divergência não resulta de um entendimento antagónico quanto à interpretação e aplicação do direito, mas antes por não haver identidade do núcleo de situações de facto subjacentes a essa aplicação.
XL. Não se verificando oposição de julgados entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido, não pode proceder a revista excepcional.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Admissibilidade da presente revista. Inexistência de dupla conforme e ausência de cabimento para a revista excepcional, pedida a título subsidiário.
2 – Arguição de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
 3 – Dispensa da realização da audiência prévia, obrigatória nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, com o imediato conhecimento da procedência de excepção de caducidade, sem que o juiz a quo tenha justificado a sua opção face à anterior designação, por várias vezes, de audiência prévia, entretanto sucessivamente adiada. Consequências. Nulidade processual geral (artigo 195º do Código de Processo Civil) e nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil). Pretensa desnecessidade face ao debate da matéria jurídica da excepção peremptória nos articulados. Salvaguarda do princípio do contraditório e da proibição de decisões surpresa (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Passemos à sua análise:
1 – Admissibilidade da presente revista. Inexistência de dupla conforme e ausência de cabimento para a revista excepcional, pedida a título subsidiário.
Dispõe o artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE):
“No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se a recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”.
Estabelece, por seu turno, o artigo 17º, nº 1, do CIRE:
“Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.”.
A irrecorribilidade das decisões de 2ª instância, através da interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal, tal como se encontra prevista no artigo 14º, nº 1, do CIRE, encontra-se circunscrita aos processos de insolvência, aos embargos à insolvência, e aos incidentes que sejam tramitados no âmbito do próprio processo de insolvência, não abrangendo portanto os apensos que nele não são tramitados, como é manifestamente o caso da acção instaurada para impugnação de actos de resolução de negócios praticados pelo administrador da insolvência em benefício da massa.
Trata-se, de resto, da posição assumida, de forma unânime, pelos membros da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de competência especializada neste tipo de matérias – mormente processos de insolvência e aplicação do regime do CIRE.
(Vide sobre este ponto, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, página 80, nota 118, onde terá revisto a sua posição anterior).
No sentido propugnado pronunciaram-se:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2019 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 255/10.2AVR-J.P1.A.S1, disponível in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2014 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 1444/08.5TBAMT-S-P1.S1, disponível in www.dgsi.pt; acórdão de 25 de Março de 2014 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo 1729/12.6TBCTB-B.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt;  acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2014 (relator Fernandes do Vale), proferido no processo nº 3125/11.3TJCBR-B-C1.S1, disponível in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2020 (relator Raimundo Queiróz), proferido no processo nº 966/19.9T8STB-B.E1.A.S1, disponível in www.dgsi.pt, com voto de vencida de Ana Paula Boularot onde se expõe a posição genericamente assumida pela 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que reserva a aplicação do artigo 14º, nº 1, do CIRE – em termos de irrecorribilidade especial – para “os apensos ao processo de insolvência desde que tramitados endogenamente, ou nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência”.
Adoptando a mesma posição – que se perfilha inteiramente – vide Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2008, a páginas 112 a 113; Luís Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina 2011, 11ª edição, a página 74.
Pelo que o presente recurso de revista, que incide sobre uma decisão proferida num apenso ao processo de insolvência, mas que não é tramitado endogenamente, obedece às regras gerais de recorribilidade (artigo 17º, nº 1, do CIRE), não se integrando na previsão restritiva do artigo 14º do CIRE.
 (sobre este ponto, foi proferido, em 22 de Junho de 2021, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 1072/18.7T8VNF-D.G2.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Quanto à subsunção da presente revista no âmbito da previsão do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil, norma legal avocada pelo juiz desembargador relator para, com base nela, admitir o presente recurso, cumpre referir:
Dispõe o preceito em referência:
“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão de 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”.
Decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido:
“Conclui-se que estamos perante uma hipótese de nulidade do processo e não de nulidade de sentença. Aquela segue o regime previsto no art. 195.º, nº1 e devia ter sido arguida pela apelante, parte interessada (art. 197.º, nº1) nos dez dias subsequentes à notificação da sentença (art. 199.º, nº1) e não em sede de recurso pelo que, não tendo a apelante reclamado, em devido tempo, dessa nulidade, tem que considerar-se a mesma como sanada.
Assim sendo, e não tendo a apelante suscitado qualquer outra questão a esta Relação, mais não resta senão considerar que improcedem as conclusões de recurso”.
No acórdão recorrido foi apreciada e decidida, desfavoravelmente ao recorrente, a única questão essencial suscitada no recurso de apelação e que consistia em  saber se, sendo obrigatória a designação de audiência prévia, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a sua não realização e o imediato conhecimento do mérito da causa conduziria à nulidade dessa sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com a inerente violação do princípio do contraditório e ofensa ao princípio da proibição de decisões surpresa (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil), obrigando à anulação do processado para a realização da diligência indevidamente omitida, sem que em tal aresto tivesse havido lugar à discussão substantiva dos fundamentos que estiveram na base da procedência – em primeira instância – da excepção peremptória de caducidade do direito a instaurar a presente acção.
Ora, esta controvérsia jurídica, que foi directamente suscitada perante o Tribunal da Relação (e de que a primeira instância, pela natureza das coisas, não se ocupou), reveste uma ligação intrínseca e indissociável à decisão final que se debruçou sobre o conhecimento do mérito da causa, que necessariamente influenciou e da qual não pode ser desligada.
É certo que, em teoria, a recorrente poderia perfeitamente ter impugnado na sua revista, a título subsidiário, o fundamento material para a procedência da excepção de caducidade, atacando nesse caso uma decisão (indiscutivelmente) final, o que legitimaria a apresentação da sua revista (e porventura também revista excepcional, nos termos do artigo 672º do Código de Processo Civil).
Só que essa estratégia (de impugnação do mérito quanto à procedência da caducidade) conflituaria em termos lógicos, de forma absolutamente insanável, com a razão de ser da própria revista que foi apresentada, tal como a mesma se encontra concretamente estruturada.
Com efeito, o que o recorrente pretende, desde logo e essencialmente, é que lhe seja reconhecido o direito a exercer previamente à decisão de mérito sobre a excepção de caducidade, o contraditório que lhe assiste nessa matéria, como especialmente lhe é permitido pelo artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, discutindo durante esta diligência (e não noutro momento processual posterior), de facto e de direito, as razões para não se julgar procedente a dita excepção peremptória.
Neste pressuposto, a discussão, em sede de recurso de revista, da questão de fundo (excepção de caducidade do direito a instaurar a presente acção) não faz, considerando este específico contexto, sentido algum, sendo aliás contraditória com a vontade e o direito da parte de só alegar - de facto e de direito - sobre a mesma em audiência prévia, que deveria obrigatoriamente ter tido lugar, em obediência ao disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, e nunca em fase posterior ao (precoce) conhecimento do mérito, constituindo, por isso mesmo, tal postura (a de decidir, sem mais e inesperadamente, dispensar a audiência prévia já anteriormente designada) uma manifestação de desprezo pelo exercício do seu direito de defesa legalmente consagrado e uma decisão-surpresa proibida pela lei processual.
Daí que a recorrente, estribada num direito processual que a lei lhe atribui e confiando no rigoroso cumprimento da norma que inequivocamente o impõe, haver decidido, legitimamente, abster-se por ora de discutir, em sede de recurso de revista, a questão de fundo respeitante à caducidade do seu direito a instaurar a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.
Tudo se passa como se a decisão de fundo sobre a matéria da excepção de caducidade, que não deixa de ser simplesmente implícita por remissão para o decidido em 1ª instância, estivesse directamente contaminada pelo vício resultante da nulidade que consiste na não designação da audiência prévia, encarada como nulidade da própria sentença proferida.
Não pode, nestas circunstâncias, a recorrente ser penalizada com a (formal) inadmissibilidade do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com base no argumento de não estar em causa o conhecimento de uma decisão de mérito, quando, dentro da lógica própria que enforma os fundamentos do seu recurso, a mesma (decisão de mérito) nunca poderia ter sido apreciada e resolvida, dada a antecedente nulidade desse acto de apreciação de fundo (cometida em 1ª instância e corroborada por via do enquadramento jurídico feito no Tribunal da Relação e com o qual a recorrente, alicerçada em diversas decisões de 2ª instância, discorda).
Ou seja, nesta especial perspectiva, será de equiparar o acórdão recorrido a uma decisão final, uma vez que se debruçou sobre a questão jurídica que constitui verdadeiramente a causa imediata, directa e necessária da sorte da lide, tendo a ver, materialmente, com o próprio exercício do contraditório que, sem a realização da audiência prévia em que deveria, segundo o quadro legal aplicável, ter sido exercido, saiu substantivamente prejudicado.
É de facto o princípio da proibição de decisões-surpresa que está aqui directamente em discussão, motivada pela postura do juiz de 1ª instância ao conhecer prematuramente do mérito da causa e inflectir, invertendo, sem qualquer aviso ou anúncio, a tramitação normal dos autos seguida até aí, através de uma actuação inesperada que suprimiu a oportunidade, já anteriormente fixada, de cada uma das partes debater de facto e de direito, em sede de audiência prévia, quanto ao conhecimento de mérito da excepção peremptória da caducidade.
Note-se que neste caso, conferindo, por hipótese, razão à recorrente, por estar em causa uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e não o cometimento de uma mera nulidade processual por simples erro de procedimento, não fazia nenhum sentido admitir a discussão sobre o mérito da procedência da excepção de caducidade.
Em bom rigor, esta questão do conhecimento do fundo da causa, pela própria natureza das coisas, nunca estaria aqui, em termos expressos e directos, verdadeiramente em discussão.
Com efeito, ou o Tribunal da Relação qualificava o vício cometido como nulidade processual e considerava-o sanado pela intempestividade da sua invocação (como sucedeu); ou julgava procedente a apelação e ordenava simplesmente a realização da audiência prévia que havia sido omitida.
No primeiro caso, a apelação improcedia, sem o Tribunal da Relação ter de se preocupar com a matéria da excepção de caducidade, omissa nas conclusões do recurso; no segundo, a apelação procederia com a remessa dos autos à 1ª instância para a realização de audiência prévia, não havendo coisa alguma a apreciar relativamente à decisão de mérito sobre a mesma excepção peremptória da caducidade.
Daí concluir-se que o acórdão da Relação, com as características singulares que apresenta, constitui uma decisão final, impugnável nos termos gerais do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Cumpre referir, a este propósito, que a admissibilidade do recurso de revista nestas exactas circunstâncias já foi reconhecida e teve lugar no âmbito do processo nº 17937/16.8T8LSB.E1.S1, dando azo ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de /2018, em que foi relator Alexandre Reis, donde consta a este respeito:
“(...) Não tendo o Sr. Desembargador admitido o recurso, ao abrigo dos artigos 641º, nº 2, alínea a), e 671º, nº 3, por considerar verificar-se o requisito da “dupla conforme”, o A. deduziu reclamação, que foi parcialmente atendida, determinando-se a admissão do recurso circunscrita ao segmento do respectivo objecto referente ao decidido pela Relação sobre a questão da não realização da audiência prévia, bem como, nos termos do artigo 615º, nº 4, à pronúncia sobre as nulidades imputadas ao acórdão recorrido e sobre a arguida inconstitucionalidade (do artigo 195º)”.
(vide ainda, em sentido algo divergente, o que se consignou na revista excepcional proferida no processo nº 10/14.0TVLSB.L2.S1, proferida em 7 de Março de 2019, onde foi relator Garcia Calejo, e em que pode ler-se:
“I – A decisão objecto de recurso incidiu sobre uma decisão interlocutória – dispensa de realização da audiência prévia – que é enquadrável na previsão contida no artigo 671º, nº 2, do CPC. A admissibilidade da revista está dependente do preenchimento dos pressupostos definidos nessa disposição, ou seja, nos casos em que seja sempre possível o recurso (alínea a)) e contradição de acórdãos nos termos definidos na alínea b))”).
No mesmo sentido, diversos arestos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, e que serão identificados infra, já se ocuparam da questão nulidade da decisão final consistente na prolação de uma denominada decisão surpresa, enquanto vício do próprio acto jurisdicional de julgamento, enquadrável na alínea d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Ainda que se entendesse, por hipótese, que se trata aqui de uma decisão meramente interlocutória – sendo a decisão final aquela que conheceu implicitamente da excepcão de caducidade, confirmando o decidido por via da negação da qualificação da nulidade reconhecida no acórdão recorrido como nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil) -, estaríamos então perante uma manifesta situação de oposição de julgados, tendo em conta o acórdão fundamento invocado pelo recorrente (Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 11749/17.9T8LSB.L1-7) e perante a possível (e largamente discutida) aplicação do artigo 671º, nº 1, alínea a), por remissão para a alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, entendido então em sentido amplo, não restrito às situações de irrecorribilidade em função de disposição legal especial.  
Cumpre outrossim notar que, conforme se referiu, a decisão de 1ª instância não versou, apreciando, a questão jurídica fulcral que é agora objecto do recurso de revista.
O que sucede é que a sentença recorrida, alterando a tramitação até aí seguida nos autos (com a sucessiva designação de audiências prévias que vieram a ser adiadas face à ordenada suspensão da instância), decidiu inesperadamente proferir decisão de mérito sem se preocupar minimamente em observar o disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
A parte vencida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando-se na violação do princípio do contraditório que subjaz ao não acatamento da obrigação legal e imperativa de lhe ser concedida a possibilidade (prévia) de intervir activamente na discussão de facto e de direito antes do conhecimento – ainda que parcial – do mérito, bem como na decisão-surpresa em que nitidamente se manifesta (pela tramitação processual seguida não se anteveria a inesperada e incoerente opção do julgador em decidir de mérito com menosprezo pela lógica intrínseca do processo e em concreto pelo dever de marcação/realização da audiência prévia já sucessivamente designada).
Invocou para o efeito a nulidade da própria decisão de mérito desfavorável que considerou ferida processualmente por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil.
O Tribunal da Relação apreciou unicamente esta controvérsia jurídica que se prende intrinsecamente com o exercício do direito ao contraditório.
Neste sentido, julgou improcedente a apelação por considerar que estaria em causa uma mera nulidade processual, subsumível ao disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil, e não perante uma verdadeira nulidade da sentença a invocar em sede de recurso.
Daí ter considerada intempestiva tal arguição.
Daqui resulta, por um lado, o afastamento de qualquer hipótese de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, e, por outro, que, conforme se salientou supra, o acórdão recorrido constitui a decisão final no processo, uma vez que negando efectiva relevância (por invocado efeito preclusivo da não invocação da nulidade processual no prazo de dez dias) à violação processual suscitada pelo recorrente (consistente no conhecimento pelo juiz a quo do mérito da causa num momento processual em que ainda não o podia fazer) consolidou de forma derradeira a decisão de improcedência da presente acção, por aquele único motivo, sem conhecer materialmente de qualquer outra matéria que, em todas as situações concebíveis, estaria sempre logicamente arredada da discussão e nessa mesma medida prejudicada. 
Por tudo isto, entendermos ser de considerar a admissibilidade da presente revista, nos termos gerais dos artigos 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, passando-se a conhecer do objecto do recurso (numa matéria que tanta contradição e instabilidade tem gerado nas diversas instâncias, com decisões insanavelmente antagónicas e altamente prejudiciais para a segurança e certeza na aplicação da lei, a que urge pôr cobro por via da mais do que oportuna intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça).
Sendo a presente revista admissível nos termos gerais, inexiste fundamento legal para a revista excepcional (interposta a título meramente subsidiário).
Reforce-se igualmente que o acórdão recorrido não constituiu dupla conforme, tornando-se, por isso, inviável (e prejudicada) a interposição de revista excepcional nos termos dos artigos 671º, nº 3, e 672º, do Código de Processo Civil.
Com efeito, a decisão de 1ª instância, sem dar sequência à tramitação até aí seguida nos autos, consistiu na imediata apreciação do mérito da excepção de caducidade, sem prévia observância do disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, com prejuízo para o exercício do contraditório que teria lugar nessa audiência prévia (inesperadamente omitida) e acabando, neste sentido, por se assumir como uma decisão surpresa.
A recorrente, na sua apelação, circunscreveu as suas conclusões à matéria da preterição da audiência prévia obrigatória, considerando enfermar a sentença recorrida de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil
O acórdão recorrido apenas se ocupou desta temática (qualificação da invalidade consistente na preterição indevida da audiência prévia obrigatória, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº 1, alínea b), conjugada com a tempestividade da arguição da nulidade, acabando por concluir que o erro processual cometido se encontrava sanado pela sua não invocação dentro do prazo legal destinado para o efeito).
É óbvio que, pela sua própria natureza, esta questão, que constitui a única de que o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu, não foi objecto de qualquer pronúncia em 1ª instância (como logicamente, por força das próprias circunstâncias que envolvem a situação sub judice, não podia ter acontecido).
Simultaneamente, e neste mesmo contexto, o acórdão recorrido não se debruçou, em termos substantivos, sobre a questão da procedência da excepção de caducidade do direito a instaurar a presente acção, que não constava do objecto do recurso de interpelação interposto.
O que significa que o Tribunal da Relação conheceu em primeira e única mão sobre a questão em que consistiu o objecto do presente recurso de revista.
Pelo que é inconcebível, neste caso particular, entender que o tribunal de 2ª instância teria confirmado, sem fundamentação essencialmente divergente, o decidido em 1ª instância, quando não disse uma palavra sobre o mérito da decisão que julgou procedente a excepção de caducidade em referência.
Pelo que, não se constitui, naturalmente, dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo, e, nesta sequência, havendo lugar à revista normal, inexiste fundamento para a interposição de revista excepcional que, aliás fora apresentada a título subsidiário, tal como de resto, e muito bem, entendeu o juiz desembargador relator ao admitir a presente revista.
2 – Arguição de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Relativamente à nulidade arguida com fundamento em omissão de pronúncia, por ausência de apreciação da invocada violação do contraditório, não assiste razão à recorrente.
Contrariamente ao alegado pela recorrente, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se, com total clareza e suficiência, sobre a questão da dispensa de audiência prévia, o que resultou, ainda que de forma implícita, de todas as considerações que a esse respeito explanou.
No acórdão recorrido foi expressamente referido que as partes se pronunciaram antecipadamente sobre a questão da caducidade que determinou a improcedência da presente acção, pelo que não faria sentido conceder nova oportunidade para que as mesmas se pronunciassem sobre tal temática, já intensamente discutida entre si.
Ou seja, neste tocante inexiste matéria essencial respeitante à questão da violação do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, intimamente conexionado com a questão essencial da dispensa de realização da audiência prévia, que tenha sido descurada no acórdão recorrido, inquinando, em termos formais, a sua validade.
Acresce ainda que, com é pacificamente afirmado em toda a jurisprudência e doutrina, não existe obrigação de o tribunal pronunciar-se sobre todo o argumentário expendido pelo recorrente, encontrando-se apenas vinculado a apreciar e a decidir as questões essenciais e decisivas que sejam enunciadas, em termos delimitados, nas conclusões do recurso.
(sobre este ponto vide Rui Pinto, in “Manual do Recurso Civil”, Volume I, AAFDL Editora, 2020, páginas 84 a 87).
Ou seja, o acórdão proferido em Conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa contém, de forma convincente, a explanação das razões que afastam o vício da omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Pelo que improcede tal arguição de nulidade.
3 – Dispensa da realização da audiência prévia, obrigatória nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, com o imediato conhecimento da procedência de excepção de caducidade, sem que o juiz a quo tenha justificado a sua opção face à anterior designação, por várias vezes, de audiência prévia, entretanto sucessivamente adiada. Consequências. Nulidade processual geral (artigo 195º do Código de Processo Civil) e nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil). Pretensa desnecessidade face ao debate da matéria jurídica da excepção peremptória nos articulados. Salvaguarda do princípio do contraditório e da proibição de decisões surpresa (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil). 
Pode resumir-se da seguinte forma a situação processual em análise:
1º - A A. instaurou acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente contra a Ré.
2º - A Ré impugnou, suscitando a excepção peremptória da caducidade do direito a instaurar a presente acção (artigos 9º a 31º da sua contestação).
3º - A A. respondeu pugnando pela improcedência dessa excepção peremptória (artigos 18º a 32º da sua resposta).
4º - Em fase de saneamento dos autos, o juiz de 1ª instância designou, em 18 de Setembro de 2019, audiência para o dia 10 de Outubro de 2019, para os fins enunciados no artigo 591º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), do Código de Processo Civil, com o posterior esclarecimento de que a diligência seria realizada presencialmente, onde se inclui a obrigação do juiz “facultar às partes a discussão de facto e de direito, (...) quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”.
 5º - Houve lugar entretanto ao adiamento da diligência face à eminência da concretização de acordo, tal como foi pedido pelas partes; à nova marcação da audiência prévia para o dia 9 de Setembro de 2020; a que se seguiu uma mudança de data designada pelo tribunal, por despacho proferido em 15 de Setembro de 2020, para o dia 20 de Outubro de 2020, pelas 14 horas; vieram as partes, actuando em conjunto através de requerimento entrado em juízo em 20 de Outubro de 2020, requerer a suspensão da instância por um período mínimo de 30 dias por se encontrarem na eminência de transacção; por despacho proferido em 20 de Outubro de 2020 foi decidido suspender a instância por trinta dias, desconvocando-se a audiência prévia designada; vieram de novo as partes, através de requerimento conjunto entrado em juízo em 13 de Novembro de 2020, solicitar a prorrogação da suspensão por mais trinta dias, o que foi deferido por despacho proferido em 16 de Novembro de 2020; e por requerimento conjunto de 22 de Dezembro de 2020, solicitar nova prorrogação da suspensão da instância por mais trinta dias.
6º - Em 19 de Janeiro de 2021, sem qualquer aviso, diligência ou outro pronunciamento, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, antecedida do seguinte introito:
“o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos, o Tribunal decide conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos dos artigos 591.°, n.° 1, alínea d) e 595.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 17.°, n.° 1, do CIRE”.
Apreciando:
A questão jurídica essencial que se discute na presente revista tem a ver com a licitude ou ilicitude da opção assumida pelo juiz a quo, contrariando a tramitação até aí coerentemente seguida nos autos (e por si determinada enquanto seu titular) quanto à designação de audiência prévia nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, ao dispensar de surpresa, implicitamente, tal diligência processual, sem notificação ou aviso às partes, com o singelo fundamento de que “tendo em conta que o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos, o Tribunal decide conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos dos artigos 591.°, n.° 1, alínea d) e 595.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 17.°, n.° 1, do CIRE”,  passando a conhecer, em termos finais, do mérito da causa.
Nestas circunstâncias, não procedendo à prévia comunicação às partes para que estas pudessem tomar a posição que bem entendessem, e sem aguardar pela sua reacção, o juiz a quo fê-lo com directa e imediata violação da lei processual aplicável, afrontando o princípio do contraditório, expresso no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Com efeito, não havendo lugar ao prosseguimento dos autos pelo facto de o juiz a quo ter entendido não ser necessária a produção de prova, habilitando os elementos recolhidos nos autos a proferir, conscienciosamente, saneador-sentença conhecendo do objecto do litígio, a lei processual obrigava-o, expressa e imperativamente, à prévia designação de audiência prévia, conforme resulta do disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, onde se prevê, inequivocamente, que a mesma servirá para “facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpre apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”.
E, de resto, foi o que fez, com toda a naturalidade, durante um ano e três meses (de 18 de Setembro de 2019 a 19 de Janeiro de 2021).
Com efeito, como se refere in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, página 687:
“É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspectos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa”.
(No mesmo sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Janeiro de 2021, 4ª edição, a página 650).
A dispensa de realização de audiência prévia, nos termos do artigo 593º, nº 1, não abrange a situação prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil (incluindo tão somente as situações previstas nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º, e pressupondo sempre que “a acção haja de prosseguir”).
É assim inquestionável que o juiz a quo omitiu, sem qualquer tipo de justificação séria ou fundamentação adequada, a realização de uma diligência processual que estava estritamente vinculado a designar nestas circunstâncias, havendo simultaneamente procedido à (implícita) dispensa da realização da audiência prévia sem se encontrarem reunidos os requisitos processuais indispensáveis para esse efeito.
Importa, portanto, apurar se tal violação das regras do processo corresponde, tal como o recorrente lhe aponta, a uma nulidade da própria sentença, que desse modo foi inquinada pelo vício formal do excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do Código de Processo Civil, ou se se trata de um mera e comum nulidade processual, enquadrável na previsão genérica do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, e invocável no prazo de dez dias sob pena de sanação (conforme entendeu o acórdão recorrido).
Vejamos:
É sabido que quando está em causa o cometimento de uma nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido), o meio adequado para invocar tal infracção às regras do processo é o recurso contra essa decisão, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.
(Neste sentido, vide:
- José Alberto dos Reis in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Volume II, Coimbra Editora, 1945, a páginas 507 e 508, onde pode ler-se:“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
- Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, a página 183, explicando o insigne autor: “Basta um simples requerimento a que se dá o nome de reclamação (para invocar a nulidade), (...) Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão (ainda que só de modo implícito – nota 1) em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se”.
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Janeiro de 2021, 4ª edição, a páginas 404 a 405, onde pode ler-se: “(...) quando um despacho judicial aprecia a nulidade dum acto processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática dum acto da parte que não podia ter lugar, ordena a prática dum acto inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito na lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades par seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando, quanto a ela, esgotado, o poder jurisdicional”.
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in obra citada supra, a página 249, onde se salienta: “A reclamação e o recurso não são meios de impugnação concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade. Mas se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática de um acto ou se determinada decisão (maxime sentença) for precedida de nulidade do conhecimento oficioso ou tiver faltado alguma formalidade de cumprimento obrigatório, ajustar-se-á a imediata interposição de recurso”.
- Corroborando igualmente tal posição, vide Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, a página 393; Anselmo de Castro, in “Processo Civil Declaratório”, Volume III, Almedina, 1982, página 134). 
Ora, a conduta processual do juiz a quo quanto à não realização da audiência prévia que era suposto ter tido lugar, e que já fora devidamente por si designada em obediência à tramitação legal adequada, dispensando-a sem mais e passando a proferir decisão antes do momento em que tal lhe era processualmente permitido, constitui, sem dúvida alguma, uma falta processual traduzida, simultaneamente, na omissão de um acto que a lei prescreve e no cometimento de outro que a lei lhe proíbe (promoveu e determinou a ausência de uma diligência processual de natureza obrigatória – audiência prévia – e produziu um acto de julgamento que a lei, naquele concreto momento, ainda não lhe permitia).
Trata-se, de resto, de um exemplo perfeito e acabado de um acto ferido de nulidade que é totalmente coberto pelo despacho judicial através do qual o juiz de 1ª instância, a destempo, optou por conhecer de mérito, sem se importar com o direito especialmente conferido às partes de, previamente, alegarem de facto e de direito sobre a questão de fundo que foi determinante para a sorte da lide.
Simultaneamente, nestas especiais circunstâncias, a nulidade cometida comunica-se ao despacho saneador-sentença, inquinando-o, ficando a decisão judicial (que não deveria ter sido proferida), contaminada por um vício que atinge o próprio acto jurisdicional de julgamento.
Neste contexto, não é razoável o sistema jurídico impedir a parte vencida, que se vê inesperadamente confrontada (note-se que estava em curso a designação, já ordenada por várias vezes, da audiência prévia) com a decisão de mérito que a desfavoreceu, fazendo-a perder a causa, de impugnar em termos gerais, através da interposição do competente recurso, o erro de julgamento que consistiu no conhecimento processualmente abusivo da procedência da excepção peremptória da caducidade do direito a instaurar a acção.
Não se trata de invocar, através de reclamação, uma simples irregularidade no processamento dos autos, que aliás nunca foi expressamente assumida pelo juiz a quo (o mesmo nada referiu que explicasse a razão pela qual, ao contrário do que havia feito até aí, não reconheceu às partes o direito processual conferido na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil), mas do exercício do direito a impugnar a única verdadeira decisão que foi efectivamente tomada: a procedência da excepção peremptória antes de as partes terem a possibilidade de a discutir, contraditoriamente e em sede própria, para além do que referiram a este propósito nos articulados.
(Conforme salienta Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a páginas 25 a 26: “Num campo do direito adjectivo em que devem imperar factores objectivos e de certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que, sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d). Afinal, designadamente, quando a decisão traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida de contraditório imposto pelo artigo 3º, nº 3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, pelo que o recurso constitui a via ajustada a recompor a situação, integrando-se no seu objecto a arguição daquela nulidade”).
In casu, o acto nulo é o acto de julgamento em si, com a definição final do direito aplicável à relação material controvertida, e não propriamente qualquer decisão interlocutória (que inexiste formalmente) que se debruçasse sobre a obrigação ou dispensa de realização da audiência prévia.
De modo que a reacção da apelante terá que passar pela inerente interposição de recurso de apelação contra a decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil.
(Considerando que não entram no quadro dos vícios específicos da sentença, de que tratam os artigos 614º a 617º, as invalidades decorrentes do seu proferimento em momento processual inadequado, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, Fevereiro de 2019, 4ª edição, Volume II, página 730, e Rui Pinto in “Manual do Recurso Civil”, AAFDL, Lisboa 2020, Volume I, páginas 91 a 92, ressalvando este último autor que: “(...) se a irregularidade for conhecida com a própria sentença notificada – como será o caso, a nosso ver, de uma decisão que contém ela própria a implícita da dispensa de realização da audiência prévia, não antes anunciada -, o vício poderá ser arguido no prazo específico, no requerimento da impugnação que seja concretamente deduzida. Ou seja, deduzido cumulativamente com o requerimento de recurso ou com o requerimento de arguição de alguma nulidade do artigo 615º, nº 1, ou do pedido de reforma, nos termos do artigo 616º, nº 1 e 2”).
 Com efeito e como se disse, o tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem que antes tivesse levado a cabo a diligência processual a que se encontrava vinculado, conheceu de matéria (excepção peremptória de caducidade que constitui o fundo da causa) que, naquele exacto momento e nesse concreto circunstancialismo, não lhe competia conhecer, excedendo manifestamente os seus poderes de cognição.
 Nessa altura, faltava dar a oportunidade às partes, no âmbito da audiência prévia que já tinha sido para esse preciso efeito várias vezes designada, de discutir de facto e de direito a matéria substantiva em causa, influenciando por essa via a posição a adoptar pelo julgador, enquanto lídima expressão do princípio do contraditório que o legislador exigiu, em termos imperativos, que fosse respeitado naqueles exactos termos (e não noutros).
Ao não o fazer, ignorando e desvalorizando o preceito legal indicado, o juiz de 1ª instância avançou para a pronúncia que a lei lhe vedava, extravasando e torpedeando nitidamente os limites dos poderes de cognição que a lei lhe concedia.
Em suma, tal excesso de pronúncia – que é no fundo do que se trata – integra-se de pleno na situação típica prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, não se limitando a uma simples omissão de uma diligência que deveria ter tido lugar e que, por falta imputável ao juiz da causa, não sucedeu.
(sobre este ponto, vide Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2020, versando uma situação de que a presente é praticamente um decalque).
No acórdão recorrido, embora se tenha reconhecido que a realização da audiência prévia era, neste caso, obrigatória, e que a sua omissão constituía uma indiscutível nulidade processual, acabou por concluir-se também que tal nulidade processual se encontrava sanada pela não arguição tempestiva (no prazo geral de dez dias a contar do seu conhecimento).
Consignou-se quanto a este ponto:
“A decisão proferida, apreciando da exceção de caducidade do direito de instaurar a acção e resolvendo o litígio, exclusivamente, por via da apreciação dessa exceção perentória, não constituiu, em absoluto, qualquer surpresa para as partes que, no processo, já tinham expendido as posições respetivas sobre essa questão. Aliás, a autora apelante pronunciou-se duplamente sobre a matéria, fazendo-o na petição inicial, em impugnação antecipada e, posteriormente, respondendo à contestação, em articulado que o tribunal admitiu, exatamente considerando que sempre teria que ser salvaguardado o princípio do contraditório, conforme despacho a que supra se fez referência no relatório.
Ou seja, no caso em apreço, não pode configurar-se a sentença como uma decisão judicial proferida em excesso de pronúncia: o juiz podia, manifestamente, decidir o pleito com base na referida exceção, como fez, pois os intervenientes processuais já tinham exercido o direito de audição sobre a mesma, não podendo invocar qualquer prejuízo atinente à falta de audição ou violação do contraditório, ou que foram confrontados inopinadamente com uma decisão que fundamentou a sua análise em questão que nunca se tinha deparado às partes.
O ponto é que a sentença foi proferida no momento processual errado, à margem da tramitação devida porquanto, como se viu, se impunha, previamente, a realização de um ato processual, a audiência prévia; em bom rigor, a situação corresponde ao “exemplo” “académico” dado por Miguel Teixeira de Sousa e a que se fez referência.
Conclui-se que estamos perante uma hipótese de nulidade do processo e não de nulidade de sentença. Aquela segue o regime previsto no art. 195.º, nº1 e devia ter sido arguida pela apelante, parte interessada (art. 197.º, nº1) nos dez dias subsequentes à notificação da sentença (art. 199.º, nº1) e não em sede de recurso pelo que, não tendo a apelante reclamado, em devido tempo, dessa nulidade, tem que considerar-se a mesma como sanada.
Assim sendo, e não tendo a apelante suscitado qualquer outra questão a esta Relação, mais não resta senão considerar que improcedem as conclusões de recurso”.
Discorda-se.
A omissão da realização de uma diligência obrigatória que deveria imperativamente ter tido lugar nos autos (a audiência prévia), constituindo de facto uma evidente violação das leis do processo que, sendo qualificada como nulidade processual nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, é logicamente comunicável à decisão de mérito subsequente.
A prática do acto em referência aconteceu fora do momento próprio e numa altura em que ao juiz se encontrava expressamente vedada a possibilidade de tomar conhecimento dessa matéria (mérito do pedido).
 O conhecimento da excepção peremptória de caducidade teria que ser obrigatoriamente discutida e apreciada no âmbito da audiência prévia, como impõe o preceito legal referido – artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil - e nunca – sem a anuência das partes - fora dela.
Não se vislumbra, assim, de que forma a ausência de arguição pela parte interessada da nulidade, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, no prazo de dez dias consignado nos artigos 199º, nº 1 e 149º, nº 1, do mesmo diploma legal, possa de algum modo obstar – e muito menos sanar – à gritante e manifesta ilegalidade cometida pelo juiz ao conhecer de mérito da causa na fase do saneamento, fora dos exactos limites que lhe foram legalmente impostos para o efeito, com supressão, totalmente incompreensível e arbitrária, de uma diligência judicial de realização obrigatória, que se destinaria, no fundo, à possibilidade de prévia discussão contraditória – perante o juiz em sede audiência prévia e não em qualquer outro momento processual – acerca da suficiência dos elementos reunidos para a decisão imediata da causa e das razões de direito que em todo o caso a condicionariam.
(sobre este ponto, vide Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com, em 12 de Outubro de 2021, subordinada ao título “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual”, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Setembro de 2021, proferido no processo nº 1883/20.3T8STR.A.E1, publicado in www.dgsi.pt., onde mais uma vez se sublinhou que: “a orientação segundo a qual o proferimento de uma decisão surpresa constitui uma nulidade processual conduz ao proferimento pelos tribunais de recurso de decisões que são inevitavelmente nulas por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), e 685º do Código de Processo Civil”).
Por outro lado, e em termos decisivos para a sorte da presente revista, cumpre assinalar que a sentença impugnada constituiu efectivamente uma verdadeira decisão surpresa entendida enquanto “decisão que decide o que não pode decidir sem audiência prévia das partes”.
(cfr. Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com, (Jurisprudência 2020 -163), em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2000, proferido no processo 496/13.0TVLSB.L1.S1).
E este vício, intrínseco ao acto de julgamento em que são exorbitados os poderes de cognição do julgador, surpreendendo as partes com o conhecimento que não poderia ter tido lugar antes de as mesmas exercerem o seu direito ao debate sobre a matéria de fundo, de facto e de direito, não se circunscreve ao limitado e estrito âmbito da mera irregularidade procedimental, invocável nos comuns termos do artigo 195º, do Código de Processo Civil.
(vide Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com, Jurisprudência 2021 (29), onde enfatiza que: “não há que confundir o caso em que o tribunal se pronunciou (em qualquer dos sentidos possíveis) sobre a nulidade processual com o caso em que o tribunal, através da sentença que profere, comete ele próprio uma nulidade (da sentença) pela falta da audiência prévia das partes e pela pronúncia de uma decisão-surpresa (artigo 3º, nº 3, CPC). No fundo, importa distinguir entre a pronúncia do tribunal sobre uma nulidade processual e a pronúncia do tribunal que implica a nulidade da sua decisão”).
Por isso mesmo é que a reacção da parte contra tal violação do seu direito ao contraditório – que é disso que substantivamente se trata – tem o seu lugar próprio perante o tribunal superior e não junto do juiz a quo que lhe deu causa, sob forma de mera reclamação.
O que efectivamente provocou a nulidade em apreço foi a pronúncia sobre o mérito da causa do juiz de 1ª instância, sem respeitar o contraditório (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil) consubstanciado no debate a realizar em audiência prévia das partes, tendo decidido em momento no qual a lei não lhe permitia proferir sentença, culminando numa verdadeira e proibida decisão surpresa, e não qualquer outra – não formalmente assumida - passível da invocação de nulidade nos termos gerais.
(Em termos jurisprudenciais, diversos acórdãos proferidos pela mais alta instância judicial já se debruçaram sobre esta temática, enquadrada pelo prisma da prolação de decisão-surpresa que afronta o princípio do contraditório, e o seu modo de impugnação, tendo-o feito em sede de revista que consideraram naturalmente admissível:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 656/14.7T8LRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se conclui que “tratando-se de omissão de acto que a lei prescreve, com incidência sobre a decisão da causa, gera nulidade processual conforme previsto no artigo 195º do Código de Processo Civil, quer seja assim qualificado, quer, noutro prisma, se entenda que aquela omissão determina a nulidade da própria decisão, afigura-se-nos ser de aplicar o regime de impugnação das nulidades da decisão previsto no nº 4 do artigo 615º do Código de Processo Civil”;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 1937/15.8T8BCL.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que “a omissão de acto destinado a proporcionar ao autor o contraditório relativamente à excepção de caducidade do exercício do direito ao reconhecimento da paternidade deduzida ao abrigo do artigo 1817º, nº 1, ex vi artigo 1873º do Código Civil, determina a nulidade do despacho saneador onde tal excepção foi apreciada e julgada procedente”, aderindo-se nesse aresto à posição doutrinária perfilhada por Miguel Teixeira de Sousa, de que se deu nota.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2017 (relator Chambel Mourisco), proferido no processo nº 5384/15.3T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se afirma: “O incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, é susceptível de integrar a prática da nulidade processual prevista no artigo 195º, nº 1, do mesmo diploma legal, pois foi omitido uma acto que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório. A intensidade da violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do processo civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada. Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2021 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 2019/18.6T8FNC.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “A violação do princípio do contraditório do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, dá origem não a uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, mas antes a uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 666º, nº 1, 625º, do mesmo diploma”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 392/14.4T8CHV-A.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde, exactamente nos mesmos termos, se conclui: “A violação do princípio do contraditório do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, dá origem não a uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, mas antes a uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 666º, nº 1, 625º, do mesmo diploma”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 1129/09.5TBVRL-H. G1.S1, publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XXIV, Tomo II, 2016, a páginas 176 a 179, onde se sublinhou que: “A decisão surpresa alegada e verificada quanto ao acórdão da Relação constitui um vício intrínseco da decisão e não do iter procedimental, acarretando nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deveriam ter sido ouvidos recorrentes e recorridos”.
Todavia, a análise da situação e suas consequências seria completamente diferente se o juiz a quo houvesse, antes de proferir a decisão de mérito, notificado as partes, informando-as deste seu propósito e advertindo-as de que o faria na ausência de oposição destas, o que, a verificar-se, significaria, nestas circunstâncias, a sua consensual anuência a esta agilização do processado, bem como o seu reconhecimento quanto à desnecessidade de alegarem de facto e de direito antes da prolação da decisão que, conhecendo do fundo da causa, definiria a sorte do pleito.
(sobre este ponto, vide Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com, Jurisprudência 2020 (197), em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Outubro de 2020, proferido no processo nº 648/18.7VLG.P1).
Basicamente foi isso o que sucedeu na situação sobre que versou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2018 (relator Alexandre Reis), proferido no processo nº 17937/16.8T8LSB.E1.S1, e na qual o juiz a quo, antes de conhecer de mérito, proferiu o seguinte despacho, em relação ao qual as partes não levantaram qualquer objecção: “uma vez que o estado do processo o permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação das excepções invocadas pelos réus, anteve-se a possibilidade de proferir decisão imediata sobre o mérito da causa, sem necessidade de marcação de audiência, determino que se notifiquem as partes para querendo se pronunciarem, ao abrigo dos princípios da proibição de decisões surpresa e contraditório, ínsitos no artigo 3º, nº 3”.
Ou seja, e em suma, a dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao prévio contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Não é pois aceitável, nem compatível com um processo equitativo, marcado pela lealdade, respeito e cooperação entre todos os intervenientes, que, depois de ostensivamente desrespeitada pelo juiz a quo, sem arremedo de justificação alguma, a tramitação que o processo deveria imperativamente seguir (e que estava a ser devidamente seguida até aí pelo mesmo juiz a quo que, a certa altura, desistiu da tramitação que havia ordenado, alterando-a sem mais),  decidindo decidir de fundo sem o poder fazer e produzindo uma verdadeira decisão surpresa que prejudicou materialmente o direito ao contraditório que a lei concedeu às partes, se conclua afinal, na instância superior, que não era relevante cumprir o ordenado no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, porque a matéria essencial que define a sorte do pleito já fora discutida nos articulados, encontrando-se por esta via pretensamente assegurado o contraditório, nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Não faz obviamente sentido.
A aceitar-se, através deste argumentário, a licitude da supressão do contraditório imposto pela lei através da alegação de facto e de direito na audiência prévia (quando o juiz se proponha decidir ilegalmente, em termos imediatos, de mérito), tal significaria, logicamente e no limite, que para a parte poder exercer e invocar este direito ao debate que a lei especialmente lhe confere no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, esgrimindo livremente argumentos de facto e de direito previamente ao conhecimento do mérito da causa, teria que se abster de dizer o que quer que fosse sobre essa mesma temática nos seus articulados, sob pena de não poder exigir fazê-lo na audiência prévia, o que é contraditório, nos seus próprios termos, com o espírito e com a letra do preceito referido.
(escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in obra citada supra, a página 650, “mesmo quando a questão tenha sido debatida nos articulados, a decisão de dispensa deve ser precedida da consulta das partes, ao abrigo do artigo 3º, nº 3, “assim se garantindo, não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para discutirem o mérito da causa”).
Diga-se, finalmente, que os deveres de gestão processual consagrado, em termos genéricos, no artigo 6º do Código de Processo Civil, não habilitam o juiz, em caso algum, a subtrair arbitrariamente às partes os direitos processuais que a lei especialmente lhes confere, como se nenhuma importância revestissem, tudo em nome de uma agilização e celeridade processuais que, só por si, não constituem valores, de natureza estruturante e substantiva, enformadores de um sistema compatível com o Estado de Direito.
(sobre a temática da gestão processual suscitada na presente revista, vide Maria José Capelo, in “A Relevância da Gestão Processual na Fase da Audiência Prévia”, publicado in Boletim da Faculdade de Direito, Volume XCVI, Tomo I, Coimbra 2020, a páginas 161 a 177, onde se salienta que “esta audiência prévia revelar-se-á como um momento privilegiado de diálogo entre as partes e o juiz, ao promover um prévio debate à tomada de decisões, sejam estas de gestão ou adequação do processado, atinentes aos factos carreados pelas partes e a todos aqueles que sejam de conhecimento oficioso”; relativamente à orientação jurisprudencial que, segundo salienta a autora, “têm admitido, com algumas cautelas, a sua não realização (naqueles casos de julgamento antecipado do mérito, quer através do conhecimento do pedido, quer por via do conhecimento de alguma excepção peremptória)”, a mesma adverte que, em qualquer circunstância, “destaque-se, neste desvio ao regime legal, a necessidade de consulta prévia das partes (cfr nº 3 do artigo 3º )”). 
Em suma, poder-se-á concluir, tal como foi aflorado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2019 (relatora Ana Azaredo Coelho), proferido no processo nº 5774/17.7T8FNC-A.L1, publicado in www.dgsi.pt, que o respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, não depende de um juízo subjectivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não ouvir as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir, mas é, bem pelo contrário, substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que lhe especialmente incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.
Assim sendo, cumpre revogar o acórdão recorrido, sendo os autos remetidos à 1ª instância com vista à oportuna designação da audiência prévia que obrigatoriamente deverá ter lugar, em estrita observância do disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, cumprindo-se - como o legislador assim consagrou - o princípio do contraditório.
Pelo que se concede a revista.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, revogando-se o acórdão e recorrido sendo os autos remetidos à 1ª instância com vista à oportuna designação da audiência prévia que obrigatoriamente terá lugar, em estrita observância do disposto no artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Custas pela recorrida dada a sua oposição manifestada ao presente recurso.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2021.

Luís Espírito Santo. (Relator)

Ana Paula Boularot.

Pinto de Almeida.



V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.