Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
186/18.8GFVFX.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PROFANAÇÃO DE CADÁVER
PENA PARCELAR
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
MENOR
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PROVA PROIBIDA
PROVA PERICIAL
DADOS DE TRÁFEGO
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO INTERLUCUTÓRIO DA ARGUIDA E O RECURSO QUE INTERPÔS DA DECISÃO FINAL NA PARTE RELATIVA À CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA E DE PROFANAÇÃO DO CADÁVER.
REJEITADO O RECURSO DO ARGUIDO NA PARTE RELATIVA À CONDENAÇÃO PELO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA.
JULGADOS NO MAIS IMPROCEDENTES OS RECURSOS DA DECISÃO FINAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 186/18.8GFVFX.L1.S1
5ª Secção


Acordam em audiência de julgamento os juízes nesta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. relatório
1. Os recorrentes AA e BB foram julgados pelo tribunal do júri, no Juiz ... do Juízo Central Criminal ........, Comarca ........., tendo sido proferido em 3.3.2019 acórdão que decidiu:
─ «1 - Condenar a arguida AA em autoria material, e em concurso efectivo:
a) - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, b), e) e j) do Código Penal, na pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão.
b) - pela prática de um crime de profanação de cadáver, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 254.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
c) - pela prática um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido, nos termos do artigo 86.°, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006 de 23/02 conjugado com o artigo 3.°, n.º 3 , com o artigo 2.°, n.º 3, alínea r) e artigo 3.°, n.º 2, alínea r) do mesmo diploma legal, na pena de 18 (dezoito)  meses de prisão.
(inexiste ponto 2)
3 - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida, condenar a arguida AA, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
4 - Condenar a arguida AA na pena Acessória de Declaração de indignidade Sucessória, relativamente à herança aberta por óbito de CC.
5 - Absolver o arguido BB da imputação de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, b), c) e j) do Código Penal e de um crime de profanação de cadáver, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 254.º, n.º 1 do Código Penal.
6 - Condenar o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 c) e d) e n.º 2 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 2 anos de prisão.
7 - Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB pelo período de 2 anos.
8 - Absolver o arguido BB da pena acessória de suspensão do exercício da função de funcionário .............
9 - Julgar parcialmente provado e procedente o pedido civil deduzido e em consequência, condenar a arguida/demandada no pagamento a DD da quantia de € 42.000,00 a titulo de danos não patrimoniais sofridos.
10 - Absolver o arguido/demandado BB do pedido de indemnização civil deduzido por DD.
11 - Condenar a arguida em 6 Ucs de taxa de justiça, e nas custas do Processo.
12 - Custas cíveis por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
13 - Após trânsito em julgado da presente decisão determinar o cumprimento do disposto no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02, relativamente à arguida AA, com os propósitos referidos no n.º 2 do artigo 18 do mesmo diploma legal, determinando-se que se oficie ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito.»


2. Inconformados com o decidido em matéria criminal, o Ministério Público e a arguida AA interpuseram recursos para o Tribunal da Relação..........
Com os recursos da decisão final, subiram recursos interlocutórios interpostos pelos mesmos sujeitos processuais.
E suscitaram os recorrentes, na síntese do próprio tribunal superior [1], a apreciação da seguintes questões, de facto e de direito:
─ «2.1. No recurso intercalar da  arguida AA, […] contesta a decisão de indeferimento das diligências de prova que por ela foram requeridas, após lhe ter sido comunicado, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, de que poderia ocorrer uma alteração não substancial dos factos da acusação, invocando aquela, ainda, que foi cometida a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade.
2.2. No recurso da decisão final :
Nulidades do acórdão recorrido: – segundo a arguida AA, por falta de fundamentação no que respeita ao exame crítico da prova e pelo facto de a condenação assentar em factos diversos dos descritos na acusação, representando aqueles uma alteração substancial desta, sem que tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 359.º, do CPP; – segundo o MP, porque há omissão de pronúncia relativamente à perda dos instrumentos do crime, devendo ser proferida a decisão em falta, que declare perdidas a favor do Estado todas as armas e munições apreendidas – das quais exceciona apenas o revolver obsoleto –, bem como o saco preto, edredão e corda, objetos que foram utilizados para acondicionar e transportar o cadáver da vítima, sendo, pois, instrumento do respetivo crime, e restituindo-se tudo o mais apreendido;
– Vícios da decisão, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP;
Impugnação da matéria de facto provada e não provada, invocando-se que houve violação do princípio in dúbio pro reo, bem como erro na apreciação das provas, pedindo-se o reexame destas;
– Procedendo a impugnação de facto da arguida AA, deverá esta ser absolvida dos crimes pelos quais foi condenada;
– Procedendo a impugnação de facto do MP, deverá o arguido BB ser condenado pelos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, nos mesmos termos em que o foi a arguida AA;
– Entre o crime de detenção de arma proibida e a contraordenação prevista no artigo 97.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23/02, há, segundo o MP, uma relação de concurso efetivo, devendo o arguido BB ser condenado, também, pela segunda infração;
– O referido arguido deverá ser condenado nas penas acessórias de suspensão do exercício da função de ........., nos termos do artigo 67.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e de interdição de detenção, uso e porte de armas, ao abrigo do artigo 90.º, da referida Lei n.º 5/2006, de 23/02 (quanto a esta, veja-se o recurso do MP, do despacho proferido no dia 3/3/2020 - fls. 6543).».
 
3. Os recursos foram julgados por acórdão de 8.9.2020 – o, ora, Acórdão Recorrido e doravante assim identificado – que decidiu como segue [2]:
─ «a) Julgam-se improcedentes os recursos - interlocutório e da decisão final - interpostos pela arguida AA;
b) Julga-se improcedente o recurso interlocutório e parcialmente procedente o recurso da decisão final, interpostos pelo Ministério Público;
c) Em consequência desta parcial procedência:
– Altera-se a matéria de facto provada e não provada, nos termos determinados supra no ponto 3.2.3 (páginas 173 a 176, deste acórdão), para aí se remetendo;
– Condena-se o arguido BB, como coautor material de um crime de homicídio qualificado e agravado (artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea j), do CP e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/2), na pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão e como coautor material de um crime de profanação de cadáver, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão (artigo 254.º, n.º 1 alínea a), do CP); 
– Em cúmulo jurídico das duas aludidas penas e ainda da pena de 2 (dois) anos de prisão correspondente ao crime de detenção de arma proibida em que foi condenado pelo tribunal de primeira instância, condena-se o mesmo arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, ficando sem efeito a suspensão da execução da pena decretada em primeira instância;
d) Determina-se a suspensão do exercício da função pública de ......... em que o arguido BB está investido, enquanto durar o cumprimento da pena de prisão em que acaba de ser condenado (artigo 67.º, n.º 1, do CP);
e) Declaram-se perdidas a favor do Estado todas as armas e munições que estão apreendidas à ordem deste processo, bem como o saco preto, o edredão e a corda de sisal (artigos 109.º, n.º 1, do CP e 8.º, da Lei n.º 50/2019, de 24/7);
f)      Confirma-se, quanto ao mais, a decisão recorrida;
g) Pelo decaimento em ambos os recursos que interpôs, condena-se a recorrente AA nas respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC para o recurso interlocutório e em 4 (quatro) UC para o recurso da decisão final;
h) O arguido BB é condenado nas custas processuais a que deu causa em primeira instância, fixando-se a respectiva taxa de justiça em seis (6) UC.»


4. Não se conformando com o Acórdão Recorrido vêm, ora, os arguidos AA e BB recorrer dele para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as conclusões e os pedidos que seguem:
─ Arguida AA:
─ «Conclusões:
1.º
Vem o presente recurso interposto de todo o acórdão do Tribunal da Relação de ........., que, manteve o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal do Júri da Comarca de .........- ........., condenou a arguida, ora recorrente (e que revogou o acordo absolutório relativamente ao co-arguido BB), em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.
I. QUESTÃO PRÉVIA
2.º
A presente investigação e sequente julgamento são o infeliz exemplo de como não se deve conduzir a aplicação da Justiça num Estado Democrático de Direito..

A presente investigação, julgamento, recursos, e demais incidentes supervenientes, são, salvo melhor opinião em contrário, um alerta muito sério para todos aqueles que fazem parte do sistema de justiça em Portugal.
Questões endógenas e exógenas aos factos em apreço contribuíram de forma decisiva para a manutenção da dúvida inicial no processo e condicionaram a desejada certeza possível no seu final.
Notoriamente existe a necessidade de uma análise séria e multidisciplinar, observando a perspectiva holística da aplicação da Justiça, o único método, processo e forma de se realizar a mesma.

Um sistema de Justiça cujos intervenientes não reconhecem sequer a possibilidade de cometerem erros – arguidos, O.P.C., Advogados, Magistrados do Ministério Público, Juízes, Tribunais, Tribunais de Recurso – não é garante de decisões válidas, imparciais e justas.
"A certeza está em nós, a verdade está nos factos" - Francesco Carrara, jurisconsulto e professor italiano, representante da escola clássica do Direito Penal distinto lente  que se distinguiu por se opor à pena de morte, instiga-nos a olhar para os factos, mesmo que estes não permitam uma condenação, e a afastar as perigosas certezas que muitas vezes são um constructo fácil, resultado da ignorância e desconhecimento científico.

O caso em apreço, e a gravidade das questões que encerra, não permite exercícios de defesa fundada no lacunar da lei ou manobras dilatórias, o caso em apreço pode com a colaboração séria e honesta intelectualmente de todos tornar-se num caso exemplar de como sanar faltas, corrigir erros e realizar Justiça a sério.

II. FUNDAMENTOS DO PRESENTE RECURSO
3.º
Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414.º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428.º, 431.º, al. b) e 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP.

A arguida foi julgada pelo Tribunal do Júri (a requerimento do MP) e aí condenada pela prática dos crimes supra mencionados;

Na sequência de recurso do MP, a que a arguida respondeu detalhadamente, o acórdão condenatório recorrido modificou a decisão sobre matéria de facto do Tribunal do Júri nos termos do n.º 3 do art.º 412.º do CPP, não invocando os vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP que, por isso, não aplicou.

O Tribunal recorrido procedeu a um segundo/novo julgamento, alterando a decisão do Tribunal do Júri em sentido diametralmente oposto ao que este Tribunal tinha decidido, sendo que, para o efeito, formou uma convicção totalmente distinta na análise dos elementos de prova, apesar de estes não imporem uma decisão desta natureza, agravado pelo facto de violarem o princípio da imediação e da oralidade.

O que lhe estava legalmente vedado fazer como resulta de jurisprudência pacífica deste STJ (leia-se, por todos, o notável acórdão de 12/06/2008, Proc. N.º 4375/07 – 3ª Secção) e como decorre da unidade sistémica e histórica do regime processual penal português no que respeita aos acórdãos proferidos pelo Tribunal do Júri, cfr. excerto que se transcreve:

"(…) IV -Perante a verificação de algum vício decisório, o julgador pode fazer uma de duas coisas: ou não tem elementos disponíveis, como será a regra, e reenvia o processo para julgamento, ou decide da causa, se estiver de posse dos elementos necessários e imprescindíveis à nova solução, dando uma nova versão ao conjunto dos factos provados e não provados, se for caso disso.(…)"

O acórdão ora recorrido, por inopinado, ilógico e por ter mantido a condenação da recorrente,  implica a invocação de inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414.º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428.º, 431.º, al. b) e 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual o Tribunal da Relação, em recurso interposto do acórdão do Tribunal do Júri, pode em conferência, proceder a um novo e segundo julgamento da matéria de facto e, na sua sequência, formando uma convicção diametralmente oposta à do Tribunal do Júri, alterar a decisão deste no sentido condenatório e manter a condenação da Recorrente, apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem que se invoque qualquer um dos vícios previstos no n.º 2, do art.º 410.º do CPP, tudo por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2.º, 3.º e 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP), em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento;

4.º
Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434.º do CPP, na interpretação normativa infra também descrita;

O acórdão condenatório da Relação ora recorrido foi proferido na sequência do recurso interposto pelo MP do acórdão absolutório do Tribunal do Júri em relação ao arguido BB e que manteve a condenação da co-arguida AA.

Desse acórdão da Relação é admissível recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, como se infere do disposto no art.º 400.º "a contrario" e do art.º 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.

O art. 434.º do CPP, determina que "sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito."

É jurisprudência uniforme deste STJ a de que o recurso da matéria de facto, ainda que limitado aos vícios previsto nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, tem que ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista;

É também jurisprudência uniforme deste STJ a de que apenas oficiosamente este Tribunal conhecerá daqueles vícios do art.º 410.º, n.º 2;

Apenas se ressalva em tal jurisprudência o caso da al. a) do n.º 1 do art.º 432.º do CPP – decisões das relações proferidas em 1.ª instância.

Em casos como o dos autos, permitimo-nos, porém, e salvo o devido respeito, discordar desta jurisprudência.

Desde logo, porque da al. b), do n.º 1, do art. 432.º do CPP não foi feita constar pelo legislador de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29/08) o mesmo segmento "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito" que fez incluir na alínea imediatamente seguinte, a al. c).

O que só poderá querer significar que o mesmo legislador não pretendeu excluir da previsão do art.º 434.º do CPP – no que concerne aos vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º – os recursos mencionados naquela al. b), do n.º 1, do art.º 432.º;

Ou seja, detectando o recorrente no acórdão da Relação algum ou alguns daqueles vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, poderá invocá-los como fundamento do recurso para o STJ;

E em casos como o dos autos em que o acórdão recorrido da Relação revogou o acórdão absolutório do Tribunal do Júri, isto relativamente ao arguido BB e mantendo a condenação em co-autoria da co-arguida AA, independentemente da alteração da dinâmica do sucedido (ficando agora a Recorrente como mero interveniente passivo na ocorrência mas curiosa e inexplicavelmente mantendo-se a condenação por posse de arma proibida) alterando em sentido diametralmente oposto a decisão da matéria de facto, e condenando, pela primeira vez, BB, na pena máxima prevista.

E dizer-se que o STJ oficiosamente saberá suprir essa eventualidade se ela se concretizar, não cumpre nem respeita os direitos de defesa do arguido.

Desde logo, porque o STJ poderá não se aperceber desses vícios;

Depois, porque não pode pretender-se que a arguida veja assegurados os respectivos direitos de defesa – que só a si respeitam – pelo Tribunal de recurso, ainda que se trate do STJ. Os direitos de defesa da arguida têm que poder ser exercidos por esta e, aliás, na esteira do que dispõe a CRP, nomeadamente no n.º 1 do art.º 32.º.

E contra este entendimento não se  invoque – como temos visto – o acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro (DR. de 28/12/1995) que fixou jurisprudência no sentido de que "é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.".

É que este acórdão não diz que o conhecimento desses vícios é, exclusivamente, do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso;

Bem pelo contrário.

O que resulta de forma cristalina do texto desse douto e perspicaz acórdão é que os vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, para além de poderem ser invocados pelo recorrente como fundamento do respectivo recurso, poderão ainda, mesmo que o recorrente os não invoque, ser do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso;

E que, apesar de "os poderes de cognição do tribunal de recurso" se encontrarem "limitados pelas conclusões" do recurso, o Tribunal "ad quem" sempre poderá conhecer oficiosamente daqueles vícios que o recorrente ali não tenha porventura invocado.

Portanto, naquele acórdão n.º 7/95 nunca foi posta em causa a invocação pelo recorrente dos vícios do n.º 2 do art.º 410, possibilidade que, pelo contrário, foi aí dada como assente de forma clara.

A questão que se colocava – porque, sobre a matéria, havia dois acórdãos da Relação do Porto contraditórios – era a de saber se o Tribunal de recurso podia ou não também conhecer daqueles vícios oficiosamente, ainda que, portanto, o recorrente não os tivesse invocado nas conclusões de recurso.

Não se invoque, por outro lado, em abono daquela jurisprudência – no sentido de que o recorrente não pode fundamentar o recurso previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 432.º do CPP, nos vícios dos n.º 2 e 3 do art.º 410.º do CPP – o facto de a arguida ter já um duplo grau de jurisdição;

Em conclusão, deverá entender-se que o presente recurso pode ter por fundamento os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3, do art.º 410.º do CPP, vícios esses que, por isso, infra irão expressamente invocados.

A não se entender assim, não se admitindo o presente recurso na parte em que se invocam os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º do CPP, deixa-se aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação dos art.ºs 400.º "a contrario", 410.º, n.ºs 2 e 3, 432.º, n.º 1, al. b) e 434.º do CPP, na redacção actual, segundo a qual o recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido pela Relação que revogou a decisão do Tribunal do Júri relativamente ao arguido BB e manteve a condenação da coarguida AA, apenas pode ter como fundamento o reexame de matéria de direito, estando-lhe vedado invocar os vícios previstos no n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º do CPP; tudo por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente o efectivo direito a recurso ao menos uma única vez (art.º 32.º, n.º 1 da CRP), e por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2.º e 3.º da CRP), da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º, n.º 1 da CRP), do procedimento justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.

De qualquer modo, os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP que infra vão invocados deverão, pelo menos, ser apreciados e, sendo caso disso, declarados oficiosamente por este STJ. Como se diz no CPP comentado de António Henriques Gaspar e outros, edição de 2014, em anotação ao art.º 410.º, na nota 3, do comentário do Exm.º Sr. Conselheiro Pereira Madeira, pag. 1357.

5.º
Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado( art.º 379, n.º 1 alínea c) aqui aplicável ex vi do n.º 4 in limine, do art.º 425 todos do C.P.P.), nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação ( art.º 379 n.º 1 alínea a) aplicável  ex vi do n.º 4, art.º 425, ambos do C.P.P., violação, pelo tribunal a quo das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras da experiência comum (art.º 410 do C.P.P); e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.º 171 n.º 2 e art.º 249 n.º 1, todos do C.P.P., na interpretação infra também descrita, e vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP a conhecer, pelo menos, oficiosamente por este STJ; na sequência da inconstitucionalidade mencionada no anterior n.º 2, erro notório na apreciação da prova; e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.º 379, n.º 1 alíne a) in limine, e alínea c) in limine, e n.º 2 todos do C.P.P.


O Acórdão recorrido contém, desde logo, ao olhar do homem médio colocado perante o mesmo, incongruências várias, erros de lógica formal, oxímoros evidentes e uma falta notória de sustentação científica.

Veja-se,

a) A questão da admissibilidade de inquirição, ao abrigo do art.º 340 do C.P.P. da testemunha EE, Consultor Forense.

Veja-se neste particular a profunda falta de conhecimento técnico por parte do tribunal de 1.ª instância (o Tribunal do Júri), estado de ignorância que igualmente se verificou existir no tribunal "ad quo", espelhado na decisão que indefere o requerimento para inquirição da referida testemunha conforme despacho que anteriormente se transcreveu e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.

A produção de prova requerida não encerrava em si finalidade meramente dilatória, o meio de prova era adequado, de obtenção possível e válido, de relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, não se compreendendo o indeferimento que anteriormente se transcreveu.

Dizer-se que "(…) o requerimento  (…) não tem alegação de factualidade de onde se possa inferir que os meios de prova, cuja produção é requerida, sejam necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa", é um comodismo e facilitismo incompreensível por parte do tribunal que desta forma limitou a percepção e a  análise capaz, por parte do tribunal do Júri do que se pretendia demonstrar.

"(…) Os exames e perícias, julgados necessários, foram realizados oportunamente", afirmá-lo é um erro!

Sem a audição da testemunha é de todo impossível aferir da pertinência (ou não) da sua audição, algo que também o requerimento escrito não poderia oferecer, acrescido do facto de a lei não obrigar a elencar quesitos e apresentá-los por escrito ao tribunal como facilmente se retira através da leitura do art.º 340 do C.P.P.

O Acórdão do Tribunal da Relação de ......... reitera o erro do Tribunal do Júri quando diz, sobre a mesma matéria, e passa-se a citar "(…) a ausência da relevância dos aludidos meios de prova foi, precisamente o fundamento para a rejeição das  diligências requeridas. (…) Nada indica nesse sentido, nem era suposto que tal fosse demonstrado pelo depoimento da testemunha indicada, independentemente da sua competência técnica, que não está aqui em causa.(…)"

Por forma a sermos honestos intelectualmente, ainda que aparentemente possa parecer que não lucra à defesa da Recorrente, temos que colocar em causa a competência do tribunal a quo quando não questiona a competência técnica da testemunha – "(…)independentemente da sua competência técnica, que não está aqui em causa.(…)"- uma vez que não conhece o teor do que esta iria declarar, lesando de forma irreparável o princípio da oralidade e da imediação.

É também por causa de mais este particular que se deverá proceder ao reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos art.º 426 n.º 1 e n.º 2, sem prejuízo do disposto no art.º 426-A, ambos do C.P.P.

b) A questão do exame autóptico.
O exame autóptico procura alcançar a compreensão do seu objecto de estudo na sua totalidade e objectiva obter respostas para o "como" o "quando" e o "porquê". Este exame é uma ferramenta, um momento da ciência da Medicina Legal, ramo da ciência médica cuja preocupação primeira é a precisão e a exactidão dos resultados.

O exame autóptico é uma perícia, e como qualquer perícia é um procedimento especial de constatação, prova ou demonstração científica ou técnica, relacionado com a veracidade de uma situação ou análise. É a procura de elementos que formem uma opinião segura e adequada do facto que se pretende provar e que, por isso, se constituem prova desse facto. (Vanrell, J.P. et . al., Vademecum de Medicina Legal e Odontologia Legal, Brasil, JH Mizuno Editores, 2007).

Importa transcrever igualmente o seguinte parágrafo do acórdão de sentença (novamente sublinhado nosso): "(...) A apreciação da prova é livre, mas não arbitrária. Tem que alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer (...)".

Atendendo ao exposto anteriormente, igualmente atentos ao acórdão do Tribunal do Juri, nomeadamente as passagens supra transcritas, é evidente estar-se perante um flagrante erro notório na apreciação da provacfr. Art.º 410, n.º 2, alínea c) – consequência da falta de credibilidade dos resultados e conclusões do exame autóptico.

Conforme o art.º 163.º do CPP, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, prevendo igualmente, no seu n.º 2, que sempre que o julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a sua divergência.

No caso em apreço, o julgador, com a devida vénia, não demonstrou em sede de julgamento possuir conhecimentos suficientes para colocar em crise o que foi a realização de forma negligente e sem rigor científico de uma perícia.

Novamente, o tribunal a quo reiterou no erro do tribunal do Júri, no que diz respeito ao exame autóptico.

Lê-se no Acórdão recorrido o seguinte: "(…) não se podendo, por isso, afirmar, como faz a requerente, que uma segunda autópsia segundo a «legis artis», serviria «para apuramento real, cabal e idóneo da causa e mecanismos da morte» de CC, partindo do pressuposto, claramente erróneo, de que a autópsia feita e que já consta dos autos não observou as aludidas regras, ou contêm falhas que poderiam ser supridas com o novo exame. Nada indica nesse sentido, nem era suposto que tal fosse demonstrado pelo depoimento da testemunha indicada, independentemente da sua competência técnica, que não está aqui em causa.(…)"(sublinhado e bolt nosso)

Notoriamente ignorante e claramente erróneo, com o devido respeito, e desrespeitador de critérios de cientificidade, o tribunal a quo decide que foi bem indeferida a pretensão da recorrente por considerar que, e passa-se a transcrever:
"(…) Consequentemente, a conclusão de que as aludidas diligências de prova, requeridas pela arguida e indeferidas pelo tribunal, são manifestamente irrelevantes, está devidamente sustentada em termos factuais e jurídicos, não demonstrando a recorrente, no presente recurso, que, contrariamente ao referido no despacho recorrido, aquelas diligências são relevantes, necessárias e adequadas para o esclarecimento da verdade, relativamente à factualidade sobre a qual pretende fazer prova".

Claramente se verifica uma omissão de pronúncia no que diz respeito a esta questão particular por parte do Acórdão recorrido!

Facilmente se infere, pelas transcrições anteriormente realizadas e que se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos, mesmo para alguém que possa afirmar como o fez o tribunal do Júri, obviamente que não sou médica nem nada do que se pareça, que o perito, mesmo lendo o relatório por si redigido e consultando os seus apontamentos, não consegue transmitir ao Tribunal factos axiomáticos, rigorosos, cristalizados em relatório que permitam auxiliar e colaborar de forma válida na execução dos dispositivos legais, contribuindo decisivamente para que se verifique insuficiência para a decisão da matéria de facto provada  (Art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.)

Veja-se, ilustrando e reforçando o que anteriormente se invocou a seguinte transcrição de outros momentos no depoimento do mesmo perito médico-legal. Nestes excertos, verifica-se negligência gritante no que respeita à cadeia de custódia da prova.

Gravação 20191029112759_5906887_2871214

(0:20:27 – 0:22:31)
Sra. Dra. Juiz-Presidente: "Senhor perito, recorda-se, e eu vou falar isto de forma digamos muito básica, para que não hajam dúvidas, o senhor recorda-se a quantidade digamos de peças que colocou dentro do recipiente onde colocou o tal projéctil para remeter ao laboratório de Polícia Científica?"
Dr. FF: "Senhora Dra., não posso dizer exactamente mas há uma certeza que temos na boa prática, seguramente foi único. Já estou a perceber a pergunta, mas do que eu me recordo, acho que o projéctil era único, não havia, penso eu do que me recordo, nenhum "bocadinho" chamemos assim, de projéctil disperso. Portanto, terá sido colocado num frasco único seguramente. Vou tentar aqui consultar os meus apontamentos."
Sra. Dra. Juiz-Presidente: "Isso é que eu gostava que o senhor efectivamente consultasse porque é um elemento que nós temos que esclarecer."
Dr. FF: "Senhora Dra. Juiz, não tenho aqui realmente mais nenhuma informação (...)."

A questão dos projécteis, ou projéctil único recolhido, contaminado com matéria orgânica (tecidos ou esquirola óssea) poderia facilmente ser evitada se o perito, Dr. FF, tivesse observado as boas práticas previstas na Norma Procedimental NP-INMLCF-008, emitida pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (https://www.inmlcf.mj.pt/wdinmlWebsite/Data/file/OutrasInformacoes/PareceresOrientacoesServico/Normas/NP-INMLCF-008-Rev01.pdf), documento que tem por objectivo fornecer recomendações para a realização de boas práticas em sede de exame autóptico, adiantando como objectivo, conforme se transcreve: "(...) Realizar com correcção uma autópsia médico-legal, segundo as normas expressas na Recomendação n.º R(99)3 do Conselho da Europa, tendo em vista contribuir, através de uma sistemática e rigorosa análise técnico-cientifica do corpo e da adequada orientação de outras observações e exames complementares, para o melhor esclarecimento da Justiça. (...)"

Mais particularmente, no caso dos projécteis, se o perito médico-legal em apreço com rigor observasse o estipulado no ponto 4 do documento antes invocado, "Condições gerais para a execução da autópsia médico-legal", a falta de informação, a má prática no acondicionamento dos vestígios e a falta de conclusões exactas tinham sido evitadas.

Veja-se a recomendação (sublinhado e bolt nosso): "(...) Realizar exames imagiológicos quando apropriado. Incluem-se nomeadamente nestas situações os casos em que haja suspeita de maus tratos ou violência doméstica, os cadáveres carbonizados ou em avançado estado de decomposição, os cadáveres mutilados, desfigurados e todos aqueles em que possa ser relevante a identificação e localização de objectos estranhos (projécteis, fragmentos de projécteis, artefactos de engenho explosivo, etc.) ou de lesões internas identificáveis imagiologicamente; (...)".

Oferece ainda o mesmo documento, no seu ponto 3, Âmbito, a seguinte informação que se passa a transcrever (sublinhado nosso): "(...) Esta directiva aplica-se às autópsias efectuadas nos serviços médico-legais (delegações e gabinete médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses) (...)". Logo, o perito em questão que realizou o exame autóptico no Gabinete Médico-legal e Forense ........., deveria ter diligenciado no sentido de sujeitar o cadáver a exame radiológico, o que não fez, comprometendo irremediavelmente a perícia por si realizada e as conclusões da mesma.

Assim sendo, a informação prestada ao tribunal do Júri, i.e., a produção da prova pericial, ficou comprometida, induzindo o Colectivo e o Júri a um erro notório na apreciação da prova, consequência da insuficiência da matéria de facto, nomeadamente a falta de cientificidade da perícia realizada.

Mais, o perito, Dr. FF, facultou ao Tribunal informação que, não contrariando o seu incompleto relatório, induz a um erro na apreciação dos resultados da perícia. Quando questionado sobre a existência de outras lesões observadas no cadáver que pudessem levar a outra conclusão pericial, o perito não relevou o que até consignou no seu relatório, revelando deficiente formação técnico-científica

De referir que, em homenagem ao princípio da presunção da inocência, consagrado no n.º 2 do art.º 32 da C.R.P. e o postulado "in dubio pro reo" que lhe está associado, qualquer insuficiência de que o relatório da autópsia em apreço que possa apresentar, terá sempre que ser resolvido em favor da arguida – vide acórdão do STJ 3.ª secção, de 03-04-2019, número de processo 38/17.9JAFAR.

O tribunal recorrido tinha que se ter pronunciado sobre a existência de um procedimento a ser observado e seguido aquando da realização da autópsia em casos com estas características, e não o fez.

A Norma Procedimental NP-INMLCF-008, emitida pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (https://www.inmlcf.mj.pt/wdinmlWebsite/Data/file/OutrasInformacoes/PareceresOrientacoesServico/Normas/NP-INMLCF-008-Rev01.pdf) NÃO EXISTE PARA O TRIBUNAL RECORRIDO!

Somente o Tribunal da Relação através do Acórdão agora recorrido omite pronunciar-se sobre a relevância para a boa decisão da causa, seguir-se (ou não) esta norma procedimental.

Pelo exposto supra, podemos colocar as seguintes hipóteses válidas e congruentes, numa perspectiva académica e de exercício lógico:

 - Não se sabendo com exactidão se a fractura do osso hióide foi feita ante, peri ou post-mortem, terão AA e BB esganado ou estrangulado CC?

- Qual dos dois estrangulou ou esganou CC?

- Perante tamanha dúvida será despiciendo e ilógico colocar na cena de crime uma terceira pessoa?

- O disparo de arma de fogo cujo projéctil foi encontrado no crânio de CC foi desferido com este vivo, em período [ [3] ] agónico de morte ou com ele já morto?

- Terá servido para ocultar outra causa de morte diversa a lesão provocada pelo projéctil de arma de fogo?

- Atendendo à ausência de estudo imagiológico ("Virtópsia") é possível concluir com certeza que o cadáver não apresentava outras lesões e/ou outros projécteis resultantes de arma de fogo?

- Como se pode concluir e decidir como o fizeram os tribunais nas suas decisões ora recorridas, condenando e absolvendo, absolvendo e condenando, "sem efectuar uma apreciação global e coordenada dos meios de prova colocados à sua disposição", decisões absolutamente incompreensíveis, antagónicas e sem sustentação científica?


-VIOLAÇÃO DAS REGRAS SOBRE O VALOR DA PROVA VINCULADA E SEUS PRESSUPOSTOS FATUAIS, com clara violação do disposto no artigo 163.º do CPP, e consequente
- ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, a conhecer, pelo menos, oficiosamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em consequência o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relativos a estas questões nomeadamente os indicados no Recurso interposto pelo Ministério Público (e julgados procedentes quanto à impugnação da matéria de facto pelo tribunal a quo) e no Acórdão da Relação de ......... e que infra se transcrevem:

No Acórdão ora recorrido

Ponto 34. - Aí chegados, o arguido BB aproximou-se de CC e, apontando à cabeça deste a arma de fogo que levara consigo – a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point", efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio da vítima, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipital, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita.

Ponto 35. - Em consequência directa e necessária daquela conduta, o CC sofreu uma ferida perfurante do crânio, provocada pelo projéctil disparado pela aludida arma de fogo de cano curto, que foi a causa directa, necessária e apta da sua morte.

Conclusão errada, consequência de exame deficiente da prova:

Ponto 73. - Ao actuarem do modo supra descrito, a arguida AA e o arguido BB previram, quiseram e conseguiram aproveitar-se da circunstância de CC estar a dormir no quarto de hóspedes e efectuaram um disparo com a arma de fogo supra descrita, atingindo o crânio de CC, para tornar impossível a defesa por parte deste, quer pela surpresa do ataque, quer pela violência do mesmo e inviabilizando que o ofendido fosse socorrido em tempo, com o propósito de assegurar uma situação económica abastada a AA, nomeadamente, pelos proventos económicos da gestão das sociedades comerciais de que CC era gerente e dos montantes indemnizatórios dos seguros contratados pelo ofendido e demais bens pertencentes a CC que passariam para a titularidade de AA;

Ponto 74. - Ao actuarem do modo descrito, a arguida AA e o arguido BB previram, quiseram e conseguiram, na execução de tal plano comum, deslocar, depositar, esconder e abandonar o cadáver de CC num local ermo, a cerca de 160 (cento e sessenta) quilómetros de distância da casa de morada de família do ofendido, sem o enterrarem, com o escopo de que o cadáver de CC se decompusesse rapidamente, com o calor decorrente da estação do ano e, ainda, que parte do cadáver fosse digerido por animais;

Ponto 75. - Com tal comportamento, visaram os mesmos arguidos retardar a descoberta e dificultar a identificação do cadáver de CC e ocultar quaisquer vestígios quanto à causa e autoria da morte, impedindo assim a descoberta imediata do cadáver pelas autoridades policiais e assim obstarem à sua perseguição criminal, o que bem sabiam não estarem autorizados a fazer; 76. Ao esconderem o cadáver de CC, os referidos arguidos agiram com total insensibilidade, bem sabendo que ofendiam o sentimento moral colectivo do respeito devido aos mortos, o que quiseram e lograram alcançar

No recurso do Ministério Público

Ponto 27. – No exame pericial de autópsia médico-legal nada consta nesse sentido, tendo o sr. Perito Médico forense que procedeu ao exame médico legal negado, em sede de audiência de discussão e julgamento, a existência de quaisquer lesões no cadáver ocorridas após o óbito, além das que emergiram da entrada do projéctil.

Ponto 28. - A ausência de lesões ósseas post-mortem no cadáver, além das resultantes do disparo do projéctil, aponta por essa via, para um transporte colectivo do cadáver, mostrando-se mais uma vez, a fundamentação vertida nesta sede pelo Tribunal "a quo" manifestamente insuficiente e claramente contrariada pelas regras da lógica e da experiência, afigurando-se ter assentado mais numa questão de crença ou fé do que propriamente num juízo científico, crítico e lógico ponderado faces aos factos disponíveis.

c) A questão da arma de fogo utilizada

Do Acórdão agora recorrido:

"(…) O objetivo dessa fundamentação é, no dizer de Germano Marques da Silva (In "Curso de Processo Penal", 2ª ed., 2000, vol. III. pág. 294), o de permitir "a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina". Como escreveu Marques Ferreira (In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229), "estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência(…)".

Como convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da correcção e justiça do acórdão do Tribunal a quo, relativamente à identificação da arma de fogo (pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23) como sendo responsável pelo disparo do projéctil que foi encontrado no interior do crânio de CC, quando a prova documental existente não corrobora o decidido, i.e., não é conclusivo o exame pericial realizado à mesma?

Relembre-se a prova produzida relativamente à matéria em apreço -identificação da arma de fogo responsável pelo disparo que vitimou CC – sendo notório a violação das regras sobre a prova, nomeadamente a prova vinculada e das regras da experiência comum.

Se atendermos às conclusões plasmadas no Relatório do Exame Pericial n.º .......96-FBA, presente de fls. 1228 a 1239 dos presentes autos, lê-se, no campo "Conclusão" (fls. 1238) o seguinte (o sublinhado e o bolt encontra-se no relatório, transcreve-se ipsis litteris): " (...) Não é tecnicamente possível determinar se a arma descrita em 1.  foi ou não responsável pelo disparo do projéctil suspeito descrito em 17. (Inconclusivo). – (...)"
Mais, no mesmo relatório, no campo anteriormente referido – "Conclusão" (fls. 1239) – lê-se (sublinhado nosso): "(...) A quantidade e qualidade das discordâncias de vestígios individualizadores impressos é absolutamente satisfatória, considerando-se inválida a hipótese dos elementos examinados terem sido obtidos com a mesma arma/cano.- (...)"
Não se entende como pode  Tribunal do Júri ter concluído que a arguida AA tirou a vida a CC com a arma de fogo alvo da perícia antes referida, conforme se pode verificar nos Ponto 20 e 31 do Acórdão de Sentença, no seu "Capítulo II - Fundamentação, Factos Provados", que a seguir se transcreve (sublinhado e bolt nosso) não os devendo ter dado como provados:
 "(...) 20. AA decidiu aproveitar-se da circunstância de CC ser desportista, para, após lhe tirar a vida com um disparo como munição "hollow point", de uma de fogo, tipo pistola calibre 7,65mm., da marca “C......”, com o n.º de série .....23, manifestada em nome de BB, e ocultar o cadáver, anunciar o desaparecimento do mesmo, na sequência de um treino de bicicleta (...)"
"(...) 31. Em hora que não foi possível concretamente apurar, mas no período compreendido entre as 19:42 horas do dia 15.07.2018 e as 09:00 horas do dia 16.07.2018, em execução do plano que já havia gizado há, mais de 24 horas, a arguida, munida da arma de fogo, tipo pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point", dirigiu-se ao quarto de hóspedes localizado no primeiro andar da sua residência, onde se encontrava CC e efectuou um disparo , a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio deste, no osso parietal direito, na região para mediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipital, numa trajectória de trás para a diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita. (...)"

Nem como pode o Acórdão agora recorrido ter aderido à mesma convicção, ou seja, que a arma de fogo responsável pelo disparo do projéctil (que afirma o Tribunal da Relação ter sido causa de morte directa e necessária) foi a pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23!

Ainda que o julgador tenha à sua disposição o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, apreciando a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, não pode, no exercício do seu raciocínio dedutivo ou indutivo, alterar os princípios elementares da Lógica, a saber: "Princípio da Não Contradição – Uma proposição não pode ser falsa e verdadeira ao mesmo tempo", e, "Princípio do Terceiro Excluído – "Toda a proposição ou é falsa ou verdadeira, não há terceira opção." (GORSKY, Samir. A semântica algébrica para a lógica modal e seu interesse filosófico, Dissertação de mestrado. IFCH-UNICAMP. 2008. http://samirgorsky.eu5.org/trabalhos/logicamodal.pdf)
Pelo que, atendendo aos resultados da perícia, devidamente documentados, e às declarações do perito responsável pela realização e relatório do exame pericial em apreço, não pode o Tribunal da Relação decidir como decidiu, com base nas proposições que ao se dispor tinha para extrair uma conclusão, i.e., se a perícia concluiu que não é possível provar que a pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23 foi responsável pelo disparo do projéctil encontrado no interior do crânio da vitima?

Transcreve-se o ponto 34 do acórdão recorrido:
Ponto 34. - Aí chegados, o arguido BB aproximou-se de CC e, apontando à cabeça deste a arma de fogo que levara consigo – a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point", efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio da vítima, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipital, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita.
Mais do que a impossibilidade de refutar a dúvida que razoavelmente se possa ter instalado, mais do que a impossibilidade de confirmar a hipótese introduzida pela acusação em juízo, é uma impossibilidade lógica concluir-se o que o Tribunal a quo concluiu, e que serviu para fundamentar uma condenação a pena efectiva de 25 anos, uma vez que, sendo o resultado da perícia contrário à inferência do Tribunal, sabendo-se que o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre convicção do julgador (artigo 163.º do Código de Processo Penal) estamos perante um erro notório na apreciação da prova.

Outro aspecto que importa mencionar é a questão da distância a que efectuado o disparo.
Decide o Acórdão recorrido, contradizendo as conclusões do exame pericial referido, que a arma de fogo em apreço foi a responsável pelo disparo que vitimou CC e que esse mesmo disparo foi efectuada "a uma distância não concretamente apurada".

Trata-se de uma questão que encerra implicações muito graves quando observado à luz da prova produzida e de um incidente invocado pela defesa do co-arguido BB, nomeadamente a queixa-crime apresentada a 18 de Setembro de 2019 contra a Magistrada do Ministério Público, Doutora GG, o Coordenador de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, HH e a Inspectora da Polícia Judiciária, JJ.
Os três são denunciados:
- pela prática e em co-autoria material e na consumada de um crime de falsificação de documento, p. e p. pela alínea d) d n.º 1 e n.º 3 do art.º 256 com referência ao art.º 255, alínea a) todos do Código Penal.
- um crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto e punido pelo art.º 369, n.º 1 e 2 do Código Penal.
Basicamente o que está em apreço na referida denúncia é a manipulação de provas, mais concretamente a recolha de sangue da vítima, através de zaragatoa, no interior do cano da arma de fogo pertença de BB, a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23.
Quanto ao mérito e legitimidade da denúncia, à defesa da ora recorrente nada se oferece dizer.

Já quanto ao erro na apreciação da prova obtida – a recolha de vestígios hemáticos pertencentes a CC no interior da referida arma – impõem-se invocar de novo as regras da experiência comum.
Se o disparo foi efectuado em contacto com o crânio da vítima, única possibilidade que, muito remotamente, poderia deixar vestígio hemático NO EXTERIOR DO CANO OU NO PUNHO DA ARMA (o que não se verificou conforme o exame pericial realizado) NUNCA, repetimos, NUNCA DEIXARIA UM VESTÍGIO HEMÁTICO NO INTERIOR DO CANO DE UMA ARMA DE FOGO UM TIRO DE CONTACTO NA CALOTE CRANIANA DE ALGUÉM.

Mais uma vez estamos perante uma clara violação pelo acórdão a quo das regras de experiência comum.

As leis da física não o permitem, as leis da química não o demonstram: a explosão dos gases resultante do  disparo de uma arma de fogo, para além de cauterizarem os vasos existentes nos tecidos da calote craniana, incineraria o vestígio hemático que pudesse existir, destruíndo o material de A.D.N. alvo de exame pericial.

Como já foi referido anteriormente, a presente investigação, julgamento, recursos, e demais incidentes supervenientes, são, salvo melhor opinião em contrário, um alerta muito sério para todos aqueles que fazem parte do sistema de justiça em Portugal.
       
Tudo o que resultou destes autos, os incidentes ocorridos e as decisões recorridas, obrigam necessariamente o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos art.º 426 n.º 1 e n.º 2, sem prejuízo do disposto no art.º 426-A, ambos do C.P.P.


VIOLAÇÃO DAS REGRAS SOBRE O VALOR DA PROVA VINCULADA E SEUS PRESSUPOSTOS FATUAIS, com clara violação do disposto no artigo 163.º do CPP, e consequente-ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, a conhecer, pelo menos, oficiosamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em consequência o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relativos a estas questões nomeadamente os indicados no Acórdão da Relação de ......... e que infra se transcrevem:

Ponto 20. - Combinando aqueles, ainda, que usariam uma arma de fogo e munições do arguido BB;

Ponto 34. -  Aí chegados, o arguido BB aproximou-se de CC e, apontando à cabeça deste a arma de fogo que levara consigo – a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point" -,efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio da vítima, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipal, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita;

Ponto 42. - Depois de concretizada a morte de CC, a arma usada para esse efeito foi guardada dentro de um saco de plástico e colocada por baixo da última gaveta do roupeiro, no quarto de dormir do arguido BB, na residência deste, sita na Rua ...................., ........., em ..........

Ponto 72. - Para o efeito, aqueles arguidos elaboraram um plano com insensibilidade e indiferença pela vida de CC, persistindo na resolução de lhe tirarem a vida, tendo acordado que a morte seria provocada por disparo de arma de fogo tipo pistola de calibre 7,65mm de que o arguido BB era possuidor, bem como a oportunidade que aproveitariam para realizar tal plano, nomeadamente numa ocasião que coincidisse com ausência do filho de CC e AA da residência por todos habitada;

d) Da violação da cadeia de custódia de prova e da omissão de pronúncia

Do Acórdão recorrido: "(…) A utilização de presunções exige, todavia, por parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação. Desde logo porque estas apresentam uma estrutura mais complexa do que os restantes meios de prova.
Com efeito, não só há-de resultar prova o ou factos básicos, mas há-de determinar-se, ainda, a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Além de se permitir, em concreto, a análise de toda a prova produzida em sentido contrário com vista a desvirtuar quer os indícios quer a conexão racional entre esses indícios e o facto consequência (…)"

Ainda do Acórdão recorrido: "(…) Para que se atinja o necessário grau de certeza em que tem de assentar uma condenação criminal é, assim, pressuposto que haja uma pluralidade de indícios que indiquem no mesmo sentido – embora possa admitir-se um só indício desde que o respectivo significado seja determinante – que a força probatória daqueles indícios não seja posta em causa pela presença de possíveis contra-indícios que possam apontar em sentido diverso e ainda que, o raciocínio seguido ou  a argumentação apresentada para justificar a conclusão a que se chegou seja inteiramente razoável e respeitadora dos critérios da lógica e do senso comum, tendo por padrão o discernimento e conhecimentos de um ser humano de cultura mediana (…)"
       
Transcreveram-se estas duas passagens do Acórdão recorrido porque não encerram em si qualquer brecha lógico-argumentativa que possa ser explorada por parte desta defesa.
Em termos de raciocínio lógico e construção do argumento é à prova de bala.

MAS, é a montante que se detecta e verifica uma deficiência insanável que compromete de forma irreversível todo o raciocínio do Acórdão recorrido.
Encontramos "ab ovo" a semente do erro que se traduz na insuficiência/inexistência de indícios para a decisão da matéria de facto provada, e, irremediavelmente na existência de capaz identificação, recolha, análise e sequente interpretação dos indícios/vestígios que pudessem supostamente existir.

A inspecção ao local do crime é um momento basilar e essencial para a cristalização de vestígios que se podem tornar indícios e que após tratamento técnico-científico, podem resultar em prova.
É consabido que a temporalidade do momento em que actua a investigação no local é fugaz.
Logo, no acaso em apreço, contrariando as boas práticas exigidas numa matéria tão sensível como a presente, não se compreende, nem se pode admitir que tenham sido realizadas 4 inspecções judiciárias à habitação da arguida, espaço habitacional que ao longo do tempo esteve disponível para várias pessoas, inclusive os media nacionais, com a agravante de terem sido utilizadas as mesmas técnicas forenses, obtendo-se resultados díspares, sendo que os resultados obtidos nas últimas conduziram a investigação no sentido de imputar a autoria do crime em apreço à arguida AA.

Assim sendo, é notório que há uma quebra da cadeia da custódia da prova, sendo pertinente colocar a seguinte questão: quais os vestígios, quais as recolhas, e quais as interpretações dessas mesmas recolhas e vestígios se devem relevar para o apuramento cabal da verdade e a boa decisão da causa?

Quanto ao exposto, o Acórdão agora recorrido apresenta uma nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado.
O tribunal a quo não podia deixar de se pronunciar sobre a questão de importância capital que é a gritante e notória violação da cadeia de custódia de prova.
       
Nulidade do acórdão "a quo" por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (art.º 379.º, n.º 1, al. c) aqui aplicável "ex vi" do n.º 4 in limine, do art.º 425.º ambos do CPP) a conhecer, pelo menos, oficiosamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em consequência o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relativos a estas questões nomeadamente os indicados no Acórdão da Relação de ......... e que infra se transcrevem:

Ponto 21. - E que aguardariam que surgisse a melhor oportunidade para levar a cabo a aludida resolução, na casa onde a arguida residia com CC e sem a presença do filho menor de ambos, DD;
Ponto 31. - Em hora que não foi possível concretamente apurar, mas no final do dia 15.07.2018 ou início do dia 16.07.2018, em execução do plano traçado, o arguido BB dirigiu-se à habitação onde residiam CC e a arguida AA;

Ponto 32. - Aí chegado, o arguido BB entrou na aludida habitação, sita na ............, Rua ............, ............, com o conhecimento e consentimento da arguida AA;
Ponto 33. - Em determinado momento do aludido período nocturno, os arguidos AA e BB dirigiram-se ao quarto de hóspedes, localizado no primeiro andar da dita residência, onde se encontrava o CC, a dormir;
Ponto 34. - Aí chegados, o arguido BB aproximou-se de CC e, apontando à cabeça deste a arma de fogo que levara consigo – a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point" -, efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio da vítima, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipal, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita;
Ponto 35. - Em consequência directa e necessária daquela conduta, o CC sofreu uma ferida perfurante do crânio, provocada pelo projéctil disparado pela aludida arma de fogo de cano curto, que foi a causa directa, necessária e apta da sua morte;
Ponto 36. - Após a morte de CC e, em execução do mesmo plano comum, os arguidos AA e BB colocaram um saco do lixo preto em redor do crânio de CC e apertaram-no com uma corda, de forma a limitar o derrame de sangue de CC noutras superfícies;
Ponto 37. - Em seguida, os arguidos AA e BB colocaram outro saco embrulhado à volta da perna direita de CC, a qual continha uma tatuagem com a forma de uma ......... com a palavra ".........";
Ponto 38. - Em acto contínuo, os arguidos envolveram o cadáver de CC num edredão e ataram-no, com uma corda de sisal, à volta do corpo de CC;
Ponto 39. - E, de modo que não foi possível concretamente apurar, aqueles mesmos arguidos transportaram o cadáver de CC e colocaram-no no interior de um veículo automóvel, de matrícula não concretamente apurada;
Ponto 40. - O cadáver foi de seguida transportado por aqueles arguidos no aludido veículo, sendo depois abandonado num terreno rural que constitui reserva ......, junto do cruzamento que permite seguir nas direções de ............... e de ..............., sito a 100 metros da Estrada Nacional n.º ...... e a 20 quilómetros da localidade de ........., onde os progenitores de AA possuem uma habitação já referida em 3 e 4 e a cerca de 160 quilómetros da residência do ofendido, tendo o saco de plástico preto, com o edredão e a corda de sisal - objetos que serviram para transportar o cadáver -, sido abandonados num terreno rural, ao KM 00,00 da EN ......, entre ...... e ......, a 5 quilómetros de distância daquele primeiro local;
Ponto 41. - Após, a arguida AA dirigiu-se ao quarto de hóspedes da sua residência e retirou os três tapetes, a roupa da cama juntamente com o colchão desse quarto, dando-lhes destino que não foi possível concretamente apurar, por forma a não deixar vestígios dos factos cometidos;
Ponto 42. - Depois de concretizada a morte de CC, a arma usada para esse efeito foi guardada dentro de um saco de plástico e colocada por baixo da última gaveta do roupeiro, no quarto de dormir do arguido BB, na residência deste, sita na Rua ...................., ........., em .........;

Como é possível obter as conclusões anteriormente transcritas quando não existe sustentação científica para as corroborar?

7.º
Violação do princípio in dúbio pro reu na vertente que consubstancia matéria de direito.

Do exposto supra, resulta que, não fora os sucessivos erros notórios na apreciação da prova e o erro notório que a decisão recorrida, globalmente, representa;
E não fora a violação das regras sobre «prova vinculada» em que reiteradamente incorreu o acórdão recorrido;
E a referida violação das regras sobre a prova, nomeadamente e sobretudo a violação das regras da experiência comum;
E tivesse o acórdão recorrido conhecido das partes elencadas no presente recurso que devia ter apreciado e não apreciou,

Com toda a certeza que o Tribunal recorrido teria chegado à conclusão de que, os vestígios recolhidos, os indícios confirmados, a prova obtida e a forma como se obteve a mesma, tem como consequência  um imenso estado de dúvida que impunha, como impõe, a ABSOLVIÇÃO da arguida, ou, como vem pugnando ab initio a equipa de defesa da recorrente, O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO, RELATIVAMENTE À TOTALIDADE DO OBJECTO DO PROCESSO, NOS TERMOS DOS ART.º 426 N.º 1 E N.º 2, SEM PREJUÍZO DO DISPOSTO NO ART.º 426-A, AMBOS DO C.P.P

O acórdão recorrido violou, assim, o princípio do «in dubio pro reo».

Nessa medida, porque ressalta evidente do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que o tribunal «a quo» só não reconheceu aquele estado de dúvida em virtude do erro notório na apreciação da prova – do conhecimento oficioso deste STJ – e das demais deficiências supra descritas, este STJ pode e deve sindicar a apreciação do princípio do "in dubio pro reo".
[…].»

Pedido:
«[…].
TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE CONCEDER-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO, ABSOLVENDO-SE A RECORRENTE AA (AINDA QUE AO ABRIGO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO), ABSOLVIÇÃO QUE SOMENTE SERÁ ENTENDÍVEL, LÓGICA E SUSTENTADA COM O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO RELATIVAMENTE À TOTALIDADE DO OBJECTO DO PROCESSO, COMO SUPRA SE INVOCOU E COMO É DE TOTAL
JUSTIÇA.».

─ Arguido BB:
─ «Pelo exposto e em conclusões:
a) O Tribunal do Júri do Tribunal Judicial da Comarca de ........., Juízo de Instância Criminal de ........., Juiz ..., processo n.º 186/18.8GFVFX absolveu o arguido BB da alegada prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b), e) e j), e 28.º, n.º 1 todos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, e de um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal tendo, no entanto, condenado o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida prática de um crime de detenção de arma proibida, prevista e punida pelo artigo 86.º, n.º 1 alínea c) e d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23.02 na pena de 2 anos de prisão suspensa na execução pelo mesmo período.

a) Inconformado com a douta decisão o Ministério Público recorreu do acórdão absolutório para o Tribunal da Relação de ......... recorrendo, em suma, da decisão que absolveu o arguido do crime de homicídio qualificado e do crime de profanação de cadáver requerendo a alteração da matéria de facto dado como não provada quanto à intervenção do arguido ora recorrente.

b) Por acórdão o Tribunal da Relação de ......... procedeu à alteração da matéria de facto dada como não provada quanto à alegada participação do arguido, ora recorrente e, consequentemente,  condenou-o pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b), e) e j), e 28.º, n.º 1 todos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, e de um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal e na parte em que integrou a contra ordenação de detenção ilegal de arma imputada na acusação ao arguido no crime de detenção ilegal a título de concurso aparente.

c) Efectivamente o Tribunal da Relação de ......... procedeu a um "segundo" julgamento, procedendo à apreciação parcial da prova produzida em audiência de julgamento pelo Tribunal do Júri a qual, nunca poderia ser dissociada da demais prova produzida e não indicada pelo Ministério Público no recurso interposto do acórdão que absolveu o arguido pela prática do crime de homicídio qualificado e de profanação de cadáver.

d) O presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal da Relação de ......... de alteração da matéria de facto dada como não provada em provada e, consequente, condenação do arguido BB.

e) O arguido não praticou os factos de que foi condenado pelo Tribunal da Relação de .......... Efectivamente quanto à alegada participação do arguido BB nos factos descritos na acusação não existe qualquer prova, directa ou indirecta, que sustente a teoria do Ministério Público e do órgão de polícia criminal que investigou o processo.

f) Aliás, sempre se dirá que, o recurso da decisão que absolveu o arguido, o Ministério Público apresentou os factos condicionados às provas ou, mais em concreto, à ausência das mesmas.  Recorda a defesa que o Tribunal de Júri notificou todos os intervenientes processuais da alteração não substancial dos factos.  A esta alteração o Ministério Público não se opôs nem se pronunciou., cf. fls...

g) Tal como a defesa teve oportunidade de alegar o julgamento dos correntes autos – no que à investigação diz respeito – não se reconduz ao que foi feito, mas sim o que poderia ter sido feito para provar a inocência do arguido e que infra se demonstrará.

h) No dia 16 de Julho de 2018 a cidadã AA dirigiu-se ao Posto da Guarda Nacional Republicana de ............ para aí participar do desaparecimento do seu marido CC cf. fls.... Foi atribuído o número de processo 186/18. ....... 

i) Atenta a competência territorial o processo foi remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de ........., Departamento de Investigação e Acção Penal de ............, tendo sido distribuído à Digna Magistrada do Ministério Público, Sr.ª Dr.ª KK, Procuradora - adjunta, cf. fls... atenta a natureza do processo em investigação – desaparecimento de um pessoa – o processo foi distribuído à Polícia Judiciária, Diretoria de ..............., tendo sido distribuído à Ex.ma Sr.ª Dr.ª JJ, inspetora da Polícia Judiciária.

j) O Ex.mo Sr. Dr. HH era, à data, o coordenador da investigação criminal da Polícia Judiciária.

k) No dia 20 de Julho de 2018 foi efectuada uma busca e apreensão na residência do desaparecido, sita na ............, ................

l) Após a realização da busca, efectuada pelos inspetores JJ e LL e MM e NN estes últimos especialistas- adjuntos o imóvel foi entregue à participante, Ex.ma Sr.ª AA.

m) No dia 01 de Agosto de 2018 a Ex.ma Sr.ª Inspetora da Polícia Judiciária, Sr.ª Dr.ª JJ entregou no Núcleo de apreendidos da Polícia Judiciária 1 (um) saco de prova da Série A, com o n.º ....25, devidamente fechado, contendo no seu interior um telemóvel da marca ......, modelo ........., com o IMEI ..............6, com o cartão SIM da Vodafone com o n.º ..................4f.

n) No dia 02 de Agosto de 2018 a Ex.ma Sr.ª Inspetora da Polícia Judiciária, Sr.ª Dr.ª OO entregou no Núcleo de apreendidos da Polícia Judiciária uma capa de telemóvel em pele, de cor ......, contendo alguns cartões no seu interior.

o) No dia 28 de Julho de 2018 foi elaborado o relatório de exame pericial com o n.º .......36-CLC efectuado pelos técnicos especialistas Sr. Dr.ª MM e NN. Tal relatório de exame pericial versou sobre os objectos apreendidos na busca e apreensão à residência do desaparecido realizada em 20 de Julho de 2018 e, bem assim, ao telemóvel e à carteira contendo documentos entregues no Núcleo de apreendidos dias mais tarde, mais precisamente, em 01 e 02 de Agosto de 2018.

p) No dia 24 de Agosto de 2018 o Ex.mo Sr. Inspetor Chefe PP e a Ex.ma Sr.ª Inspetora OO deslocaram-se à estrada nacional n.º ......, junto ao cruzamento que permite seguir nas direções de ............... e de ..............., sito na União das freguesias de ...... e ...... em virtude de ter sido comunicado o aparecimento de um cadáver naquela localidade.  A diligência iniciou-se pelas 12H00 do dia 24 de Agosto de 2018 e prolongou-se até ao dia 27 de Agosto de 2018.

q) Na diligência esteve presente o Sr. Dr. QQ, médico de medicinal legal, que efetuou a autópsia n.º ..../.........-TF e na qual descreveu: "(...) a existência de um orifício circular com cerca de 10 cm de diâmetro na região paramediana direita, da parietal posterior. Esta lesão óssea corresponde ao orifício de entrada de um projétil de arma de fogo que penetrou na cabeça, produzindo uma trajectórias de trás para a frente, da direita para a esquerda e, ligeiramente, de cima para baixo. Observou na cabeça. Uma assimetria dos ossos da face, por fratura multi - esquirolosa com afundamento do malar à direita e parte da órbitra correspondente. (...) E ainda uma fratura da asa do esfenoide escama do temporal parietal, até à sutura occipital. No interior do crânio recolheu um projétil deformado que corresponde a uma munição de arma de fogo e um outro vestígio balístico que se admite tratar de parte do encamisamento metálico da mesma bala. Esta lesão será a responsável pela morte da vítima, traduzida nas graves lesões crânio encefálicas consequentes, de que era ainda observável a produção de um hematoma extradural. Não foram observadas outras lesões que implicassem ações externas violentas classificáveis como agressão vital." Refere ainda o relatório efectuado pelo Exmo. Sr. Dr. PP, Inspetor chefe da Polícia Judiciária: "Foram ainda remetidas ao sector da balística as partes metálicas do projétil retirado da cabeça para exames de comparação com a arma responsável pelo seu disparo."

r) Dúvidas não restam, portanto, que no dia 24 de Agosto de 2018 pelo menos o inspetor chefe da Polícia Judiciária PP sabia que as lesões descritas supra e relatadas no relatório de autópsia teriam sido a causa da morte da vítima.  Nesse mesmo dia foram recolhidos diversos vestígios para identificação do cadáver sendo que um deles era visível a olho nu uma tatuagem com os dizeres: "........." que "pareceu ter muita correspondência com a que consta na fotografia fornecida pelos familiares de CC, criando nos investigadores a forte convicção de que se trataria do seu corpo".  Importa realçar que a vítima, CC, praticava provas de ......... tendo sido difundido, na comunicação social escrita e televisionada, diversas imagens e fotografias do mesmo num caso que ficou conhecido por "Desaparecimento do ......... CC"

s) Nos dias imediatamente posteriores à diligência efectuada pela Polícia Judiciária e supra descrita começaram a aparecer, em quase todos os órgãos de comunicação social, a informação que a Polícia Judiciária havia encontrado um corpo na localidade de ......, sobre o qual existiam fortes suspeitas de se tratar do ......... desaparecido CC mas que a investigação desconhecia a causa da morte.

t) No dia 27 de Agosto de 2018, os especialistas adjuntos RR e SS, ambos do Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária efetuaram o relatório de exame pericial n.º .......41 - CIJ que consistiu na recolha das impressões digitais aos dedos recebidos para exame (do corpo encontrado na localidade de ......) tendo concluído. "A impressão digital recolhida ao dedo indicador da mão esquerda identifica-se com a impressão digital correspondente que consta do pedido de emissão de C.C. .........Y7 em nome de CC".

u) No dia 31 de Agosto de 2018 foi elaborado um termo de juntada de documentos ao processo n.º 186/18.8GFVFX correspondentes a análises efectuada pela investigação ao conteúdo da listagem de contactos telefónicos efectuado e recebidos através da utilização dos telemóveis utilizados pela vítima, CC (9.......9) e AA (9........6) que constam do apenso I dos autos.  No mesmo dia 31 de Agosto de 2018 é feita a análise do conteúdo da listagem de contactos telefónicos mantidos a partir do telemóvel habitualmente utilizado pela esposa da vítima, AA (9........6).  Do referido documento consta uma assinatura no campo assinalado para C.I.C (coordenador de investigação criminal), Sr. Dr. HH. Tal análise ao documento só possível atento o douto despacho da MM.ª Juiz de Direito Sr.ª Dr.ª TT, em 08 de Agosto de 2018, quando estava de turno no Juízo Local Criminal de ............, Juiz ...

v) Após a douta promoção da então titular do inquérito, Digna Magistrada do Ministério Público, Ex.ma Sr.ª Dr.ª KK em 03 de Agosto de 2018 na qual escreveu: "Investiga-se nos autos o desaparecimento de CC, ocorrido no dia 16 de Julho de 2018. Importa prosseguir a investigação, nomeadamente através de diligências que possam permitir "refazer os passos" de CC e de sua esposa, AA, durante o mês de Julho e até ao dia da realização da pesquisa. Neste enquadramento, requer-se à Mmª Juiz de Instrução Criminal que dispense a operadora de telecomunicações Vodafone do sigilo das comunicações, no sentido de fornecer aos autos as listagens, em suporte digital, desde o dia 1 de Julho de 2018 até à data da pesquisa, das comunicações telefónicas efectuada e recebidas, incluindo chamadas, mensagens, tentativas de chamada, chamadas falhadas, com a respetiva localização celular, eventos de rede e Location Up Date, do número de telemóvel 9.......9, de CC, e do número 9........6, de AA, conforme consta de fls.. 11 dos autos. Após, e uma vez que a obtenção de elementos bancários se mostra indispensável ao completo apuramento da verdade, à obtenção de indícios probatórios e bem assim, necessária à viabilização da boa administração da justiça, sendo evidente que este interesse público da administração da justiça é superior e deve prevalecer sobre interesses de diversa natureza, protegidos pelo sigilo bancário, oficie ao Banco de Portugal, nos termos do artigo 79.º, al. D) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, para que informe os autos da identificação de todas as contas bancárias individuais e em nome da Sociedade G......, tituladas ou co-tituladas por CC e/ou AA.",Cf. fl...

w) Três dias volvidos, no dia 06 de Agosto de 2018, o processo n.º 186/18.8GFVFX foi concluso à então Mm.ª Juiz de Instrução Criminal de Turno, Ex.ma Sr.ª Dr.ª TT, a qual proferiu o douto despacho do qual se transcreve: "Tendo em conta o objectivo visado, o ponto em que se encontra a investigação em curso e a necessidade da diligência pretendida para o fim visado de realização de justiça, entendo justificada a compressão de direitos fundamentais que a mesma encerra por forma a, como dito, "refazer os passos" de CC e de sua esposa, AA, durante o mês de Julho e até ao dia da realização da pesquisa. Em face do exposto, dispenso a operadora de telecomunicações Vodafone do sigilo das comunicações, por forma a que forneça aos autos as listagens, em suporte digital, desde o dia 1 de Julho de 2018 até à data da pesquisa, das comunicações telefónicas efectuada e recebidas, incluindo chamadas, mensagens, tentativas de chamada, chamadas falhadas, com a respetiva localização celular 9.......9, de CC, e do número 9........6, de AA, conforme consta de fls. 11 dos autos." Fls 11 dos autos compreende a participação de desaparecimento efectuada por AA na GNR de .............

x) Até ao dia 06 de Agosto de 2018 a cidadã AA não era suspeita da prática de quaisquer factos não existindo, nos autos com o n.º 186/18.8GFVFX, qualquer informação de que a mesma era suspeita da prática de qualquer crime que permitisse ao Ministério Público requerer ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal a dispensa da operadora de telecomunicações Vodafone do sigilo das comunicações quanto a AA e consequentemente a análise e o registo de comunicações efectuadas com o ora recorrente.  Ainda assim constam dos autos do processo n.º 186/18.8GFVFX cerca de 15 DVDs encriptados contendo as interceções efectuada aos arguidos sem que, no entanto, tenham sido relevantes para a investigação.

y) No dia 24 de Agosto de 2018 o especialista superior sr. Dr. UU e o segurança Sr. Dr. VV examinaram o projétil retirado do crânio da vítima em 24 de Agosto de 2018 tendo dado origem ao relatório de exame pericial com o n.º .......83 - FBA.  Na douta conclusão consideram que: "(...) muito dificilmente poderá permitir a realização de futuros exames comparativos, com vista à identificação da arma responsável pelo seu disparo."

z) Contudo não menos verdade é que no dia 27 de Agosto de 2018 os peritos não tiveram quaisquer dúvidas que a munição em causa apresentava "(...) claramente visíveis apenas 5 estrias impressas, de sentido dextrogiro (das seis que teria originalmente impressas) (...)".  Em suma, a arma que disparou a munição que foi retirada no dia 24 de Agosto de 2018 do crânio da vítima CC teria, obrigatoriamente, que imprimir 5 estrias das seis que teria originalmente.  Por outras palavras a arma em causa teria que ter um dano no cano por forma ao disparar imprimir 5 e não 6 estrias na munição.

aa) Já no decurso do julgamento e a requerimento da defesa foi o L.P.C. da P.J. notificado para juntar aos autos as fotografias 360.º de todos os projécteis deflagrados na perícia realizada à arma no dia 26 de Setembro de 2018. Perante a resposta negativa – uma vez que o titular do processo não havia pedido tais fotografias 360.º – o L.P.C. da P.J. juntou aos autos fotografias de 6 projecteis deflagrados em novo exame pericial realizado quase 1 ano depois da apreensão da arma. Todos os projécteis tinham 6 cavados, ou seja a arma apreendida ao arguido tem 6 estrias. A munição retirada do crânio da vítima tinha 5 cavados, o que significa que a arma que foi usada tinha 5 estrias.

bb) Não obstante o facto supra o perito de balística prestou esclarecimentos em Tribunal. Em suma descreveu que fez a perícia no dia 26 de Setembro de 2018 e que escreveu tudo o que viu. Que a arma tinha vestígios abundantes de oxidação (ferrugem) no interior do cano e no exterior. Mais um indício a comprovar as declarações do arguido: que a última vez que tinha disparado a arma C...... tinha sido quando ainda estava casado com a testemunha WW, em 2015, e que não tinha limpo a arma após ter efectuado os disparos e, consequentemente, seria esse o motivo de arma ter vestígios de oxidação ou "ferrugem".

cc) É comumente sabido que após ser deflagrado um disparo com uma arma de fogo, atenta as altas temperaturas no interior do cano da arma, todos os eventuais resíduos que aí existam são projectados para o exterior. Mais um indício que comprova as declarações do arguido. Se tivesse sido aquela a arma a ser utilizada para tirar a vida ao ofendido não poderiam existir vestígios de oxidação pois teriam sido expelidos após o disparo.

dd) Em audiência de julgamento o perito de balística prestou esclarecimentos a requerimento do Ministério Público. Confirmou os três relatórios periciais por si efectuados: o do projéctil retirado do crânio da vítima; o exame pericial efectuado em 26 de Setembro de 2018 à arma C...... e o exame pericial efectuado em meados de 2019 às 6 munições e respectivas fotografias 360.º (para prova das 6 estrias da arma C...... apreendida ao arguido).

ee) Pasme-se o sr. Perito defendeu que: o projéctil retirado do crânio da vítima tinha 5 de 6 estrias mas que estava tão danificado que não permitia comparar. Se assim é porque razão foi um inspector da P.J. buscar o projéctil no dia da detenção e busca domiciliária a casa do arguido e apreensão da arma C...... ao arguido?

ff)  E se assim foi porque razão não consta dos autos qualquer comparação entre o projétil retirado do crânio da vítima e dos projéteis deflagrados nos dois exames periciais efectuados à arma (em Setembro de 2018 e meados de 2019)?

gg) Ainda assim o perito de balística esclareceu que, no seu entender, a oxidação existente se devia não à falta de limpeza da arma por um período prolongado (anterior ao dia 15 de Julho de 2018) mas sim à actuação de um produto abrasivo tipo lixivia o que teria provocado a oxidação. Se assim fosse como se pode explicar, então, que o disparo fatal tivesse sido efectuado no dia 15 de Julho de 2018 a apreensão da arma deu-se a 26 de Setembro de 2018 e passados quase 6 semanas em que arma esteve dentro de um saco fechado, debaixo da última gaveta de um roupeiro fechado, em pleno verão, e que ainda assim tivesse sido possível, alegadamente, ter recolhido um vestígio de ADN da vítima no interior do cano ?

hh) A lixivia é um produto tal forma abrasivo, que em apenas 6 semanas provocaria oxidação no metal do interior do cano da arma de fogo mas não destruía o material de ADN alegadamente aí existente?

ii) Ou quer-se acreditar que na versão deste perito de balística que esclareceu em julgamento ter, na sua opinião, ter sido usado um objecto tipo chave de fendas, colocado no interior do cano para alegadamente causar uma deformação no interior do cano ao ponto de "eliminar" uma estria (para justificar os 5 cavados encontrados no projéctil retirado do crânio da vítima) mas depois, passado um ano, já em fase de audiência de julgamento, quando é feito um relatório pericial à arma com a junção de fotografias de todos os projéteis deflagrados todos, sem exceção, contêm seis cavados!! Não quer o senhor perito argumentar, sequer, que o metal tem capacidade de regeneração ou afirmar que após ter analisado a arma C...... apreendida ao arguido, em Setembro de 2018, ter ficado com a impressão que alguém teria usado um objecto tipo chave de fendas no interior por forma a eliminar ou adulterar as estrias existentes no cano mas passados 12 meses, com a arma apreendida que nunca saiu das instalações do L.P.C. da P.J., no relatório pericial pedido pelo Tribunal descreva que todos os projéteis deflagrados tenham 6 cavados, ou seja, a arma C...... apreendida ao arguido tem 6 estrias e sem qualquer registo de deficiência ou defeito!!!!! O metal não tem capacidade de regenerar-se. Ainda. Nem será necessário à defesa invocar leis da física para justificar tamanho atentado às regras de experiência comum.
jj) Ainda assim a defesa relembra: Se a munição retirada do crânio da vítima estava tão danificada ao ponto de não poder ser comparada, se o relatório do L.P.C. da P.J. foi do conhecimento dos senhores inspectores que dirigiram a investigação porque razão precisamente no dia em que a arma foi apreendida e testada pelo L.P.C. da P.J. houve necessidade de ir buscar tal projéctil ao armazém dos apreendidos ?

kk) E porque razão o sr. Inspector LL não consegue afirmar quem o mandou ir buscar o saco de prova contendo o projéctil e o pedaço de osso, nem porquê nem quando?

ll) No dia da busca domiciliária a casa do arguido, ora recorrente, o inspetor XX apreendeu a arma C......, colocou-a num saco, fechou o mesmo e ordenou a retirada do objeto da residência do arguido. Em nenhum momento este ou qualquer outro inspetor da Polícia Judiciária recolheu vestígios biológicos ou hemáticos no interior ou exterior do cano e/ou noutro local da arma. Não foi usada qualquer zaragatoa para esse efeito. Nem tão pouco foi fotografada essa acção uma vez que os inspetores se limitaram a apreender a arma e pô-la num saco de prova e remetê-la de imediato para a balística do Laboratório de Polícia Científica à semelhança de todas as armas e munições que foram apreendidas na habitação do ora recorrrente. A diligência terminou pelas 09:30 do dia 26 de Setembro de 2018. No documento junto ao processo n.º 186/18.8GFVFX que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ........., Juízo de Instância Criminal de ........., Juiz ..., é visível uma rasura ao descritivo, "encaminhando " à guia de depósito onde existe uma anotação que remete o fragmento para o saco de prova série B n.º ....46.

mm) Tal facto, atenta a gravidade do aí descrito, levanta sérias questões quanto à contaminação de vestígios, dos sacos de prova e da falibilidade dos materiais anteriormente condicionados pelo Laboratório de Polícia Criminal.

nn) Importa ter presente que a busca ordenada à casa do cidadão BB ocorreu no dia 26 de Setembro de 2018 identificado, no respetivo auto de busca e apreensão, por quem a mesma foi realizada. A fls. 239 do Volume IV (já descrito supra) é descrito que a busca foi iniciada pelas 07H00 e realizada pelo Inspetor Chefe XX e inspetores YY, ZZ e AAA não sendo feita qualquer referência a algum elemento do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

oo) Contudo na página 7 do volume IX do processo supra identificado, ao invés do expectável, é mencionado que a mesma busca foi iniciada às 06H00 conforme documento supra.

pp) No que tange à alegada pesquisa de vestígios de ADN no interior do cano da arma importa ter presente que  estes exames foram efectuados em 30 de Outubro de 2018, semanas depois de ter sido efectuado o funeral e enterro de CC.  Note-se que as conclusões do relatório pericial permitem ao recorrido tirar a conclusão da manipulação de provas, nomeadamente, da retirada do osso do local onde estava apreendido posterior recolha através de zaragota dias depois da busca senão veja-se:

qq) Atenta a descrição das lesões no relatório de autópsia da vítima CC é de concluir que o disparo terá provado o sangramento na zona do crânio.

rr) Curiosamente o relatório pericial supra é completamente omisso na resposta ao vestígio 1 A (sangue recolhido no punho da arma de fogo marca C......, calibre 7,65 m, série .....23). Não existe qualquer resposta para tal. Não se sabe se é de facto um vestígio hemático e de quem é.

ss) Em sentido contrário o relatório pericial responde afirmativamente quanto ao item 4 - vestígio 1 B zaragatoa recolhida no interior do cano da arma C......, calibre 7,65m, série .....23, sendo que tal vestígio – de acordo com o relatório efectuado pela polícia judiciária com a "reconstituição" do dia da busca – foi recolhido não se sabe por quem – porque não está identificado – nem de que modo foi recolhido

tt) A par do supra exposto o facto de as zaragatoas alegadamente terem sido recolhidas no dia 26 de Setembro na arma (punho e interior do cano) e só foram entregues no dia 26 de Outubro de 2018, não tendo sido feito qualquer registo, e precisamente no mesmo dia em que o referido "fragmento" recolhido do crânio da vítima CC conforme supra exposto permite concluir que o relatório pericial n.º .......95 - CLC não corresponde à verdade dos factos tendo, por isso, sido intencionalmente alterado o conteúdo por forma a poder incriminar o recorrido.

uu) Diz o relatório pericial que foram efectuada duas zaragatoas humedecidas com água quando as boas práticas obrigam que a primeira zaragatoa seja humedecida com água desionizada para absorver o material da superfície do cano e a segunda zaragatoa deve ser seca, pois a superfície já se encontra húmida. Nada disto foi feito!!!!!! A descrição da alegada recolha dos vestígios biológicos – desconhecendo-se até à presente data quem o fez e atenta a não veracidade do documento em virtude do auto de busca e apreensão existente nos autos – viola, por completo, as legis artes aplicáveis no caso em concreto, violando por absoluto o procedimento de seleção de colheita, de embalagem, de inclusão no kit e a sua receção no laboratório.

vv) Uma vez que admitindo a violação nos procedimentos de recolha de provas e/ou, até, na produção de documentos que não representam a realidade dos factos, o aqui recorrido teria, necessariamente, que ser colocado em liberdade por revogação dos pressupostos de aplicação da medida de coação mais gravosa aplicada que foi a prisão preventiva. De salientar que em audiência foram juntos diversos pareceres de especialistas de balística e de ADN assim como o Manual de Procedimentos da P.J.

ww) Acresce ainda que as zaragatoas alegadamente efectuadas à arma do suspeito e à mucosa bocal do suspeito, no dia 26 de Setembro de 2018 só foram enviadas para exame a 26 de Outubro de 2018. Contudo não existe qualquer registo, no processo n.º 186/18.8GFVFX que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ........., Juízo Central Criminal de ........., Juiz ..., em que condições estiveram sujeitas, como foram acondicionadas até ao exame pericial n.º .......95 - CLC.  Não existe qualquer registo de transporte, manuseamento, condicionamento de tais vestígios violando, grosseiramente, os procedimentos recomendados sendo do conhecimento de todos os inspectores da Polícia Judiciária.

xx) Elemento indiciador de que no dia 26 de Setembro de 2018 não foram recolhidos os vestígios biológicos na casa e na arma do aqui recorrido é, incondicionalmente, o descrição e caracterização das armas de fogo encontradas. Senão vejamos, no que respeita à arma problema (C......) pode ler-se em relatório pericial n.º .......96 - FBA que a pistola, condicionada no saco de prova série C n.º ....21 foi conveniente limpa e lubrificada e, à posterior, foram efectuados testes de disparo

yy) A acção descrita coloca em causa o exame pericial n.º .......95 - CLC que se elaborou entre os dias 26 e 30 de setembro de 2018 com a adição de alguns elementos cruciais para o processo. Esses elementos são relatados como duas zaragatoas à arma suspeita compreendendo a zona do punho da arma e o interior do cano da mesma, o que se verifica na guia de entrega, onde é possível inferir que a recolha de vestígios biológicos foi efectuada, alegadamente, na casa do aqui recorrido.

zz) Contudo, se assim aconteceu, este facto coloca em causa o valor probatório da amostra por não haver sequer uma descrição clara do processo de amostragem, condições e EPLs utilizados. De igual modo põe em causa o papel da balística interna ao ser demonstrado que ao queimar o propelente é gerada uma grande quantidade de gases a temperaturas elevadas e são esses gazes, com a pressão gerada no interior da arma, que vão empurrar o projétil ao longo do cano até atingir a boca do mesmo.  Só assim se compreende e explica a formação de resíduos próprios da balística, pois em contacto com a temperatura ambiente estes gases diminuem drasticamente a temperatura e solidificam.

aaa) Assim sendo é necessário explicar a existência deste tipo de vestígio no interior do cano de uma arma porque contraria qualquer possibilidade para a recolha de vestígios biológicos após o disparo.  O exame pericial efectuado à arma C...... revela, sem quaisquer margens para dúvidas, a existência de reações de oxidação o que, per si, acelera a degradação de possíveis vestígios biológicos. Neste tipo de casos – recolha de vestígios biológicos  presentes em cenários e/ou objectos de crime violento – a recolha das amostras tem por base os manuais de procedimentos elaborados de acordo com as boas práticas associando-se, nesta matéria, sem margem para dúvida, o Princípio de Locard com referência aos vestígios impercetíveis e à troca de matéria entre diferentes corpos.

bbb) Terá sempre que se manter a autenticidade e a integridade dos vestígios recolhidos e é necessário que se proceda aos cuidados da cadeia de custódia das buscas e apreensões. Assim tem que constar sempre um registo exaustivo, preciso e minucioso do local de recolha com suporte em registos videográficos, fotográficos ou gráficos.

ccc) Curiosamente não existem quaisquer registos das zaragatoas alegadamente recolhidas em casa do arguido - na versão dos inspectores da P.J. Nem tão pouco existiu esse cuidado, com o conhecimento direto dos arguidos ou, quanto muito, com o dever de saberem, que as amostras recolhidas têm que ser condicionadas, separadas e identificadas por forma a não existirem contaminações o que não sucedeu no processo n.º 186/18.8GFVFX.

ddd) Efectivamente na recolha do elemento municial retirado do crânio da vítima CC foi o mesmo colocado juntamente com um "fragmento" de osso no mesmo saco de prova quando deviam ter sido separados e acondicionados em sacos diferentes. Este facto foi do conhecimento de todos os inspectores da PJ supra identificados e nada fizeram conformando-se com os possíveis resultados.

eee) Reitera-se que no mesmo saco foram colocados munição e "fragmento de osso" que depois foram analisados, sempre através do mesmo saco de prova, por dois sectores completamente distintos do Laboratório: a biologia e a balística. De acordo com as legis artes impunha-se que fossem separadas em sacos de prova diferentes logo no momento da recolha o que não foi feito.

fff)    A existência de vestígios biológicos no interior do cano de uma arma de fogo sé é possível quando a mesma, não é utilizada, e existe a deposição desses mesmos vestígios. O material genético é resistente ao tempo, mas não a condições adversas como as de um disparo ou como as reações de oxidação redução, por isso teria sempre que ser aplicada, antes da zaragatoa, a técnica de quimiluminescênciaO que não foi feito!!!!

ggg) Aliás nenhum dos inspectores da P.J. infra identificados apurou, no decurso das suas funções, sequer, quando assim o estava obrigado a fazer, se foi apurado, no local da alegada recolha pelos inspetores presentes na busca – que não se sabe quem foi que recolheu – a profundidade do cano em que a zaragota foi executada. Não há qualquer registo da descrição integra, exaustiva, clara e pormenorizada por forma a afastar a possibilidade de quebra na custódia.  Não foi efectuada qualquer contraprova. Pois a evidência tem uma probabilidade quase nula de acontecer quando há um disparo e é necessário que os resultados sejam coincidentes.

hhh) De igual modo não existe, sequer, registo da identificação da ordem em que foram executadas as zaragatoas.

iii) No que tange à ausência do arguido no local onde terão ocorrido os factos efectivamente o arguido permaneceu na sua habitação no período compreendido entre as 19H00 do dia 15 de Julho de 2018 até às 08H00 do dia seguinte, 16 de Julho de 2018, na companhia dos seus dois filhos menores os quais foram entregues pela mãe, ex-companheira do arguido, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais fixada de guarda partilhada com residência alternada.

jjj) Tal facto foi comprovado pelos depoimentos do arguido que confirmou que a ex-mulher foi entregar-lhe os dois filhos pelas 19H00 do dia 15 de Julho de 2018, que permaneceu com os mesmos na habitação, que não desligou o telemóvel que possuía tendo-o deixado a carregar no quarto e ter ficado a ver a final do campeonato do mundo de futebol e após o jogo acedeu à internet através do "tablet" do filho.

kkk) Tal informação encontra-se comprovada pela informação prestada pela operadora de comunicações constante de fls... que confirmou que no dia 15 de Juho de 2018 e até pelo menos às 00:00 foram feitos acessos ao WI-Fi (Modem e router) existente em casa do arguido.

lll) A ex-companheira do arguido, Sr.ª WW, prestou depoimento em tribunal e confirmou que no dia 15 de Julho de 2018, pelas 19H00, entregou os dois filhos menores na casa do arguido tendo este ficado com os mesmos a pernoitar durante a semana de 15 de Julho de 2018 a 22 de Julho de 2018.

mmm) O arguido prestou declarações em audiência de julgamento tendo, inclusive, referido que a filha faz anos no dia 12 de Julho e que no ano de 2018 o arguido estava a trabalhar e meteu um dia de férias no trabalho (comprovado pelo mapa da ............, cf. fls...) e foi almoçar com os filhos no ............ (provado pelos registos bancários do arguido do dia 12 de Julho de 2018 e bem assim do registo de localização celular do telemóvel do arguido juntos a fls..), tendo a menor jantado com a mãe nesse dia (significando que estava a residir e pernoitar na casa desta na semana anterior aos alegados factos).

nnn) Dos registos de chamadas e localizações celulares - análise dos dados de tráfego de chamadas e metadados, podemos concluir que arguido BB era portador, à data, de um telemóvel ...... com o número 9.......1 apreendido nos autos a fls... Este equipamento tem a bateria interna. Não pode ser retirada (conforme visível no relatório pericial efectuado ao mesmo).

ooo) Existem nos autos dois apensos correspondentes à listagem de contactos efectuados pelo arguido - Apenso II - e a lista de acessos a dados móveis (internet) - Apenso V.  Existem diversos registos de chamadas e acessos efectuados pelo arguido BB os quais accionam as antenas B...... e A...... NORTE LA1.  A BTS/Antena B...... é accionada quando são efectuadas chamadas de voz e mensagens escritas.  A BTS/Antena A...... NORTE LA1 é accionada quando são efectuados acessos de dados móveis (4G).

ppp) Ambas as antenas têm o raio de cobertura na área geográfica da casa do arguido cf. fls. 4413 (MANCHA A AZUL) foi confirmado pelo arguido - assinalado pelo mesmo no documento - e confirmado pelo Engenheiro de comunicações que foi inquirido na qualidade de testemunha

qqq) O Ministério Público e a Polícia Judiciária argumentaram que o arguido BB não estava com os filhos na noite de 15 para o dia 16 de Julho de 2018 tanto mais que o telemóvel n.º 9.......0, pertença de BBB, filho do arguido, havia accionado as células A...... NORTE LA1 no dia 15 de Julho de 2018, pelas 20:14 e no dia 16 de Julho de 2018, pelas 09:15, a célula A...... NORTE FDD1 cf. fls. 4498 e seguintes. Relembra a defesa que o arguido prestou declarações em Tribunal. Referiu que a ex-mulher – WW – foi entregar os filhos a casa deste no domingo pelas 19H30 e que no dia seguinte o arguido os foi levar a casa desta porque não tinha sido possível deixá-los no ATL. Pela operadora Altice foi confirmado, documentalmente, que no dia 15 de Julho de 2018 existiram acessos de internet ao router existente na casa do arguido.  Este referiu em declarações que esteve a ver a final do campeonato do mundo de futebol (Selecções) e que depois acedeu à internet para pesquisar cromos de futebol que fazia colecção. Relembra a defesa que tal facto – a existência de colecção de cromos e do envio de uma SMS à testemunha CCC com os números dos cromos – foi confirmado pelo arguido, pela testemunha, pela prova documental. Curiosamente esta testemunha havia sido arrolada pelo MP para prova de que o arguido havia desligado o telefone sem que o mesmo tenha referido que tivesse ligado, sequer, para o arguido nesse dia 15 de Julho de 2018.

rrr)   Da análise do Apenso II constata-se que  o número de telemóvel  9.......1 accionou, em 45 dias que constam na listagem, 151 vezes a antena A...... NORTE LA1 (mesma antena que foi accionada pelo filho do arguido no dia 15 de julho de 2018)  Da análise do Apenso V constata-se que  o número de telemóvel  9.......1 accionou, em 45 dias que constam na listagem, 167 vezes a antena A...... NORTE LA1 (mesma antena que foi accionada pelo filho do arguido no dia 15 de julho de 2018). Relembra a defesa que a inspectora JJ respondeu que fizeram a apreensão do router existente na casa da arguida AA com o intuito de verificarem se tinham existido acessos pelo telemóvel do arguido no dia 15 de Julho de 2018 e que tal diligência se mostrou negativa.  Contudo e curiosamente tal procedimento não foi adoptado, pela P.J. quanto ao router existente na casa do arguido BB.

sss) Foi a defesa que requereu, no dia 6 de Novembro de 2018 (1 mês e meio depois da detenção) e que veio a ser solicitado já após 4 meses tendo a operadora de comunicado que já não tinha os registos detalhado apenas que podia assegurar que no dia 15 de Julho haviam sido efectuados acessos de internet ao router existente na casa do arguido cf. fls. 5132. Pretendeu a P.J. criar a ideia de que no dia 15 de Julho de 2018 o arguido teria, deliberadamente, desligado o telemóvel por forma a não ser detectado. Os inspectores JJ e HH tentaram demonstrar que o arguido teria desligado o equipamento uma vez que o último registo do dia 15 de Julho de 2018 havia sido efectuado pelas 19H39 e no dia 16 de Julho de 2018 teria accionado pelas 09H30.

ttt)    Curiosamente os mesmos inspectores afirmaram que conseguiram determinar que o arguido havia dormido em casa da arguida, semanas mais tarde, uma vez que tinham analisado os registos e que, segundo estes, o último registo do dia e o primeiro do dia seguinte teriam accionado a mesma antena. Curiosamente este princípio já não serviu para a P.J. no que diz respeito ao dia 15 de Julho de 2018. O arguido explicou que no dia 15 de Julho de 2018, pelas 19:30 recebeu os filhos em sua casa, que tratou deles, que estes foram deitar-se, que deixou o telemóvel na mesa de cabeceira a carregar, ligado, como sempre fazia, por causa do despertador para poder acordar no dia seguinte. Referiu que esteve até mais tarde a ver televisão e acedeu à internet por outro equipamento que não o telemóvel por causa da colecção de cromos.

uuu) Contudo, tem algum fundamento a alegação dos inspectores da P.J. quando referem que o arguido desligou o telemóvel uma vez que não existem registos no dia 15 de Julho de 2018? A análise atenta dos dois apensos – II e V – esclarece todas as dúvidas e afasta esta teoria da P.J.  Dias existem em que o último registo de chamadas de voz é efectuado e depois existem dados móveis activados nesse mesmo dia e num período posterior provando que pese embora não tivessem existido chamadas de voz ou mensagens escritas o arguido terá acedido a dados móveis accionado as antenas de dados móveis (Apenso V). Disso são exemplo os dias: 1 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 22H26 (página 1 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 22H42 (página 1 de 107); 5 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 19H43 (página 7 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H58 (página 2 de 107); 12 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 19H32 (página 19 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H35 (página 1 de 107); 14 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 22H40 (página 20 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H15 (página 1 de 107); 19 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 20H37 (página 27 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H36 (página 1 de 107); 20 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 20H48(página 28 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H52 (página 1 de 107); 23 de Junho de 2018 - Apenso II último registo às 17H53 (página 33 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 21H10 (página 16 de 107); 4 de Julho de 2018 - Apenso II último registo às 20H37 (página 45 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 23H47 (página 19 de 107); 18 de Julho de 2018 - Apenso II último registo às 22H24 (página 57 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 22H44; 31 de Julho de 2018 - Apenso II último registo às 14H30 (página 67 de 82) enquanto que no Apenso V o último registo é efectuado às 17H41 (página 36 de 107);

vvv) Presunções erradas por parte da investigação e/ou, pelos menos, com total ausência de provas que sustentem tal teoria. De igual modo o sr. coordenador da investigação Dr. HH referiu, em resposta à MM.ª Juiz de Direito, que tinha analisado os registos de comunicações dos arguidos e que este padrão - de alegadamente terem desligado os telemóveis à mesma hora ou com intervalo muito reduzido- só havia sucedido no dia 15 de Julho de 2018.  NADA MAIS ERRADO. Esta afirmação não corresponde à verdade quando analisados os registos de chamadas efectuados pelos arguidos. A exemplo: No dia 8 de Julho de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 20H27 e o arguido BB às 20H26; No dia 9 de Julho de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 18H50 e o arguido BB às 18H50; No dia 15 de Julho de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 19H42  e o arguido BB às 19H39; No dia 27 de Julho de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 23H45 e o arguido BB às 23H45; No dia 12 de Agosto de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 23H56 e o arguido BB às 23H56; No dia 18 de Agosto de 2018, a arguida AA efectuou a última comunicação registada às 23H36 e o arguido BB às 23H36. Estes são apenas alguns exemplos que contrariam a alegação efectuada por quem referiu, em audiência, ter sido o único dia em que os arguidos teriam efectuado a última comunicação próxima um do outro.

www) De igual modo não corresponde à prova documental a alegação efectuada pelo sr. Coordenador da PJ., Sr. Dr. HH, de que existia um padrão de comportamento e que tal tinha sido constatado pelos senhores inspectores e com isso reforçado a ideia de alegada responsabilidade penal do arguido BB. Da leitura atenta e cuidada dos registos de chamadas dos apensos II e V constata-se, efectivamente, o inverso do alegado tendo ocorrido no dia 15 de Julho de 2018 exactamente o que havia sucedido nos fins de semana anteriores. Nada de anormal ou de estranho.
 
xxx) Pelo supra exposto a interpretação do Tribunal da Relação de ........., ao ter realizado um "segundo" julgamento, alterando a matéria de facto dada como não provada para provada e, consequentemente, condenando o arguido pela alegada prática de um crime de homicídio qualificado e de um crime de profanação de cadáver, constituiu uma inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1 alínea e) do C.P.P. nas interpretações normativas infra descritas;
 
yyy) E ainda uma inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 412.º, n.º 3, 414.º, n.º 8, 419.º, n.º 1, 2 e 3, alínea c), 428.º, 431.º, alínea b) e 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP, nas interpretações normativas infra descritas;

zzz) E ainda uma inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 410.º, n.º 2 e 3 do CPP, nas interpretações normativas infra descritas;
 
aaaa)           Verifica-se, igualmente, uma nulidade do acórdão "a quo" por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (artigo 379.º, n.º 1 alínea c)) e aqui aplicável "ex vi" do n.º 4 do artigo 425.º ambos do C.P.P. e ainda

bbbb) Uma nulidade do acórdão "a quo" por falta de fundamentação - artigo 379.º, n.º 1 alínea a) aplicável "ex vi" do n.º 4, do artigo 425.º ambos do C.P.P. e ainda

cccc)           E uma violação, pelo acordão "a quo", das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras de experiência comum, valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 355.º, 150.º, n.º 1 e 3, 171.º, n.º 2, 173.º, 249.º, n.º 1 e 2, alínea b) todos do C.P.P. na interpretação normativa infra descrita

dddd) E uma violação do regime previsto nos artigos 187.º, n.º 4 em conjugação com o artigo 189.º, n.º 1 e 2 todos do C.P.P por força da aplicação do 126.º, n. 3 do C.P.P. no que concerne à recolha de listagens de chamadas de telemóveis de cidadão que não suspeito no processo à data da referida recolh

eeee) Na sequência da inconstitucionalidade mencionada supra, erro notório na apreciação da prova;

ffff)   Constata-se uma inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), 1ª parte e alínea c), 1ªa parte, e n.º 2 do artigo 414.º, n.º 4, "ex vi" artigo 425.º, n.º 4 todos do C.P.P., na interpretação normativa infra descrita;

gggg) E uma clara e irreparável violação do princípio "In dubio pro reo", na vertente que consubstancia matéria de direito

hhhh) Em consequência deverão considerar-se provados apenas os factos que o Tribunal do Júri como tal considerara, declarando-se como não provados todos os factos que o tribunal da relação, na decisão recorrida, considerou como provados em clara oposição ao princípio "In dubio pro reo" e em oposição ao que fora decidido na primeira instância.».

Pedido:
«Termos em que, e no que V.Ex.as superiormente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido mantendo-se a absolvição do arguido nos precisos termos anteriormente decididos pela primeira instância, como supra se invocou e assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!.».

De seu lado, a arguida AA:
─ Declara, ainda, a final da peça de recurso, que «nos termos e para os efeitos do art.º 412.º n.º 5 do C.P.P. […] que mantém interesse nos recursos que se encontram retidos»; e
─ Requer a realização de audiência, nos termos do art.º 411.º n.º 5 para debate de cinco das questões do recurso, que identifica.

5. Os recursos foram admitidos por douto despacho do Senhor Desembargador Relator de 19.10.2020, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.

6. O assistente/demandante DD, filho da vítima CC e da Recorrente AA, representado pela sua tia DDD, respondeu aos recursos, pronunciando-se pela sua inadmissibilidade no respeitante às condenações pelos crimes de profanação de cadáver e de detenção de arma proibida e pela sua improcedência na parte restante.
Quanto à decisão cível, reconhecendo, embora, que, tal como decidido no Acórdão Recorrido, da condenação do arguido BB no Tribunal da Relação pelo crime de homicídio não é possível extrair quaisquer consequências cíveis por ausência de recurso do demandante do acórdão do júri que o absolveu nessa parte, não deixa de anotar que, «atendendo aos factos dados como provados nos autos e aos valores fixados anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, e ainda, por uma questão de equidade», «entende […] que» na quantia de € 42 000,00 arbitrada «não está contabilizada a indemnização do dano morte, atualmente fixado nos seus limites inferiores e superiores em € 70,000,00 e € 80,000,00, respetivamente».

7. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de ......... respondeu doutamente aos recursos.
Pronunciou-se no sentido do não conhecimento dos recursos interlocutórios da arguida AA.
Quanto aos recursos da decisão final, e tanto da arguida AA como do arguido BB, sustentou:
─ A sua rejeição, por manifesta improcedência, nos segmentos em que pretendem o reexame da matéria de facto, por fora dos âmbito do poderes de cognição do STJ, e, em qualquer caso, a sua improcedência, por não violadas as regras de produção e valoração de prova vinculada, por não valoradas provas proibidas, por não violado o princípio do in dubio pro reo e por inexistente erro notório na apreciação da prova; e
─ A improcedência das acusações de inconstitucionalidade, sejam as referenciados aos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª  b) e 432.º n.os 1 al.ª  c) e 2 do CPP quando interpretados no sentido de o Tribunal da Relação poder, em conferência e sobre acórdão do tribunal do júri, «proceder a um novo e segundo julgamento da matéria de facto e, na sua sequência, formando uma convicção diametralmente oposta» à daquele tribunal «alterar a decisão deste no sentido condenatório e manter a condenação da recorrente, apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem que se invoque qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP..."», por violação do «princípio do estado de direito democrático, "...da prevalência da lei, da segurança juridíca e da confiança, e do justo e equitativo procedimento;"»; sejam as referenciadas aos art.os 400.º, a contrario, 410.º n.os 1 e 3, 432.º, n.º 1 al.ª b) e 434.º do CPP, quando interpretados no sentido de vedar a invocação em recurso para o STJ, após confirmação na Relação do acórdão condenatório da 1ª instância, de vícios previstos no art.º 410.º do CPP, por violação dos art.os 2.º, 3.º, 20.º n.os 1 e 4 e 32.º n.º 1 da CRP.

E, em jeito de conclusão, finalizou a peça com as seguintes asserções:
─ «Assim e não se vendo que o acórdão deste Tribunal padeça de qualquer vício que importe a alteração da decisão, entendemos que ambos os recursos devem ser:
1 - Rejeitados nos segmentos respeitantes à matéria de facto […].
2 - No mais, negar provimento aos recursos, confirmando-se o acórdão recorrido.
Termos em que, mantendo a decisão recorrida […] será feita a Justiça do caso agora submetido à apreciação desse Supremo Tribunal.».

8. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer – art.º 416.º n.º 1 do CPP [4] –, requerendo se designe audiência para apreciação do recurso da arguida AA e pronunciando-se quanto ao do arguido BB pela forma que segue [5]:
─ «[…].
4.2 No recurso que interpõe para o STJ, alega o recorrente:
a) Impugnar da decisão de alteração da matéria de facto quanto à decisão condenatória;
b) Impugna matéria de direito relativamente a:
1. Inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1 alínea e) do C.P.P. nas interpretações normativas infra descritas;
2. Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 412.º, n.º 3, 414.º, n.º 8, 419.º, n.º 1, 2 e 3, alínea c), 428.º, 431.º, alínea b) e 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP, nas interpretações normativas infra descritas;
3. Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 410.º, n.º 2 e 3 do CPP, nas interpretações normativas infra descritas;
4. Nulidade do acórdão "a quo" por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (artigo 379.º, n.º 1 alínea c)) e aqui aplicável "ex vi" do n.º 4 do artigo 425.º ambos do C.P.P.
5. Nulidade do acórdão "a quo" por falta de fundamentação - artigo 379.º, n.º 1 alínea a) aplicável "ex vi" do n.º 4, do artigo 425.º ambos do C.P.P.
6. Violação, pelo acordão "a quo", das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras de experiência comum, valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 355.º, 150.º, n.º 1 e 3, 171.º, n.º 2, 173.º, 249.º, n.º 1 e 2, alínea b) todos do C.P.P. na interpretação normativa infra descrita
7. Violação do regime previsto nos artigos 187.º, n.º 4 em conjugação com o artigo 189.º, n.º 1 e 2 todos do C.P.P por força da aplicação do 126.º, n. 3 do C.P.P. no que concerne à recolha de listagens de chamadas de telemóveis de cidadão que não suspeito no processo à data da referida recolha
8. Na sequência da inconstitucionalidade mencionada no n.º 3, erro notório na apreciação da prova;
9. Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), 1ª parte e alínea c), 1ªa parte, e n.º 2 do artigo 414.º, n.º 4, "ex vi" artigo 425.º, n.º 4 todos do C.P.P., na interpretação normativa infra descrita;
10. Violação do princípio "In dubio pro reo", na vertente que consubstancia matéria de direito.

4.2.1 A Magistrada do M.ºP.º junto do TR... equacionou todas as questões suscitadas pelo recorrente, rebatendo as mesmas com amplitude e rigor, cujos fundamentos se acompanham na íntegra.
Apenas se aditará o seguinte:
4.2.1.1. O recorrente pretende ver revertida a decisão condenatória proferida pelo TR..., insurgindo-se contra a possibilidade de o Tribunal da Relação poder alterar a matéria de facto fixada por tribunal de júri.
Mais invoca " que o acórdão recorrido traduz, a inconstitucionalidade da interpretação normativa dos artigos 412.º, n.º 3, 414.º, n.º 8, 419.º, n.º 1, 2 e 3, alínea c), 428.º, 431.º, alínea b) e 432.º, n.º 1 alínea c) e n.º 2 do C.P.P. na redação da Lei n.º 48/2007, de 20 de Agosto, segundo a qual, o Tribunal da Relação de ........., em recurso interposto do acórdão absolutório do Tribunal do Júri, pode em conferência, proceder a um novo e segundo julgamento da matéria de facto e, na sua sequência, formando uma convicção diametralmente oposta à do Tribunal do Júri, alterar a decisão deste no sentido condenatório, apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem que se invoque qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. por violação do princípio do Estado de Direito democrático - artigos 2.º, 3.º e 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa- em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, do justo e equitativo procedimento.".

Tal alegação não tem, porém , qualquer fundamento legal.
Tal como se refere a fls. 150 do acórdão do TR ... "com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29/8, que procedeu a alterações profundas do CPP, dando-se então concretização às garantias de defesa constitucionalmente consagradas, nomeadamente em matéria de recursos, passando a permitir-se o recurso da decisão em matéria de facto, ainda que proferida pelo tribunal do júri, ao abrigo do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do referido Código, recurso a interpor necessariamente para a Relação, que conhece de facto e de direito, assim se garantindo de modo efetivo o direito a um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Apesar das dúvidas inicialmente levantadas por um reduzido número de juristas e mesmo por alguma jurisprudência do próprio STJ - cfr. a título exemplificativo, o seu acórdão proferido no processo n.º 165/15.7JAFUN.L1.S1 -, que consideraram inconstitucional essa possibilidade de recurso da decisão do júri em matéria de facto, o certo é que está hoje consolidada a posição que defende a conformidade constitucional de tal solução, a qual será mesmo imposta pelo princípio geral definido no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Consequentemente, havendo recurso em matéria de facto e mostrando-se o mesmo fundamentado, nele se fazendo a demonstração que o tribunal do júri errou na análise e avaliação das provas que perante si foram produzidas, nada obsta a que o tribunal de segunda instância, reexaminando as mesmas provas, decida de forma diversa relativamente aos factos concretamente impugnados."

O Tribunal da Relação, pelos fundamentos aduzidos a fls. 171/172 do acórdão do TR ..., o tribunal procedeu à alteração dos factos provados conforme descrição constante de fls. 173 a 176 do acórdão, concluindo:
"Tendo procedido, no fundamental, a impugnação de facto do MP, com a consequente modificação da matéria de facto provada, há que subsumir esta ao direito e tirar as respetivas consequências quanto à responsabilidade do arguido BB no cometimento dos aludidos crimes, pelos quais tinha sido absolvido em primeira instância.
Perante aquela nova factualidade, a acusação formulada contra este arguido é igualmente procedente, demonstrando-se que houve comparticipação do mesmo na execução dos factos que conduziram à morte do CC, bem como na ocultação do respetivo cadáver, tendo aquele arguido e a arguida AA agido concertadamente e em conjugação de esforços, na execução de plano previamente traçado por ambos, para obtenção do resultado – morte do ofendido – por eles pretendido.
São, pois, coautores do crime de homicídio qualificado – nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 alíneas b), e) e j), do CP, verificando-se, quanto ao arguido BB, pelo menos, esta última circunstância – e do crime de profanação de cadáver, p. p. pelo artigo 254.º, n.º 1 al. a), do mesmo Código, crimes pelos quais o mencionado arguido deverá também ser condenado."

E como bem fundamenta a Magistrada do M.ºP.º junto do TR..., a impossibilidade do STJ sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade – cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, processo n.º 106/97-2ª secção, in DR, II Série, n.º 160, de 14-07-1998 e BMJ 477, 18 e n.º 165/99, de 10-03-1999, processo n.º 412/98-3ª secção, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ 485, 93.
Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ 445, 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal."
Neste contexto, deverá concluir-se que todos os argumentos e considerações constantes das conclusões sob as alíneas a) a xxx), são "...processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes..." o mesmo acontecendo, designadamente, com as transcrições juntas de fls. 8159 a 8350.

4.2.1.2. No atinente à invocação , apenas na motivação do recurso, da inconstitucionalidade do art.º 400.º alínea e) do CPP quando interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do n.º 1 c) do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos, para além da circunstância de o recorrente não impugnar a medida das penas parcelares aplicadas, sequer da pena única fixada, sempre se dirá que o acórdão do TC 595/2018(DR de 11.122018) declarou " com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.
Na situação dos presentes autos, tendo ocorrido reversão, por parte da Relação, da absolvição quanto ao crime de profanação de cadáver, punido com pena de 1 ano e 10 meses de prisão, efetiva, sempre o mesmo seria objeto de possibilidade de recurso para o STJ, de harmonia com a citada jurisprudência , obrigatória, do TC.

4.2.1.3.Alega o recorrente ter ocorrido violação das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras de experiência comum, valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 355.º, 150.º, n.º 1 e 3, 171.º, n.º 2, 173.º, 249.º, n.º 1 e 2, alínea b) todos do C.P.P.

Relativamente a tais arguições, semelhantes às arguidas pela arguida AA em sede de recurso para o TR..., para além do constante da resposta do M.ºP.º junto do TR..., sempre se assinalará o teor do segmento do acórdão do TR..., a fls. 166/167, em apreciação do alegado no recurso da referida arguida:
"Nenhum dos meios de prova que foram valorados pelo tribunal de primeira instância se insere no conceito de prova proibida, nem há razões para que a mesma seja considerada nula por força de disposição legal que assim o determine e com base em eventual preterição de formalidade essencial legalmente prevista, com a consequência de não poder ser valorada.
As informações referentes à localização celular do telemóvel do CC que a arguida invoca, afirmando que não podem ser valoradas pelo tribunal para formar a respectiva convicção, são as mencionadas no despacho de fls. 193 (vejam-se as páginas 66 e 67 da respectiva motivação de recurso). Para além de essa obtenção de dados móveis não ter sido validada - por ter sido excedido o prazo de 48 horas referido no artigo 252.º-A, n.º 2, do CPP -, resulta do mesmo despacho que este se refere à obtenção, pelas autoridades policiais (GNR), de dados de localização celular do telefone de CC, dados esses que - perante os novos dados celulares que foram posteriormente solicitados pela PJ e fornecidos pela Vodafone.-, se revelou estarem errados, razão por que, aqueles não constituíram meio de prova em que se tenha fundado a decisão condenatória, tendo apenas sido referidos pela inspectora JJ para justificar o motivo pelo qual desconfiaram que a informação dada pela arguida AA, quanto à localização do CC ao iniciar o treino no dia do seu desaparecimento, estaria errada, confirmando-se depois, perante os novos dados obtidos, que a aludida informação prestada pela mesma arguida era compatível com os últimos dados fornecidos pela Vodafone, que garantiu a fidedignidade dos mesmos.
No que concerne à zaragatoa bucal para colheita de perfil de ADN, a que se submeteu a arguida AA e que foi efectuada a 31/8/2018, contrariamente ao que a mesma invoca, esta prestou o respectivo consentimento, declarando de forma expressa que autoriza que lhe «seja efectuada colheita de vestígios biológicos através de zaragatoa bucal», no âmbito do processo que é identificado na mesma declaração escrita, conforme decorre de fls, 730 dos autos, não havendo, por isso, qualquer desconformidade com as exigências legais nessa matéria, nem obstáculo a que sejam valorados os meios de prova que se fundam em tais vestígios.
Não se vislumbrando, pois, que tenha sido valorada alguma prova que o não pudesse ser, por se tratar de prova proibida. "

5. Pelo exposto, acompanhando como supra se referiu os fundamentos aduzidos na resposta do M.ºP.º junto do TR..., considerando não enfermar o acórdão recorrido de quaisquer vícios de decisão, nulidades, ilegalidades ou de interpretações inconstitucionais, encontrando-se o mesmo ampla , rigorosa e objetivamente fundamentado, quer quanto a matéria de facto, quer de direito, designadamente quanto à escolha da medida das penas parcelares e pena única aplicadas - vd. fls. 179 a 183 do acórdão do TR..., cujos fundamentos se acompanham - , pronunciamo-nos igualmente pela improcedência global do recurso interposto pelo arguido BB.
[…]».

9. A Recorrente AA respondeu ao parecer do Ministério Público – art.º 417º n.º 2 –, reiterando «o já por si alegado em sede de recurso por si interposto», nada «alterando ou acrescentando»
O Recorrente BB, dizendo o seguinte:
─ «[…].
1.º
O arguido mantém, ipsis verbis, o alegado em conclusões no recurso por si interposto.
2.º
Após a leitura atenta do douto parecer do Ministério Público o recorrente tem certeza, agora reforçada, que lhe assiste razão e que deve ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação de ......... atenta a posição daquele que foi o titular da acção penal.

Nestes termos deve o recurso interposto pelo arguido para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça ser considerado procedente e, consequentemente, ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação de ......... que condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado e de profanação de cadáver e, em sua substituição, ser o arguido absolvido da prática de tais crimes remetendo, integralmente, para o recurso por si interposto todos os fundamentos de facto e de direito constantes de fls...».

10. Teve lugar audiência de julgamento, conforme requerido pela arguida AA, com cumprimento das formalidades de lei e a intervenção de todos os sujeitos.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. Âmbito-objecto dos recursos.
11. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 412.º n.º 1, in fine –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas [6].
Tribunal de revista, de sua natureza, o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas da matéria de direito – art.º 434 .º.
Não obstante, deparando-se com vícios da decisão de facto enquadráveis no art.º 410.º n.º 2 que inviabilizem a cabal e esgotante aplicação do direito, ou com nulidade não sanada – art.º 410.º n.º 3 e 379.º n.º 2 –  pode, por sua iniciativa, sindicá-los.

12. Reexaminadas as conclusões das motivações, surpreendem-se as seguintes questões:
─ Recurso da arguida AA:
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º, n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.º 1 al.ª c) e n.º 2.
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 379.º n.os 1 al.ª a), 1.ª parte, e al.ª c), 1ª parte, e 2.
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 410.º n.os 2 e 3 e 434.º, do CPP.
─ Nulidade do Acórdão Recorrido por omissão de pronúncia (art.os 379.º n.º 1 al.ª c) e 425.º n.º 4 ).
─ Nulidade do Acórdão Recorrido por falta de fundamentação (art.os 379.º n.º 1 al.ª a) 425.º n.º 4).
─ Violação das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras da experiência comum (art.º 410.º).
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 171.º n.º 2 e 249.º n.º 1 e, na consequência, erro notório na apreciação da prova a conhecer, pelo menos, oficiosamente (art.º 410.º n.º 2 al.ª c)).
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 379.º n.os 1 al.ª a), 1.ª parte, e al.ª c), 1ª parte, e 2.
─ Violação do princípio in dubio pro reo.
─ Recurso do arguido BB:
─ Inconstitucionalidade do art.º 400.º n.º 1 al.ª e).
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.os 1 al.ª c) e 2.
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 410.º n.os 2 e 3.
─ Nulidade do Acórdão Recorrido por omissão de pronúncia (art.º 379.º n.º 1 al.ª c) 425.º n.º 4.
─ Nulidade do Acórdão Recorrido por falta de fundamentação (art.os 379.º n.º 1 al.ª a) e 425.º n.º 4.
─ Violação das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras de experiência comum, valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 355.º, 150.º n.os 1 e 3, 171.º n.º 2, 173.º, 249.º n.os 1 e 2 al.ª b).
─ Violação do regime previsto nos art.os 187.º n.º 4 em conjugação com o art.º  189.º n.os 1 e 2 e consequente valoração de prova proibida nos termos do art.º 126.º n.º 3 no respeitante à recolha de listagens de chamadas de telemóveis de cidadão não suspeito no processo à data da referida recolha.
─ Na sequência da inconstitucionalidade mencionada supra, erro notório na apreciação da prova.
─ Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 379.º n.os 1 al.as a), 1ª parte, e c), 1ª parte e 2, 414.º n.º 4 e 425.º n.º 4.
─ Violação do princípio in dubio pro reo.


Questões sobre que, assim, e salvo obstáculo de prejudicialidade – art.º 608.º n.º 2 do CPC, ex vi do art.º 4.º –  caberá pronúncia neste acórdão.

13. Mas para lá das que decorrem directamente das motivações dos Recorrentes e que se acabam de enunciar, outras cumpre ainda abordar, aliás, prévia e, se necessário, oficiosamente.
Concretamente:
─ A sindicabilidade do Acórdão Recorrido no respeitante ao arbitramento indemnizatório em favor do assistente/demandante, para que este alerta na sua contramotivação.
─ A (in)admissibilidade de recurso do Acórdão Recorrido no segmento em que conheceu do recurso interlocutório da arguida AA, para que a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de ......... e a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça alertam.
─ A (in)admissibilidade de recurso do Acórdão Recorrido no segmento em que decretou a condenação dos arguidos pela prática dos crimes de profanação de cadáver e de detenção de arma proibida.

14. Assim e com a advertência de que onde quer que os arguidos coincidam na censura se procederá à abordagem conjunta das questões, e de que em tal abordagem se atenderá à regra da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais:

B.  Questões prévias.

a. A (in)sindicabilidade da decisão sobre a indemnização civil.
15. Agindo em representação do menor DD ao abrigo do disposto nos art.os 3º n.º 1 al.ª a) e 5º n.º 1 al.ª c) do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n.º 47/86 de 15.10, o Ministério Público deduziu, conjuntamente com a acusação, pedido de indemnização civil em favor dele, requerendo a condenação solidária dos arguidos no pagamento da indemnização global de € 100 000,00, acrescidos de juros legais desde a citação, para compensação dos danos não patrimoniais que discriminou.
Em 1ª instância, o pedido procedeu apenas parcialmente, dele tendo sido absolvido o arguido BB e sendo a arguida AA condenada no pagamento da quantia de € 42 000,00.

Do assim decidido não houve recurso, nem movido pelo demandante – no entretanto admitido como assistente e representado pela sua tia paterna DDD –, nem pela condenada AA.
Do que resultou que, nessa parte, o acórdão do tribunal do júri tenha transitado em julgado, como, de resto o próprio Acórdão Recorrido não deixou de sublinhar ao dizer que, «a ausência de recurso, por parte do demandante, no que concerne à decisão que absolveu» o arguido BB do pedido cível «torna esta decisão definitiva, impedindo que sejam tiradas quaisquer consequências, em matéria cível, da condenação do referido arguido em matéria criminal».

Acontece, porém, que, como assinalado, o DD, na contramotivação aos recursos interpostos pelos arguidos para este STJ, queixa-se da exiguidade do montante indemnizatório de € 42 000,00 arbitrado, que – diz – só o dano da perda do direito à vida do seu pai deveria ter sido computado entre € 70 000,00 a € 80 000,00.
Sugerindo – parece – que este tribunal reequacione o montante da indemnização.

Seja qual for o intuito do assistente/demandante, a verdade é que ele sempre estará votado ao malogro por este tribunal não poder conhecer do ponto.
E assim pois que, salvo na hipótese prevista no art.º 82.º-A – que, porém, não colhe in casu, logo porque o lesado DD deduziu pedido de indemnização –, a questão da reparação cível dos prejuízos causados pela prática não é de conhecimento oficioso, estando sujeita ao princípio do pedido, recursório, inclusivamente.
Pedido que, como se disse, o lesado não deduziu, não recorrendo do decidido em 1ª instância.
E, sendo que, em qualquer circunstância, o trânsito em julgado do segmento cível do acórdão de 1ª instância sempre impedirá o reexame do decidido, mormente num recurso ordinário como o presente.

16. Motivo por que se decide não conhecer de qualquer questão relativa à condenação cível.   

b. A (ir)recorribilidade da decisão sobre o recurso interlocutório – recurso da arguida AA.
17. Na conclusão 8ª, a arguida AA declara «nos termos e para os efeito do art.º 412.º n.º 5 C.P.P. […] que mantem interesse nos recursos que se encontram retidos».

Não havendo nenhum recurso retido de acto proferido pelo Tribunal da Relação, interpreta-se tal declaração como intenção de recorrer do segmento do Acórdão Recorrido que conheceu do recurso interlocutório por ela interposto a 19.3.2020 do despacho documentado na acta da sessão de 18.2.2020 da audiência de julgamento do tribunal do júri, que, no seguimento de comunicação de alteração não substancial dos factos nos termos do art.º 358.º n.º 1, indeferiu a realização de diligências de prova que requereu, e que é do seguinte teor:
─ «Requer a arguida AA, no requerimento que se mostra junto a folhas 6333 a 6337 dos autos, a audição de EE que “poderá esclarecer este tribunal da necessidade imperiosa da realização da perícia” que seguidamente requer e qualifica como “exumação dos restos mortais de CC, a fim de serem sujeitos aos devidos exames para apuramento real, cabal e idóneo da causa e mecanismos de morte, designadamente de rigoroso Exame autóptico, segundo a legis artis”. Foi cumprido o princípio do contraditório, tendo os intervenientes, designadamente, o Digno Magistrado do Ministério Público e o Ilustre Mandatário do Assistente se pronunciado no sentido do indeferimento do requerido e o Ilustre Mandatário do arguido BB no sentido de não se opor às diligências requeridas, conforme consta da presente acta.
Cumpre apreciar e decidir.
Analisado o requerimento em epígrafe constata-se que o mesmo não tem alegação de factualidade de onde se possa inferir que os meios de prova, cuja produção é requerida, sejam necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Os exames e perícias, julgados necessários, foram realizados oportunamente, tendo tido todos os intervenientes processuais a possibilidade de requererem os esclarecimentos ou invocarem vícios e de, nomeadamente, designarem consultores técnicos, nos termos do disposto no artigo 155.º, do Código de Processo Penal, para lhes prestarem auxílio, durante a prestação de esclarecimentos pelos peritos, em audiência de julgamento. A audiência de julgamento nos presentes autos decorreu com ampla análise sobre as perícias efectuadas e prestação de esclarecimentos dos senhores peritos, nomeadamente na parte tocante à autópsia, tendo os sujeitos processuais tido a oportunidade de formularem as questões que consideraram pertinentes.
Assim, não resultando do requerimento ou de quaisquer outros elementos dos autos a relevância de produção de outros meios de prova, não se julgam verificados os pressupostos do artigo 340.º do Código de Processo Penal, razão pelo que se indefere a audição requerida, bem como a sugerida e condicional exumação do cadáver de CC.»

Recurso interlocutório esse que, julgado preliminarmente no Acórdão Recorrido – ponto 3.1. respectivo –, improcedeu totalmente, decidindo os Senhores Desembargadores que o despacho de indeferimento das diligências de prova – a inquirição do consultor técnico forense Dr. EE em vista de esclarecer sobre a necessidade da realização de nova autópsia à vítima e efectuação de tal diligência – nem padecia da falta de fundamentação exigida pelo art.º 97.º n.º 5, nem tinha violado o disposto no art.º 340.º, nem tinha importado a comissão da nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2 al.ª d),  da qual, de resto – esclareceram, ainda – nem sequer se podia conhecer por não ter sido oportunamente arguida.    


18. Sucede, porém, que nem interpretada a declaração como referido, o recurso pode ser admitido.
E, assim, mesmo dando de barato que se encontra motivado nos termos exigidos no art.º 412.º n.os 1 e 2 – o que, pelo menos, se tem por muito duvidoso! –, e que, por isso, nada lhe obsta na perspectiva dos art.os 414.º n.º 2 e 420.º n.º 1 al.ª b).
Com efeito:

Nos termos do disposto no art.º 432.º n.º 1 d), recorre-se para o STJ de «decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores».

Parecendo, embora, remeter para os recursos movidos a qualquer uma das decisões referidas nas três primeiras alíneas do preceito – é dizer, a «decisões das relações proferidas em 1.ª instância» (al.ª a)), a «decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º» (al.ª b) e a «acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» (al.ª c) –, na realidade assim não acontece, que a norma só tem em vista as das al.as a) e c).

 E assim porquanto, como vem sendo entendimento firme neste Supremo Tribunal [7], o preceito tem de se articular com o art.º 400.º, n.º 1, al. c) que estabelece que «não é admissível recurso […] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo».

E importando a consideração do elemento sistemático a conclusão de que a remissão da al.ª d) apenas abrange os casos das al.as a) e c) referidas – isto é, os casos em que os recursos interlocutórios sobem com as decisões proferidas pela relação em 1ª instância ou com as decisões do tribunal colectivo e do júri de que se recorre per saltum para o STJ –, mas já não quando se trata de decisões interlocutórias proferidas em recurso pelo Tribunal da Relação, que dessas, por obstáculo daquele art.º 400.º n.º 1 c), nunca cabe recurso para o Supremo Tribunal, por não conhecerem, a final, do objecto do processo.

E – acrescenta concordantemente a jurisprudência a que se vem apelando – a circunstância «de o recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal» [8].

Sendo que, de resto, trata-se da única solução quadrável com a filosofia do sistema de recursos penais e com a repartição hierárquico-material de competências entre a 2ª instância e o Supremo Tribunal.

E que é solução que responde adequadamente à ideia constitucional da plenitude das garantias de defesa na vertente do direito ao recurso do art.º 32.º n.º 1 da CRP que, como é entendimento pacífico, se satisfaz com a existência de um grau de recurso, assegurado, na hipótese, pelo Tribunal da Relação.


19. Voltando, então, ao mais concreto e presente o que se acaba de explanar, é muito evidente que, enquanto dirigido ao segmento do Acórdão Recorrido que conheceu do recurso interlocutório do mencionado despacho de 18.2.2020, o recurso da arguida AA não pode ser admitido, por irrecorribilidade, nos termos das disposições conjugadas do art.º 399.º, 400.º n.º 1 al.ª c) e 432.º n.º 1 al.ª d) e b).
Motivo por que, não vinculando este tribunal a decisão que o admitiu no Tribunal da Relação de ......... – art.º 414.º n.º 3  –, se decide pela sua rejeição nos termos dos art.º 420.º n.º 1 al.ª b) e 414 n.º 2.

c. A (ir)recorribilidade dos segmentos do Acórdão Recorrido que conheceram dos crimes de profanação de cadáver e de detenção de arma proibida; a (in)constitucionalidade do art.º 400.º n.º 1 al.ª e) – recursos dos Recorrentes AA e BB.
20. Como já referido, a Recorrente AA, além de pelo crime homicídio qualificado p. e p. pelos art.os 131.º e 132.º n.os 1 e 2  al.as b), e) e j) do CP – pena parcelar de 24 anos de prisão –, foi condenada pelo Tribunal de 1ª Instância pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art.º 254.º n.º 1 al. a) do CP na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.os 86° n.os 1 al.as c) e d) e 2, 3° n.º 3 , 2° n.º 3 al.ª r) e 3° n.º 2 al. r) da Lei n.º 5/2006, de 23.2, na pena de 18 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 anos de prisão.

Tais condenações e penas, parcelares e única, foram mantidas no Acórdão Recorrido.


De seu lado, o arguido BB foi condenado em 1ª instância pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.os 86.º n.os 1 al.as c) e d) e 2 da Lei 5/2006, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual tempo, tendo sido absolvido relativamente aos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver.

No Acórdão Recorrido, sob recurso do Ministério Público e após alteração da matéria de facto, foi condenado na pena de 2 anos de prisão pela prática do mesmo crime de detenção de arma proibida, e, ainda, nas penas de 1 ano e 10 meses de prisão pela prática de crime de profanação da cadáver, p. e p. pelo art.º 254.º n.º 1 al.ª a) do CP, de 24 anos de prisão pela prática de crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.os 131.º e 132.º n.os 1 e 2 al.ª j), do CP e artigo 86.º n.º 3, da Lei n.º 5/2006,  e de 25 anos de prisão, a título de pena única.


21. Sem questionarem a qualificação jurídica dos factos nem a medida das penas, põem os arguidos em causa no presente recurso toda a actividade decisória que subjazeu e conduziu às suas condenações, apontando ao Acórdão Recorrido e aos juízos sobre os factos e sobre o direito que encerra as interpretações inconstitucionais, as nulidades, as violações das regras e princípios de prova e os erros-vícios da decisão de facto que se extractaram em 12. supra, tudo a ponto de pedirem, na procedência dos recursos, a revogação dele, «absolvendo-se a recorrente […] (ainda que ao abrigo do princípio in dubio pro reo), absolvição que somente será entendível, lógica e sustentada com o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo» – Recorrente AA – e a manutenção da «absolvição do arguido nos precisos termos anteriormente decididos pela primeira instância» – Recorrente BB.
E prevenindo juízo, neste tribunal, pela inadmissibilidade e rejeição do seu recurso em tudo o que respeite às condenações pelos crimes de profanação de cadáver e de detenção de arma proibida, fundada no art.º 400.º n.º 1 al.ª e), acusa antecipadamente o arguido BB tal interpretação de inconstitucional por ofensa aos princípios da legalidade, do direito ao recurso, do direito de acesso à justiça e à protecção jurisdicional efectiva, dos princípios imanentes ao Estado de Direito democrático e aos subprincípios da  prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento.

Veja-se.

22. Nos termos do disposto no art.º 432.º n.º 1 al.ª b), recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis, proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art.º 400.º.

Por seu turno, prevê o art.º 400.º n.º 1 al. e), do CPP que «não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos», salvo se sobre decisão de absolvição da 1ª instância e em pena de prisão efectiva, conforme restrição interpretativa imposta pelo AcTC n.º 595/2018 [9], que declarou «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro».

Nos termos da al.ª f) do mesmo art.º 400.º n.º 1, também «não é admissível recurso […] de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

E na interpretação recomendada pela AFJ n.º 14/2013 [10], «da conjugação das normas do art. 400.º, alíneas e) e f), e art. 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto» resulta que «não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão».

Por outro lado:
Na economia do art.º 400.º n.º 1 al.ª e), a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis todas ou algumas daquelas, mas já o ser esta [11].
E sem que tal envolva censura de inconstitucionalidade, conforme, v. g., se decidiu no AcTC n.º 186/2013 (Plenário) [12] a propósito da norma da al.ª f) do n.º 1 do art.º 400.º, mas com validade, mutatis mutandis, para a da al.ª e) [13].

Por outro lado, ainda:
A irrecorribilidade prevista no art.os 400.º n.º 1 al.ª e) respeita, a toda a decisão que não somente à questão da determinação da sanção.
E, assim, onde quer que, em razão da natureza da pena ou da sua medida, não for admissível impugnação para o STJ do acórdão condenatório tirado em recurso pela Relação, não serão as questões processuais ou de substância, quaisquer que sejam, que digam respeito a essa decisão que a viabilizarão, nem mesmo que se trate vícios previstos no artigo 410.º, de nulidades de sentença (art.º 379.º e 425.º n.º 4) ou de aspectos relacionados com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova – mormente, de respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º) ou do princípio in dubio pro reo, ou de valoração de prova proibida ou inválida –, ou com a qualificação jurídica dos factos, ou com a determinação da(s) pena(s), parcelar(es) e, ou conjunta, ou, até, com questões de inconstitucionalidade suscitadas neste âmbito [14].
Numa palavra – na esclarecida palavra do AcSTJ de 12.3.2014 - Proc. n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1 [15] –, «[e]stando o STJ impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação».

23. Voltando, então, ao caso, tem-se que, olhando às normas que se vêm analisando no seu significado, por assim dizer, facial, não há grandes dúvidas de que o recurso da arguida AA não é admissível tanto no respeitante à condenação pelo crime de profanação de cadáver como ao de detenção de arma proibida por nenhuma das penas correspondentes, ambas de prisão, exceder a medida de 5 anos e por nenhuma decorrer da transmutação de absolvição de 1ª instância em condenação no Tribunal da Relação.
Como também não há grandes dúvidas de que, quanto ao recurso do arguido BB, a inadmissibilidade se circunscreve à condenação pelo crime de detenção de arma proibida, que só essa se contém dentro do limite dos 5 anos de prisão e sucede a condenação de 1ª instância, caindo a pelo crime de profanação de cadáver, precisamente, na ressalva de inconstitucionalidade do art.º 400.º n.º 1 al.ª e) declarada no AcTC n.º 595/2018, por, apesar de também ela não superior a 5 anos, ser efectiva e ter sido inovatoriamente imposta no tribunal de recurso,
Como dúvidas, por fim, não há de que os recursos são admissíveis no tocante às condenações de ambos os arguidos pelo crime de homicídio e nas penas únicas que, em qualquer dos casos, a medida das sanções excede o limite dos 8 anos de prisão a partir do qual, nos termos da al.ª f) do art.º 400.º n.º 1 a contrario, é sempre admitido recurso para o STJ.

24. Pondo-se, assim, a questão da rejeitabilidade – art.os 420.º n.º 1 al.ª b) e 414.º n.os 2 e 3 – dos recursos movidos pela arguida AA às condenações pelos crimes de profanação de cadáver e de detenção de arma proibida, e pelo arguido BB à pela crime de detenção de arma proibida, em razão da inadmissibilidade recursória prevista no art.º 400.º n.º 1 al.ª e), há que averiguar se a concreta dimensão interpretativa desta norma que assim se acolhe viola algum preceito da Constituição, que, se violar, não pode ser aqui aplicada por interdição do art.º 204.º da CRP.
E, como já se anotou, essa é, inclusivamente, uma da específicas acusações que o arguido BB deduz no recurso, dizendo que, se esse vier a ser o entendimento deste tribunal, então, estará a interpretar inconstitucionalmente a norma daquele art.º 400.º n.º 1 al.ª e).    

25. Boa parte do argumentário que o arguido BB desenvolve a este propósito, centra-se na refutação da inadmissibilidade do recurso enquanto dirigido à condenação pelo crime de profanação de cadáver.
Mas, como já se viu, trata-se de cenário que não se põe no caso, que o recurso do arguido é admissível nessa parte por força da restrição interpretativa do art.º 400.º n.º 1 al.ª e) decorrente da declaração de inconstitucionalidade proclamada pelo AcTC n.º 595/2018.
Recurso que, por isso e salvo obstáculo de prejudicialidade, será objecto de oportuna apreciação.

26. Restando as objecções centradas no recurso da condenação pelo crime de detenção de arma proibida, transcrevam-se os principais passos do raciocínio desenvolvido pelo arguido BB, expurgados do que possa interessar, apenas, ao recurso relativo ao crime de profanação da cadáver, que abordou ele conjuntamente as duas questões:
─ «O arguido foi absolvido na primeira instância pelo Tribunal do Júri e na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público veio a ser condenado pelo Tribunal da Relação de ........., nas penas parcelares de 24 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado e agravado, 1 ano e 10 meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver e 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida.
Nestes termos poder-se-á porventura entender que o acórdão da Relação de ......... ora recorrido não é susceptível de recurso na parte em que condenou o arguido […] na pena de 2 anos de prisão pela detenção de arma proibida […]  em virtude do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na redação dada pela Lei n.º 20/2013, em vigor desde 23/03/2013.
[…]
Importa, portanto, invocar a exceção à limitação no recurso consignada no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do C.P.P. motivo pelo qual a inadmissibilidade de recurso do acórdão recorrido» na pena parcelar de 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida «representará um agravamento sensível e ainda evitável do direito de defesa constitucionalmente garantido ao arguido.
Caso se considere que, na parte referida o acórdão da Relação de ......... não admite recurso, sufragando-se portanto o entendimento do acórdão do S.T.J. para fixação de jurisprudência (AFJ) n.º 14/2013, fica aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) com a redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e artigo 432.º, n.º 1, alínea c) ambos do C.P.P. e do artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual aquele artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do C.P.P., com a redação conferida por aquela lei, constitui uma norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior – ou seja a que foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, atento o disposto no n.º 1, do artigo 13.º do Código Civil – "a lei interpretativa integra-se na lei interpretada", tudo por violação do principio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
A não aceitação do recurso interposto» quanto à condenação pelo crime de detenção de arma proibida «significa ainda uma clara negação ao arguido às garantias de defesa constitucionalmente consagradas e garantidas pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
O arguido tem o direito de recorrer, sendo que de acordo com a lei apenas pode fazê-lo relativamente a decisões que lhe sejam desfavoráveis das quais a mais relevante é, invariavelmente, a sentença condenatória.
Pelo exposto tem o arguido o direito a recorrer, pelo menos uma vez, não consubstanciando o exercício do direito de recorrer a resposta do arguido ao recurso interposto por outro sujeito processual […].
[…].
Caso assim não se entenda, não admitindo o recurso ora interposto, na parte em que condena o arguido […] na pena parcelar de 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, desde já se invoca expressamente e também a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada nos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e artigo 432.º, n.º 1, alínea c) ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, revogando acórdão absolutório proferido pelo Tribunal de Júri, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tudo por violação do efectivo direito a recurso consignado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa como um dos pilares e fundamentais garantias de defesa do arguido e do princípio do Estado de Direito democrático, previsto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1 e 4, 205 todos da Constituição da República Portuguesa, bem como dos subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento.»

27. Ora, em apreciação das questões, começar-se-á por dizer que, sem quebra do muito respeito devido, não se vê qual a relevância da norma do art.º 5.º do CPP para a discussão do ponto: estando em causa o regime da admissibilidade do recurso penal e não tendo este sofrido alteração durante todo o tempo que o procedimento leva de pendência – ou, sequer, desde a data da ocorrência dos factos sujeitos a julgamento, em 15/16 de Julho de 2018 –, não se alcança o interesse da convocação de uma norma que, precisamente, cuida da aplicação intertemporal da lei processual penal, dispondo que – n.º 1 – «A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior» e que – n.º 2 – «A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.».
E desse modo, e seja qual for o alcance normativo que se lhe quiser emprestar, o bloco legal que há-de decidir, in casu, da (ir)recorribilidade que se discute é o que, como é entendimento sedimentado neste tribunal,  estava em vigor à data do acórdão de 1ª instância [16], em 3.3.2019, é dizer, o mesmo dos dias de hoje, o dos art.os 432.º n.º 2 e 400.º n.º 1 al.ª e), na redacção resultante, a daquele, da Lei 59/98, de 25.8 [17], a deste, da Lei n.º 20/2013, de 21.2.
E de tudo, igualmente, resultando – sem quebra, de novo, do devido respeito – a inutilidade da discussão sobre a natureza simplesmente interpretativa ou inovadora do art.º 400º n.º 1 al.ª e) de 2013 à luz do art.º 13º n.º 1 do Cód. Civil, que também ela só faria sentido no quadro da sucessão temporal de leis processuais.

28. Já quanto ao outro eixo argumentativo – o de que a interpretação que o recorrente quer prevenir do art.º 400.º n.º 1 al.ª e) viola o princípio constitucional da legalidade em matéria criminal, a garantia constitucional do «efectivo direito a recurso consignado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa como um dos pilares e fundamentais garantias de defesa do arguido e do princípio do Estado de Direito democrático, previsto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1 e 4, 205 todos da Constituição da República Portuguesa, bem como dos subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento» –, diz-se o que segue:


Como se referiu, nos termos do disposto no art.º 400.º n.º 1 al. e), «Não é admissível recurso: […] De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».
A redacção actual resulta, como também já dito, da Lei n.º 20/2013.
A imediatamente anterior, conferida  pela Lei n.º 48/2007, de 29.8 [18], dispunha que «Não é admissível recurso […] De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade».
De seu lado, o art.º 432.º n.º 2 dispõe desde 1998 que «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: […] De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º».

No domínio da versão de 2007, formou-se, de facto, no Tribunal Constitucional o entendimento de ser inconstitucional a interpretação do art.º 400.º n.º 1 al.ª e), conjugado com o art.º 432.º n.º 1 al.ª c), no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido em recurso pela Relação que, sobre condenação em 1ª instância em pena não detentiva, tivesse aplicado pena privativa da liberdade inferior a 5 anos, e assim por violação do princípio da legalidade em matéria criminal previsto no art.º 29.º n.º 1 da CRP [19].

Com a alteração, porém, de 2013 do art.º 400.º n.º 1 al.ª e) [20], em vigor desde 2.4.2013 – que, entre o  mais, passou a prescrever expressamente a inadmissibilidade de recurso de acórdão da Relação que, em recurso, tenha condenado em pena de prisão não superior a 5 anos, desse modo neutralizando o melhor da sustentação do juízo de inconstitucionalidade –  e com a publicação do AFJ  n.º 14/2013 já referido, assistiu-se a uma evolução de entendimentos.

E aconteceu, assim, que, de um lado, o AcTC  n.º 595/2018 (também) já referido, veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a 5 anos, constante do art.º 400.º n.º 1 al. e) na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21-02, por violação do art.º 32.º n.º 1, conjugado com o art.º 18.º, n.º 2, da CRP. E resolvendo em definitivo tal questão, até então controvertida.
E do outro, passou o mesmo tribunal a entender de forma pacífica e consolidada não existir infracção de constitucionalidade da norma do art.º 400° n.º 1 al.ª e) do CPP quando interpretada no sentido de estabelecer a irrecorribilidade para o STJ de acórdão da Relação que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, ainda que efectiva, quando o faz sobre condenação de 1.ª instância em pena não privativa da liberdade – foi como decidiram, v. g., os Ac'sTC n.º 104/2020, de 12.2, e n.º 485/2019, de 26.9.2019 [21] –, maxime, quando se limita a dar sem efeito a suspensão da execução da pena de prisão decretada – foi o que aconteceu, v. g., nos Ac'sTC n.º 690/2020, de 26.11; n.º 650/2020, de 16.11; n.º 364/20, de 10.7; n.º 310/2020, de 25.6; n.º 344/2020, de 10.7; n.º 79/20, de 5.2; n.º 275/2020, de 14.5; 588/2020, de 16.11; e 26/20, de 16.1.
E tem o tribunal apoiado estes juízos de conformidade constitucional, no mais decisivo, em premissas como as que seguem:
─ Os casos em equação são de simples reapreciação das consequências jurídicas do crime, inexistindo novidade na fundamentação da decisão do Tribunal da Relação que possa consubstanciar uma decisão surpresa para o arguido, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis por ele.
─ O juízo condenatório é realizado por um tribunal superior perante o qual o arguido pode amplamente discutir o fundamento e medida da pena em todas as projecções juridicamente revelantes face à decisão da 1.ª instância, expondo a sua defesa, de forma efectiva, seja por via da interposição de recurso – art.º 411.º –, seja por via da faculdade de responder ao recurso do Ministério Público ou do assistente – art.º 413.º.
─ Fica, desse modo, assegurado um efectivo exercício do direito de defesa, permitindo-se ao arguido explanar, perante o tribunal superior, os motivos, de facto ou de direito, que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do processo decisório.
─ O recurso perante o Tribunal da Relação realiza, assim, a garantia constitucional do direito ao recurso do art.º 32.º n.º 1 da CRP.
─ E realiza-a na medida do por ela exigido, que, como é entendimento do Tribunal Constitucional de há décadas, mais não reclama do que o duplo grau de jurisdição, assim plenamente assegurado, posto que os critérios adoptados pelo legislador, no uso da sua liberdade de conformação e definição do casos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não se revelem arbitrários, irrazoáveis ou desproporcionados.
─ Sendo que não é arbitrário, irrazoável, desproporcionado ou manifestamente infundado, reservar a intervenção desse tribunal, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada, antes se mostrando essa limitação «racionalmente justificada, pela […] preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade […], sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação» [22].


29. Ora, perante tudo o que se acaba de explanar – que, repete-se, espelha entendimentos pacíficos na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em alguns aspectos de há décadas, e também neste Supremo Tribunal de Justiça –, é muito evidente que a acusação de inconstitucionalidade com que o arguido BB previne a interpretação de que o art.º 400.º n.º 1 al.ª e) não lhe permite aceder, em recurso, a este Supremo Tribunal de Justiça no tocante à condenação pelo crime de detenção de arma proibida, não tem fundamento sólido, seja do ponto de vista do princípio da legalidade – art.º 29.º n.º 1 da CRP –, seja do da plenitude da garantias defesa na vertente do direito ao recurso – art.º 32.º n.º 1 –, seja do acesso ao direito e do direito ao processo equitativo e à protecção jurisdicional efectiva – art.º 20.º n.os 1 e 4 da CRP –, seja dos princípios imanentes à ideia do Estado de Direito democrático – art.os 2.º e 3.º da CRP.

Como resulta do procedimento, a sua condenação no Tribunal da Relação pela prática do crime de detenção de arma proibida em pena de prisão de dois anos não suspensa na sua execução, não pode constituir para si qualquer surpresa, que precisamente foi questão que o recurso do Ministério Público não deixou de suscitar e a que pôde responder no contexto da oposição que lhe deduziu.
Não suspensão que, no fim de contas, era consequência praticamente incontornável da procedência daquele recurso, que o Recorrente não pôde deixar de, pelo menos, equacionar.
E tudo assim com a clara consciência de que, a proceder a impugnação, como procedeu, a suspensão teria que ficar sem efeito, aliás, não tanto em razão de uma qualquer reponderação do juízo de prognose suposto pelo art.º 50.º do CP, mas sim porque sempre estaria fora de cogitação a aplicação de pena única – e sempre seria relativamente a esta que não a qualquer das penas parcelares que a questão se poderia vir a pôr – que se compatibilizasse com o limite dos 5 anos de prisão que constitui pressuposto formal da pena de substituição.
E se, por esse lado, pôde exercer com efectividade o seu direito defesa, representando perante ao tribunal superior as suas razões e os seus pontos de vista em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do processo decisório, pelo outro, pôde fazê-lo na medida do constitucionalmente exigido, isto é, perante duas instâncias em relação de hierarquia.
O que tanto basta – e conclui-se nesta parte –, para caucionar, também, no plano da constitucionalidade a conclusão de que as normas dos art.os 432.º n.º 1 al.ª c) e 400.º n.º 1 al.ª e) o impedem de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao segmento do Acórdão Recorrido que o condenou pelo sempre referido crime de detenção de arma proibida, por isso que havendo a sua arguição de improceder.
  
30. Embora a Recorrente AA não tenha suscitado expressamente a questão da interpretação inconstitucional dos mesmos preceitos, é muito evidente que, mutatis mutandis, vale quanto aos recursos que moveu às condenação pelos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver a generalidade das considerações que se teceram a propósito da arguição do recorrente BB.
Por isso que também quanto a ela aqui vai descartada qualquer ideia de interpretação inconstitucional dos art.os 432.º n.º 1 al.ª c) e 400.º n.º 1 al.ª e).

31. Assim, e rematando nesta parte, improcede a acusação de inconstitucionalidade que o arguido BB dirige aos art.os 432.º n.º 1 al.ª c) e 400.º n.º 1 al.ª e), e decide-se, com base neles e ainda nos art.os 399.º, 414.º n.os 2 e 3 e 420.º n.º 1 al.ª b, rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pela Recorrente AA relativamente aos segmentos do Acórdão Recorrido que a condenaram pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de profanação da cadáver e o recurso interposto pelo Recorrente BB do segmento que o condenou pelo crime de detenção de arma proibida.

C. Mérito dos recursos.
32. Circunscritos, assim, os recursos apenas ao que possa interessar às, e se relacione com, as condenações dos arguidos pela prática do crime de homicídio – ambos os Recorrentes – e de profanação de cadáver – Recorrente BB –, comece-se por enquadrar factualmente a discussão.

a. Matéria de facto apurada nas instâncias.

(a). Acórdão do Tribunal do Júri – factos provados e não provados e motivação da convicção probatória.
33. Em 1ª instância, no Acórdão do Tribunal do Júri, consideraram-se provados os seguintes facto:
─ «Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

1. A arguida AA e CC contraíram casamento um com o outro em ..-..-1998, residindo na habitação sita na ............, Rua ............, .............

2. Do casamento de AA e CC, nasceu DD, em ..-..-2005.

3. Os progenitores da AA, EEE e FFF são proprietários de uma habitação sita na Rua ............, em ..........

4. Em várias ocasiões, a arguida AA e CC permaneceram alguns dias na referida habitação sita na localidade de ..........

5. Em data não concretamente apurada, mas em 2015, os arguidos AA e BB iniciaram um relacionamento amoroso.

6. O arguido BB contraiu casamento com WW no dia ..-..-2004. Separam-se em finais de 2015, tendo sido decretado o divórcio, por decisão de ..-..-2016, proferida pela Conservatória do Registo Civil Predial Comercial de .......... A separação foi motivada pela relação extraconjugal do arguido BB com AA.

7. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 02.06.2018, a arguida AA e o ofendido CC deixaram de partilhar cama, passando CC a dormir na cama de casal existente no quarto de hóspedes da morada comum do casal.

8. À data da sua morte, CC era o único sócio-gerente da sociedade denominada "G......, Unipessoal Lda." e era ainda sócio­-gerente da sociedade denominada "G...... - Consultoria e Prestação de Serviços", assumindo AA a qualidade de sócia nesta última sociedade.

9. Até à data da morte de CC, a arguida AA desempenhava funções como funcionária administrativa da sociedade comercial denominada "G......, Unipessoal Lda.".

10. À data da sua morte, CC era titular de várias contas bancárias em diversas instituições bancárias.

11. À data da sua morte, CC era titular dos seguintes seguros, com o conhecimento de AA:
─ Apólice com o n.º P.......83, celebrado com a Companhia de Seguros Ocidental a 28.01.2009, que corresponde ao Produto Poupança Reforma, em nome de CC, com data de vencimento a 28.01.2033, cujo saldo líquido, em 24.09.2018, era de € 822,43 (oitocentos e vinte e dois euros e quarenta e três cêntimos), cujos beneficiários são os respectivos herdeiros legais.
─ Apólice R.......91, celebrado com a Companhia de Seguros Ocidental.
─ Apólice n.º ....63, celebrado com a Companhia Una Seguros, em Dezembro de 2017, com início a 01.01.2018, a que corresponde um Seguro de Vida, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), cujo beneficiário é o cônjuge sobrevivente, não separado judicialmente. 
─ Apólice n.º G.......64, celebrado com a Companhia de Seguros Ocidental, em 13.03.2018, que corresponde ao produto com a denominação Crédito Imobiliário Vida Risco, num valor total de € 167.196,15 (cento e sessenta e sete mil, cento e noventa e seis euros e quinze cêntimos) sendo as pessoas seguradas CC e AA e o beneficiário, o Banco Comercial Português.

12. À data da sua morte, CC era ainda titular dos seguintes seguros:
─ Apólice n.º .........38, que corresponde a um produto denominado de Acidente Integral Plus - Mod. 02, da seguradora Metlife, que em caso de morte por motivo de acidente, garante ao beneficiário /herdeiros legais, um prémio no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e por morte por acidente de circulação, garante um prémio de € 337.500,00 (trezentos e trinta e sete mil e quinhentos euros), e por morte por assalto, garante um prémio no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
─ Apólice n.º ........39, que corresponde a um seguro por morte ou invalidez permanente da pessoa segurada, da seguradora Metlife, e que proporciona aos beneficiários/herdeiros legais um prémio no valor de € 100.000,00 (cem mil euros).
─ Apólice n.º ........32, que corresponde a um produto VIP Plano Especial da seguradora Metlife, que, por morte da pessoa segura, atribui aos beneficiários/herdeiros legais, a quantia de € 50.005,30 (cinquenta mil euros e cinco euros e três cêntimos).
─ Apólice ........78, que corresponde a um produto denominado seguro temporário renovável (TAR) da seguradora Metlife, e que garante, em caso de morte da pessoa segura, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) aos beneficiários/herdeiros legais.
─ Apólice n.º ........21, que corresponde a um produto denominado crédito seguro da seguradora Metlife e cujo capital segurado, por morte do segurado, no valor de € 55.851,35 (cinquenta e cinco mil oitocentos e cinquenta e um euros e trinta e cinco cêntimos), sendo beneficiário o BCP, S.A.
─ Apólice n.º ........22, que corresponde a um produto denominado crédito seguro, da seguradora Metlife, no valor de € 109.763,50 (cento e nove mil, setecentos e sessenta e três euros e cinquenta cêntimos), sendo as pessoas seguradas CC e AA, e beneficiário o Banco Comercial Português, S.A.

13. Nos contratos elencados em 12 estão cobertos todos os riscos decorrentes da prática de cicloturismo, por lazer e em competições, desde que praticado com todos os meios de segurança estabelecidos para a modalidade, todos os riscos decorrentes da prática de danças sociais, por lazer, em competições, desde que praticado com todos os meios de segurança estabelecidos para a modalidade, todos os riscos decorrentes da prática de natação, por lazer, em competições, desde que praticado com todos os meios de segurança estabelecidos para a modalidade.

14. Os supra descritos contratos referidos em 12 foram celebrados nos meses de Abril e Maio de 2018, e começaram a vigorar nos meses de Junho e Julho de 2018.

15. A arguida AA não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma de fogo.

16. O arguido BB é funcionário ......... e tem manifestado a seu favor uma arma de fogo, tipo pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, n.º de série .....23, com o livrete n.º 2....3.

17. Em data que não foi possível concretamente apurar, mas anterior a 14.07.2018, a arguida AA decidiu tirar a vida de CC, a fim de beneficiar de uma situação económica abastada, resultante dos valores indemnizatórios a serem pagos mediante o accionamento dos seguros de vida de que ela e DD eram beneficiários, cujo montante total ascendia, pelo menos, à quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) bem como da habitação comum do casal e de todo o dinheiro depositado em contas bancárias junto das instituições bancárias de que CC era titular.

18. No dia 02.06.2018, aproveitando a circunstância de CC se encontrar a frequentar um estágio em ......, os arguidos AA e BB deslocaram-se a ......, tendo percorrido a Estrada Nacional que liga as localidades de ...... a ......, junto da qual veio a ser posteriormente localizado o cadáver de CC.

19. A arguida de forma que não foi possível apurar, mas em data anterior a 14 de Julho de 2018, entrou na posse de munição "hollowpoint" e da pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, manifestada em nome de BB, que se encontrava guardada no interior da residência deste.

20. AA decidiu aproveitar-se da circunstância de CC ser desportista, para, após lhe tirar a vida com um disparo com munição "hollowpoint", de uma arma fogo, tipo pistola de calibre 7,65mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, manifestada em nome de BB, e ocultar o cadáver, anunciar o desaparecimento do mesmo, na sequência de um treino de bicicleta na via pública.

21. A arguida AA aguardou que surgisse a melhor oportunidade para levar a cabo tal resolução, na casa onde residia com CC e sem a presença do filho menor de ambos, DD.

22. Entre 05.07.2018 a 08.07.2018, o ofendido CC participou na prova "......", que decorreu em ......, na .......

23. No dia 14.07.2018, pelas 20:13 horas, a arguida AA, adquiriu dois bilhetes, através da TicketLine para o festival de ............ a decorrer no dia 23.08.2018, onde os arguidos planearam comparecer, o que efectivamente aconteceu.

24. No dia 15.07.2018, pelas 10:47 horas, BB reservou um TO, no Parque de Campismo da ............, para o período compreendido entre 11 a 12 de Agosto de 2018, onde estiveram efectivamente no mencionado período.

25. AA e CC no dia 15.07.2018, foram levar o menor DD à ............ para ali permanecer até ao dia 16.07.2018, com a tia DDD.

26. Assim, no dia 15.07.2018, a arguida AA e CC deslocaram-se ao Parque de Campismo da ............, sito na ............, onde chegaram cerca das 16:00 horas, e entregaram a DDD, o filho menor de ambos, DD.

27. O ofendido CC e a arguida AA permaneceram com DDD durante cerca de 15 (quinze) minutos, até às 16:15 horas e após, regressaram à habitação onde residiam.

28.  No dia 15.07.2018, no período compreendido entre as 19:02 horas e as 19:23 horas, BB, a partir do seu número de telefone 9.......1, trocou 21 (vinte e uma) mensagens escritas por telemóvel com a arguida AA.

29. A partir das 19:39 horas do dia 15.07.2018, no interior da sua residência sita na Rua ...................., ........., ........., BB deixou de receber e efectuar contactos telefónicos, através do seu telemóvel.

30. A partir das 19:42 horas do dia 15.07.2018, no interior da sua habitação, a arguida AA deixou de receber e efectuar contactos telefónicos através do seu telemóvel.

31. Em hora que não foi possível concretamente apurar, mas no período compreendido entre as 19:42 horas do dia 15.07.2018 e as 09:00 horas do dia 16.07.2018, em execução do plano que já havia gizado há mais de 24 horas, a arguida, munida da arma de fogo, tipo pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollowpoint", dirigiu-se ao quarto de hóspedes localizado no primeiro andar da sua residência, onde se encontrava CC e efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio deste, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipal, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita.

32. Em consequência directa e necessária da actuação da arguida AA o ofendido sofreu uma ferida perfurante do crânio, provocada por projéctil de arma de fogo de cano curto, que foi a causa directa, necessária e apta da morte de CC.

33. Após, a arguida AA colocou um saco do lixo preto em redor do crânio de CC e apertou-o com uma corda, de forma a limitar o derrame de sangue de CC noutras superfícies.

34.  Em seguida, a arguida AA colocou um outro saco embrulhado à volta da perna direita de CC, a qual continha uma tatuagem com a forma de uma ......... com a palavra ".........".

35. Em acto contínuo, a arguida AA envolveu o cadáver de CC num edredão e atou-o, com uma corda de sisal, à volta do corpo de CC.

36. De seguida, a arguida AA de modo que não foi possível concretamente apurar, logrou introduzir o cadáver de CC no interior de um veículo automóvel, de matrícula não concretamente apurada.

37. A arguida AA introduziu-se no referido veículo, pondo-o em marcha, e dirigiu-se para um terreno rural que constituí reserva ......, junto do cruzamento que permite seguir nas direcções de ............... e de ..............., sito a 100 (cem) metros da Estrada Nacional n.º ...... e a 20 (vinte) quilómetros da localidade de ........., onde os progenitores de AA possuem uma habitação já referida em 3 e 4, e a cerca de 160 (cento e sessenta) quilómetros da residência do ofendido.

38. Aí chegada, a arguida por modo que não foi possível concretamente apurar, retirou o corpo de CC do interior do veículo em que se fez transportar e largou o cadáver, em posição de decúbito dorsal, com um saco de plástico de cor preta colocado na cabeça e outro saco embrulhado na perna direita e um tecido de cor preta por cima do cadáver de CC, no final de um caminho de terra batida, com vista à mais rápida decomposição do cadáver, de forma a ocultar quaisquer vestígios da causa da morte e da sua autoria, bem como retardar a sua identificação.

39. Em seguida, a arguida abandonou o local, e iniciou o regresso em direcção à sua residência, levando consigo o saco de plástico preto, o edredão e a corda de sisal.

40. No início desse trajecto, a arguida AA abandonou um saco plástico que continha o edredão e a corda de sisal que havia utilizado para transportar o cadáver de CC para aquele local, num terreno rural junto à Estrada Nacional n.º ......, ao quilómetro 00,00, entre as localidades de ...... e ......, a cerca de 15 (quinze) metros da berma da referida Estrada Nacional e a cerca de 5 (cinco) quilómetros de distância do local onde havia depositado o corpo de CC.

41. Após ter chegado à sua residência, a arguida AA entrou no interior da mesma e dirigiu-se ao quarto de hóspedes.

42.  Aí chegada, a arguida retirou os três tapetes, a roupa da cama juntamente com o colchão do quarto dos hóspedes, dando-lhes um destino que não foi possível concretamente apurar, por forma a não deixar quaisquer vestígios dos factos que tinha cometido.

43.  Em data não concretamente apurada, mas entre as 19:40 horas do dia 17.07.2018 e as 04:00 horas do dia 18.07.2018, e com vista a credibilizar a versão de que CC desaparecera, após ter saído para efectuar treino de bicicleta em via pública, a arguida AA retirou a bicicleta de cor ........., da marca "........." e o relógio de marca "...... GPS", modelo ............, pertencentes a CC, do interior da habitação, abandonando-os em local não concretamente apurado.

44. No dia 16.07.2018, pelas 09:30 horas, o arguido efectuou um contacto telefónico com o telemóvel, e, em seguida, dirigiu-se para o trabalho sito no "C......", em ........., chegando pelas 09:55 horas.

45. Por seu turno, pelas 10:42 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA efectuou um contacto telefónico com o seu telemóvel e permaneceu na sua habitação.

46.  No período compreendido entre as 11:27 horas e as 12:13 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA trocou 34 (trinta e quatro) mensagens com o arguido BB.

47. A arguida AA ficou na posse do telemóvel de CC, verificando as chamadas e mensagens recebidas no aparelho do ofendido com o número 9.......9, que o mesmo não podia atender ou retornar, e remeteu mensagens, fazendo-se passar por CC, para não levantar suspeitas e assim retardar até onde possível a notícia do desaparecimento do ofendido.

48.  Pelas 12:26 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA, através do seu telemóvel, trocou mensagens com HHH, informando esta que estava em casa, solicitando que a mesma a contactasse no caso de surgir algum problema pois pensava que CC tinha ido à sociedade "I......", empresa cliente da G.......

49.  Pelas 13:37 horas, do dia 16.07.2018, e em execução do plano delineado e para criar a aparência de que CC permanecia vivo, a arguida AA, na posse do telemóvel de CC, digitou e enviou uma mensagem, através da aplicação WhatsApp, com o seguinte teor "Parabéns mano pá" dirigida a KKK, fazendo-se passar por CC como se fosse este a enviar tal mensagem.

50. Entre as 13:23 horas e as 14.35 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA, fazendo-se passar por CC, através do telemóvel deste, trocou mensagens no grupo no WhatsApp, constituído por JJJ, KKK e LLL, combinando um jantar para celebrar o aniversário de KKK e informando que naquele dia, e no dia seguinte, estaria a dar apoio à família, já que a sua esposa teria que ir fazer um exame médico no dia 17.07.2018, exame médico esse que estava realmente agendado para o dia 18.07.2018.

51. Posteriormente a arguida, de modo que não foi concretamente possível apurar, desfez-se do telemóvel de CC que tinha na sua posse.

52. Pelas 13:57 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA deslocou-se ao supermercado denominado "......", em ......, procedendo ao levantamento da quantia em numerário de € 60,00 (sessenta euros) em caixa de multibanco aí existente, onde se cruzou com MMM e NNN.

53.  Pelas 15:41 horas do dia 16.07.2018, OOO ligou para o telemóvel da arguida AA, avisando-a de que iria entregar DD.

54. Após DDD e OOO, acompanhadas do menor DD, terem chegado à residência de AA, as mesmas entraram no interior da dita habitação, onde conversaram com AA que justificou a ausência de CC, dizendo que o ofendido tinha ido treinar, tendo aquelas de seguida abandonado a referida residência.

55. Entre as 17:48 horas e as 18:06 horas do dia 16.07.2018, a arguida AA e o arguido BB trocaram 14 (catorze) mensagens.

56. No dia 16.07.2018, cerca das 21:40 horas, a arguida AA deslocou-se ao Posto Territorial de ............ da Guarda Nacional Republicana, para denunciar o desaparecimento de CC, dando conta que o mesmo se ausentara da habitação pelas 16.00 horas desse dia para treino em bicicleta na via pública e ainda não havia regressado, o que bem sabia não ser verdade.

57. Nessa sequência, foram iniciadas as buscas para a localização de CC, as quais perduraram até ao dia 24.08.2018, data em que foi encontrado o cadáver do ofendido.

58. No dia 18.07.2018, pelas 14:45 horas, no terreno junto à Rua ........., nos ..............., junto da empresa denominada "V......", PPP encontrou o telemóvel pertencente ao ofendido CC a cerca de dois metros da estrada.

59. No período compreendido entre 20.07.2018 a 26.09.2018, a arguida AA retirou a cama de casal e as duas mesas-de-cabeceira, que se encontravam no interior do quarto de hóspedes da sua residência, e colocou tais móveis na garagem da mencionada habitação.

60. Após, a arguida AA colocou duas camas de solteiro no quarto de hóspedes da referida habitação.

61. Pelo menos desde 21.07.2018, e não obstante estarem em curso diligências, tendentes à localização do paradeiro de CC, encetadas por familiares, amigos e autoridades policiais, o arguido BB, passou a frequentar a habitação de AA.

62. A arguida AA, conhecedora do falecimento de CC e que, portanto, o mesmo não regressaria a casa com vida, começou também a sair com BB aos fins-de-semana.

63. Assim, no fim-de-semana compreendido entre os dias 27.07.2018 a 28.07.2018, os arguidos AA e BB deslocaram-se a ...... em passeio.

64. No fim-de-semana compreendido entre os dias 11.08.2018 a 12.08.2018, os arguidos AA e BB deslocaram-se, novamente, a ...... em lazer, cuja reserva para o parque de campismo da ............, havia sido efectuada por BB em 15.07.2018.

65. Entre as 19:00 horas do dia 13.08.2018 e início da madrugada do dia 14.08.2018, os arguidos deslocaram-se a ......, onde estiveram juntos.

66. No fim-de-semana compreendido entre os dias 23.08.2018 a 24.08.2018, os arguidos AA e BB deslocaram-se a ...... em passeio, onde assistiram, no dia 23.08.2018, ao festival de ............, cujos bilhetes tinham sido adquiridos, através da TicketLine por AA pelas 20: 13 horas do dia 14.07.2018.

67. No período compreendido entre 01.07.2018 a 24.08.2018, os arguidos AA e BB efectuaram, entre si, 931 (novecentos e trinta e um) contactos telefónicos sob a forma de chamadas de voz e mensagens.

68. Os arguidos apagaram todos os registos de contactos telefónicos, realizados entre si, através das operadoras de comunicações móveis e através das aplicações WhatsApp e Facebook, entre o período de 22.06.2018 e 28.08.2018.

69. No dia 12.07.2018, BB, através do número de telemóvel 9.......0, pertencente ao seu filho menor BBB, trocou mensagens através da aplicação WhatsApp, com a arguida AA, proferindo a seguinte expressão "não te esqueças de apagar a conversa".

70. No dia 26.09.2018, pelas 07:00 horas, o arguido BB detinha, na habitação onde reside, sita na Rua ...................., ........., em ........., os seguintes objectos:

a) 1 (uma) pistola semiautomática, da marca C......, calibre 7,65 mm Browning, de modelo ..., com o número de série .....23 e respectivo coldre dentro do saco de plástico, por baixo da última gaveta do roupeiro existente no interior do quarto de dormir do arguido;

b) 1 (um) revólver, de tipo "Velodog", de calibre 5,75 mm Velodog, sem número de série visível, no interior de uma caixa plástica, dentro do gavetão da cama, no interior do quarto do arguido;

c) 1 (uma) pistola semiautomática, da marca F......, de calibre 6,35mm Browning, modelo ........., com número de serie ....61, por baixo da secretária do quarto do filho do arguido BB;

d) 2 (dois) carregadores, de pistola semi-automática, com capacidade para 15 (quinze) munições cada, adequadas à pistola semiautomática de marca “C......” , dentro de um saco de plástico, por baixo da última gaveta da mesa-de-cabeceira à esquerda no interior do quarto do arguido;

e) 1 (um) porta-carregador, da marca G.......

f) 10 (dez) munições de calibre 7.65mm, Browning, da marca S........., no interior do quarto do arguido;

g) 2 (duas) munições de calibre 7,62 mm NATO, da marca F........., de origem nacional, sendo uma do lote ..-..8 e uma do lote ..-5, no interior do quarto do arguido;

h) 2 (duas) munições de calibre 32 Harrington & Richardson Magnum, da marca FE......, de origem norte-americana, tendo uma projéctil do tipo "hollowpoint" e outra projéctil de chumbo, no interior do quarto do arguido;

i) 1 (uma) munição de calibre 9 mm Parabellum (99 mm Luger na designação Anglo-Americana), da marca F........., do lote ..-5, de origem nacional, no interior do quarto do arguido;

j) 1 (uma) munição de calibre 32 Smith & Wesson Short, de marca R......, de origem nos E.U.A., interior do quarto do arguido;

k) 1 (uma) munição de calibre 7,65 Browning, de marca E......, de origem alemã, no interior do quarto do arguido;

l) 10 (dez) munições de calibre 7,65 mm Browning, de marca S........., no interior do quarto do arguido.

m) 1 (uma) munição de calibre 7,65 mm Browning, de marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollowpoint", no interior do quarto do arguido.

n) 1 (uma) munição de alarme, de calibre nominal 8 (oito) mm de marca G......, de origem italiana no interior do quarto do arguido;

o) 37 (trinta e sete) munições de calibre 7,65 mm Browning de marca S........., no interior do quarto do arguido.

71. Com a actuação supra descrita, a arguida AA, não obstante saber que CC era seu esposo, agiu de modo livre deliberado e consciente, em execução de plano previamente por si gizado, com o propósito concretizado de tirar a vida de CC, e para tal, escolheu o momento, o lugar e o modo de levar a cabo o propósito que se manteve firme, pelo menos, por mais de 24 horas, considerando e conhecendo as características da arma de fogo e da munição escolhidas, nomeadamente a perigosidade e letalidade das mesmas, e a sua idoneidade para causar a morte de CC, bem sabendo que, na zona do crânio que visou e logrou atingir, estava alojado órgão essencial à vida.

72. Para o efeito, elaborou um plano, com insensibilidade e indiferença pela vida de CC, persistindo na resolução de lhe tirar a vida, tendo procurado um local onde pudesse vir a depositar o corpo do ofendido e decidido que a morte seria provocada por disparo de arma de fogo tipo pistola de calibre 7,65mm de que o arguido BB era possuidor. Procurou ainda a oportunidade que aproveitaria para realizar tal plano, nomeadamente uma ocasião que coincidisse com ausência do filho do casal da residência por todos habitada.

73. Ao actuar do modo supra descrito, a arguida AA conseguiu aproveitar-se da circunstância de CC estar deitado no quarto de hóspedes e efectuou um disparo com a arma de fogo supra descrita, atingindo o crânio de CC, para tornar impossível a defesa por parte deste, quer pela surpresa do ataque, quer pela violência do mesmo, inviabilizando que o ofendido fosse socorrido em tempo, com o propósito de assegurar uma situação económica abastada para si, nomeadamente pelos proventos económicos resultantes da gestão das sociedades comerciais de que CC era gerente e do recebimento dos montantes indemnizatórios dos seguros contratados pelo ofendido, bem como dos demais bens pertencentes a CC, de que a arguida beneficiaria por sucessão hereditária.

74. Ao actuar do modo supra descrito a arguida AA, na execução de plano previamente elaborado, quis deslocar, depositar, esconder e abandonar o cadáver de CC num local ermo, a cerca de 160 (cento e sessenta) quilómetros de distância da casa de morada de família do ofendido, sem o enterrar, com o escopo de que o cadáver de CC se decompusesse rapidamente, com o calor decorrente da estação do ano e, ainda, que parte do cadáver fosse digerido por animais.

75. Com tal comportamento, visou a arguida retardar a descoberta e dificultar a identificação do cadáver de CC e ocultar quaisquer vestígios quanto à causa e autoria da morte do ofendido que pudessem existir, impedindo assim a descoberta imediata do cadáver pelas autoridades policiais e assim obstar à sua perseguição criminal, o que bem sabia não estar autorizada a fazer.

76. Ao esconder o cadáver de CC, a arguida agiu com total insensibilidade, bem sabendo que ofendia o sentimento moral colectivo do respeito devido aos mortos, o que quis e logrou alcançar.

77. A arguida AA, ao deter e utilizar arma de fogo, tipo pistola, calibre 7,65mm, marca C......, com o n.º de série .....23 com munição "hollowpoint", para provocar a morte de CC, bem sabendo que tal detenção, transporte e uso não são permitidos por lei, por a arguida não se encontrar, na altura legalmente habilitada, porquanto não era titular de qualquer licença de uso e porte de arma de fogo e não se encontrar autorizada por autoridade legalmente competente, para tal. Sabia que tal conduta era proibida e punida por lei.

78. O arguido BB conhecia as características das armas e munições referidas em 70, de que era possuidor, agindo com o propósito concretizado de ter em seu poder as mencionadas armas e munições.

79. Sabia o arguido, que por força das suas funções profissionais, apenas estava legalmente dispensado de licença de uso e porte de arma, relativamente a armas de calibre 6,35 mm.

80.  O arguido não tinha licença de uso e porte de arma.

81. Bem sabia o arguido que a detenção e utilização das armas e munições descritas em 70, com exclusão da identificada na alínea c) do mencionado artigo, só lhe eram legalmente permitidas mediante a titularidade de licença de uso e porte de armas, de que sabia não dispor.

82.  O arguido não procedeu ao Registo/Manifesto das armas de fogo que detinha, com excepção da arma referida na alínea a) do artigo 70, bem sabendo que a omissão de tal conduta era proibida e punida por lei.

83. Ao deter sem autorização a munição de alarme, de calibre nominal 8 mm de marca G ......, o arguido BB agiu com o propósito concretizado de deter e guardar tal objecto sem o arguido se encontrar autorizado para tal e, apesar disso, encetou tal conduta, agindo de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que tal comportamento é proibido e punido por lei.

84.  Agiu o arguido BB em todas as suas descritas condutas de modo livre deliberado e consciente, sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar segundo esse conhecimento.

85. A arguida AA agiu de modo livre, deliberado e consciente em todas as suas supra descritas condutas, sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei penal e tendo capacidade para se determinar segundo esse conhecimento.

*

         Mais se provou:

86. O processo de socialização de AA decorreu num ambiente familiar estruturado, sem problemas económicos significativos, mercê de uma gestão parcimoniosa dos recursos familiares. O pai trabalhava como ......... e a mãe como ......... na ........., dispondo o casal de casa própria na zona de ........., onde se radicaram depois da arguida, filha única, ter nascido.

87. AA ingressou na escola primária da zona de residência, tendo registado uma retenção no 00.º ano de escolaridade.

88. Em 198../199., travou conhecimento com CC, tendo iniciado com este uma relação de namoro com o consentimento dos pais, com cerca de 16/17 anos de idade.

89. Em 19../199.., ingressou na Universidade ........., no curso de "........." tendo abandonado os estudos durante a frequência do segundo ano, para se ausentar para o ......... por um curto período, com o namorado.

90. De regresso a ........., o casal pediu ajuda à irmã de CC, DDD, com a qual ficaram a viver durante cerca de dois anos e que veio a ter um papel importante no tratamento ambulatório que o casal iniciou, à tóxico- dependência de heroína de que ambos padeciam.

91. A família da arguida revelou alguma dificuldade em aceitar a sua problemática de toxicodependência, tendo-se verificado nesta fase algum distanciamento entre AA e os pais.

92. Debelados os seus problemas de toxicodependência, AA começou a trabalhar, inicialmente, em actividades de carácter temporário e posteriormente ingressou, em 1998, na empresa "L......", onde permaneceu durante cerca de oito anos. CC, por sua vez, regressou às O......, onde já tinha trabalhado. Com uma situação económica e socioprofissional estável, decidiram casar em ...... de 1998.

93. Cerca de dois anos depois, CC começou a trabalhar como diretor ...... numa empresa ......, o que permitiu ao casal manter um estilo de vida mais elevado e estimulante, viajando regularmente, num alegado clima de sintonia e cumplicidade, partilhando o gosto pela aventura e pelas viagens.

94. Em 2002, o casal decidiu fundar, em sociedade, a empresa de informática "G......", onde ambos passaram a trabalhar a partir de 2006: o marido dedicado à área técnico-operativa e a arguida à área administrativa e financeira.

95. Nesse mesmo ano, o casal mudou de casa para a morada indicada nos autos, tendo o único filho do casal nascido no ano seguinte.

96. Após o nascimento do filho, a relação de harmonia e cumplicidade da arguida com o marido veio a alterar-se, progressivamente, depois do nascimento do filho, por alegado desinteresse por parte deste último relativamente à vida familiar, profissional e social.

97.  Em 2015 CC viria a fundar uma segunda empresa unipessoal, em seu nome, a "G...... 2" com actividade na mesma área e sedeada no mesmo local, sendo a gestão de ambas as empresas feita pelo casal, como se de uma única empresa se tratasse.

98. À data dos factos, AA vivia com o cônjuge e o filho menor, numa moradia adquirida pelo casal em 2005, com recurso a crédito bancário, inserida numa zona residencial tranquila e sem sociabilidades problemáticas.

99. AA encontrava-se a trabalhar nas empresas de informática que o casal mantinha, "G......" - à data em dificuldades por dívidas às Finanças e Segurança Social, situação que motivou o término do seu contrato de trabalho - e "G...... 2", onde desempenhava funções administrativas mas sem vínculo contratual, dedicando-se, sobretudo, às áreas financeira e de pessoal.

100. À data dos factos AA, dispunha de uma situação socioeconómica equilibrada, assegurada pela remuneração de CC no montante de cerca de 1000 €/mês e do subsídio de desemprego da arguida na sequência do fim do contrato de trabalho com a G......, no valor de 800 €.

101. O processo de desenvolvimento do arguido BB decorreu no agregado familiar de origem, constituído pela família alargada, em ambiente coeso, afectivamente gratificante e assente numa dinâmica relacional ajustada aos modelos e valores educacionais normativos e numa condição sócio-económica equilibrada.

102. BB ingressou no sistema educativo em idade normal, tendo efectuado o 1.º ciclo na escola pública da zona de residência, tendo posteriormente ingressado no Colégio ...... por opção própria e sem qualquer imposição familiar. Permaneceu nesta instituição em regime de internato, dos 9 aos 14 anos de idade, tendo concluído o 00.º ano escolaridade. Nessa altura, regressou à ......, já que pretendia ter maior liberdade, integrando a Escola Secundária de ...... onde veio a concluir o ensino secundário, com 18/19 anos em regime nocturno.

103. Foi durante este período que teve uma relação de namoro com a co-arguida AA, sua colega de escola, dos 14 aos 16 anos de idade, tendo o relacionamento terminado quando passou a frequentar o ensino nocturno, nunca mais tendo visto a mesma, desconhecendo mesmo o seu modo de vida, até se terem reencontrado em 2015.

104. Foi também neste período que iniciou os consumos de substâncias psicotrópicas, primeiramente haxixe, passando posteriormente para heroína e cocaína, ainda que, de forma esporádica, situação que ultrapassou sem necessidade de recurso a tratamento.

105. Aos 14 anos, em período de férias escolares, teve a sua primeira experiência profissional como ...... na empresa onde o pai era funcionário, ambicionando ganhar experiência laboral e dinheiro para custear as suas despesas pessoais.

106. Quando terminou o 12.º ano de escolaridade optou pela não continuidade dos estudos, por desejo de obter a sua autonomia económica, tendo trabalhado em várias áreas indiferenciadas como operário, empregado de escritório e outras, vindo posteriormente a ingressar nas O......, onde permaneceu como ...... e em regime de efectividade dos 25 aos 30 anos de idade, auferindo, neste período, rendimentos bastante significativos.

107. Apesar de se sentir motivado pelo tipo de trabalho que desenvolvia na O......, o arguido optou por concorrer a vários concursos públicos numa tentativa de obter vínculo ao Estado, acabando por entrar no ano de 2000 para a carreira de ..........

108. Conheceu o seu ex-cônjuge, ......, com quem, após quatro anos de namoro, em 2004, contraiu matrimónio. Desta relação, afectiva, estável e de partilha em termos financeiros, nasceram dois filhos.

109. Em 2015, BB reencontrou a co-arguida, uma vez que os filhos praticavam actividades desportivas no mesmo local, tendo iniciado com esta uma relação extra-conjugal. O seu cônjuge veio a ter conhecimento da relação extra-conjugal que mantinha e solicitou o divórcio, que veio a ocorrer em Abril de 2016.

110. O arguido relativamente ao pedido de divórcio, sentiu-se fragilizado emocionalmente, tendo, no entanto, aceitado o mesmo por se sentir responsável pelo fim da relação conjugal.

111. Após o divórcio, o arguido manteve-se a viver na casa de morada de família, enquanto o ex-cônjuge optou por arrendar uma habitação, tendo sido determinada a guarda partilhada dos filhos e a residência alternada.

112. Paralelamente, manteve relacionamento afectivo com a co-arguida, que assiduamente passou a frequentar a sua habitação, bem como a da sua mãe, uma vez que relação era do conhecimento da família alargada, beneficiando do apoio de AA quer ao nível financeiro, quer ao nível da logística inerente aos cuidados prestados aos seus filhos, menores de idade.

113. A relação entre BB e AA manteve-se após o desaparecimento de CC.

114. À data dos factos, o arguido residia sozinho na casa de morada de família, recebendo nesta os filhos, actualmente com ... e ... anos de idade, em semanas alternadas.

115. Trabalhava como ......... do 2.º escalão do ............, auferindo cerca de 1000€ líquidos, tendo, como principal despesa, a prestação relativa ao crédito bancário da casa no valor de 400€.

116. A sua situação económica apresentava-se desequilibrada, por a sua remuneração não ser suficiente para suprir todas a despesas mensais, beneficiando por isso quer do apoio económico da co-arguida, quer do da sua progenitora.

117. Mantinha relacionamento amoroso gratificante com AA, apesar de uma dinâmica pautada por alguma instabilidade, devido ao feitio possessivo e ciumento desta, existindo algumas pequenas discussões ainda que sem agressividade/impulsividade

118. Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta.

119. O menor DD, nascido em ..-..-2005, é filho de AA e CC.

120. Até à data da morte de CC, o menor DD sempre conviveu, de forma diária, numa relação muito afectuosa com o seu pai por quem nutria grande afeição, carinho e ternura.

121. O menor DD acompanhava com entusiasmo as provas desportivas em que CC participava.

122. Com os rendimentos auferidos no âmbito da sua actividade profissional, CC participava no sustento do menor DD.

123. Na sequência da actuação da demandada AA supra descrita, CC veio a perder a vida, ficando o menor DD privado da figura paterna para o resto da sua vida, não podendo beneficiar do seu acompanhamento, amparo, assistência, carinho e afecto do pai, relevando essa ausência no desenvolvimento do menor.

124. O DD sofreu desgosto com a morte de seu pai, situação que se mantém no presente, sendo que tal perda irá acompanhá-lo em toda a sua vida.

125. Em consequência do conhecimento da forma violenta em que CC perdeu a vida, o menor DD entrou em depressão, que não está ultrapassada, tendo necessidade de acompanhamento pedopsiquiátrico, não sendo previsível a duração de tal acompanhamento, face à depressão causada por tal evento.

126. Após um período de ausência à escola e de isolamento dos seus pares, DD tem vindo, desde Novembro de 2019, a desenvolver processo gradual de interacção com amigos e colegas.

127. Após a sujeição de AA a medida de coacção prisão preventiva, o menor passou a residir com a sua tia paterna, DDD, deixando o local que considerava como seu lar.

128. DD sofreu impacto emocional com o conhecimento da forma violenta de morte do pai.

129. O menor DD, actualmente, com 13 (treze) anos, necessitará, nos próximos anos de cuidados básicos, relacionados com a educação, alimentação e vestuário, bem como de cuidados especiais devido à perda do seu progenitor.

130. Não fosse a actuação da demandada o menor DD teria o acompanhamento e apoio, quer financeiro, quer emocional, do seu progenitor durante, previsivelmente, vários anos, considerando quer a idade do menor quer de CC, nascido em ..-..-1967, com 50 (cinquenta) anos de idade à data da sua morte.»
*
34. Já quanto a factos não provados ficaram a constar os seguintes:
─ «Com relevância para a presente decisão, não se provou:
1. Na sequência do relacionamento amoroso extraconjugal que a arguida AA mantinha com o arguido BB e do aumento da intensidade da vontade de estarem juntos, os arguidos formularam o propósito de tirar a vida a CC.
2. A deslocação a ...... dos arguidos AA e BB no dia 02.06.2018, foi motivada pelo intuito de encontrarem um local onde pudessem vir a depositar o cadáver de CC.
3. BB participou de algum modo no plano e na execução dos factos que causaram a morte de CC e na posterior ocultação de cadáver.
4. CC acompanhava com regularidade o menor DD nas actividades curriculares e extracurriculares.».

35. No momento de motivar a convicção probatória, os Senhores Juízes e Jurados, a mais de terem reproduzido, por súmula, todas as declarações, depoimentos e esclarecimentos periciais  produzidos em audiência, lavraram, entre outras, as seguintes considerações:
─ «[…].
Feita a súmula dos depoimentos e declarações produzidas em julgamento pelos arguidos, assistente, testemunhas e peritos, importa fazer agora a apreciação global da prova produzida .
Antes de mais, temos de afirmar que os depoimentos apresentados pelas testemunhas, na sua generalidade, mereceram credibilidade, na medida em que as mesmas prestaram depoimentos serenos, claros e isentos, relativamente a factos dos quais tinham conhecimento directo em virtude de os terem presenciado.
Far-se-á apenas excepção ao depoimento prestado pela testemunha EEE pai da arguida, e YYY. Efectivamente, a testemunha EEE, apresentou um depoimento em sintonia com a versão apresentada pela arguida, introduzindo, nos acontecimentos, indivíduos de nacionalidade ......, num contexto que se afigura claramente inverosímil, e não corroborado por qualquer outro meio de prova. Aliás, saliente-se a necessidade que a testemunha sentiu em atribuir a nacionalidade ...... aos indivíduos que alegadamente o atacaram, sendo certo que no decorrer do seu depoimento, acabou por ser evidenciado, e admitido pela testemunha não ter qualquer fundamento sério para afirmar que se tratavam de cidadãos .......... Acresce que o comportamento posterior a tal “incidente” não é consentâneo com a descrição dos factos, nem com o receio que a testemunha afirmou que tal agressão lhe tinha causado. Vejamos: foi caçar nos dias seguintes, não diligenciou por qualquer modo, proteger a filha e o neto, não tendo tomado qualquer medida preventiva ou de protecção, designadamente ir viver para casa da sua filha, onde esta se encontrava sozinha com o filho.
Daqui se conclui que este depoimento assim prestado, e o seu conteúdo, só se explica como tentativa de corroborar a versão da arguida, sua filha, com a pretensão de a desresponsabilizar da factualidade que lhe está imputada neste processo.
Por outro lado, não pode deixar de criar alguma perplexidade a circunstância de só em julgamento, de acordo com afirmação feita pela testemunha, ter relatado tal incidente.
Em face do que se afirma, a falta de verosimilhança do depoimento da testemunha afecta inevitavelmente a credibilidade que lhe poderia ser conferida.
A testemunha GGG, apresentou um depoimento incoerente e com contradições flagrantes com o teor de depoimentos de outras testemunhas, que trabalhavam na empresa de CC e que referiram que este não tinha, desde 2015, relações comerciais com ......, nem qualquer atraso na conclusão dos projectos em que estava a trabalhar.
Acresce que a testemunha se apresentou emocionalmente alterada, não possibilitando ao tribunal a formulação de um juízo de verosimilhança e credibilidade relativamente ao seu depoimento.
Analisando as declarações da arguida AA, necessariamente o Tribunal tem de concluir pela total inverosimilhança da versão dos factos por si apresentada .
São manifestas e evidentes as incoerências e as contradições sobre factos essenciais e inconciliáveis entre si, bem como no confronto da análise conjugada com a restante prova produzida.
A descrição dos factos, apresentada pela arguida, atenta contra a lógica, contra a normalidade dos comportamentos e reacções mais primárias e espontâneas do comportamento humano.
Efectivamente, a referência a um grupo de três indivíduos de nacionalidade ......, associados a um alegado tráfico de ........., que remeteriam através de encomendas recebidas pela vitima, não só não tem apoio em qualquer outro meio de prova, como é refutado pelos depoimentos de várias testemunhas que trabalhavam no escritório da G...... e que, de forma peremptória, afirmaram que nunca se aperceberam de qualquer alteração do comportamento de CC, designadamente na imposição de receber pessoalmente determinadas encomendas. 
Quanto ao estado de espírito de CC, nos meses que antecederam a sua morte, nenhuma das pessoas que com ele mantinha convívio próximo, designadamente os seus funcionários e colegas de treino afirmou que este estaria nervoso, preocupado ou evidenciasse receio do que quer que fosse. Pelo contrário, descrevem-no como uma pessoa descontraída, alegre e bem-disposta.
Não podemos deixar de evidenciar o contraditório comportamento descrito pela arguida. Por um lado, justifica com o receio sentido o seu silêncio sobre os acontecimentos que vivenciou em sua casa e, na sua versão, causaram a morte do seu marido, mas, por outro lado não consegue explicar como foi possível não ter feito qualquer tentativa para evitar que o seu filho regressasse para casa, quando ali se encontravam três indivíduos agressivos, que sob ameaça de arma de fogo, pretendiam forçar a vítima a entregar os aludidos ........., quando é certo que bastaria, simplesmente, para proteger o seu filho, ter dito às familiares para não trazerem o DD para casa, quando recebeu o telefonema da sua cunhada, a informar que estavam a caminho para entregar o DD.
Se atentarmos à descrição da morte de CC feita pela arguida e relacionarmos com o lapso de tempo disponível, entre o momento em que a sua cunhada telefonou a dizer que estava a caminho e o momento da chegada a casa da arguida, constata-se que não é manifestamente possível e credível a sua versão.
Efectivamente, de acordo com o registo telefónico e os depoimentos das testemunhas envolvidas nessa factualidade (DDD e OOO), o percurso até casa da arguida não demorou mais de 40 minutos.
Ora, a arguida afirmou que é após este telefonema que os indivíduos de nacionalidade ...... ficam nervosos e disparam sobre o seu marido, envolvem o corpo em sacos plásticos, transportando-o para parte incerta.
Neste mesmo intervalo de tempo, a arguida muda a roupa ensanguentada que tinha vestida, coloca-a dentro de sacos plásticos, limpa o sangue que estava no chão. E, depois de assistir ao assassínio do seu marido com a violência que é descrita, recebe o filho, a cunhada e a sobrinha com a descontracção e serenidade que por estas testemunhas foi relatado, com presença de espírito para dar uma justificação para a ausência do marido, sem deixar de evidenciar que, no escritório do primeiro andar alegadamente estava o indivíduo de nacionalidade ...... de raça ......, armado e que tinha matado o CC.
É evidente que não é crível e possível fazer tudo isto em 40 minutos, e sobretudo não é crível, depois de presenciar o homicídio do seu marido por terceiro que estivesse tranquila, serena e a fazer conversa de circunstância com os seus familiares.
Por outro lado, a arguida afirmou que foi agredida pelos referidos indivíduos de nacionalidade ....... Todavia, não apresentava nenhuma marca de agressão, sendo certo que envergava roupa que lhe deixava os braços a descoberto.
Não podemos também entender, porque não aproveitou a arguida esta ocasião para se pôr a salvo a si e ao seu filho.
Igualmente não se aceita como credível, que a arguida, deixasse o filho, em casa, durante horas (ou minutos que fossem), sozinho, com um assassino no escritório do primeiro andar, quando vai apresentar a denúncia do desaparecimento do marido. A reacção normal e instintiva do comportamento humano de uma mãe relativamente ao filho é protegê-lo dos perigos.
Nem se consegue perceber qual o interesse dos indivíduos de nacionalidade ...... em exigir à arguida que fosse apresentar, nesse mesmo dia, a denúncia do desaparecimento do marido. O interesse dos ditos indivíduos de nacionalidade ...... seria o de não alertar a polícia para o desaparecimento da vítima. Também não se consegue perceber, porque razão, permaneceu na casa da arguida o tal indivíduo de nacionalidade ...... de raça ......, como refere a arguida na sua versão.
O alegado comportamento assumido pela arguida é na sua versão dos acontecimentos desprovido de lógica, coerência e verosimilhança.
Detectam-se ainda outros inexplicáveis alegados comportamentos da arguida e que se traduzem em todas as manobras, levadas a cabo por si, para credibilizar a versão do desaparecimento do marido: desfazer-se durante a noite da bicicleta do marido, deixando mais uma vez o seu filho sozinho em casa, e ir a ......... arrumar a casa. É difícil compatibilizar este comportamento, conjugando este comportamento, com o alegado receio que a arguida tinha dos ditos indivíduos de nacionalidade ...... cumprirem as ameaças de atentarem contra a sua vida ou do seu filho. Motivo pelo qual justificou não ter espontaneamente contado à policia os alegados acontecimentos.
O alegado comportamento da arguida não é só inexplicável em si mesmo, como revela à saciedade que a mesma não tinha receio algum de andar sozinha durante a noite, deixar mais uma vez o filho desprotegido e de fazer viagens desacompanhada.
Aliás, a arguida não pediu a nenhum dos seus familiares que lhe fizessem companhia, na sua casa, nos dias seguintes, como seria natural e óbvio perante a situação que estava a vivenciar, de acordo com a sua versão.
Por outro lado, a arguida, não obstante a violência dos acontecimentos que presenciou, apresenta-se sempre calma, tranquila e descontraída, como relataram as testemunhas que com ela conviveram no próprio dia, e nos seguintes aos acontecimentos, o que, diga-se, levou a Polícia Judiciária a desviar a orientação da investigação para um eventual crime de homicídio.
Não faz igualmente sentido que os supostos indivíduos de nacionalidade ...... tenham deixado que a arguida fizesse a viagem até ......... dispondo, livremente do telemóvel, sendo de referir que, durante o percurso, a arguida contactou com o arguido e a funcionária da empresa e poderia ter enviado mensagem a pedir ajuda e não o fez.
 E mais uma vez, a testemunha HHH, que com ela contactou, não se apercebeu de nada de estranho atestando que a arguida apresentava um discurso normal, mais uma vez dando justificação para o marido não comparecer no escritório, quando havia ainda a possibilidade de resgatar com vida o seu marido, que na sua versão tinha ficado apenas à guarda de um só indivíduo de nacionalidade ...... que tinha permanecido em sua casa. Bastaria ter enviado uma mensagem, a solicitar a intervenção policial.
Quanto à passagem da arguida pelo Supermercado, no regresso de ........., é absolutamente incompreensível, à luz de todas as regras de experiência, normalidade e razoabilidade. E mais uma vez, nessa altura a arguida tinha tido possibilidade de pedir socorro e não o fez.
Podíamos continuar a realçar os comportamentos incoerentes da arguida no dia, nos dias e semanas seguintes à morte do seu marido, como, por exemplo a disposição manifestada para ir assistir a festivais de música, passeios e férias, sem esquecer, mais uma vez, que a mesma se diz sob ameaça e com receio pela sua vida, a ponto de também inexplicavelmente, não ter contado à policia o sucedido e solicitar protecção policial.
A acrescer a todas estas e outras incongruência e contradições da versão dos factos apresentada pela arguida, por si mesmos e no confronto com os depoimentos das testemunhas, que depuseram com conhecimento directo sobre tais factos, temos também de analisar a sua versão no confronto com a prova documental e pericial existente nos autos.
Desde logo o registo das comunicações telefónicas da arguida, colocam-na em locais e horas não coincidentes com a versão apresentada.   
Vejamos apenas algumas delas.
A arguida afirma que regressou de ......... cerca das 13.00 horas. Se atentarmos que, às 11.27 horas, há registo de activação do seu telemóvel na sua residência das ..............., e que afirmou que se deslocou utilizando a Estrada Nacional, constata-se que também nesta parte a sua versão não é credível, por manifesta falta de tempo para efectuar o percurso de ida e volta (300Km) e procurar os ......... na casa de ..........
Pelas 13.57horas o telemóvel de AA accionou a Antena de A...... Sul, e pelas 14.02h., é efectuado um levantamento de 60,00 Euros na caixa ATM do ........., onde a arguida foi vista e conversou com duas testemunhas.
De referir também, a troca de mensagens enviadas do telemóvel de CC para o seu grupo de whatsapp, numa altura em que estaria de mãos atadas e a ser seviciado pelos indivíduos de nacionalidade .......
A possibilidade de ter sido algum indivíduo de nacionalidade ...... a enviar a mensagem está absolutamente afastada, pela inverosimilhança do conhecimento do dia de aniversario de KKK e da utilização do termo “CC..inho” forma de tratamento especial utilizado por CC.
Por último, é de referir que foi identificado perfil de ADN de AA no saco plástico que foi apreendido e utilizado para embrulhar o corpo de CC.
É de salientar que não merece credibilidade a hipótese de terem sido os indivíduos de nacionalidade ...... a transportar depositar o cadáver de CC no local onde o mesmo foi encontrado. Carece de plausibilidade, que tivessem retornado a um local desconhecido, a mais de 150 Km de ........., para deixar um cadáver exposto ao ar livre, quando o podiam ter abandonado em tantos outros sítios mais próximos e sobretudo não detectáveis.
De referir também que foi encontrado perfil genético de CC na arma C......, propriedade de BB e que a arguida afirmou ter ido buscar a casa deste, pelo que não restam dúvidas que foi a arma utilizada para efectuar o disparo que matou CC .
Por último, importa evidenciar que foram detectadas machas de sangue humano na barra da cama onde dormia CC, e que nenhum vestígio hemático foi encontrado na cozinha, local indicado por AA como tendo sido aquele onde foi morto CC .
Não é igualmente de desprezar o facto de a arguida se ter desfeito do colchão da cama onde dormia o marido, poucos dias após o seu desaparecimento, como se constata pelas fotos da reportagem fotográfica efectuada em 20 de Julho, pela Polícia Judiciária, sendo que a explicação apresentada para o facto pela arguida, é mais uma vez incoerente.
Aqui chegados, e ainda que de forma não exaustiva, temos que concluir que a versão da arguida não mereceu credibilidade ao Tribunal, tanto mais que nem a própria arguida conseguiu apresentar para algumas questões que lhe foram colocadas qualquer justificação, e para outras, justificação que possa ser tida como razoável.
Aliás, perante a inverosimilhança das declarações por si prestadas, o tribunal apenas considerou válidas e credíveis, aquelas que tiveram confirmação através de outro meio de prova.
Não resultaram dúvidas ao tribunal na fixação da matéria de facto nos termos considerados provados, relativamente à actuação da arguida porquanto a prova positiva alcançada permite concluir que a arguida AA foi a autora material do crime de homicídio do seu marido.
A arguida tinha uma motivação, que estava relacionada com o recebimento dos prémios de seguro de que era tomador o seu marido e a arguida era beneficiária dos mesmos.
E tal motivação ficou demonstrada através do depoimento da testemunha QQQ, que foi peremptório em afirmar ter reunido com AA e ter-lhe dado conhecimento das coberturas e montantes de cada um dos contratos celebrados por CC, acrescendo o facto de um dos primeiros pagamentos ter sido feito de uma conta bancária da arguida e de esta ser a responsável pela documentação contabilística da G....... Face ao exposto, a arguida não podia deixar de conhecer o pagamento dos respectivos prémios.
Conseguiu obter a arma do crime e munições e gizou a oportunidade para tirar a vida ao seu marido.
A prova testemunhal e documental produzida em julgamento e a ausência de evidência pericial não permite com a devida e necessária segurança, envolver outra pessoa na prática do crime, sendo certo que não são absolutos os argumentos da defesa, no sentido de não ser possível a arguida transportar o corpo de CC sozinha.
Desde logo se diga que a arguida é uma mulher de considerável compleição física, em confronto com o corpo atlético da vítima.
Por outro lado, existem manchas de sangue no édredon apreendido nos autos e que tal facto indicia que o mesmo esteve em contacto com o corpo da vítima, logo após a sua morte. Deste modo só assim se explicam as manchas de sangue existentes, que tiveram de se transmitir ao edredon antes de se instalar paragem de circulação e coagulação do sangue, tanto mais que o disparo que vitimou CC provocou apenas um orifício de entrado no crânio.
É pois hipoteticamente possível, que o corpo de CC tenha sido arrastado sobre o aludido edredon, tornando assim mais fácil a sua deslocação, ou que tenha sido utilizado qualquer outro modo, para facilitar tal tarefa.
E o mesmo se diga quanto à colocação do corpo na viatura que o transportou para o local onde foi abandonado. Tal operação pode conter algum grau de dificuldade, mas não é decisivamente impossível ser realizada por uma pessoa.
Assim, e na ausência de prova pericial e/ou testemunhal que permita com a necessária segurança e certeza concluir pela participação de um terceiro, concluiu o tribunal pela fixação da matéria de facto provada nos termos dados como assentes. 
Relativamente ao arguido BB, em face da exiguidade do quadro factual traçado em juízo e do teor das declarações prestadas pelos arguidos e das restantes testemunhas e bem assim da prova pericial e documental junta aos autos no mínimo fica instalada a dúvida quanto à participação do arguido na actuação que conduziu à morte da vítima CC. Está pois, inexoravelmente aberto o caminho para a aplicação do princípio in dubio pro reo.
O princípio do in dubio pro reo «…decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2° da CRP). Embora complemente o princípio da presunção da inocência, não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o princípio da presunção da inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova.
O princípio do in dubio pro reo intervém e legalmente impõe-se a sua aplicação, quando e se, depois de concluída a tarefa da valoração da prova, o resultado não é conclusivo. De acordo com tal principio, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido.
O princípio do in dubio pro reo não é um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (CLAUS ROXIN; 1998: 75 e 106, e ULRICH EISENBERG, 1999: 97)» PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 51-52.
"A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência impõe a absolvição do acusado, já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia presunção da sua culpabilidade (veja-se, entre outros, neste sentido, o Ac. n.° 172/92). Se, no final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória (D. 48, 19,5: Satiusenim esse impunitum relinquifacinusnocentisquaminnocentemdamnare)" GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XII ao art 32 da CRP in JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, WoltersKluwer & Coimbra Editora, Maio 2010, pgs 724-725.
"I - O princípio in dubio pro reo, princípio relativo à prova, implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal.
II - Reduzida a prova em audiência às declarações do arguido e ao depoimento da testemunha, o facto de as afirmações de um e outro serem opostas entre si, não tem que conduzir a uma “dúvida inequívoca” por força do princípio in dubio pro reo: as declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, sem outra limitação que não seja a credibilidade que mereçam" Sumário do ARP de 09.09.2009 de Jorge Jacob com Artur Oliveira no Processo 564/07.8PAVCD.P1 in www.dgsi.pt/jtrp.
Tecnicamente, e no que toca à imputação ao arguido BB pela prática do crime de homicídio e profanação de cadáver, atingiu-se em sede de prova um "non liquet", que necessariamente tem de ser resolvido em beneficio do arguido, tanto quanto é certo, que os factos imputados ao arguido na acusação têm de ser estabelecidos para além de qualquer dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal pg. 146; RLJ ano 105º, pg. 125 e ss; e o Ac. do STJ de 13-1-94, CJ, T. I, pg 197), pois, caso tal não se verifique, ou melhor, quando factos relevantes para a decisão não ultrapassem aquela dúvida, como ocorre "in casu" e na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, terão de ser valorados em beneficio do arguido, em obediência ao supra citado principio, que é imposto pela lógica, pelo senso e pela probidade processual e que consagra que "a dúvida equivale (...) à prova positiva da não culpabilidade.
Relativamente ao arguido, e como bem referiu o Exmº Magistrado do MºPº, não se produziu em audiência prova segura e bastante que permita concluir da participação do arguido BB no homicídio e profanação de cadáver de CC.
É certo que resultou demonstrado que o arguido é o proprietário da arma utilizada para matar CC. É igualmente certo que o arguido, após o desaparecimento de CC, assumiu um comportamento particular.
Desde logo salienta-se, a sua desinibida aproximação à arguida, passando a frequentar a casa desta e ali pernoitar poucos dias após o desaparecimento da vítima. A explicação apresentada, não é para tal atitude totalmente convincente, já que, para fazer companhia ao DD e ajudá-lo a ultrapassar aquele momento de vida, bastaria o convívio com o filho do arguido, de quem DD era amigo e colega.
Também não podemos deixar de evidenciar que não pode o arguido não ter constatado, que a arguida não demonstrava qualquer perturbação emocional, não obstante o seu marido estar desaparecido e, obviamente, existir a possibilidade de, no mínimo que algo de grave lhe ter acontecido.
Efectivamente, todas as testemunhas que foram inquiridas em julgamento, e instadas quanto a este aspecto, foram unânimes em afirmar que a arguida, não obstante todo o drama e alarme causado com o desaparecimento do marido, não demonstrava perturbação ou afectação emocional, consentânea com a situação que estava a vivenciar.
Ora, o arguido necessariamente teve também de constatar tal comportamento, tanto mais que, alguns dias após o desaparecimento e ainda sem ser publicamente conhecido o que havia sucedido à vitima, foi com a arguida assistir a festival de música, fizeram viagens lúdicas, passaram férias com os respectivos filhos, sendo que só após o menor DD ter manifestado desagrado na continuação de tais “passeios”, devido à preocupação em que se encontrava face ao desaparecimento do seu pai, é que tais “convívios familiares” com o arguido BB terminaram, como foi referido pelo menor DD nas suas declarações.
Não é, pois credível que o arguido não se tivesse apercebido do particular comportamento da arguida, e não a confrontasse com o sucedido. Porém, em bom rigor, essa constatação não permite concluir nada mais que isso e não legitima, nem legalmente possibilita a conclusão de que o arguido esteve, de qualquer modo, envolvido na morte e profanação de cadáver de CC.
Não temos, pois, dúvidas em afirmar que o comportamento do arguido tem particularidades, algo estranhas.
Todavia, esta constatação não basta, para estribar ou fundamentar um juízo de envolvimento e/ou culpabilidade do arguido na actuação que provocou a morte a CC e na profanação do cadáver deste.
Por outro lado, não é legalmente possível formular um juízo de imputação de responsabilidade criminal do arguido, com base nas declarações prestadas pela arguida AA, desde logo porque a arguida assume a inteira responsabilidade relativamente aos factos que poderiam relacionar o arguido com o cometimento do crime - designadamente o modo como entrou na posse da arma propriedade de BB – assume a inteira responsabilidade afirmando, que, sem conhecimento ou consentimento do arguido, aproveitou-se do facto de saber onde este guardava as armas que dispunha e  de possuir a chave da casa do mesmo, em razão da relação amorosa que mantinham, e  dessa forma se apoderou da arma deste, que transportou para a sua residência onde a guardou, até ao momento em que, pelo mesmo modo, a novamente guardar no mesmo local de onde a tinha retirado.
Igualmente é certo que o arguido, em Junho de 2018, cerca de um mês antes da morte de CC, esteve nas proximidades do local onde o cadáver deste foi encontrado, não sendo compreensível o motivo invocado pela arguida para ali se ter deslocado com o arguido, tanto mais, que mantendo uma relação extra-conjugal, era pouco credível que se deslocasse acompanhada daquele a um local onde poderia ser avistada por alguém conhecido, com um outro homem que não o marido, apenas com o intuito de lhe mostrar as suas origens.       
E poderíamos invocar mais alguns comportamentos do arguido, anteriores e posteriores à morte de CC. Todavia e por tudo o que se já deixou explanado supra sobre a prova indiciária e indirecta, esta não basta quando desacompanhada de um facto certo, seguro e concreto, para retirar qualquer ilação ou fundamentar juízos de culpabilidade quanto à prática ou comparticipação de um crime.
Nestes termos, e por aplicação do princípio in dubio pro reo, decidiu o Tribunal, quanto à matéria de facto, nos termos dados como assentes e que impõem o juízo de não prova de imputação a este arguido, no que concerne à prática do crime de homicídio e de profanação de cadáver.
Neste momento, importa fazer referência à prova pericial produzida em julgamento .
Salienta-se que a prova pericial tem um valor qualificado no processo penal, encontrando-se o valor do juízo técnico ou científico, inerente à prova pericial, especialmente protegido, presumindo-se subtraído à livre apreciação do julgador e só podendo, prima facie, ser refutado por prova da mesma natureza, quanto ao núcleo de cientificidade que lhe é inerente (artº 163º do C. Penal).
Compreende-se que assim seja, porquanto a prova pericial tem lugar “quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”, nos termos do artº 151º do CPP, os quais não se encontram, em regra, directamente acessíveis ao tribunal.
Acresce que, consagrando o nosso processo penal um sistema de perícia oficial, estabelecendo como regra que “a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado” ( artº 152º nº 1 do CPP, e que incumbe à autoridade judiciária ordenar a sua realização e delimitar o seu objecto (artº 154º do CPP) e mesmo, quando o julgar conveniente, assistir à sua realização (artº 156º nº 2 do CPP), dúvidas não existem que apenas são investidos na função de peritos aqueles a quem , por força da lei e de despacho da autoridade judiciária, tenha sido atribuído tal estatuto.
De tais considerações resulta que a prova pericial atendível nos autos se reporta apenas à que foi produzida pelas entidades oficiais e, nessa qualidade, apreciada em audiência.
Assim, os depoimentos prestados sobre esta matéria pelas testemunhas arroladas, que apesar da sua formação técnica, não realizaram qualquer perícia nos autos, nem tiveram contacto com os objectos apreendidos e sujeitos a exame pericial, não foram considerados susceptíveis de abalar os juízos científicos das perícias realizadas, nomeadamente as referentes à presença de vestígios de ADN de CC na arma apreendida, que o tribunal considerou ter sido utilizada na prática dos crimes, após os vários esclarecimentos prestados em julgamento e que de forma clara explicita, descreveram os procedimentos, análises e exames efectuados, o que fizeram com rigor e de forma esclarecedora. 
Designadamente explicitando em que parte da arma apreendida fizeram a recolha de vestígios para determinação de perfil de ADN, que após a realização da respectiva análise foi identificado ADN de CC. 
Foram igualmente esclarecedores, no que concerne aos procedimentos relativos à cadeia de custódia da prova, não se tendo constatado a quebra da mesma, sendo que relativamente à perícia da arma e perícia biológica para identificação do perfil de ADN, não se vislumbra qualquer irregularidade.

Atendeu-se e procedeu-se à apreciação crítica e conjugada da prova pericial e documental junta aos autos, designadamente:
Auto de Reconstituição de facto realizada com a arguida AA junta aos autos a fls. 2892 a 2905.
Prova Pericial:
[…].
Relatório de Balística, relativo aos elementos municiais, recolhidos no cadáver de CC, constante de fls. 722 a 724.
[…].
Exame de Balística, referente às armas e elementos municiais e faca apreendidos na residência de BB constante de fls. 1233 a 1239.
[…].
Relatório de Balística, realizado pelo LPC, referente às armas de fogo, munições, projétil e faca - busca realizada a 26.09.2018, na residência do arguido BB constante de fls. 1697 a 1699.
[…].
Relatório do LPC, referente à Busca realizada a 26.09/2018, às duas viaturas utilizadas por CC e AA e à viatura utilizada por BB constante de fls. 2258 a 2272;
[…]
Relatório referente à busca realizada, no dia 26.09.2018, à residência de BB constante de fls. 2314 a 2336.
[…]
Relatório de Exame de Biologia, referente aos tapetes apreendidos na residência de CC e AA, e a recolha de zaragatoas realizadas na arma da marca “C......” apreendida a BB constante de fls. 2437 a 2439.
[…].
Relatório de Autópsia de CC constante de fls. 2642 a 2650.
Relatório, de fls. 2631 a 2641.
[…].
Prova Documental:
[…].
*
Quanto aos factos não provados, conforme já explicitado o Tribunal formou a sua convicção com base na ausência de prova concludente produzida em audiência de julgamento em relação à referida factualidade.».

(b). Acórdão do Tribunal da Relação (Acórdão Recorrido) – factos provados e não provados e fundamentação da convicção.
36. O Tribunal da Relação alterou a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância, passando os n.os 17, 19, 20, 21, 31., 32., 33. 34., 35, 36., 37. 38., 39., 40., 41., 42, 71. 72., 73., 74., 75., 76. e 77., a ter a seguinte redacção, na qual se destaca a negrito o que constitui inovação:
─ «17. Em data que não foi possível concretamente apurar, mas anterior a 14.07.2018, a arguida AA e o arguido BB formularam o propósito de tirar a vida a CC, a fim de a primeira arguida beneficiar de uma situação económica abastada, resultante dos valores indemnizatórios a serem pagos mediante o accionamento dos seguros de vida de que ela e DD eram beneficiários, cujo montante total ascendia, pelo menos, à quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), bem como da habitação comum do casal e de todo o dinheiro depositado em contas bancárias junto das instituições bancárias de que CC era titular;
[…];
19. Movidos por aquele propósito, os arguidos AA e BB acordaram em aproveitar-se da circunstância de CC ser desportista para, posteriormente à sua morte, ocultarem o respetivo cadáver e anunciarem o desaparecimento do mesmo, na sequência de um treino de bicicleta na via pública;
20. Combinando aqueles, ainda, que usariam uma arma de fogo e munições do arguido BB;
21. E que aguardariam que surgisse a melhor oportunidade para levar a cabo a aludida resolução, na casa onde a arguida residia com CC e sem a presença do filho menor de ambos, DD;
[…];
31. Em hora que não foi possível concretamente apurar, mas no final do dia 15.07.2018 ou início do dia 16.07.2018, em execução do plano traçado, o arguido BB dirigiu-se à habitação onde residiam CC e a arguida AA;
32. Aí chegado, o arguido BB entrou na aludida habitação, sita na ............, Rua ............, ............, com o conhecimento e consentimento da arguida AA;
33. Em determinado momento do aludido período nocturno, os arguidos AA e BB dirigiram-se ao quarto de hóspedes, localizado no primeiro andar da dita residência, onde se encontrava o CC, a dormir;
34. Aí chegados, o arguido BB aproximou-se de CC e, apontando à cabeça deste a arma de fogo que levara consigo – a pistola de calibre 7,65 mm, da marca “C......”, com o n.º de série .....23, que se encontrava devidamente municiada com, pelo menos, uma munição de calibre 7,65 mm Browning, da marca B......, de origem brasileira, com projéctil do tipo "hollow point" -, efectuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio da vítima, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipal, numa trajectória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita;
35. Em consequência directa e necessária daquela conduta, o CC sofreu uma ferida perfurante do crânio, provocada pelo projéctil disparado pela aludida arma de fogo de cano curto, que foi a causa directa, necessária e apta da sua morte;
36. Após a morte de CC e, em execução do mesmo plano comum, os arguidos AA e BB colocaram um saco do lixo preto em redor do crânio de CC e apertaram-no com uma corda, de forma a limitar o derrame de sangue de CC noutras superfícies;
37. Em seguida, os arguidos AA e BB colocaram outro saco embrulhado à volta da perna direita de CC, a qual continha uma tatuagem com a forma de uma ......... com a palavra “.........”;
38. Em acto contínuo, os arguidos envolveram o cadáver de CC num edredão e ataram-no, com uma corda de sisal, à volta do corpo de CC;
39. E, de modo que não foi possível concretamente apurar, aqueles mesmos arguidos transportaram o cadáver de CC e colocaram-no no interior de um veículo automóvel, de matrícula não concretamente apurada;
40. O cadáver foi de seguida transportado por aqueles arguidos no aludido veículo, sendo depois abandonado num terreno rural que constitui reserva ......, junto do cruzamento que permite seguir nas direções de ............... e de ..............., sito a 100 metros da Estrada Nacional n.º ...... e a 20 quilómetros da localidade de ........., onde os progenitores de AA possuem uma habitação já referida em 3 e 4 e a cerca de 160 quilómetros da residência do ofendido, tendo o saco de plástico preto, com o edredão e a corda de sisal - objetos que serviram para transportar o cadáver -, sido abandonados num terreno rural, ao KM 00,00 da EN ......, entre ...... e ......, a 5 quilómetros de distância daquele primeiro local;
41. Após, a arguida AA dirigiu-se ao quarto de hóspedes da sua residência e retirou os três tapetes, a roupa da cama juntamente com o colchão desse quarto, dando-lhes destino que não foi possível concretamente apurar, por forma a não deixar vestígios dos factos cometidos;
42. Depois de concretizada a morte de CC, a arma usada para esse efeito foi guardada dentro de um saco de plástico e colocada por baixo da última gaveta do roupeiro, no quarto de dormir do arguido BB, na residência deste, sita na Rua ...................., ........., em .........;
[…];
71. Com a atuação supra descrita, a arguida AA e o arguido BB, agiram em comunhão de esforços e de intentos, em execução de plano previamente por ambos delineado e aceite, previram, quiseram e conseguiram tirar a vida de CC, não obstante a arguida AA saber que CC era seu esposo, qualidade que o arguido BB conhecia, e para tal, escolheram o momento, o lugar e o modo de levar a cabo o propósito que se manteve firme por, pelo menos, mais de 24 horas, considerando e conhecendo o BB as características da arma de fogo e da munição escolhidas, nomeadamente a perigosidade e letalidade das mesmas e ambos sabendo da idoneidade daquele meio para causar a morte de CC e que na zona do crânio está alojado órgão essencial à vida;
72. Para o efeito, aqueles arguidos elaboraram um plano com insensibilidade e indiferença pela vida de CC, persistindo na resolução de lhe tirarem a vida, tendo acordado que a morte seria provocada por disparo de arma de fogo tipo pistola de calibre 7,65mm de que o arguido BB era possuidor, bem como a oportunidade que aproveitariam para realizar tal plano, nomeadamente numa ocasião que coincidisse com ausência do filho de CC e AA da residência por todos habitada;
73. Ao actuarem do modo supra descrito, a arguida AA e o arguido BB previram, quiseram e conseguiram aproveitar-se da circunstância de CC estar a dormir no quarto de hóspedes e efectuaram um disparo com a arma de fogo supra descrita, atingindo o crânio de CC, para tornar impossível a defesa por parte deste, quer pela surpresa do ataque, quer pela violência do mesmo e inviabilizando que o ofendido fosse socorrido em tempo, com o propósito de assegurar uma situação económica abastada a AA, nomeadamente, pelos proventos económicos da gestão das sociedades comerciais de que CC era gerente e dos montantes indemnizatórios dos seguros contratados pelo ofendido e demais bens pertencentes a CC que passariam para a titularidade de AA;
74. Ao actuarem do modo descrito, a arguida AA e o arguido BB previram, quiseram e conseguiram, na execução de tal plano comum, deslocar, depositar, esconder e abandonar o cadáver de CC num local ermo, a cerca de 160 (cento e sessenta) quilómetros de distância da casa de morada de família do ofendido, sem o enterrarem, com o escopo de que o cadáver de CC se decompusesse rapidamente, com o calor decorrente da estação do ano e, ainda, que parte do cadáver fosse digerido por animais;
75. Com tal comportamento, visaram os mesmos arguidos retardar a descoberta e dificultar a identificação do cadáver de CC e ocultar quaisquer vestígios quanto à causa e autoria da morte, impedindo assim a descoberta imediata do cadáver pelas autoridades policiais e assim obstarem à sua perseguição criminal, o que bem sabiam não estarem autorizados a fazer;
76. Ao esconderem o cadáver de CC, os referidos arguidos agiram com total insensibilidade, bem sabendo que ofendiam o sentimento moral colectivo do respeito devido aos mortos, o que quiseram e lograram alcançar;
77. Ao deterem, transportarem e utilizarem, nas circunstâncias supra descritas, a arma de fogo, tipo pistola, calibre 7,65mm, marca C......, com o n.º de série .....23 com munição “hollow point”, para provocarem a morte de CC, a arguida AA e o arguido BB sabiam que não se encontravam legalmente habilitados para o efeito, por não serem titulares de qualquer licença de uso e porte da arma de fogo em apreço e por não se encontrarem autorizados por autoridade legalmente competente para tal, sabendo ainda que tal conduta era proibida

37. No tocante aos factos não provados, o Acórdão Recorrido eliminou os que constavam do n.º 3 do acórdão de 1ª instância, mantendo intacta a redacção dos demais números.

38. E justificou a manutenção/confirmação dos segmentos dos factos da 1ª instância que deixou intocados e as alterações que neles enxertou em considerações como as que seguem:
─ «[…].
A primeira constatação relevante e consensual é que inexiste prova direta da prática de tais crimes por qualquer dos arguidos, de forma isolada ou conjuntamente, conforme é frontalmente assumido pelo tribunal recorrido.
Não há dúvidas, porém, de que a morte de CC foi causada por outrem e "resultou de ferida perfurante do crânio, provocada por projéctil de arma de fogo de cano curto", conforme conclui o relatório de autópsia realizada pelo perito em medicina legal (Dr. QQ). A vítima foi alvejada com um tiro de arma de fogo, na cabeça, sendo depois transportado o corpo, desde a sua residência até ao local em que foi encontrado, a muitos quilómetros de distância, pelo que, estamos inquestionavelmente na presença de um crime de homicídio e de um crime de profanação de cadáver.
Quanto a motivações para a prática de tais crimes, a única conhecida é a que vem alegada na acusação e que ficou demonstrada na matéria de facto provada.
Coloca-se, pois, a questão de saber se, perante a inexistência de prova direta, os elementos de prova existentes e indícios que deles decorrem se mostram suficientes para extrair uma conclusão segura no sentido de que foram os arguidos os autores dos mencionados crimes.
O que nos conduz à problemática, discutida nos autos, de apurar se a condenação dos arguidos pode fundar-se em presunções judiciais, permitindo que, a partir destas, o tribunal retire ilações, dando como provados determinados factos essenciais, sem que sobre eles tenha diretamente incidido qualquer meio de prova.
A resposta a esta questão é claramente positiva, na doutrina e na jurisprudência, sendo legalmente admissível, de forma clara e expressa, pelo artigo 125.º, do CPP, no qual se afirma que "são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei", sem que exista norma que proíba o recurso àquelas presunções, antes resultando do nosso ordenamento jurídico, concretamente, das normas do direito civil (artigos 349.º e 351.º, do Código Civil) a definição de tal conceito e a sua admissibilidade como meio de prova, aí se prevendo que "presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido" e que "as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal", mais resultando do artigo 607.º, n.º 4 do CPC, que o juiz deve extrair "dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência".
Com efeito, em muitas situações submetidas a julgamento, a prova dos factos relevantes tem de ser feita de forma indirecta, a partir de outros factos, na medida em que, não tendo aqueles sido directamente observados, eles podem decorrer de ilações que possam ser retiradas dos factos devidamente comprovados, tendo em conta as circunstâncias concretas do seu cometimento (cfr. a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298).
É o que acontece, por via de regra, com os elementos subjetivos do tipo, tal como referido na decisão recorrida.
De outro modo, no limite, "todo o processo penal constituiria uma miragem", como se afirma em acórdão da Relação de Coimbra de 09/05/2012, proferido no processo n.º 347/10.8PATNC.C1.
Desde que do conjunto de factos disponibilizados se possam retirar ilações, coerentes, que demonstrem ou tornem fortemente admissíveis outros factos, mesmo sem prova direta, de acordo com as habituais regras da experiência, e segundo juízos correntes de probabilidade, de lógica, e intuição humanas, estamos dentro da regra da livre convicção, tal como é proposta pelo art. 127.º, do Código Penal.
Como melhor se aponta no último aresto mencionado:
“(…) a prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no artigo 349º do Código Civil.

Assim, não sendo afastada a sua relevância no processo penal por qualquer disposição legal, constituirá meio de prova permitido em processo penal, dentro do princípio geral do art. 125º do CPP: São admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.
Ora as presunções legais ou de direito resultam da própria lei. Enquanto as presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis - fundam-se nas regras da experiência comum. Na expressão de Antunes Varela (Manuel de Processo Civil, ed. De 1985, p. 502) “é no saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto”.
Na busca de critérios de superação da antinomia entre presunção de inocência/prova por presunções, aponta o caminho Carlos Climent Durán (La Prueba Penal, Doctrina e Jurisprudência, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 575): “As razões que podem ter contribuído para tal crença encontram-se antes de tudo, na lamentável confusão – muito generalizada – entre o conceito vulgar e o conceito jurídico de presunção, e também na razão de que vulgarmente se considera que o uso das presunções incrementa desproporcionadamente o risco de erro judicial”.
Ora, continua o mesmo autor, “a presunção abstracta é constituída por uma norma ou regra de presunção, susceptível da prova em contrário, que pode ter sido estabelecida pela lei ou por decisão judicial, apoiando-se, em ambos os casos, em alguma máxima da experiência. Apresenta uma estrutura em que os factos básicos estão conexionados através de um juízo de probabilidade, que por sua vez se apoia na experiência, de maneira tal que a prova de um envolve a prova de outro. Enquanto a presunção concreta supõe a projecção da presunção abstracta sobre o caso ajuizado ou, se se preferir, a subsunção do caso concreto dentro da presunção abstracta, uma vez que se tenha praticado ou podido praticar a correspondente contraprova e se tenha comprovado judicialmente a existência de uma ligação racional entre os indícios e o facto presumido, com descarte de qualquer outro possível facto presumido. Em rigor já não cabe falar de facto presumido, mas antes de facto provado. O seu fundamento já não assenta no juízo de probabilidade, mas antes no juízo de certeza (certeza moral), como qualquer outro meio probatório ao qual a presunção se parifica. (…) Toda a presunção consiste, dizendo em poucas palavras, em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios) que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de maneira tal que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido” – ob. cit. , p. 578-579.
Diga-se até, que a associação entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermaier Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
A utilização de presunções exige, todavia, da parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação. Desde logo porque estas apresentam uma estrutura mais complexa que os restantes meios de prova .
Com efeito, não só há-de resultar provado o ou os factos básicos, mas há-de determinar-se, ainda, a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Além de se permitir, em concreto, a análise de toda a prova produzida em sentido contrário com vista a desvirtuar quer os indícios quer a conexão racional entre esses indícios e o facto consequência.
Daí que, para a valoração de tal meio de prova (também chamada circunstancial ou indiciária), devam exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência. Neste sentido, cfr. Francisco Alcoy, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003 ob. cit., p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência sobre o tema. No mesmo sentido, desenvolvidamente, cfr. Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 626 e segs., em especial p. 633.
No mesmo sentido o Tribunal Constitucional de Espanha (citado por Climent, ob. cit. p. 580) “considerou admissível a prova indiciária, equivalente da prova circunstancial no âmbito penal, sempre que com base num facto plenamente acreditado e demonstrado, também possa inferir-se a existência de um outro, por haver entre ambos um enlace preciso e directo segundo as regras do critério humano mediante um processo mental racional. Em definitivo trata-se de uma operação lógica, consistente num raciocínio indutivo cujo discurso há-de reflectir-se na sentença”. Do mesmo modo, em matéria de crimes fiscais, a jurisprudência constitucional italiana (cfr. Nuno Sá Gomes, in Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e processo Penal Fiscal, Ed. Rei dos Livros, 2ª ed ob. cit., p. 62) tem entendido que a presunção legal deve assentar numa “facto normal” ou num “facto comum da experiência” que permita fazer um juízo de probabilidade da existência da base contributiva”. Doutrina também acolhida pelo Tribunal Constitucional português, que se pronunciou designadamente sobre a constitucionalidade da tributação por meio de presunções de riqueza no Ac. TC n.º 26/92.
Assim, radicando a presunção concreta no sentido explanado, assente em meios de prova objectivos, concretos, devidamente analisados e explicitados na motivação da sentença, com efectivo exercício do contraditório, nada impede a sua utilização em processo penal.”
É com base nessas presunções judiciais que o recorrente MP pretende demonstrar a comparticipação do arguido BB na comissão daqueles crimes e é refutando o raciocínio do tribunal recorrido que delas se socorreu para a condenar, que a arguida AA sustenta a inexistência de provas que suportem tal condenação.
Demonstrada que está a legalidade do uso das presunções judiciais no apuramento dos factos imputados, a demonstração da verdade com base na prova indiciária depende, como é óbvio, da verificação dos necessários indícios, relativamente aos quais foi produzida prova directa e que deverão conduzir à conclusão de que o facto alegado é verdadeiro.
Para que se atinja o necessário grau de certeza em que tem de assentar uma condenação criminal é, assim, pressuposto que haja uma pluralidade de indícios que indiquem num mesmo sentido - embora possa admitir-se um só indício, desde que o respectivo significado seja determinante -, que a força probatória daqueles indícios não seja posta em causa pela presença de possíveis contra-indícios que possam apontar em sentido diverso e ainda que, o raciocínio seguido ou argumentação apresentada para justificar a conclusão a que se chegou seja inteiramente razoável e respeitadora dos critérios da lógica e do senso comum, tendo por padrão o discernimento e conhecimentos de um ser humano de cultura mediana.
A primeira constatação que se impõe fazer é que, ninguém no seu perfeito juízo, ou com o mínimo de bom senso, se coloca a si próprio na cena do crime, participando mesmo no seu desenvolvimento – seja por vontade própria ou contra a sua vontade -, se lá não tivesse estado, exceptuados aqueles casos, que por vezes ocorrem, de essa pessoa, não sendo a autora do crime, querer assumir-se como tal, apenas com o intuito de evitar que o real autor do crime seja punido, preferindo assumir as culpas deste, porque se trata de alguém a quem está ligado por laços muito estreitos, de sangue (pais e filhos, e/ou vice versa) ou de amor recíproco (marido/mulher ou amantes).
Daí que, a posição da arguida ao assumir que estava presente quando o seu marido foi morto, não nos merece contestação, antes pelo contrário, é uma afirmação que deve ser levada muito a sério e que deve ser assumida como verdadeira, porquanto, se isso não tivesse acontecido, nunca o teria assumido, tanto mais que, não há aqui a mínima hipótese de estar a encobrir o filho de ambos – relativamente ao qual a prova é inequívoca no sentido de que nem sequer estava presente na altura em que o crime ocorreu -, ou uma terceira pessoa que pudesse estar envolvida nesses mesmos factos, para além do arguido BB, porquanto, inexistem quaisquer indícios de haver mais alguém que tivesse uma ligação estreita em termos afetivos à arguida e que pudesse ter alguma motivação para matar o CC, sendo certo que era com aquele arguido que a mesma tinha um relacionamento amoroso há algum tempo e que ambos pretendiam continuar no futuro. Acresce que a arguida não confessou os crimes, estando, por isso, afastada a aludida hipótese de pretender isentar de responsabilidade alguém que lhe fosse muito querido, limitando-se a contar uma história que a coloca a ela e à vítima no centro dos acontecimentos, afastando, porém, a sua responsabilidade no resultado final e dela excluindo também o arguido BB, como se este fosse completamente estranho a esses factos.
A arguida AA, apesar de algumas deambulações e hesitações na procura de uma versão que tivesse alguma credibilidade e não comprometesse o coarguido BB, acabou por fornecer outro dado muito relevante que também não pode deixar de corresponder à verdade: a arma  utilizada para matar o CC foi a arma indicada na acusação, identificada, nomeadamente, nos factos provados 19, 20 e 31 como instrumento do crime, a qual era propriedade daquele arguido e foi encontrada na residência deste.
Se assim não fosse, não haveria qualquer justificação para aquela arguida sentir necessidade de “explicar” como a aludida arma saiu de casa do arguido BB sem o seu conhecimento, serviu para matar o CC e voltou a ser colocada no local original de onde havia sido retirada, sendo certo que, complementarmente, foi explicado pelo senhor perito na área de balística (Dr. RRR) que existia compatibilidade entre a aludida arma e o projétil retirado do crânio da vítima, apesar de o interior do respetivo cano ter sido danificado, química e mecanicamente, o que impediu o estabelecimento de uma correlação inequívoca de que tal aludido projétil foi disparado pela arma em causa, para além de ter sido encontrado na casa do arguido um outro projétil idêntico ao que causou a morte, apesar da extrema raridade de tal tipo de projétil.
Razão por que, contrariamente ao mencionado pela recorrente AA, a decisão recorrida não contraria o resultado da perícia à arma e munição encontrada no corpo da vítima, antes havendo compatibilidade entre ambas, face aos esclarecimentos do respectivo perito.
Em tudo o resto que a arguida relata e que esteja relacionado com o modo como ocorreu a morte do seu marido, as suas declarações não têm o mínimo de credibilidade, nomeadamente, no que respeita à assunção de que foi ela que retirou a aludida arma da casa do co-arguido e que a lá recolocou, sem conhecimento deste, ao objectivo que a moveu quando assim procedeu e quanto ao uso da arma por terceiros, de nacionalidade ......, tendo sido estes que mataram o seu marido, sendo a sua versão destes factos contraditada por vários elementos de prova constantes dos autos que revelam impossibilidade de eles terem ocorrido da forma como a arguida os descreve.
Se, por um lado, a arma que matou a vítima pertencia ao arguido BB, por outro, a arguida AA não dispunha nem dispõe de quaisquer conhecimentos de balística, de manuseamento de armas e do processo de eliminação de vestígios identificativos de correspondência da arma ao projéctil, tal como ela própria alega e ficou suficientemente demonstrado.
Na busca à residência daquele arguido foi localizada e apreendida aquela arma (para além de muitas outras), bem como uma munição igual à usada, como já referimos, mas existiam muitas outras, nomeadamente de calibre 7,65 mm. Só uma pessoa com conhecimentos em matéria de armas e munições podia escolher a munição adequada para a arma que foi usada e com poder destrutivo superlativo para concretizar a morte, o que não estava ao alcance da arguida, perante a ignorância que a mesma demonstrou nessa matéria, conforme já referido.
O processo de eliminação de vestígios identificativos de correspondência da arma ao projéctil, também não é compatível com a intervenção exclusiva da arguida, desconhecedora de armas, sendo, porém, compatível com os conhecimentos do arguido nessa mesma matéria, o qual revelou ser apreciador de armas de fogo.
Por isso, a hipótese colocada pela arguida, de ter sido ela a levar a dita arma com uma caixa de munições e a recolocar mais tarde, apenas a arma, no mesmo local - à dita caixa de munições não sabe o que lhe aconteceu nem foi encontrada -, sem intervenção do arguido BB, não tem o mínimo de razoabilidade e atenta contra o senso comum, perante as aludidas circunstâncias.
Não existem contraindícios que permitam admitir que a arma saiu e voltou à casa do arguido BB sem intervenção deste. Na verdade, não havia maneira de tal facto poder ser imputado aos ditos indivíduos de nacionalidade ......, sem comprometer o referido arguido, sendo aparentemente essa a verdadeira razão para a arguida AA o assumir da forma como o fez. Não há quaisquer indícios nem razões para supor que a referida arma tenha sido retirada e recolocada na casa do BB, por qualquer outra pessoa, sem ligação aos arguidos.
Consequentemente, a conclusão no sentido de que houve necessariamente a intervenção do arguido no referido acto é não só razoável, como se apresenta convincente e até mesmo inevitável, face a critérios lógicos do discernimento humano, considerando o relacionamento existente entre ambos os arguidos e o seu comportamento, antes e depois dos factos.
Num segundo momento, o corpo da vítima foi transportado desde o local onde ocorreu a morte até ao local onde foi encontrado, a muitos quilómetros de distância.
Para isso, teve de ser deslocado do piso superior (primeiro andar) da residência, até ao rés do chão, ou mesmo até à garagem (neste caso, descendo dois pisos), através de escadaria interior, o que não seria fácil, mesmo para duas pessoas, apresentando-se tal tarefa impossível para uma só pessoa como a arguida, a não ser que o cadáver fosse arrastado (em cima ou embrulhado no edredão que seria mais tarde encontrado), o que implicaria que batesse com partes do corpo em cada degrau das escadas, o que revelaria hematomas em consequência de tais pancadas, sabendo-se, porém, que inexistiam lesões que denunciassem tal arrastamento, as quais não foram constatadas na autópsia realizada nem admitidas pelo senhor perito médico nas explicações dadas em julgamento. Já para não falar na colocação do corpo no veículo em que seria transportado, apesar de a retirada do mesmo para o solo, no local de destino e em que foi abandonado, se revelar bem mais fácil de executar.
Trata-se de tarefas de alguma dificuldade, que exigem força física de quem as executa e que não se compadecem com a intervenção de uma só pessoa que, para além de ser mulher e ter de transportar um homem de constituição física robusta e atlética, com peso condizente com a sua estatura e que já estava morto - o que dificultava o seu manuseamento e deslocação de um local para outro -, aquela encontrava-se debilitada fisicamente, com hemorragias vaginais em virtude da medicação de preparação para o exame médico a que se iria submeter, o que indicia menor capacidade física do que em circunstâncias normais.
Daí que, estando excluída a hipótese do arrastamento do cadáver, é manifestamente ilógico admitir o transporte do mesmo apenas pela arguida, sendo muito mais razoável e sensato concluir que houve ajuda de outra pessoa, que colaborou com aquela.
Acresce que, ambos os arguidos conheciam o local onde foi encontrado o corpo e tinham visitado esse local pouco tempo antes, visita que não se crê que tenha sido em simples passeio, pois, isso atentaria igualmente contra a lógica, porquanto, a arguida era conhecida nessa zona e não seria normal aí aparecer com a pessoa com quem mantinha relacionamento extraconjugal que até então era mantido em sigilo.
No dia do óbito, os arguidos tiveram os respetivos telemóveis desligados durante o mesmo período temporal, indicador seguro de terem estado juntos nesse lapso de tempo - durante perto de 20 horas, período com o qual coincide o momento do óbito e o tempo de duração da viagem até ......... e regresso -, revelando também a intenção de não deixar rasto  que permitisse prova através de localização celular, sendo esta uma preocupação inteiramente compreensível no que concerne ao arguido BB, que não deixaria de estar atento a essas questões, relacionadas com esse tipo de prova, atenta a sua qualidade de funcionário ..........
Quando reactivaram os telemóveis, no dia 16 de julho (entre as 11,27h e as 13,6h), verificou-se uma troca intensa de mensagens "sms" entre os dois.
Ambos eliminaram todos os registos de contactos telefónicos ou de mensagens entre eles no período compreendido entre 22.06 e 28.08 de 2018, assim como eliminaram dos contactos do seu telemóvel o número de telefone do outro, fazendo crer que não se conheciam e que nunca haviam contactado um com o outro, nomeadamente naquele período. Sabendo-se, porém, através dos elementos fornecidos pela respectiva operadora a que estavam ligados, que os contactos telefónicos e trocas de mensagens entre eles foram em número muito elevado.
Não existem contraindícios que permitam afastar o arguido da arguida nesse período em que ocorreu o óbito e o transporte do corpo até ao local onde foi encontrado.
Concluindo-se, pois, que a colocação do arguido BB junto da arguida AA, nesse mesmo período, é não só razoável, como nos parece ser a solução mais plausível, face a critérios lógicos do discernimento humano.
Por outro lado, os contactos entre os arguidos são compatíveis com o envolvimento de ambos nos factos ocorridos.
A sincronia entre os telemóveis de ambos (os contactos, os períodos em que os telefones estiveram desligados e sem tentativas de contactos por parte de nenhum deles enquanto desligados e apagamento simultâneo das mensagens que os dois haviam trocado), é indício seguro que estiveram juntos no período de execução dos factos.
Não existindo, também, contraindícios que afastem esta conclusão.
Por fim, há comportamentos dos aludidos arguidos que são reveladores de cumplicidade entre ambos, sobre a morte do CC.
Numa altura em que não se sabia o que tinha acontecido a este e sendo admissível a hipótese de o mesmo estar desaparecido e voltar a aparecer, não era normal o arguido BB aceitar divertir-se com a arguida AA em festivais de música e fins de semana lúdicos.
Não existem contraindícios que permitam compreender esse comportamento do arguido por outra razão que não o facto de saber da morte da vítima e ter participado na consumação da mesma.
Em suma, não sendo minimamente credível a história contada pela arguida AA sobre a intervenção dos ditos “indivíduos de nacionalidade ......” na morte do CC, nem a versão daquela no sentido de que retirou a arma e a recolocou na casa do arguido BB sem conhecimento deste, as provas são demonstrativas de que aquela teve intervenção nessa morte – desde logo, com base nas suas próprias declarações, ao admitir ter estado presente quando tal ocorreu e dando uma versão de como aquele foi morto, sabendo-se que aquela arguida procedeu posteriormente a uma limpeza profunda, removendo quaisquer indícios comprometedores que pudessem existir na casa e eventualmente na viatura automóvel - e ainda que teve ajuda de outra pessoa para concretizar tal desígnio, mais resultando que foi usada, para o efeito, a arma apreendida que se encontrava na casa do arguido BB, aí sendo encontrada também uma munição igual à usada no disparo que causou a morte, apesar da enorme raridade de tal tipo de munições, conforme assinalado pelo perito em balística.
Todas aquelas circunstâncias, conjugadas entre si, demonstram, com toda a evidência, que essa outra pessoa que colaborou com a arguida AA para tirar a vida do CC e ajudou aquela a desfazer-se do corpo da vítima, só podia ter sido o arguido BB, o qual forneceu os instrumentos do crime - arma e munições - e tinha com aquela uma relação amorosa duradoura - o que afasta a intervenção de alguém estranho a essa relação -, ambos pensando continuar a vida em comum após a morte da vítima e ambos beneficiando com tal morte, dados os seguros de que aquela era beneficiária, sendo certo que a arguida AA e a vítima, apesar de casados, já não faziam vida em comum, dormindo em diferentes divisões da casa, contrariamente ao que a mesma tentou fazer supor aos investigadores na fase inicial da investigação, garantindo que faziam a vida normal de um casal, pelo menos até ser descoberta a existência do arguido BB e a sua relação amorosa com a arguida.     
Podemos, assim, concluir que, no que concerne ao recurso da arguida AA, o mesmo é claramente improcedente .
A decisão condenatória que contra ela foi proferida está suficientemente sustentada nas provas produzidas em julgamento, não só na prova oral, mas também na prova documental e pericial constante dos autos, toda ela devidamente discriminada na fundamentação do acórdão, neste se demonstrando a participação da arguida AA nos factos que lhe são imputados.
Em contrapartida, a mesma não faz, no recurso, a demonstração de que as aludidas provas impunham uma decisão diversa da proferida, no sentido de excluírem a sua responsabilidade nos mesmos factos, sem prejuízo, porém, de admitirmos que o seu grau de intervenção possa ter sido algo diferente daquele que foi considerado pelo tribunal recorrido, pelas razões aduzidas supra, questão que abordaremos mais à frente.
 Tendo o direito de se remeter ao silêncio, como ela invoca, o certo é que preferiu prestar declarações e, tendo-as prestado, estas são livremente valoradas pelo tribunal, segundo o acima referido princípio da livre apreciação da prova, tal como as prestadas nos autos, ao abrigo e com as formalidades prescritas no artigo 141.º, n.º 4 al. b), do CPP, podendo o tribunal crer em algumas das suas afirmações e não dar qualquer credibilidade a outras, consoante a sua correlação com os demais meios de prova e em conjugação com as regras da experiência comum, sem que tal procedimento viole os artigos 343.º n.º 1 e 345.º, n.º 1, do CPP, que aquela invoca. Assim como, é legítimo que o tribunal tire as suas ilações a partir dos factos que, com base naquelas declarações e nos demais meios de prova, considere assentes, dando como provados outros factos relativamente aos quais não foi produzida prova direta, tal como referimos supra, a propósito da utilização das presunções judiciais como meio de prova. Nenhum dos meios de prova que foram valorados pelo tribunal de primeira instância se insere no conceito de prova proibida, nem há razões para que a mesma seja considerada nula por força de disposição legal que assim o determine e com base em eventual preterição de formalidade essencial legalmente prevista, com a consequência de não poder ser valorada.
As informações referentes à localização celular do telemóvel do CC que  a arguida invoca, afirmando que não podem ser valoradas pelo tribunal para formar a respectiva convicção, são as mencionadas no despacho de fls. 193 (vejam-se as páginas 66 e 67 da respectiva motivação de recurso). Para além de essa obtenção de dados móveis não ter sido validada - por ter sido excedido o prazo de 48 horas referido no artigo 252.º-A, n.º 2, do CPP -, resulta do mesmo despacho que este se refere à obtenção, pelas autoridades policiais (GNR), de dados de localização celular do telefone de CC, dados esses que - perante os novos dados celulares que foram posteriormente solicitados pela PJ e fornecidos pela Vodafone-, se revelou estarem errados, razão por que, aqueles não constituíram meio de prova em que se tenha fundado a decisão condenatória, tendo apenas sido referidos pela inspectora JJ para justificar o motivo pelo qual desconfiaram que a informação dada pela arguida AA, quanto à localização do CC ao iniciar o treino no dia do seu desaparecimento, estaria errada, confirmando-se depois, perante os novos dados obtidos, que a aludida informação prestada pela mesma arguida era compatível com os últimos dados fornecidos pela Vodafone, que garantiu a fidedignidade dos mesmos.
No que concerne à zaragatoa bucal para colheita de perfil de ADN, a  que se submeteu a arguida AA e que foi efectuada a 31/8/2018, contrariamente ao que a mesma invoca, esta prestou o respectivo consentimento, declarando de forma expressa que autoriza que lhe "seja efectuada colheita de vestígios biológicos através de zaragatoa bucal", no âmbito do processo que é identificado na mesma declaração escrita, conforme decorre de fls, 730 dos autos, não havendo, por isso, qualquer desconformidade com as exigências legais nessa matéria, nem obstáculo a que sejam valorados os meios de prova que se fundam em tais vestígios.
Não se vislumbrando, pois, que tenha sido valorada alguma prova que o não pudesse ser, por se tratar de prova proibida. 
Em aditamento ao que acima referimos acerca da não violação, pelo tribunal recorrido, do princípio in dúbio pro reo, acrescentaremos agora, apenas, que, perante os meios de prova disponíveis e em que assenta a responsabilização da arguida AA pelos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, também nós entendemos que não subsiste qualquer dúvida séria, razoável e inultrapassável que impeça um juízo de certeza quanto à comparticipação da mesma arguida nos aludidos crimes, razão por que, não se impõe a sua absolvição ao abrigo do princípio acabado de mencionar.
No que concerne ao recurso do Ministério Público, a conclusão a retirar das considerações que fizemos até agora só pode ser no sentido de que o mesmo é procedente, quanto à comparticipação do arguido BB nos mencionados crimes de homicídio e de profanação de cadáver, os quais foram cometidos em coautoria com a arguida AA.
Na sequência do que já foi referido, a demonstração de que a arguida AA comparticipou naqueles crimes, em conjugação com os elementos de prova disponíveis, apreciados e avaliados segundo as regras da experiência comum, conduz necessariamente à conclusão de que o tribunal recorrido errou na avaliação das aludidas provas e no raciocínio que levou a cabo, quando concluiu estar perante uma dúvida inultrapassável, decidindo-a a favor do arguido, sendo aquela sustentada, apenas, pela admissibilidade da hipótese de tais crimes terem sido executados exclusivamente pela arguida AA, sem a colaboração do BB, tecendo as seguintes considerações:
"É certo que resultou demonstrado que o arguido é o proprietário da arma utilizada para matar CC. É igualmente certo que o arguido, após o desaparecimento de CC, assumiu um comportamento particular.
Desde logo salienta-se, a sua desinibida aproximação à arguida, passando a frequentar a casa desta e ali pernoitar poucos dias após o desaparecimento da vítima. A explicação apresentada, não é para tal atitude totalmente convincente, já que, para fazer companhia ao DD e ajudá-lo a ultrapassar aquele momento de vida, bastaria o convívio com o filho do arguido, de quem DD era amigo e colega.
Também não podemos deixar de evidenciar que não pode o arguido não ter constatado, que a arguida não demonstrava qualquer perturbação emocional, não obstante o seu marido estar desaparecido e, obviamente, existir a possibilidade de, no mínimo que algo de grave lhe ter acontecido.
Efectivamente, todas as testemunhas que foram inquiridas em julgamento, e instadas quanto a este aspecto, foram unânimes em afirmar que a arguida, não obstante todo o drama e alarme causado com o desaparecimento do marido, não demonstrava perturbação ou afectação emocional, consentânea com a situação que estava a vivenciar.
Ora, o arguido necessariamente teve também de constatar tal comportamento, tanto mais que, alguns dias após o desaparecimento e ainda sem ser publicamente conhecido o que havia sucedido à vitima, foi com a arguida assistir a festival de música, fizeram viagens lúdicas, passaram férias com os respectivos filhos, sendo que só após o menor DD ter manifestado desagrado na continuação de tais “passeios”, devido à preocupação em que se encontrava face ao desaparecimento do seu pai, é que tais “convívios familiares” com o arguido BB terminaram, como foi referido pelo menor DD nas suas declarações.
Não é, pois credível que o arguido não se tivesse apercebido do particular comportamento da arguida, e não a confrontasse com o sucedido. Porém, em bom rigor, essa constatação não permite concluir nada mais que isso e não legitima, nem legalmente possibilita a conclusão de que o arguido esteve, de qualquer modo, envolvido na morte e profanação de cadáver de CC.
Não temos, pois, dúvidas em afirmar que o comportamento do arguido tem particularidades, algo estranhas.
Todavia, esta constatação não basta, para estribar ou fundamentar um juízo de envolvimento e/ou culpabilidade do arguido na actuação que provocou a morte a CC e na profanação do cadáver deste.
Por outro lado, não é legalmente possível formular um juízo de imputação de responsabilidade criminal do arguido, com base nas declarações prestadas pela arguida AA, desde logo porque a arguida assume a inteira responsabilidade relativamente aos factos que poderiam relacionar o arguido com o cometimento do crime - designadamente o modo como entrou na posse da arma propriedade de BB – assume a inteira responsabilidade afirmando, que, sem conhecimento ou consentimento do arguido, aproveitou-se do facto de saber onde este guardava as armas que dispunha e  de possuir a chave da casa do mesmo, em razão da relação amorosa que mantinham, e  dessa forma se apoderou da arma deste, que transportou para a sua residência onde a guardou, até ao momento em que, pelo mesmo modo, a novamente guardar no mesmo local de onde a tinha retirado.
Igualmente é certo que o arguido, em Junho de 2018, cerca de um mês antes da morte de CC, esteve nas proximidades do local onde o cadáver deste foi encontrado, não sendo compreensível o motivo invocado pela arguida para ali se ter deslocado com o arguido, tanto mais, que mantendo uma relação extra-conjugal, era pouco credível que se deslocasse acompanhada daquele a um local onde poderia ser avistada por alguém conhecido, com um outro homem que não o marido, apenas com o intuito de lhe mostrar as suas origens. 
E poderíamos invocar mais alguns comportamentos do arguido, anteriores e posteriores à morte de CC. Todavia e por tudo o que se já deixou explanado supra sobre a prova indiciária e indirecta, esta não basta quando desacompanhada de um facto certo, seguro e concreto, para retirar qualquer ilação ou fundamentar juízos de culpabilidade quanto à prática ou comparticipação de um crime.
Nestes termos, e por aplicação do princípio in dubio pro reo, decidiu o Tribunal, quanto à matéria de facto, nos termos dados como assentes e que impõem o juízo de não prova de imputação a este arguido, no que concerne à prática do crime de homicídio e de profanação de cadáver.".
Se a nível dos princípios nada haveria a censurar à posição assumida, já quanto às conclusões tiradas entendemos que estas não se encaixam nas respetivas premissas.
Desde logo, a versão da arguida em como retirou pessoalmente a arma da casa do arguido e a colocou lá de novo após o crime, sem conhecimento do mesmo, não mereceu credibilidade ao tribunal, nem é minimamente plausível, face ao desconhecimento que por aquela foi manifestado perante os pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados quanto ao funcionamento da arma e às munições correspondentes. Tal versão não só não convenceu o tribunal recorrido, porquanto a respetiva factualidade não foi declarada provada apesar de se apresentar claramente favorável à defesa, como não tem, do nosso ponto de vista, qualquer possibilidade de corresponder à realidade, sendo indubitavelmente uma invenção da arguida, cujo intuito só podemos imaginar que seja precisamente o de afastar a responsabilidade do seu coarguido.
Estabelecido que a arma do crime foi a identificada como tal na matéria de facto provada, sendo a mesma, bem como as munições respetivas - nelas se incluindo o projétil utilizado no disparo que vitimou o CC -, propriedade do arguido BB, que as guardava, separadamente, na sua residência, coexistindo caixas de munições de vários tipos, para armas de natureza completamente diferente, o seu uso em local distinto, concretamente na residência da arguida AA e da vítima, com um projétil cuja raridade está suficientemente demonstrada e com as características ideais para a arma utilizada e para os fins pretendidos, só podia acontecer com a intervenção daquele, que conhecia bem a arma e as munições adequadas à obtenção do resultado visado, na ausência de conhecimentos mínimos para tal por parte da AA e perante a total ausência de indícios quanto a uma possível intromissão de terceira pessoa diferente dos arguidos na execução dos aludidos factos.
Tendo em conta tais circunstâncias concretas, a execução dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, apenas pela arguida, nos moldes em que ocorreram, com aquela arma e com a munição utilizada, era quanto a nós impossível sem a colaboração efetiva e imprescindível do arguido BB.
Descredibilizada a versão da arguida naquela parte em que refere ter retirado e recolocado a arma da casa do arguido e sem o seu conhecimento e demonstrando-se a impossibilidade de tal conduta ter ocorrido, deixa de existir a razão principal, ou mesmo a única, para a dúvida que esteve na base da aplicação do princípio in dúbio pro reo e que levou à decisão absolutória que quanto ao mesmo arguido foi proferida, sendo certo que as demais considerações feitas pelo tribunal recorrido vão todas no sentido do seu envolvimento nos factos acusados.
Na verdade, todos os demais elementos probatórios que foram devidamente especificados supra e que foram ponderados pelo tribunal recorrido e aos quais apela o Ministério Público no respetivo recurso (cfr. conclusão 43) para justificar a pretendida modificação da matéria de facto que foi fixada pela primeira instância - idêntico caminho sendo seguido pelo MP nesta segunda instância no douto parecer que apresentou (páginas 33 a 46, deste acórdão), concatenando todos os aludidos meios de prova para chegar à conclusão de que a decisão recorrida errou ao absolver o arguido BB -, impõem a conclusão no sentido de que ambos os arguidos estavam conluiados e juntos no momento em que foram cometidos os crimes e que houve entre eles concertação de movimentos e de atitudes, nomeadamente, quanto a comunicações e contactos - ou total ausência destes ou de meras tentativas em os estabelecer no período decisivo em que ocorreram os factos imputados -, permitindo os aludidos meios de prova retirar a ilação segura no sentido de que os arguidos AA e BB agiram concertadamente e em conjugação de esforços na concretização do mesmo objetivo comum, que era tirarem a vida ao CC e desfazerem-se do respetivo corpo, dando depois a entender às autoridades, falsamente, que desconheciam o seu paradeiro.
Há, porém, três pontos que impõem alguns esclarecimentos.
O primeiro, respeita a saber qual dos dois arguidos empunhava a arma e premiu o gatilho, provocando o disparo que matou o CC. Alega-se na acusação que foi o arguido BB, tendo o tribunal de primeira instância considerado que foi a arguida AA. A solução que foi encontrada decorre naturalmente do facto de ter sido excluído o BB, ficando apenas a AA, sem mais ninguém que pudesse ter disparado. Todavia, na sequência do que já acima afirmámos, sendo o arguido o dono da arma e quem sabia manejá-la com destreza, contrariamente à AA que é totalmente inexperiente nessa matéria - sendo normal que qualquer deles receasse que pudesse haver um sério risco de falhanço, caso tal tarefa fosse entregue à AA - não faz qualquer sentido que tenha sido esta a efetuar tal disparo, sendo possível afirmar com a necessária segurança que quem disparou foi o arguido BB.
Da mesma forma e pelas mesmas razões, o tribunal considerou que foi a AA que procedeu, sozinha, ao transporte do cadáver do CC, desde a sua residência até ao local em que foi encontrado. Todavia, apesar de o MP admitir tal hipótese como possível, entendemos que, perante os elementos disponíveis e face ao raciocínio que vimos desenvolvendo, tal afirmação também não pode corresponder à verdade, tendo aquela beneficiado da ajuda de outra pessoa para concretizar tal tarefa, a qual, mais uma vez, só pode ter sido o arguido BB.
O terceiro ponto tem a ver com a reposição da arma na casa do arguido BB. Sabemos que ela foi reposta nesse local em que foi encontrada, após o cometimento do crime, todavia, para além de ser irrelevante para a decisão da causa saber quem a lá colocou e não merecendo as declarações da arguida credibilidade nessa parte, na decisão recorrida nada se refere a tal respeito e o recorrente MP também nada alega em concreto quanto a este ponto, conforme decorre da redação que propõe para o correspondente facto respeitante à guarda da arma (a que demos o n.º 42), pelo que, nos abstemos de tomar posição sobre a aludida questão.
Nessa conformidade, julga-se procedente o recurso do MP quanto à impugnação da matéria de facto, alterando-se esta quanto aos factos concretamente impugnados (artigo 431.º, alínea b), do CPP), passando a mesma a abranger, nos factos provados, o arguido BB, como coautor dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, numa redação muito próxima daquela que é proposta pelo recorrente e refletindo as posições que até aqui foram por nós assumidas, excluindo-se, porém, alguns pormenores que do nosso ponto de vista não assumem relevância em termos de resultado final ou constituíam repetição de ideia constante de outro local da matéria de facto e já confirmada, sendo, por isso, desnecessários para afirmar a execução conjunta e consequente coautoria dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, pelos dois arguidos.
[…].».

39. Isto dito e entrando, propriamente, na apreciação do mérito:

b. Da interpretação inconstitucional das normas conjugadas dos art.os 400.º n.º 1 al.ª e), 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.os 1 al.ª c) e 2, todos do CPP.
40. Dizem os recorrentes – conclusões 3ª e yyy) dos recursos, respectivamente, da arguida AA e do arguido BB – que o Tribunal da Relação procedeu a um novo e segundo julgamento da matéria de facto, formando uma convicção diametralmente oposta à do Tribunal do Júri e alterando a decisão no sentido condenatório, e tudo assim apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem sequer ter invocado qualquer um dos vícios previstos no n.º 2, do art.º 410.º.
O que – sustentam – releva de interpretação inconstitucional do bloco normativo dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.º 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.os 1 al.ª c) e 2, por violação do princípio do Estado de Direito democrático – art.º 2.º, 3.º e 20.º n.os 1 e 4, da CRP –, em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento.
E pedem, na procedência da arguição, ele, que se revogue o Acórdão Recorrido, mantendo-se na íntegra o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri; ela, a anulação do julgamento quanto à totalidade do seus objecto e o reenvio para novo julgamento.

41. Se bem se acompanham os respectivos raciocínios, os arguidos apoiam, no fundamental, a acusação de interpretação inconstitucional em três ordens de razões, a saber:
─ O Acórdão Recorrido procedeu a um verdadeiro segundo e novo julgamento, alterando profundamente a decisão de facto do Tribunal do Júri, a ponto de ter revertido a absolvição do arguido BB quanto ao crimes de homicídio e de profanação de cadáver em condenação e de ter modificado a configuração dos ilícitos de homicídio, de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver no tocante à arguida AA;
─ Nessa tarefa, não se cingiu à correcção de erros-vícios do art.º 410.º n.º 2, antes procedeu ao reexame, amplo, das provas produzidas em 1ª instância nos termos dos art.º 412.º n.º 3 e formou uma nova convicção probatória que, porém, aquelas não impunham.
─ Tal visão das coisas releva de interpretação inconstitucional do bloco legal dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.º 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.os 1 al.ª c) e 2, isso pois que, apesar de a revisão do sistema de recursos da Lei n.º 48/2007, de 29.8, ter passado a permitir a sindicação da decisão de facto do Tribunal do Júri para além do estreitos, e estritos, limites da denominada revista alargada, a verdade é que o reexame fundado em erro de julgamento das provas previsto naquele art.º 412.º n.º 3 não pode deixar de ter em conta  a colegialidade alargada – composição por sete membros, três deles, juízes de carreira, quatro, cidadãos comuns – e a legitimação democrática qualificada do tribunal recorrido.
─ E tudo assim de molde a que a intervenção correctiva, de mais a mais a cargo de um tribunal a funcionar em conferência – por isso que, normalmente, com a intervenção de, apenas, dois juízes –, só ocorra em casos-limite, nunca seja mais do que meramente pontual e cirúrgica e tenha de se fundar  em erros de julgamento que de todo em todo não tolerem a manutenção do decidido.
─ O que, tudo – concluem –, foi ignorado no caso presente pelo Tribunal da Relação, que se abalançou no reexame das provas e na revisão da decisão do Tribunal do Júri sem quaisquer peias e, sem que nada o impusesse, decidiu pela sua radical alteração.  


42. Sucede porém que um tal registo acusatório não releva, salvo o devido respeito, de uma qualquer ideia de interpretação inconstitucional das normas referidas, mas antes, isso sim, da discordância  dos arguidos relativamente à análise dos elementos de prova efectuada pelo Tribunal da Relação e ao sentido da sua decisão de facto.
Sendo que a mera afirmação de que os poderes de sindicação do Tribunal da Relação conferidos pelo art.º 412.º n.º 3, devem ser usados mais parcimoniosamente quando o objecto do reexame seja uma decisão do Tribunal de Júri – e, em boas contas, é precisamente a falta de parcimónia o que os recursos censuram ao Acórdão Recorrido! –, seguramente que não representa, em si mesma e, pelo menos, à míngua de melhor fundamentação, questão que releve de violação de norma ou princípio constitucional, mormente, o do Estado de Direito democrático e seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento a que os recorrentes especificamente se arrimam.
Pelo que sempre haverão os recursos de improceder nesta parte.

De qualquer modo, a bem de um esclarecimento tão aprofundado quanto possível da questão e porque – e decisivamente – este tribunal não está impedido de, nos termos do art.º 204.º da CRP, afirmar a, eventual, inconstitucionalidade das normas processuais referidas na interpretação questionada ainda que à luz de outros comandos, não se deixará de dizer o que segue.


43. Nos termos do disposto no art.º 207.º n.º 1 da CRP, «O júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, intervém no julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada, designadamente quando a acusação ou a defesa o requeiram
Densificando no plano da lei ordinária o inciso constitucional, o art.º 13.º dispõe no n.º 1 que «Compete ao tribunal do júri julgar os processos que, tendo a intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, respeitarem a crimes previstos no título iii e no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário», e no n.º 2 que «Compete ainda ao tribunal do júri julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular e tendo a intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 8 anos de prisão.»
Já o Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29.12 – que regulamenta a composição do tribunal do júri e a selecção e estatuto dos jurados –, estabelece no art.º 1.º n.º 1 que o «tribunal do júri é composto pelos três juízes que constituem o tribunal colectivo e por quatro jurados efectivos e quatro suplentes» e, no art.º 2.º n.º 3, que «O júri intervém na decisão das questões da culpabilidade e da determinação da sanção», é dizer, intervém tanto na decisão da matéria de facto como na de direito, aliás, em concordância com o disposto nos art.os 365° n.os 2 e 3, 368° e 369°.
No caso concreto, a intervenção do tribunal do júri, a pedido do Ministério Público, colheu apoio específico no art.º 13.º n.º 2 citado, autorizada pela presença do crime do homicídio qualificado agravado que a acusação imputava em co-autoria aos arguidos, punido com pena de 16 a 25 anos de prisão.  

44. Antes da reforma processual penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, o único meio de recurso admissível do acórdão final do Tribunal do Júri era o recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento de nulidades e de vícios previstos no art.º 410.º n.os 2 e 3: era a solução que decorria da conjugação dos art.os 427.º – que desde 1987 dispunha [23] que «Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» –, 432.º n.º 1 al.ª c) – que, naquela versão originária, estabelecia que «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: […] De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri» – e do art.º 434.º que, sucedendo em 1998 [24] na redacção ao art.º 433.º de1987, já então dispunha que «Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito».
No posterior a 2007, porém, passou a ser, igualmente, possível a impugnação, ampla, da decisão proferida sobre matéria de facto pelo Tribunal do Júri nos termos previstos no art.º 412.º n.º 3, naturalmente dirigida ao Tribunal da Relação – art.os 428.º e 434.º, este a contrario – que, naturalmente também, pode alterar essa decisão, como autorizado no art.º 431° al. b): é o que resulta da articulação, ora, das normas do art.º 432.º n.º 1 al.ª c) – que, estabelecendo, após 2007, que se recorre para o STJ de «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito», coloca, nessa perspectiva, os acórdãos do tribunal colectivo e do tribunal júri em pé de igualdade –, do art.º 427.º – que, como transcrito, determina que, fora dos casos de recurso directo para o STJ, da decisão de 1.ª instância recorre-se para a Relação – e do art.º 428.º – que estabelece que as Relações conhecem de facto e de direito; e é de, de resto, o que já vinha anunciado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na base da Lei n.° 48/2007, de 29.8 [25], onde transparece a intenção inequívoca de unificar o regime recursivo dos acórdãos do Tribunal Colectivo e do Tribunal do Júri e onde se afirma ipsis verbis  que «passa a caber recurso para as relações dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri quanto à matéria de facto» e que «a solenidade do júri não justifica, ainda assim, uma conversão do direito de recurso.»


Insiste-se: no figurino da lei ordinária resultante da Lei n.º 48/2007, é inequívoco que a decisão sobre a matéria de facto do tribunal de júri é passível do reexame amplo consentido pelo art.º 412.º n.º 3 no Tribunal da Relação, mesmo se, por comparação àquele, nele intervém, sempre, um menor número de juízes – dois juízes, excepcionalmente, três, se em conferência ( art.º 419.º); sempre três, se em audiência (art.º 423.º) – e de extracção menos diversificada – magistrados de carreira, apenas.


45. E foi nesse preciso registo de competência que se moveu o Acórdão Recorrido, conforme decorre dos passos dele que, ora, se transcrevem:
─ «O julgamento destes autos foi efectuado pelo tribunal do júri, a requerimento do Ministério Público. Sendo um tribunal de composição mista, do qual fazem parte os três juízes que constituem o respetivo tribunal coletivo e oito jurados, dos quais quatro são efetivos e os restantes quatro são suplentes – todos eles assistindo à audiência de julgamento –, trata-se, sem dúvida, da composição mais plural, complexa e democrática de um tribunal criminal, o qual só intervém nos crimes mais graves e não em todos, conforme decorre do artigo 13.º, do CPP, no qual é definida a sua competência.
Com o tribunal do júri, a justiça passou a ser feita, também, pelo povo e não apenas em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1, da CRP).
Característica que levou o legislador, na versão inicial do sistema, a considerar que a decisão do tribunal do júri em matéria de facto era soberana, não podendo ser sindicada por qualquer outro tribunal, pelo que, da decisão final só havia recurso direto para o STJ, limitado a questões exclusivamente de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso de eventuais vícios de que aquela pudesse padecer.
Tal modo de funcionamento mudaria apenas com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29/8, que procedeu a alterações profundas do CPP, dando-se então concretização às garantias de defesa constitucionalmente consagradas, nomeadamente em matéria de recursos, passando a permitir-se o recurso da decisão em matéria de facto, ainda que proferida pelo tribunal do júri, ao abrigo do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do referido Código, recurso a interpor necessariamente para a Relação, que conhece de facto e de direito, assim se garantindo de modo efetivo o direito a um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Apesar das dúvidas inicialmente levantadas por um reduzido número de juristas e mesmo por alguma jurisprudência do próprio STJ – cfr. a título exemplificativo, o seu acórdão proferido no processo n.º 165/15.7JAFUN.L1.S1 –, que consideraram inconstitucional essa possibilidade de recurso da decisão do júri em matéria de facto, o certo é que está hoje consolidada a posição que defende a conformidade constitucional de tal solução, a qual será mesmo imposta pelo princípio geral definido no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.  
Consequentemente, havendo recurso em matéria de facto e mostrando-se o mesmo fundamentado, nele se fazendo a demonstração que o tribunal do júri errou na análise e avaliação das provas que perante si foram produzidas, nada obsta a que o tribunal de segunda instância, reexaminando as mesmas provas, decida de forma diversa relativamente aos factos concretamente impugnados.».


46. E, de facto, no estádio actual das, por assim dizer, leges artis jurídicas e judiciárias, as coisas são como as relata e as encara o Acórdão Recorrido, valendo a pena historiar o ocorrido no acórdão deste STJ nele referido, que deu origem a recurso para o Tribunal Constitucional que, precisamente, permitiu esclarecer, e superar, dúvidas de constitucionalidade como as que os arguidos, ora, querem ressuscitar nos presentes recursos.
Com efeito:


47. O aresto a que o Acórdão Recorrido se refere foi o proferido em 8.3.2018 no Proc. n.º 165/15.7JAFUN.L1.S1 desta mesma 5ª Secção [26], em que se cuidou de situação próxima da dos presentes autos que, também ali, esteve em jogo acórdão de Tribunal da Relação que, sobre decisão absolutória de co-arguida relativamente a crime de homicídio em acórdão de Tribunal de Júri, alterou, a pedido do Ministério Público e do assistente e no uso dos poderes conferidos pelo art.º 412.º n.º 3, a matéria de facto provada em alargados passos, e concluiu pela condenação dela pela autoria do apontado crime, decretando a pena de 18 anos de prisão e, em cúmulo com outras penas, a pena única de 20 anos de prisão.
E também ali a co-arguida acusou, em recurso para o STJ, a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 419.º, 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.os 1 e 2 al.ª c), na interpretação de permitirem ao Tribunal da Relação «conhecer em termos amplos da impugnação da decisão proferida em matéria de facto pelo tribunal do júri, modificando-a, de modo a considerar provados factos típicos que sido tidos como não provados, substituindo uma decisão absolutória por decisão condenatória».    

Naquele primeiro momento, o STJ concluiu, por maioria, pela verificação da inconstitucionalidade apontada, como espelhado nos passos de respectivo sumário [27] que se transcrevem: 
─ «I - Desrespeita a garantia constitucional do julgamento pelo júri (art.º 207.º, n.º 1, da CRP) – enquanto esta significa que a última palavra em matéria de facto cabe ao júri – quando um tribunal de recurso, composto exclusivamente por juízes de direito, possa, com base na valoração da prova produzida ou examinada em audiência de 1.ª instância, modificar a matéria de facto fixada pelo tribunal do júri quando proferiu a sua primeira palavra, além do previsto no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
II - O Tribunal da Relação ao conhecer amplamente em matéria de facto e modificar a decisão do tribunal do júri dando como provados factos que haviam sido dados como não provados e substituindo, em consequência, a decisão de absolvição da arguida P por outra de condenação pelo crime de homicídio qualificado, tal como lhe foi pedido pelo MP e pelo assistente nos respectivos recursos, aplicou normas do processo penal (arts. 412.º, n.º 3, 427.º, 428.º, 431.º, al. b), todos do CPP, que são inconstitucionais, o que não podia fazer, à luz do art. 204.º e 207.º da CRP. Fazendo-o, conheceu de questão de que não podia conhecer, incorrendo na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), parte final, aplicável por força do art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP.
[…]».
Mas já então o Senhor Conselheiro Relator lavrou voto de vencido em que, entre o mais, deixou consignado o seguinte:
─ «Fiquei vencido relativamente à questão de constitucionalidade. Não tenho, com efeito, por evidente que as disposições conjugadas dos arts. 427°, 428° e 431°, alínea b), do CPP, interpretadas no sentido de a Relação poder conhecer amplamente em matéria de facto, alterando a decisão do tribunal do júri nessa matéria, fora do âmbito de aplicação do n° 2 do art. 410° do CPP, sejam inconstitucionais, por violação do art°207°, n° 1, da Constituição.
Esta norma cumprir-se-á com a intervenção do tribunal do júri no julgamento em 1.ª instância. Isso porque serão sempre muito contados os casos em que o tribunal de recurso, limitado no seu poder de apreciação e valoração das provas, por lhe faltar a oralidade e a imediação, se sentirá habilitado a alterar a decisão de facto proferida em 1ª instância. Por outro lado, a garantia da intervenção do júri em julgamentos penais está estabelecida em termos muito relativos, uma vez que, por um lado, depende sempre de requerimento da acusação ou da defesa e, por outro, o legislador tem ampla margem de decisão na definição dos concretos tipos criminais em cujo julgamento pode intervir o tribunal do júri.
[…]».


O Ministério Público e o Assistente interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, que viria a ser julgado pelo Acórdão n.º 417/2018, de 9.8.2018 [28].
E aí, e revertendo o juízo do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu-se «a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa que permite ao tribunal da relação, por força da conjugação do disposto nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) do Código de Processo Penal, a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do mesmo diploma […]», com apoio, no fundamental, em considerações como as que seguem:
─ «Os poderes de modificação da matéria de facto do tribunal de recurso não se limitam à sindicabilidade de erro notório na apreciação da prova (e decorrente renovação da prova), mas permitem  ao tribunal superior substituir-se ao juízo que o tribunal de júri fez sobre os concretos pontos de facto especificados pelo recorrente como "incorrectamente julgados", em obediência ao ónus fixado no art. 412.º, n.º 3, al. a), do CPP, e modificar o julgamento sobre tais factos, desde que a reavaliação das provas indicadas pelo recorrente imponha (e não apenas permita) decisão diversa darecorrida, como decorre da citada disposição legal.
Em função de tal poder, e em sede de impugnação ampla da decisão em matéria de facto deduzida por sujeito processual para tal legitimado, pode, assim, verificar-se uma situação em que o tribunal de júri absolva o arguido e o tribunal da relação, composto apenas por juízes profissionais, o condene, tal como sucedeu no caso vertente; ou vice-versa».
─ «Com a Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, estabeleceu-se uma rutura em relação ao modelo originário do Código, no âmbito do recurso das decisões do tribunal coletivo: este recurso passou a poder incidir sobre a matéria de facto, quando interposto para o tribunal da relação, podendo ainda, em certos casos, recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pela relação, assim se introduzindo, pela primeira vez, um duplo grau de recurso.».
─ «Na reforma de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto), alargou-se às decisões do tribunal de júri este regime de recorribilidade, passando os acórdãos proferidos por um tribunal de júri a ser suscetíveis de interposição de recurso para o Tribunal da Relação, podendo ser objeto de impugnação ampla do julgamento em matéria de facto, nos mesmos termos em que o era, desde a alteração ao regime de recursos em processo penal operada em 1998, o julgamento proferido por tribunal coletivo.».
─ «Importa confrontar a interpretação normativa impugnada com o parâmetro constitucional invocado, isto é, o artigo 207.º, n.º 1, da Constituição
[…].
Este preceito consagra uma garantia limitada e mínima da intervenção do júri no julgamento de crimes graves.
Na verdade, com exceção da necessidade de o legislador infraconstitucional acolher a previsão legal de intervenção do tribunal de júri no julgamento de crimes graves, tudo o mais, como seja, designadamente, a definição da composição do júri, o modo de exercício efetivo de funções e a reversibilidade ou modificabilidade das suas decisões, insere-se, em face da abertura da norma constitucional, na margem de liberdade de conformação do legislador ordinário. Mesmo os casos de julgamento com intervenção do júri não são obrigatórios, mas aqueles que a lei fixar, ressalvando-se que, no mínimo, e desde que legalmente admissível, tal sucederá a requerimento da acusação ou da defesa.»
─ «[…] [N]a revisão de 2007, o legislador, passando a prever a plena recorribilidade das decisões do tribunal de júri em matéria de facto, para um tribunal integralmente composto por juízes de carreira, exerceu a sua margem de apreciação, fundamentando esta medida na conceção segundo a qual o júri não é entidade dotada de uma especial legitimidade, mas tão só de uma particular solenidade, assumindo fundamentalmente um caracter simbólico. No mesmo sentido, a propósito da reforma de 2007, defendendo que a solenidade do júri não justifica uma conversão do direito ao recurso (Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X), afirmou Simas Santos ("Revisão do processo penal: os recursos, in Que futuro para o direito processual penal?, Coimbra editora, 2009, p. 195), que a justificação para o especial regime de recurso em matéria de facto foi, para além da solenidade do júri, também a sua composição e significado. Efetivamente, afigura-se que o objetivo prosseguido com a consagração constitucional do júri consiste na tarefa, atribuída ao Estado, de assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais, consignada no artigo 9.º, alínea c), da Constituição. Não está, por isso, em causa e carece de fundamento a premissa, acolhida na decisão recorrida, sustentada na ideia de que ao tribunal de júri deve reconhecer-se uma legitimidade democrática superior à dos Tribunais constituídos por juízes togados na tarefa de administração da justiça em nome do povo, que lhes está acometida, por força do disposto no artigo 202.º, n.º 1, da Constituição.»
─ «A Constituição não impõe, assim, um tribunal de júri com a última palavra, em sede de matéria de facto, mas apenas a democratização da atividade de julgar através da participação dos cidadãos na administração da justiça como fator de reforço da cidadania, de co-responsabilização da comunidade e de contra-peso ao risco da burocracia e da rotina judiciárias. No entanto, a concretização de tal desígnio pode assumir várias modalidades, cabendo ao legislador ordinário, para o qual remete a norma constitucional, optar por uma via maximalista de irrecorribilidade das decisões do tribunal de júri; por uma via intermédia, semelhante à solução anterior a 2007, segundo a qual as decisões do tribunal de júri são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça na forma de revista alargada; ou por uma via mais minimalista, que, reconhecendo poderes para decidir de facto e de direito ao tribunal de júri, permite o reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, nos mesmos moldes em que estes tribunais procedem à apreciação global dos factos considerados provados e não provados por um tribunal coletivo constituído por juízes de carreira.
Independentemente das várias posições que se perfilam na doutrina agora em apreciação, certo é que a Constituição, no artigo 207.º, n.º 1, não aderiu a qualquer modelo específico de tribunal de júri nem impõe um modelo maximalista dos poderes destes tribunais ou um sistema específico de recursos, conferindo uma ampla margem de determinação ao legislador nesta matéria.»
«Assim, o fundamento do tribunal de júri só pode encontrar-se na ideia de participação popular na Administração da justiça, não podendo ver-se neste tribunal uma qualquer forma exclusiva de garantia subjetiva do arguido, de garantia da presunção de inocência ou um direito de o arguido ser julgado pelos seus pares (cf. Damião da Cunha, «Anotação ao artigo 207.º da Constituição», Constituição portuguesa Anotada, Tomo III, ob. cit., p. 95).
[…].
Neste enquadramento jurídico-constitucional e histórico, não pode, portanto, afirmar-se que o processo legislativo de diminuição dos poderes dos jurados, em sede de matéria de facto, agora sujeita a revisão por um tribunal superior, viole o parâmetro constitucional invocado na decisão recorrida ou qualquer outro.
Em consequência, a conclusão acolhida na decisão recorrida, no sentido de que ao Tribunal da Relação estaria vedada a modificação ou reexame, em recurso, da decisão proferida pelo tribunal de júri, não se mostra imposta pelo artigo 207.º, n.º 1, da Constituição. De resto, a colocação sistemática deste preceito confirma essa conclusão: estando a norma do artigo 207.º da Constituição colocada no Título V, «Tribunais», juntamente com o artigo 202.º, relativo à função jurisdicional, tal indicia que os tribunais de júri, apesar da sua especificidade, são tribunais comuns , inseridos na hierarquia dos tribunais judiciais, e que as suas decisões não estão fora do sistema unitário de recursos moldado pelo legislador do Código de Processo Penal.
[…]
Com efeito, inexiste, no quadro constitucional vigente, fundamento que consinta o estabelecimento de uma distinção quanto ao grau de legitimidade democrática entre o tribunal de júri e o tribunal constituído em exclusivo por juízes togados nem fundamento que imponha ao legislador ordinário um regime específico de recurso para os tribunais de júri. Na conceção do legislador constitucional, tribunais de júri e tribunais compostos exclusivamente por juízes profissionais são, todos eles, tribunais judiciais, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (cf. os artigos 108.º, 110.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 209.º, n.º 1, alínea a), e 211.º, todos da Constituição). Os mesmos constituem parte integrante do arquétipo do modelo de justiça vigente e estão subordinados às mesmas garantias. Donde, não se descortina argumento que sustente a asserção de que a decisão proferida pelo tribunal de júri é, por imposição constitucional, insuscetível, por via do recurso, de reexame ou alteração, nos exatos moldes previstos para as demais decisões dos restantes tribunais.».

E aconteceu que, assim reformado o seu acórdão de 8.3.2018 no sentido do julgamento de não inconstitucionalidade «da interpretação normativa que permite ao tribunal da relação, por força da conjugação do disposto nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) do Código de Processo Penal, a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do mesmo diploma», o STJ proferiu novo aresto em 28.10.2018 que confirmou, com alterações, a condenação da aí arguida também pelo crime homicídio decretada em 2ª instância.


48. Ora a profundidade, a clareza e a acomodabilidade ao caso das considerações transcritas do acórdão do Tribunal Constitucional dispensam  reflexões adicionais e evidenciam a manifesta falta de fundamento de uma suspeita de inconstitucionalidade da interpretação das normas dos art.os 412.º n.º 3, 414.º n.º 8, 419.º n.os 1, 2 e 3 al.ª c), 428.º, 431.º al.ª b) e 432.º n.º 1 al.ª c) e n.º 2 acolhida pelo Acórdão Recorrido, que lhe permitiu sindicar a decisão de facto do acórdão do Tribunal do Júri mediante a reapreciação das provas produzidas, alterá-la nos pontos onde viu erros de julgamento, e, a final, formular os adequados juízo subsuntivos, mantendo, onde eram de manter, as condenações do anterior e revertendo, onde eram de reverter, as absolvições em condenações.

Razões por que o recurso não pode deixar de improceder nesta parte.

c. Da interpretação inconstitucional das normas conjugadas dos art.os 410.º, n.os 2 e 3 e 434.º, do CPP
49. Como também já dito em 12., a Recorrente AA aponta várias deficiências à fixação da matéria de facto no Acórdão Recorrido, identificando algumas sob a epígrafe do erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 410º n.º 2 al.ª c).
Ciente, porém, do entendimento sedimentado neste Supremo Tribunal de que o recurso movido de acórdão (já) proferido em recurso por Tribunal da Relação não pode ter por fundamento a comissão dos erros-vício do mencionado art.º 410º n.º 2, mesmo se o STJ pode-deve deles conhecer a título oficioso «quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correta aplicação do direito» [29], previne, desde logo – conclusão 4ª –, que, se tal aqui vier a ser decidido, haverá interpretação inconstitucional das normas dos art.º 410º n.º 2 e 434º por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente do efectivo direito a recurso ao menos uma única vez – art.º 32.º n.º 1, da CRP – e por violação do princípio do Estado de Direito democrático – art.os 2.º e 3.º da CRP –, da tutela jurisdicional efectiva – art.º 20.º n.º 1, da CRP –, do procedimento justo e equitativo – art.º 20.º n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.
O Recorrente BB, de seu lado, suscita a mesma questão e com apoio em idêntico argumentário.

Veja-se, então, se assim é.


50. Nos termos do disposto no art.º 410.º n.º 2, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» – al.ª a) –, a «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» – al.ª b) – e o «[e]rro notório na apreciação da prova» – al.ª c).
E de acordo com o art.º 434.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, mesmo se sem prejuízo do conhecimento dos vícios daquele n.º 2 e  de correcção de nulidade não sanada – n.º 3 do mesmo art.º 410º

Sendo o STJ um tribunal de revista de sua natureza, não tem aquela ressalva do art.º 434º o significado de viabilizar o recurso em matéria de facto do acórdão da Relação (já) tirado em recurso, mesmo que nos limitados termos da, denominada, revista alargada, antes, sim, o de possibilitar o conhecimento oficioso daquelas deficiências da decisão de facto quando impeditivas da cabal e esgotante aplicação do direito.
E, por tudo, o entendimento reiterado e uniforme neste STJ de que os próprios arguidos dão nota, de que os sempre referidos erros-vícios do art.º 410º n.º 2 não podem constituir fundamento autónomo de recurso da Relação para o STJ, sem prejuízo de poderem aí ser sindicados, mas por própria iniciativa do tribunal, qual «válvula de segurança a utilizar naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou, ainda, por assentar em premissas que se mostram contraditórias, e por fim quando se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas» [30].

51. Por outro lado, a interpretação conjugada das normas dos art.º 400.º, a contrario, 410.º n.os 2 e 3, 432.º n.º 1 al.ª b) e 434.º no sentido de que o recurso da matéria de facto, ainda que limitado aos vícios previstos nas al.as a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação, não padece do vício de inconstitucionalidade que os arguidos alegam.
E assim pois que, se, de uma banda, o recurso para a Relação preclude a possibilidade da  alegação dos vícios da matéria de facto no recurso interposto para o STJ, da outra, tal acontece sem prejuízo de, como referido, este último deles conhecer por sua iniciativa sempre que a decisão de facto recorrida – repete-se – por manifestamente insuficiente, por denotar contradições internas insanáveis, ou por fundada em manifesto erro de apreciação da prova, não responda a todas as solicitações que as várias dimensões do direito aplicável convoquem.
E não colidindo, dessa forma, uma tal interpretação com a garantia constitucional do direito ao recurso consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP, que se satisfaz com a existência de um grau de recurso para um tribunal superior, conforme já se deixou explanado a propósito da apreciação da questão da interpretação inconstitucional do art.º 400º n.º 1 al.ª e) e cujos termos aqui se recordam.


De resto, esta visão das coisas é que a corresponde à posição tradicional do Tribunal Constitucional e que se vê sustentada nas considerações que se vão transcrever do Acórdão n.º 215/01, de 4.7 [31], que, pese o tempo já decorrido, mantêm plena actualidade que as normas questionadas dos art.os 434º e 410º continuam a ter a mesma redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8, e que a reforma da Lei n.º 48/2007, de 29.8, e as alterações da Lei n.º 20/2013, de 21.2, não buliram com a filosofia do sistema de recursos nessa parte:
─ «[…].
5. Sucede que a questão de constitucionalidade normativa delimitada no citado requerimento de interposição de recurso assenta num equívoco: o de que, no sistema de recursos resultante da recente revisão do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça deveria conhecer de matéria de facto, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso em matéria de facto, e do princípio do duplo grau de jurisdição na mesma matéria.
[…].
[…] [S]e o que está em causa é a limitação dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto, questão invocada nas conclusões da motivação do recurso para aquele Tribunal e no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, então deveria ter sido impugnada a constitucionalidade do artigo 434.º, que é a disposição que hoje rege, em conjugação com os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, tais poderes de cognição. […]
Em qualquer caso, ainda que se releve, à conta de um lapso de escrita, a invocação da inconstitucionalidade do artigo 433.º, em lugar do artigo 434.º (que dispõe que, "sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito"), nem por isso a questão de violação da Constituição faria sentido, nos termos que a colocam os recorrentes […]. É que a apreciação de uma eventual inconstitucionalidade por infracção do direito ao recurso em matéria de facto pressuporia impugnar as normas que, no actual sistema, visam assegurar tal recurso – as normas relativas ao recurso para a Relação em matéria de facto –, já que não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso.
Deste modo, afigura-se manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes (ainda que referida às disposições conjugadas dos artigos 434.º e 410.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal revisto).
Acresce que a jurisprudência deste Tribunal sempre considerou (embora sem unanimidade) que não violavam o direito ao recurso as normas que, na versão inicial do Código de Processo Penal, limitavam os poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça, num sistema em que se recorria directamente para esse Tribunal dos acórdãos finais do tribunal colectivo, mesmo quando se visasse o reexame da matéria de facto (cfr. acórdão n.º 573/98, aprovado em Plenário, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 41.º, 133 e segs.). Por evidente maioria de razão, num sistema em que tais decisões são recorríveis para a Relação (que conhece de facto e de direito), quando não visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, tem de se entender que tais normas não violam o mencionado direito ao recurso.
[…]»

           
52. Dito isto, tem-se por muito evidente que o recurso (também) em matéria de facto que a Recorrente AA interpôs, nos termos que bem entendeu, do acórdão do Tribunal Júri para o Tribunal da Relação – e recorde-se que o fez tanto nos termos amplos consentidos pelo art.º 412º n.º 3, como nos do art.º 410º n.º 2, como ainda na perspectiva da violação de regras e princípios de prova, v. g., o do princípio do in dubio pro reo ou da livre apreciação –, e a resposta que o Recorrente BB apresentou ao recurso (também) em matéria de facto que o Ministério Público interpôs para o mesmo tribunal pedindo alteração daquela decisão de facto nos moldes que viriam a ser, genericamente, acolhidos no Acórdão Recorrido e em que teve a oportunidade de expor, sem quaisquer limitações, a sua contra-argumentação no exercício pleno dos seus direitos de defesa e de, por essa via, co-participar na modulação da decisão do recurso, asseguraram-lhes plenamente o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto que o art.º 32º n.º 1 da CRP exige, por isso que não procedendo a acusação de inconstitucionalidade das normas dos art.os 410.º n.º 2 e 3 e 434.º quando interpretadas no sentido de que o recurso para o STJ apenas pode ter como fundamento o reexame da matéria de Direito.

E, por outro lado, e na falta de melhor fundamentação dos recorrentes, também não se alcança em que medida a interpretação sempre referida implica violação, pelo menos autónoma, dos princípios do Estado de Direito democrático – art.os 2.º e 3.º da CRP –, da tutela jurisdicional efectiva – art.º 20.º n.º 1, da CRP –, do procedimento justo e equitativo – art.º 20.º n.º 4 da CRP – e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.

53. Razões por que improcedem, igualmente, os recursos nesta parte.

De qualquer modo:

d. Impugnação da matéria de facto.
54. Como resulta de 12. supra  para que, de novo, se remete, os recorrentes impugnam a decisão de facto da 2.ª instância, apontando-lhe, conforme os casos, erro na valoração das provas, comissão dos vícios do art.º 410.º n.º 2 e violação do princípio in dubio pro reo.

Como tudo se acaba de dizer, nem são admissíveis as impugnações dos arguidos enquanto fundadas nos vícios previstos no art.º 410.º n.º 2, nem tal entendimento colide com qualquer princípio ou garantia constitucional, mormente os apontados pelos Recorrentes.

E não sendo admissível recurso fundado no art.º 410º n.º 2, muito menos o é o que se apoie no erro de julgamento dos factos, convocando o reexame das provas produzidas à luz dos comandos dos art.os 412º n.os 3 e 4, que o único destinatário deles é o Tribunal da Relação, que só esse conhece, em recurso, tanto de facto como de direito – art.º 428º – e que é onde, em princípio, se encerra definitivamente o julgamento da questão de facto.

Sendo que só assim não acontece quando – como repetidamente afirmado – o Supremo Tribunal detecta oficiosamente deficiências na confecção da decisão de facto relevadas pelo art.º 410º n.º 2 ou – como é igualmente sabido – quando surpreende violações do direito probatório material que contendem com a validade das provas que serviram de fundamento à decisão.

E o que, tudo, em bom rigor, ainda se quadra com a sua natureza de tribunal de revista proclamada no art.º 434º, que, nessas situações, está, inequivocamente a cuidar da aplicação de regras de direito, aferindo, num caso, a validade e produtividade das provas à luz das regras da sua produção e valoração, e conferindo, no outro, a própria funcionalidade e aptidão da decisão de facto para viabilizar a (correcta) aplicação do direito.


55. Não obstante, os recursos do Recorrentes não possam ter por fundamento a invocação dos vícios do art.º 410º n.º 2, a verdade é que cumpre a este tribunal conferir a funcionalidade e aptidão referidas, mais que não seja por exigências metodológicas.
E já se verá que não será pela circunstância de os arguidos terem convocado o apoio do art.º 410º n.º 2 que se deixará de proceder a tal conferência que, como se assinala in "Código de Processo Penal Comentado", Henriques Gaspar e outros, a fls. 1357 [32], «Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria».

Assim e sem prejuízo de em momentos ulteriores se voltar casuisticamente à temática por exigência das questões apreciandas:

56. Já no recurso que moveu do acórdão do Tribunal do Júri, a Recorrente AA acusou a existência dos erros-vícios do art.º 410º n.º 2 – aliás, de todos eles –, antecipando, de resto, o argumentário que ora desenvolve perante este Supremo Tribunal e que, genericamente, se vê, igualmente, sustentado pelo Recorrente BB.
Acusação da arguida AA que mereceu do Acórdão Recorrido a seguinte resposta:
─ «[…]
3.2.2. No que concerne a vícios da decisão, a arguida AA invoca todos os previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do CPP […].
Todavia, aqueles têm de resultar, como a referida norma expressamente exige, "do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum", ou seja, sem recurso a elementos estranhos à decisão, ainda que constantes do processo (Vd. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", vol. III, pág. 367; Ac. do STJ de 4/12/2003, Proc. 3188/03, in "Verbojuridico.com/Jurisprudência/STJ").
Para que o da alínea a) – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – se verifique "… é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito". "É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada" – autor e obra citada, p. 339 in fine e 340. Ou seja, há insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada, quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
O que significa que o referido vício só existe quando o tribunal se vê perante a impossibilidade de decidir, porque a matéria de facto provada é tão escassa que o não permite.
Porém, isso nada tem a ver com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova […]), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida (em que, também poderá haver erro, já não na decisão sobre a matéria de facto, mas relativamente à qualificação jurídica desta), conforme salienta aquele ilustre professor.
Ora, a recorrente não concretiza qual(ais) o(s) facto(s) que considera imprescindível(eis) e que devia(m) ter sido investigado(s) e apurado(s) para que fosse possível decidir, parecendo associar aquele vício à omissão do exame crítico da prova, que invoca na mesma conclusão, sendo certo que são realidades distintas, que não se interpenetram, nem uma é causa ou efeito da outra.
É indiscutível que a discordância quanto à valoração das provas não integra tal vício e o eventual erro nessa apreciação, gerador de uma decisão que possa não refletir a realidade, só pode ser atacado pela via da impugnação prevista no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Do que não há dúvidas é que a factualidade apurada – não estando aqui em discussão se foi bem ou mal apurada – se mostra suficiente para que seja tomada uma decisão, como foi tomada, não se vislumbrando que haja outros factos, para além dos alegados nos autos e que foram investigados, que sejam essenciais à decisão da causa e que, por isso, se imponha averiguar.
O vício previsto na alínea b), do n.º 2, da mesma norma processual penal, é o de contradição insanável, a qual pode ocorrer dentro da própria fundamentação, de facto e/ou de direito, ou entre esta e a decisão proferida.
"Para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso" - Ac. do STJ de 22/5/1996 proferido no Proc. n.º 306/96, segundo MAIA GONÇALVES in "Código de Processo Penal Anotado e Comentado", 11ª ed., 1999, pp. 744/745; ainda no mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/3/1999 (in BMJ n.º 485, p. 286).
"A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação – dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se –, como entre a fundamentação e a decisão – esta não se encontra em sintonia com os factos apurados" - Ac. do STJ de 9/2/2000 (in BMJ n.º 494, pp. 207-218).
Efetivamente, "a contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito)" - GERMANO MARQUES DA SILVA in "Curso de Processo Penal", vol. III., 2ª ed., 2000, pp. 340-341. "Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto" (autor e obra citada, p. 341). "A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada" - ibidem.
De todo o modo, "a contradição só releva, juridicamente, quando existe uma oposição direta entre os factos qualquer que seja o sentido que se dê a cada um deles» -  Ac. do STJ de 9/2/2000, proferido no Recurso n.º 284/98; ANTÓNIO TOLDA PINTO in "A Tramitação Processual Penal", 2ª ed., 2001, p. 1037 -, visto que só então se está perante uma contradição insanável da fundamentação.
Tal como relativamente ao vício anterior, a arguida AA não concretiza onde possam encontrar-se, no acórdão, tais contradições, limitando-se a afirmar a sua existência.
[…].
Conclui-se, pela inexistência de qualquer contradição insanável, suscetível de enquadrar o vício em apreciação.
Para finalizar este tema, abordemos o vício previsto na alínea c), daquele mesmo n.º 2 – erro notório na apreciação da prova –, relativamente ao qual recordamos que a lei não legitima o recurso ao conteúdo das provas para aferir da sua verificação.
Tem sido recorrentemente afirmado, pela jurisprudência e pela doutrina, que tal vício se verifica "quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida" - Simas Santos e Leal-Henriques, "Código de Processo Penal Anotado", 2.ª edição, vol. II, pág. 740.
Para ser notório, tem o mesmo vício de consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias ou das legis artis, ou ainda das regras da experiência comum, ou de que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Nada disso acontece no presente caso, reconduzindo-se a alegação» da recorrente «a uma mera desconformidade da matéria de facto provada (por parte da arguida AA) […], relativamente à prova que foi produzida em audiência de julgamento. Podendo essa alegação traduzir um eventual erro na apreciação da prova, suscetível de fundar a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, jamais poderá consubstanciar o vício de erro notório, conforme atrás definido e previsto na aludida norma, do artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Consequentemente, concluímos esta parte reafirmando a inexistência dos alegados vícios. […]».

57. Ora, as considerações lavradas pelos Senhores Juízes Desembargadores merecem a inteira concordância deste tribunal, valendo, naturalmente, para o segmento da decisão de facto que o Acórdão Recorrido preservou, mas também, para o em que, nos termos descritos em 33. a 36. supra, inovou, que olhando para decisão reformada no seu conjunto, nada se descortina nela que possa indiciar insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão ou erro notório na apreciação da prova.
E decisão reformada essa que, nessa estrita perspectiva, não justifica, ex officio, qualquer correcção.

58. Assim, e passando à análise das demais questões postas nos recursos:  

e. Das nulidades do Acórdão Recorrido por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação – art.os 379.º n.º 1 al.as a) e c) e 425º n.º 4; da interpretação inconstitucional das normas dos art.º 374º n.º 1 al.as a) e c).
59. A Recorrente AA, engloba neste item – conclusão 5ª da motivação – todas as questões relacionadas com o que diz ser uma omissão de análise de uma série de questões relacionadas com a temática da prova, mormente, a da admissibilidade, e necessidade, da inquirição ao abrigo do art.º 340.º da testemunha EE, consultor forense – que, como se viu, foi indeferida em 1ª instância com confirmação, em recurso intercalar, no Acórdão Recorrido –, a da admissibilidade e necessidade da repetição do exame autóptico à vítima e a da negligência na preservação da cadeia de custódia de prova no referente ao acondicionamento e manuseamento do projéctil recolhido na cadáver da vítima que, a seu ver, não observou as normas técnicas prescritas.

E aponta a propósito não só a nulidade da omissão de pronúncia prevista no art.º 379º n.º 1 al.ª c), como a da falta de fundamentação prevista na al.ª a) do mesmo preceito, esta revelada, na falta do exame crítico da prova.

Também o Recorrente BB acusa tanto a nulidade da omissão de pronúncia como a da falta de fundamentação na al.ª a) previstas no preceito referido, que identifica na falta do exame crítico da prova.

E censura o Acórdão Recorrido por não ter analisado devidamente as declarações e depoimentos «dos arguidos, das testemunhas de acusação e de defesa (dr. SSS, Dr.ª TTT e Dr.ª UUU) sobre as questões relativas à arma, aos projécteis, à cadeia de custódia da prova e às consequências da existência de relatórios inconclusivos», por isso que, em «clara violação das regras sobre a prova, nomeadamente sobre a experiência comum», não tendo excluído a possibilidade da utilização referida.

Veja-se, pois, se as nulidades invocadas existem, efectivamente.


60. O dever de fundamentação da sentença está consagrado no art.º 374º n.º 2, que estabelece que, ao relatório de que fala o n.º 1 da norma, segue-se «a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
O dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento constitucional – art.º 205º n.º 1 da CRP – e está concretizado no plano do ordinário processual penal no art.º 374º n.º 2 quanto ao acto sentença ou acórdão – é dizer, quanto à decisão singular ou colegial que conhece a final do objecto do processo (art.º 97º n.os 1 al.ª a) e 2) – e no art.º 97º n.º 5, quanto aos restantes actos decisórios que não sejam de mero expediente.
E comina o art.º 379º n.º 1 al.ª a) a sanção da nulidade à sentença ou acórdão – inclusivamente, o tirado em recurso por tribunal superior, por extensão do art.º 425º n.º 4) – a que falte tal requisito.

Reclamando não só a simples enumeração dos meios de prova, mas também, e necessariamente, um exame crítico deles, o dever de fundamentação constitui um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito e concretiza o direito ao processo equitativo e justo proclamado art.º 6º da CEDH e no art.º 20º n.º 4 da CRP: «A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função. Ou seja, é na questão da legitimação institucional dos tribunais pela fundamentação e sobretudo na legitimidade democrática dos juízes que assenta o ponto de viragem constitucional. Tratando-se de um princípio fundamental no ordenamento jurídico nacional, a sua concretização normativa, nos vários ordenamentos não pode deixar de concretizar as várias dimensões onde se sustenta: generalidade, indisponibilidade, completude, publicidade e concretização do duplo grau de jurisdição» [33].
Ou seja, a exigência expressa do exame crítico das provas – que foi introduzida na norma do art.º 374º n.º 2 pela Lei n.º 59/98, de 25.8. – corresponde à positivação desse dever de fundamentação no sentido de que a sentença deve conter os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido.
E serve tanto a garantia de que o tribunal não procedeu a uma ponderação arbitrária das provas, como o acautelamento do efectivo direito de defesa consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP na vertente do direito ao recurso, permitindo aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame e sindicação do processo lógico e racional que enformou a decisão sobre a matéria de facto.


O exame crítico das provas compreende uma complexidade de elementos que hão-de retirar-se sobretudo da realidade da vida e das regras de experiência comum, mediante as quais o julgador esclarece os destinatários das suas decisões das concretas razões pelas quais a sua convicção se formou em determinado sentido – v. g., os motivos por que valorou de determinada forma os diversos meios de prova ou por que uns lhe mereceram maior credibilidade do que outros –, desse modo externando o porquê da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que serviu de suporte à formação da sua convicção.
Havendo, assim, de ser completo e abrangente, não se lhe exige, porém, que autonomize em relação a cada facto a razão de decidir ou que em relação a cada fonte de prova descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível [34]. Ou, sequer, que «a fundamentação da sentença, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas» tenha «de ser uma espécie de "assentada" em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento» [35].
E sendo que, implicando «a falta de fundamentação […] a inexistência dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», «só a falta absoluta» dela «determina a […] nulidade, pelo que "não padece desse vício a decisão que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada"», isso pois que «"o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade» [36].
E sendo, ainda, que, «[d]esde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão» [37].


61. Diferentemente, a nulidade de omissão de pronúncia da sentença prevista na al.ª c) do n.º 1 do art.º  379.º do CPP diz respeito ao conhecimento pelo tribunal de questões decidendas. E consubstancia-se na não tomada de posição ou na não prolação de decisão em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o julgador tome posição expressa.
E tal ocorre tanto com relação às questões – a todas elas – submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais e relativamente às quais não está impedido de se pronunciar, como com relação a todas as que o tribunal deva conhecer ex officio, e digam, umas ou outras, respeito à relação material ou à relação processual. Sem embargo, naturalmente, de isenção decorrente da prejudicialidade da solução dada a outras – art.º 608º do CPC, ex vi do art.º 4º [38].
Questões que, porém, sejam realmente questões na acepção desse art.º 608º, é dizer, «os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença» [39], que sobre estes só terá o tribunal de se pronunciar na medida do necessário à decisão da questão/problema.   


62. Voltando, então, ao mais concreto, diz-se já que as acusações da comissão de nulidade de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia que os Recorrentes deduzem não têm, salvo o devido respeito, sustentação.
E para tanto concluir pouco mais não será necessário do que (re)ler o Acórdão Recorrido nos passos em que incorporou a parte a decisão de facto do acórdão do Tribunal do Júri que confirmou e nos em que, por a ter alterado na procedência do recurso do Ministério Público, deu nova feição aos episódios delituosos. E, em particular, os trechos que se transcreveram em 33. a 38. supra e que aqui se recordam, que denotam muito claramente o cumprimento cabal das exigências legais de fundamentação, neles se vendo o arrolamento dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova em que o tribunal se apoiou e as razões e modo por que tais meios de prova elucidaram a decisão.
O que tanto basta para descartar a acusação de falta de fundamentação, que, como acima se disse, «[d]esde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão».
E, do mesmo modo, para assegurar que se pronunciou sobre todas as questões que foram submetidas à sua apreciação e que devia conhecer e que o fez com completude, densidade e rigor técnico, inexistindo, igualmente, qualquer omissão de pronúncia.


63. Claro que, se bem se alcança o sentido das arguições, o plano em que os Recorrentes põem as questões da falta de fundamentação e da omissão da pronúncia não é o verdadeiro e próprio delas, não é o da completude ou incompletude do Acórdão Recorrido à luz do parâmetro do art.º 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a), ou o da sua omissão à luz do al.ª c), mas sim o da valoração das provas produzidas e da propriedade do juízo probatório dela resultante, relativamente ao qual revelam profundas divergências, entendendo que, genericamente, os factos que sustentaram as respectivas condenações deveriam ter sido considerados não provados.
Mas, como resulta das considerações que se acabam de tecer em 60. e 61., não é esse o sentido das exigências de fundamentação e de pronúncia a que se referem aqueles preceitos, e não é pela circunstância de a decisão não coincidir com a perspectiva dos recorrentes que ela passa a enfermar de omissão de pronúncia ou de falta de fundamentação sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas.
Muito pelo contrário e como decorre do trecho da fundamentação de facto do acórdão de 1ª instância que se transcreveu em 35.  e, principalmente, do do Acórdão Recorrido que se reproduziu em 38. para que de novo se remete, é muito evidente que o Tribunal da Relação conheceu das questões de que devia conhecer no contexto da decisão de facto e que observou as regras e princípios de prova pertinentes e que, cumprindo escrupulosamente o dever de fundamentação, tudo deixou exarado na decisão, enumerando – repete-se – exaustiva e pormenorizadamente os meios de prova testemunhal, documental e pericial de que se socorreu, explanando os meandros do juízo apreciativo e valorativo que sobre eles desenvolveu e indicando as razões da credibilidade diferenciada que lhes reconheceu e a medida da respectiva contribuição para formação da sua convicção sobre a ocorrência dos factos, e tudo assim em termos de não suscitar quaisquer dúvidas sobre a inexistência de arbitrariedades e, viabilizando, do mesmo passo, a sindicação plena da decisão por uma instância de recurso.

E perante um exame crítico da prova assim rigoroso, pormenorizado e esgotante e escalpelizado num texto lógico e congruente em que explicou os motivos pelos quais se convenceu de que os factos decorreram tal como foram dados por provados, forçoso é concluir que o Acórdão Recorrido cumpriu os requisitos de fundamentação e de conhecimento que lhe competiam nos termos dos art.º 374º n.º 2, 379º n.º 1 al.as a) e c) e 425.º n.º 4, não se verificando qualquer nulidade por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia.

64. Pese o que, em geral, se acaba de dizer, acerca do (correcto) cumprimento das obrigações de fundamentação e de pronúncia, ainda assim não se deixará de abordar algumas das questões mais particularizadas que a Recorrente AA suscita neste contexto.
Assim:


65. Chamando de novo a terreiro o despacho interlocutório de 1ª instância de 18.2.2020 que indeferiu a inquirição do consultor forense EE e que, como se viu em 17. a 19., foi confirmado no recurso que dele interpôs para o Tribunal da Relação de ........., diz a Recorrente AA – conclusão – que «Sem a audição da testemunha é de todo impossível aferir da pertinência (ou não) da sua audição, algo que também o requerimento escrito não poderia oferecer, acrescido do facto de a lei não obrigar a elencar quesitos e apresentá-los por escrito ao tribunal como facilmente se retira através da leitura do art.º 340 do C.P.P.» e que «O Acórdão do Tribunal da Relação de ......... reitera o erro do Tribunal do Júri quando diz, sobre a mesma matéria, e passa-se a citar "(…) a ausência da relevância dos aludidos meios de prova foi, precisamente o fundamento para a rejeição das  diligências requeridas (…) Nada indica nesse sentido, nem era suposto que tal fosse demonstrado pelo depoimento da testemunha indicada, independentemente da sua competência técnica, que não está aqui em causa».

Já quanto à necessidade da realização de segundo exame autóptico – cuja sugestão a Senhora Juíza Presidente do Tribunal do Júri (também) indeferiu no mesmo despacho – acrescenta – al.ª b) da mesma conclusão – o seguinte:
─ «No caso em apreço, o julgador, com a devida vénia, não demonstrou em sede de julgamento possuir conhecimentos suficientes para colocar em crise o que foi a realização de forma negligente e sem rigor científico de uma perícia.
Novamente, o tribunal a quo reiterou no erro do tribunal do Júri, no que diz respeito ao exame autóptico.
Lê-se no Acórdão recorrido o seguinte: "(… ) não se podendo, por isso, afirmar, como faz a requerente, que uma segunda autópsia segundo a "legis artis", serviria «para apuramento real, cabal e idóneo da causa e mecanismos da morte» de CC, partindo do pressuposto, claramente erróneo, de que a autópsia feita e que já consta dos autos não observou as aludidas regras, ou contêm falhas que poderiam ser supridas com o novo exame. Nada indica nesse sentido, nem era suposto que tal fosse demonstrado pelo depoimento da testemunha indicada, independentemente da sua competência técnica, que não está aqui em causa.(…)"».
E – se bem se entende – quer com tudo significar que, sob risco de comissão das nulidade da omissão de pronúncia e, até, da de falta de fundamentação, o Acórdão Recorrido devia ter tomado posição sobre a necessidade da inquirição do consultor forense e da realização da segunda autópsia, se não, mesmo, sobre a inobservância na autópsia efectuada e relatada a fls. 2642 a 2650  das prescrições técnicas da "Norma Procedimental NP-INMLCF-008" do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forenses, mormente, a da sujeição do cadáver a exame radiológico.

  Acontece, porém, que, contrariamente ao que a Recorrente AA parece supor, o Acórdão Recorrido conheceu de tais questões.
Fê-lo, como já adivinhará, no segmento em que conheceu do recurso interlocutório que moveu àquele despacho de indeferimento, em que, por não ver necessidade nem utilidade na efectuação das pretendidas diligências – e as questões a decidir eram essa necessidade ou utilidade, constituindo a (in)observância de alguma recomendação técnica argumento ou razão a ponderar na formação do respectivo juízo –, confirmou a decisão de indeferimento em 1ª instância, como tudo melhor referido em 17. a 19. supra  para cujos termos se remete.
E fê-lo, acima de tudo, a título definitivo que, como ali se assinalou, não cabe recurso dessa parte, autónoma, do Acórdão Recorrido para este STJ, por oposição dos art.os 399.º, 400.º n.º 1 al.ª c) e 432.º n.º 1 al.ª d) e b).

Razões por que não só não incorreu na comissão de qualquer nulidade, como, mesmo invalidade houvesse, não poderia ela ser conhecida neste acto em razão da apontada irrecorribilidade.

66. Ainda no contexto da arguição das nulidades de sentença, fala a Recorrente AA da inconstitucionalidade das «normas conjugadas dos art.º 379, n.º 1 alínea a) in limine, e alínea c) in limine, e n.º 2 todos do C.P.P» – conclusão 5ª.
De seu lado, o Recorrente BB acusa «uma inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, alínea a), 1ª parte e alínea c), 1ªa parte, e n.º 2 do artigo 414º, n.º 4, “ex vi” artigo 425º, n.º 4 todos do C.P.».

Segundo se depreende do corpo da motivação deste último Recorrente – n.º V –, a desconformidade com a Constituição centrar-se-á na norma do art.º 414º n.º 4 – que dispõe que «Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão» – e visava prevenir interpretação que o Tribunal a quo dela pudesse vir a fazer no sentido de reparar as nulidades arguidas no recurso.
Sucede, todavia, que o Tribunal da Relação de ......... não aplicou a norma em causa, nada tendo reparado no acórdão.
Pelo que a arguição de inconstitucionalidade carece de objecto e tem de improceder.

Quanto à Recorrente AA, nada adianta para lá da singela afirmação da desconformidade constitucional, seja a dimensão normativa censuranda, seja a norma ou princípio supralegal desrespeitado.
E na falta de melhor referência e não se vendo como na aplicação que deles fez possa o Acórdão Recorrido ter infringido comandos como os do art.º 205º, 32º n.º 1 ou 20º n.º 4 da CRP que são os que lhe estão mais próximos, conclui-se aqui pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade.
 
67. Razões por que, todas elas, improcedem totalmente os recursos em tudo o que respeita à arguição das nulidades da falta de fundamentação e de omissão de pronúncia sempre referidas.

f. Da violação das regras do direito probatório material: violação das regras sobre a prova vinculada e das regras da experiência comum; valoração de provas proibidas; inconstitucionalidades das normas conjugadas dos arts. 355.º, 150.º, n.º 1 e 2, 171.º, 173.º, 249.º, n.º 1 e 2, al. b); violação do regime previsto no art. 187.º n.º 4 em conjugação com o art. 189.º n.os 1 e 2 por força do art. 126.º, n.º3, do CPP; Do erro notório na apreciação da prova.
68. Nos passos seguintes das suas motivações, os Recorrentes, centrando-se num conjunto de meios de prova ou da sua obtenção que consideram determinantes do sentido da convicção probatória firmada no Acórdão Recorrido – mormente, perícias, prova por reconstituição do facto, inspecção judiciária e registos de comunicações telefónicas e similares –., apontam-lhe várias ilegalidades quer nos momentos da sua produção quer no da sua avaliação, a ponto de considerarem algumas delas proibidas na acepção do art.º 126º ou, pelo menos, inválidas.
Acusam, ainda e conforme os casos, o aresto de ter feito interpretação e aplicação desconforme à Constituição  das normas dos art.os 355º, 150º n.os 1 e 3, 171º n.º 2 , 173º, 249º n.os 1 e 2 al.ª b).
E questionam a fixação da matéria de facto que esteve na base das respectivas condenações, quer em razão de tais ilegalidades, ordinárias e de inconstitucionalidade, invalidades ou proibições, quer em função de erros notório da apreciação da prova nos termos do art.os 410º n.º 2 al.ª a), quer ainda por violação do princípio do in dubio pro reo.

Veja-se do fundamento das arguições na estrita perspectiva do que o art.º 434º consente a este tribunal, isto é na perspectiva da violação das normas do direito probatório material, dos limites materiais do princípio da livre apreciação da prova, dos erros-vícios do art.º 410º n.º 2 e do princípio do in dubio pro reo enquanto regra de direito.

(a). Prova pericial.
69. Dirigem neste capítulo os Recorrentes a sua atenção aos seguintes exames periciais, todos efectuados no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (LPC):
─ De balística, relatado a fls. 723 a 724, – doravante, "perícia projéctil" – incidente sobre o projéctil de arma de fogo colhido na caixa craniana da vítima CC, responsável, segundo o relatório de autópsia a fls. 2642 a 2650, pela produção das lesões causais da sua morte.
Perícia esta rematada pela conclusão/laudo  de se tratar de «um elemento de calibre 7,65 mm Browning (.32 ACP ou .32 Auto na designação anglo-americana)» [40] e em que os peritos produziram, ainda, as seguintes observações:
─ Que o projéctil se encontrava «significativamente deformado (expondo inclusivamente o seu núcleo de chumbo), exibindo vestígios de oxidação e de aparente origem orgânica na sua superfície, com o peso aproximado de 4,43 g, sugerindo alguma perda de massa, apresentando claramente visíveis apenas cinco (5) estrias impressas, de sentido dextrogiro (das seis [6] que teria originalmente impressas);
─ Que «pelas características físicas possíveis de observar (nomeadamente tipo de blindagem cobreada, sulco serrilhado e acabamento de base), permite admitir que se constitua como um elemento proveniente de uma munição de marca B......, de origem brasileira»;
─ Que pela «medição de larguras de estrias e campos no projétil suspeito (respetivamente 1,219 mm e 2,619 mm)» e de acordo com os registo técnicos da Polícia Judiciária, podia «ter sido  disparado por uma pistola semiautomatica de marca C......, B......, W...... ou M...... (entre outras marcas de aparecimento menos frequente no nosso país)»;
─ Que muito dificilmente poderia permitir a «realização de futuros exames comparativos com vista à identificação da arma responsável pelo seu disparo.»;
─ Que o projéctil tinha sido presente a exame acompanhado por um «fragmento, aparentemente, de osso, com o peso aproximado de 0,29 g».
─ De balística, relatado a fls. 1233 a 1238 – doravante, "perícia pistola/projéctil" –, incidente, entre o mais, sobre a pistola semiautomática da marca C......, calibre 7,65 mm Browning, propriedade do Recorrente BB, apreendida na casa da sua residência, e sobre o projéctil calibre 7.65 mm Browning acima identificada,  mediante exame microscópico comparativo com projécteis de idênticas características disparados por aquela e por outras armas do mesmo tipo e com um outro projéctil da mesma marca, calibre e tipo igualmente apreendido na casa do Recorrente, que permitiu as seguintes conclusões:
─ Que o projéctil encontrado no cadáver era idêntico ao outro apreendido ao Recorrente BB;
─ Que existiam compatibilidades entre aquele projéctil e a arma «ao nível das características de classe, nomeadamente na largura  definição de impressão e limites de estriado»;
─ Que, não obstante, não era possível determinar se aquela pistola C...... tinha sido responsável pelo disparo desse projéctil, sendo o laudo, a esse nível, de  "INCONCLUSIVO".
─ De biologia forense, relatado a fls. 2438 a 2439 – doravante, "perícia biológica" –, em que se procedeu à comparação de amostra biológica colhida no cadáver da vítima CC com vestígios biológicos «recolhidos na zona interior do cano da arma de fogo C......» para pesquisa de perfis de ADN,  e em que se concluiu pela identificação de um único perfil nos vestígios recolhidos na arma e pela sua coincidência com o identificado na amostra colhida no cadáver.

Perícias essas que, como se vê da fundamentação do Acórdão Recorrido contribuíram em medida importante para a formação da convicção probatória do tribunal que – em articulação, claro, está, com os demais elementos probatórios arrolados, como, tudo, ali melhor se sublinha e explica – em primeiro lugar, colocaram, por assim dizer, a arma C......  no teatro dos factos – mesmo que a perícia não tenha podido asseverar que o projéctil causador das lesões letais foi disparado por essa pistola a verdade e que também não conseguiu excluir tal hipótese, isto de um lado; e, do outro, a identificação do mesmo perfil de ADN nos vestígios biológicos depositados na arma e na amostra colhida no cadáver da vítima é, a um mesmo tempo, prova científica de que se tratava da materiais biológicos pertencentes à mesma pessoa, e prova de experiência comum, de lógica ou de juízos correntes de probabilidade e da normalidade de que o disparo  causador das lesões mortais não só foi efectuado por aquela arma, como que o foi a curta distância da cabeça da vítima – que, de acordo com a autópsia, foi a região corporal atingida – que, de outro modo, nela não se teria projectado o material biológico.
E perícias que, ligando, assim, a pistola C...... ao episódio homicida, co-actuaram no sentido de ligar o Recorrente BB ao mesmo episódio, não só em razão de ser o proprietário e detentor da arma como o único dos seus potenciais manuseadores que detinha os necessários conhecimentos e adestramento, que a Recorrente AA demonstrou completa ignorância e inépcia naquele assunto, como de tudo a sempre referida fundamentação dá eloquente nota.
E tudo assim em articulação, e concordância – repete-se –, com os demais dados probatórios recolhidos que claramente co-apontavam no sentido de a morte do CC ter resultado da acção pré-ordenada, concertada e conjunta dos Recorrentes nos moldes que vieram a ficar descritos no provado.
 
70. Ora, diz então a Recorrente AA que a conclusão factual de a pistola C...... ter sido a responsável pelo disparo que vitimou mortalmente o CC assentou em erro notório na apreciação daquela prova pericial por violação das respectivas regras de valoração e das regras da experiência comum, que referencia aos seguintes momentos:
─ No da avaliação da "perícia pistola/projéctil", uma vez que esta não conseguiu determinar se aquela arma foi ou não responsável pelo disparo do projéctil recolhido na autópsia – por isso que emitindo o peritos o laudo de "inconclusivo" –, e que, inclusivamente, concluiu – fls. 1239 – pela hipótese negativa ao dizer que «A quantidade e qualidade das discordâncias de vestígios individualizadores impressos é absolutamente satisfatória, considerando-se inválida a hipótese dos elementos examinados terem sido obtidos com a mesma arma/cano».
─ No da avaliação da "perícia biológica", porquanto, mesmo que o disparo tivesse sido efectuado em contacto com a cabeça da vítima – o que, de qualquer modo, não ficou provado, antes que o foi a «uma distância não concretamente apurada» –, «nunca deixaria um vestígio hemático no interior do cano de uma arma de fogo», por isso que nada aí podendo vir a ser recolhido que pudesse ser comparado com a amostra colhida no cadáver.

Já o Recorrente BB aponta idêntico erro na valoração da "perícia projéctil" e da "perícia pistola/projéctil", questionando o laudo desta pela inconclusividade sobre a possibilidade de o projéctil letal ter sido disparado pela pistola C......, e defendendo que devia ter sido ser no sentido da exclusão, é dizer, no de o projéctil não ter sido disparado por tal arma. E, desse modo – sustenta –, por atenção ao resultado de diligência que requereu já no decurso da audiência de julgamento, documentado nas fotografias a 360º colhidas pelo LPC a seis projécteis disparados experimentalmente pela mesma pistola, juntas a fls. 4153 a 4164, que, evidenciando a existência de seis cavados neles impressos, não só demonstram que o cano daquela pistola tinha, afinal, seis estrias, como que aquele outro projéctil, apresentando apenas cinco cavados, tinha, necessariamente, de ter sido disparado por uma arma com igual numero de estrias e, portanto, por uma arma outra que não a sempre referida C.......
E quanto à "perícia biológica", e para lá de desenvolver argumentário semelhante ao da Recorrente AA acerca da deposição na arma de vestígios biológicos da vítima, vai este Recorrente, ainda, mais longe, questionando a própria autenticidade, material e intelectual, da perícia, dizendo que o laudo foi intencionalmente falseado na investigação para o incriminar – «o relatório pericial n.º .......95 - CLC não corresponde à verdade dos factos tendo, por isso, sido intencionalmente alterado o conteúdo por forma a poder incriminar o recorrido» são a suas precisas palavras –, uma vez que nem foram efectuadas as zaragatoas para a recolha dos vestígios biológicos na arma nos termos relatados no processo, nem se observaram os procedimento técnicos respectivos, nem se assegurou a adequada cadeia da custódia da prova.

Veja-se, então, do fundamento das alegações, desde já se alertando para o facto de que a, alegada, falsificação da perícia biológica e da inerente proibição de prova não vai aqui ser relevada.
E assim pois que, apesar de amplamente discutidos em audiência de julgamento os procedimentos relativos à recolha, acondicionamento, preservação e trajectos dos vestígios biológicos recolhidos na arma nos circuitos da Polícia Judiciária e do LPC, nada se apurou que apontasse minimamente para a defraudação que o Recorrente acusa – por isso que tanto o Tribunal do Júri como o Tribunal da Relação não questionaram minimamente a validade, nesses aspectos, da perícia –, sendo certo que, se tanto vier a ser apurado, com trânsito, noutro lugar – designadamente, no processo criminal que a Recorrente AA diz ter sido instaurado –, sempre um recurso de revisão fundado no art.º 449º n.º 1 al.as a) e, ou, d) constituirá garantia adequada da reposição da justiça do caso.
Assim:

71. Como decorre do art.º 151º, a perícia é a «actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimento técnicos, científicos e artísticos» [41].
Justifica-se e recomenda-se a sua utilização quando a averiguação dos factos através do procedimentos comuns de análise de que tribunal dispõe se depara com dificuldades de percepção ou apreciação só vencíveis com recurso a conhecimento especializados nas pertinentes áreas.
Nessa medida, o perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica.

A finalidade da perícia é, pois, a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova judiciariamente atendível.

Atentos os objectivos a prosseguir – aquisição de dados probatórios inacessíveis aos meios comuns de investigação –, a lei é particularmente rigorosa na selecção das entidades e pessoas que, nesse âmbito, colaboram com o tribunal, preferindo, a todos – art.º 152º n.º 1 –, os estabelecimento, laboratórios ou serviços oficiais apropriados, ainda que admitindo, por motivos de impossibilidade ou de inconveniência, o perito nomeado entre as pessoas constantes das listas de peritos da comarca e as pessoas de reconhecida honorabilidade e competência na matéria: «Como se extrai do art.º 152.º do CPP, o legislador português optou por um modelo de perícia preferencialmente pública, regra que apenas é afastada por impossibilidade ou inconveniência – art.os 152.º, 153.º 154.º, n.º 1, e 160.º-A do CPP –, assim se consagrando um regime misto com prevalência de intervenção de organismos públicos, com a qualidade pericial a assentar numa certificação pública, sem exclusão da possibilidade hipotética de apresentação de perícias contraditórias quando não existam organismos públicos reconhecidos para a realização da perícia. […]. O regime jurídico da prova pericial em processo penal visa garantir, por um lado, a isenção e a imparcialidade daqueles a quem deva ser confiada a sua produção e, por outro lado, a sua competência no ramo específico de saber que esteja em causa » [42].

Nos termos do art.º 163º n.º 1, «O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». A menos que – n.º 2 da norma – o julgador fundamente a sua divergência em crítica de idêntica valia, isto é, em crítica assente em razões (também) técnicas, científicas ou artísticas.
O art.º 163º estabelece, assim, uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do mesmo diploma, já que o juízo científico, técnico ou artístico subjacente à prova pericial se presume subtraído à livre convicção do julgador, sendo-lhe atribuído um valor presuntivamente pleno, salvo divergência fundamentada.
E é este valor privilegiado que, de resto, justifica os especiais cuidados postos na selecção das entidades periciais e, no quadro delas, da preferência conferida às oficiais, dotadas de um estatuto que, na normalidade das coisas, lhes proporcionam níveis acrescidos de isenção e de imparcialidade e, consequentemente, conferem níveis acrescidos de credibilidade aos respectivos juízos perícias.

No entanto, «[n]em toda a divergência entre o perito e o julgador é relevante. A divergência não releva e o tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se a divergência se confinar aos factos em que se apoia o juízo» técnico, científico ou artístico [43].
E a «contradição da sentença com a perícia sem a devida fundamentação da divergência é causa de nulidade de sentença prevista no art.º 379º n.º 1 al.ª c)», isso pois que «a convicção do julgador diversa do juízo do perito que não se encontre devidamente fundamentada constitui uma omissão de pronúncia sobre uma questão que o tribunal devia ter apreciado» [44]

72. Diz então a Recorrente AA que o Acórdão Recorrido contrariou o resultado da "perícia pistola/projéctil", na medida em que, dando como provado que este foi disparado por aquela, contraria o laudo pericial emitido.
E que, por isso, incorreu em erro notório da apreciação da prova, nos termos do art.º 410º n.º 2 al.ª c).
Salvo o muito devido respeito, não tem, todavia, razão.

Antes do mais importa alertar para o que parece ser uma deficiente leitura pela Recorrente do relatório pericial, quando identifica como conclusão pericial, como laudo, o trecho, já transcrito, de que «A quantidade e qualidade das discordâncias de vestígios individualizadores impressos é absolutamente satisfatória, considerando-se inválida a hipótese dos elementos examinados terem sido obtidos com a mesma arma/cano».
O que, a representar, de facto, um laudo, excluiria, em boa verdade, a hipótese de o projéctil ter sido disparado pela C...... e, na falta de contramotivação de valia científica equivalente por parte do tribunal, tornaria pouco menos do que incompreensível a versão probatória de ter sido aquela a arma usada no acto homicida e alertaria para a comissão da nulidade de omissão de pronúncia.
Mas trata-se, na verdade, de deficiência de percepção da Recorrente, porquanto aquele segmento do relatório não encerra nenhuma conclusão pericial, antes, qual nota explicativa, desagrega os conceitos da «ESCALA DE CONCLUSÕES DE BALÍSTICA IDENTIFICATIVA» ali utilizadas – «Identificação: (os elemento examinados foram deflagrados/disparados por uma mesma arma/cano)»; «Provável identificação: (os elementos examinados forma provavelmente deflagrados/disparados por uma mesma arma/cano)»; «Inconclusivo: (Não é tecnicamente possível determinar se os elementos examinados foram ou não obtidos por uma mesma arma)»; e «Exclusão: (os elemento examinados foram deflagrados/disparados por diferentes armas/canos)» –, correspondendo o conteúdo destacado ao laudo de "Exclusão".
Sendo que, como se viu, não foi essa a conclusão dos peritos, antes a de "Inconclusivo",  que, na explicação de tal nota, significa que «Não é tecnicamente possível determinar se os elementos examinados foram ou não obtidos por uma mesma arma)», ou porque «Os elementos examinados não exibem quaisquer vestígios com carácter individualizador ou então o elemento suspeito encontra-se francamente deformado, degradado, destruído e/ou oxidado, não sendo assim tecnicamente possível concluir se os elementos foram ou não obtidos por uma mesma arma», ou porque «Não foram assim encontradas nem semelhanças nem discordâncias em termos de características individualizadoras de modo a conduzir a qualquer conclusão positiva ou negativa», mas podendo, no «entanto, […] ter sido observadas compatibilidades ao nível das características de classe (forma de percutor, tipo de culatra, forma alinhamento de vestígios de automatismo, largura de estriado, definição de limites de estriado, etc.).».
E laudo "Inconclusivo" com que a conclusão probatória de que o disparo fatal foi efectuado por aquela arma em nada se incompatibiliza, por isso que não relevando de erro, de qualquer natureza, na apreciação e valoração da prova.

De resto,  como se vê da economia da motivação probatória, aquela conclusão pericial só limitadamente acabou por caucionar o juízo de prova, e assim na medida em que não excluiu a possibilidade de o projéctil ter sido disparado por aquela arma, isso em função – como consta do relatório e como resultou dos esclarecimento às perícias prestados em audiência de que o acórdão o acórdão de 1ª instância  dá nota – das «compatibilidades ao nível das características de classe, nomeadamente da largura e definção de impressão de limites de estriado, entre o projéctil suspeito e os elementos relativos à arma […]».
Sendo que, de todo o modo, e como o próprio Acórdão Recorrido eloquentemente esclarece no trecho que já de seguida se vai transcrever, o decidido a propósito da identificação e utilização da arma C...... como instrumento do crime em nada colide com o resultado da "perícia pistola/projéctil":
─ «[…]
A arguida AA, apesar de algumas deambulações e hesitações na procura de uma versão que tivesse alguma credibilidade e não comprometesse o coarguido BB, acabou por fornecer outro dado muito relevante que também não pode deixar de corresponder à verdade: a arma utilizada para matar o CC foi a arma indicada na acusação, identificada, nomeadamente, nos factos provados 19, 20 e 31 como instrumento do crime, a qual era propriedade daquele arguido e foi encontrada na residência deste.
Se assim não fosse, não haveria qualquer justificação para aquela arguida sentir necessidade de "explicar" como a aludida arma saiu de casa do arguido BB sem o seu conhecimento, serviu para matar o CC e voltou a ser colocada no local original de onde havia sido retirada, sendo certo que, complementarmente, foi explicado pelo senhor perito na área de balística (Dr. RRR) que existia compatibilidade entre a aludida arma e o projétil retirado do crânio da vítima, apesar de o interior do respetivo cano ter sido danificado, química e mecanicamente, o que impediu o estabelecimento de uma correlação inequívoca de que tal aludido projétil foi disparado pela arma em causa, para além de ter sido encontrado na casa do arguido um outro projétil idêntico ao que causou a morte, apesar da extrema raridade de tal tipo de projétil.
Razão por que, contrariamente ao mencionado pela recorrente AA, a decisão recorrida não contraria o resultado da perícia à arma e munição encontrada no corpo da vítima, antes havendo compatibilidade entre ambas, face aos esclarecimentos do respectivo perito. […]».

Pelo que não pode o recurso da Recorrente deixar de improceder nesta parte.

73. Já com relação às mesmas perícias sustenta, como se disse, o Recorrente BB que o tribunal deveria ter desconsiderado o laudo de inconclusividade da "perícia pistola/projéctil" e concluído, isso sim, pela impossibilidade de o projéctil letal ter sido disparado pela pistola C......, isso pelo facto de o cano desta ter 6 estrias, como o demonstravam os seis cavados impressos nos sete projécteis disparados experimentalmente pelo LPC fotografados a fls. 4153 a 4164, que não, apenas, cinco estrias, como os cinco cavados impressos no projéctil examinado naquelas perícias atestavam.
E, daí, a necessária conclusão – afirma – de ter sido outra arma que não a pistola do Recorrente que efectuou o disparo que vitimou o CC e, daí, as, também, necessárias ilações a extrair em sede do juízo probatório no sentido de, pelo menos, excluir o Recorrente da prática dos factos.
Mas, diz-se já que, salvo, como sempre, o devido respeito, também esta objecção não pode proceder, isso pois que não existe incompatibilidade entre aquelas perícias e as citadas fotografias.
Na verdade:

Como a fundamentação de facto do Acórdão Recorrido dá conta, e a própria motivação de recurso do Recorrente BB pormenorizadamente confirma, as perícias realizadas no processo foram objecto de aprofundado escrutínio na audiência de julgamento, com prestação de alongados e detalhados esclarecimentos por parte dos peritos ao abrigo do art.º 158º e com a prestação de, igualmente alongados e detalhados, depoimentos de testemunhas com qualificações técnicas de nível superior nas áreas das ciência forenses e investigação, da criminologia e das metodologias de investigação criminal por ele arroladas.
Como foi o caso, com relação à "perícia projéctil" e à "perícia pistola/projéctil" dos peritos de balística do LPC RRR e VVV e das testemunhas UUU – licenciada e mestrada em Química, especializada em Ciências Forenses e Investigação – e SSS – docente universitário na disciplina de Criminologia e Metodologias da Investigação Criminal.
Ora, um dos esclarecimentos que o perito RRR prestou e que o próprio Recorrente transcreveu na sua motivação, foi que a referência que na "perícia projéctil" se faz à existência de cinco estrias no projéctil não foi resultado de um exame pericial, de um exame microscópico, mas sim de uma observação a olho nu e que serviu a simples finalidade de identificar no relatório o objecto da perícia.
E acrescentou que, no exame microscópico efectuado, aí sim, foram efectivamente identificadas seis estrias, estando a última delas encoberta pela "aba do cogumelo" provocada pelo impacto do projéctil no corpo da vítima – "aba", de resto, característica do efeito expansivo dos projécteis do tipo "hollow point", como era o caso do examinado – que para o efeito foi levantada.

Ora, acontece que ambos os esclarecimento se quadram com o teor dos relatórios, caucionando as suas conclusões: a referência ao projéctil e às suas cinco estrias, aparece, de facto, nos campos "MATERIAL PARA EXAME", perfeitamente destrinçável, v. g., dos "OBSERVAÇÕES E ENSAIOS REALIZADOS" – em que se descrevem, aí sim, os procedimento técnicos adoptados e as percepções periciais – e "CONCLUSÃO" – onde se enuncia o laudo propriamente dito; a própria descrição identificativa do projéctil no campo "MATERIAL PARA EXAME" – «Um (1) projétil, de calibre 7,65 mm Browning […], de tipo "hollow point", significativamente deformado (expondo inclusivamente o seu núcleo de chumbo), exibindo vestígios de oxidação e de aparente origem orgânica na sua superfície, com o peso aproximado de 4,43 g, sugerindo alguma perda de massa, apresentando claramente visíveis apenas cinco (5) estrias impressas, de sentido dextrogiro (das seis [6] que teria originalmente impressas) […]» [45] –, indicia, não só uma observação, apenas, macroscópica do objecto, como uma indicação consistente de que além das cinco visíveis a olho nu poderia, como se veio a confirmar, existir uma sexta estria encoberta.

E assim sendo, como é, fácil será ver que inexiste qualquer incompatibilidade entre as perícias e os registos fotográficos, nada por aí justificando que se infirmasse a conclusão da "perícia pistola/projéctil" de que, mesmo não sendo possível afirmar que aquele projéctil tinha sido disparado por aquela arma, também não era de excluir tal possibilidade em face das característica de compatibilidade que uma e outra apresentavam.

Razões por que, tenha o Recorrente aqui em vista a arguição do erro notório na apreciação da prova do art.º 410º n.º 2 al.ª c) – como, aparentemente, tem – ou de qualquer outra deficiência relativa à produção e avaliação da prova de que este STJ possa conhecer, facto é que sempre se tratará de objecção improcedente, por isso também não podendo ser atendido este fundamento recursório.

74. No que respeita à "perícia biológica" – que recorde-se, concluiu que o vestígio biológico recolhido na arma C...... identificava um só perfil de ADN, que, de seu lado, coincidia com o perfil identificado na amostra biológica colhida no cadáver da vítima –, suscitam os Recorrentes, para lá do que já se referiu em 69. e 70. e que já de seguida se examinará, uma série de objecções aos procedimentos de recolha, acondicionamento, manuseamento e transporte da pistola C......, do projéctil e do fragmento ósseo que com ele foi recolhido por ocasião da autópsia, que entendem relevar de negligência na preservação da cadeia da custódia da prova que, a seu ver, compromete a solvabilidade do laudo pericial.
Reeditam, no ponto, a discussão com que já tinham confrontado o Tribunal da Relação – ela, na motivação do recurso que interpôs; ele na resposta ao recurso do Ministério Público que apresentou –, e que igualmente, tinham suscitado na audiência de julgamento em 1ª instância, como tudo melhor se pode ver na fundamentação de facto dos acórdãos proferidos e nas próprias peças de recurso – principalmente, nas do Recorrente BB – que reproduzem os exaustivos esclarecimentos prestados nesse contexto pelos peritos do LPC e pelos investigadores da PJ, bem como os depoimentos das testemunhas UUU e SSS já referidas e TTT, licenciada em criminologia e pós-graduada em ciências forenses.
Aconteceu, todavia, que o Tribunal do Júri, na imediação e oralidade da produção da prova e no uso dos poderes de livre apreciação conferidos pelos art.º 127º, não considerou procedentes tais objecções, concluindo como segue:
─ «Consagrando o nosso processo penal um sistema de perícia oficial, estabelecendo como regra que "a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado" ( artº 152º nº 1 do CPP, e que incumbe à autoridade judiciária ordenar a sua realização e delimitar o seu objecto (artº 154º do CPP) e mesmo, quando o julgar conveniente, assistir à sua realização (artº 156º nº 2 do CPP), dúvidas não existem que apenas são investidos na função de peritos aqueles a quem , por força da lei e de despacho da autoridade judiciária, tenha sido atribuído tal estatuto.
De tais considerações resulta que a prova pericial atendível nos autos se reporta apenas à que foi produzida pelas entidades oficiais e, nessa qualidade, apreciada em audiência.
Assim, os depoimentos prestados sobre esta matéria pelas testemunhas arroladas, que apesar da sua formação técnica, não realizaram qualquer perícia nos autos, nem tiveram contacto com os objectos apreendidos e sujeitos a exame pericial, não foram considerados susceptíveis de abalar os juízos científicos das perícias realizadas, nomeadamente as referentes à presença de vestígios de ADN de CC na arma apreendida, que o tribunal considerou ter sido utilizada na prática dos crimes, após os vários esclarecimentos prestados em julgamento e que de forma clara explicita, descreveram os procedimentos, análises e exames efectuados, o que fizeram com rigor e de forma esclarecedora. 
Designadamente explicitando em que parte da arma apreendida fizeram a recolha de vestígios para determinação de perfil de ADN, que após a realização da respectiva análise foi identificado ADN de CC.
Foram igualmente esclarecedores, no que concerne aos procedimentos relativos à cadeia de custódia da prova, não se tendo constatado a quebra da mesma, sendo que relativamente à perícia da arma e perícia biológica para identificação do perfil de ADN, não se vislumbra qualquer irregularidade.
[…]».
E aconteceu ainda que, confrontado, como referido, o Tribunal da Relação com tais objecções não viu motivo para, nesses aspectos, censurar o que quer que fosse à 1ª instância, acolhendo nessa parte o decidido e confirmando nos pertinentes passos a decisão de facto.

Ora num quadro assim desenhado, já se vê que não pode este STJ conhecer dessas mesmas objecções, por relativas à fixação da matéria de facto – por isso que, em princípio, fora do perímetro cognitivo do direito definido no art.º 434º –  e por a crítica não relevar da violação de regras de direito probatório material ou, sequer, de erro-vício previsto no art.º 410º n.º 2 que pudesse ser oficiosamente conhecido, mormente, de erro notório na apreciação da prova.
Por isso que também por aqui improcedendo os recursos.

75. Mas  como antecipado, não é essa a única censura que os Recorrentes dirigem à "perícia biológica" e ao valor privilegiado da respectiva conclusão, questionando igualmente – e com especial ênfase – alguns dos factos em que ela assentou, mormente, a existência de vestígios biológicos, ou de vestígios biológicos examináveis, no interior do cano da arma onde a perícia diz terem sido recolhidos e, até, a sua efectiva recolha.
E sustenta, a propósito, o Recorrente BB que, contrariamente ao que consta do Relatório de Exame Pericial do LPC - Sector de Inspecção Judiciária/Local do Crime, constante de fls. 2314 a 2331 e elaborado pelos peritos WWW e XXX, estes não procederam a qualquer «recolha de eventuais vestígios biológicos – através de duas (2) zaragatoas de algodão ligeiramente humedecidas com água destilada – no punho da arma» C...... «e na zona interior do cano» por ocasião da busca efectuada à casa da sua residência em 26.9.2018 por inspectores da PJ e relatada a fls. 2314 a 2336, até porque – assevera – nenhum perito do LPC esteve presente no acto.
Ao que acrescenta que, em qualquer circunstância – no que é acompanhado pela Recorrente AA –, de acordo com as leis da experiência naturalística era impossível ou, pelo menos, altamente improvável que os vestígios biológicos da vítima se pudessem ter depositado no interior do cano arma em razão da força expulsiva dos gases explosivos propulsores do projéctil.
E sendo que, mesmo que tal tivesse acontecido, os vestígios teriam ficados imprestáveis para exame, por danificados, se não destruídos, ou pelas altíssimas temperaturas geradas pela deflagração – testemunhas houve que falaram em temperaturas da ordem dos 2 000 a 2 500 graus – ou pelos escorrimentos de oxidação que os peritos encontraram na alma do cano.

Como tudo o que respeitou às perícias, estes pontos foram objecto de exaustiva discussão em audiência de julgamento, com audição daqueles e de outros peritos do LPC, dos inspectores da PJ e das testemunhas/consultores indicados pela defesa, como, por mais uma vez, a fundamentação de facto do acórdão de 1ª instância dá nota e do que, por mais uma vez também, as peças de recurso do Recorrente BB fazem alargado relato.
Discussão essa em que os peritos WWW e XXX esclareceram, de molde a não terem deixado dúvidas nem ao Tribunal do Júri nem, depois, ao Tribunal da Relação, que nada objectaram a tal propósito, que estiveram presentes na busca – o que, aliás, foi corroborado pelos inspectores da PJ que intervieram nessa diligência –, que procederam efectivamente à recolha, por zaragatoa, dos vestígios biológicos na pistola C...... – embora não na casa da residência do Recorrente, mas no laboratório do LPC –, que tal recolha foi feita no cano da arma, mas não no interior dele que, aliás, é designado por alma; e que a recolha foi feita nessa parte da arma – isto é no cano, no troço recoberto pelo corrediça – por na alma ter sido detectada oxidação/corrosão, como tudo melhor resulta dos seguintes passos da fundamentação de facto do acórdão de 1ª instância:
─ «WWW Especialista do LPC, Sector Local de Crime. Esclareceu os locais onde efectuou pesquisas de vestígios e as técnicas utilizadas. […].
Em declarações complementares, o perito esclareceu que na pesquisa feita à arma de calibre 7,65 mm, foi feita mediante uma zaragatoa, foi feita no cano da arma, mas não no seu interior. Esclareceu que a parte interior do cano da arma se denomina – Alma do cano – e a parte exterior denomina-se genericamente por cano. A opção por recolher os vestígios de ADN na parte exterior do cano, que fica exposto quando a arma dispara, resultou por ter sido detectada alguma corrosão na parte inicial do cano da arma.
Esclareceu também que a zaragatoa foi realizada no laboratório da secção local de crime, que se situa fisicamente em outro edifício distinto do laboratório de Biologia.». 
 «XXX, Especialista do LPC, Sector Local de Crime. Interveio na recolha de vestígios nas buscas que decorreram na casa do arguido e na casa de ..........
Referiu que procedeu à recolha da arma que foi encontrada na casa do arguido. […]. Referiu que o vestígio encontrado na arma foi recolhido através de uma zaragatoa, que foi enviada para o laboratório de Biologia e a arma seguiu para o laboratório de balística. Esclareceu que efectuaram duas zaragatoas, uma ao cano da arma e outra ao punho
[…].
Esclareceu ainda o tribunal relativamente ao equipamento e técnicas utilizadas na recolha dos vestígios encontrados.».

Ora, os esclarecimento assim prestados e relatados, retiram qualquer base de sustentação às objecções do Recorrentes, que, como acaba de se ver, não só se procedeu à efectiva recolha dos vestígios na pistola, como em nada contraria as regras da experiência naturalística que eles se tivessem projectado para a zona do cano – não para a alma dele – onde foram recolhidos e que, por isso, aí se encontrassem adequadamente preservados por não sujeitos à acção danificadora ou destruidora das elevadas temperaturas produzidas no interior da arma – culatra e alma – ou da ferrugem que o recobria.  
E esclarecimentos que, assim, afastam qualquer ideia de invalidade ou inoperatividade da prova pericial e, consequentemente, da existência do erro notório na apreciação da prova relativamente à fixação de qualquer facto para que, em última razão, os Recorrentes apontam.

76. Com potencial conexão, ainda, com as questões relativas à prova pericial produzida, fala a Recorrente AA na conclusão 5ª al.ª d) da motivação em violação da cadeia da custódia de elementos probatórios recolhidos no que designa por quatro inspecções judiciárias realizadas às casa da sua residência, que – diz –  podem ter comprometido a credibilidade dos juízos periciais emitidos e, por via desta, a correcção da fixação dos factos. E acusa, mesmo, o Acórdão Recorrido de omissão de pronúncia por não se ter debruçado sobre tal questão.
Admitindo-se que quando fala em inspecções judiciárias se esteja a referir às buscas, com apreensões, que foram efectuadas na casa da sua residência – porém, em número de cinco, como se vê de fls. 119 e v.º (20.7.2018), 1184 a 1186 (26.9.2018), 1716 (9.10.2018), 1985 a 1986 (30.10.2018) e 2418 a 2419 (22.11.2018) – sucede, no entanto, que a Recorrente pouco mais do que enuncia a questão, ficando-se por afirmações de carácter genérico, que nem permitem identificar com segurança as perícias que podem ter ficado comprometidas, nem as concretas acções ou omissões de custódia da prova que podem ter provocado a sua quebra.
O que, naturalmente impede que se sindique neste recurso a existência dessas quebras e a medida em que, por relevarem da violação de regras da sua produção ou valoração, possam ter comprometido a autoridade dos laudos periciais e até se, sim ou não, o Acórdão Recorrido tinha, que se pronunciar sobre o ponto.
Motivos por que, igualmente, improcede este fundamento do recurso.

77. Em jeito de remate neste capítulo relativo às perícias e presentes todos os considerandos, diz-se que, examinadas as várias questões a propósito suscitadas pelos arguidos, não se vê em que medida as conclusões probatórias que o Acórdão Recorrido firmou evidenciem violação de prova vinculada ou das regras de experiência comum e, desse modo, vício de direito  que aqui possa ser conhecido.
Bem pelo contrário, as conclusões a que chegaram ambas as instâncias – que, nesta parte, são coincidentes –, não oferecem qualquer dúvida ao nível da sua razoabilidade, acerto ou lógica.
Sendo que, por isso, nem sequer se pode equacionar o vício de erro notório na apreciação da prova, como ambos os arguidos sugerem que seja conhecido oficiosamente.
Motivos por que – reafirma-se – os recursos improcedem nesta parte.

(b). Recolha da listagem de contactos telefónicos
78. Em 3.8.2018 a, ao tempo, procuradora adjunta do DIAP de ............ titular do inquérito que deu origem aos presente processo comum colectivo, lavrou a seguinte promoção:
─ «Investiga-se nos autos o desaparecimento de CC, ocorrido no dia 16 de Julho de 2018.
Importa prosseguir a investigação, nomeadamente através de diligências que possam permitir "refazer os passos" de sua esposa, AA, durante o mês de Julho e até ao dia da realização da pesquisa.
Neste enquadramento, requer-se à Mma. Juíza de Instrução Criminal que dispense a operadora de comunicações Vodafone do sigilo das comunicações, no sentido de fornecer aos autos as listagens, em suporte digital, desde o dia 1 de Julho de 2018 até à data da pesquisa, das comunicações telefónicas efectuadas e recebidas, incluindo chamadas, mensagens, tentativas de chamada, chamadas falhadas, com a respectiva localização celular, eventos de rede e Location Up Date, do número de telemóvel 9.......9, de CC, e do número 9........6, de AA, conforme consta de fls. 11 dos autos.
[…].»
Sobre tal acto recaiu em 6.8.2018, despacho da juíza de instrução de ............, com o seguinte teor:
─ «Tendo em conta o objetivo visado, o ponto em que se encontra investigação em curso e a necessidade da diligência pretendida para o fim visado de realização de justiça, entendo justificada a compressão de direitos fundamentais que a mesma encerra por forma a, como dito, "refazer os passos" de CC e de sua esposa, AA, durante o mês de Julho e até ao dia da realização da pesquisa.
Em face do exposto, dispenso a operadora de telecomunicações Vodafone do sigilo das comunicações, por forma a que forneça aos autos as listagens, em suporte digital, desde o dia 1 de Julho de 2018 até à data da pesquisa, das comunicações telefónicas efectuadas e recebidas, incluindo chamadas, mensagens, tentativas de chamada, chamadas falhadas, com a respectiva localização celular, eventos de rede e Locafion Up Date, do número de telemóvel 9.......9, de CC, e do número 9........6, de AA, conforme consta de fIs. 11 dos autos.
[…]».

No seguimento deste despacho, constante de fls. 258, facultou  a operadora a listagem de registos das comunicações efectuadas de e para o telemóvel da Recorrente AA no período de 1.7 a 24.8.2017 ora constante de fls. 27 e ss. do Apenso I que, conforme relatório de análise da PJ de 31.8.2018 – fls. 440 a 443 – revelou a existência de 931 contactos com o telemóvel n.º 9.......1 de que era utilizador o Recorrente BB, dos quais 52 nos dias 15 e 16.7.2018, véspera e dia que viria a apurar-se ter sido o do homicídio do CC.
Localizado em 24.8.2018 o cadáver deste com sinais indicativos de ter sido assassinado e adensando-se a suspeitas de intervenção da Recorrente AA no acto homicida, promoveu em 5.9.2018 – fls. 543 a 559 –, a procuradora da República que, no entretanto, assumiu a direcção do inquérito, à juíza de instrução que, entre o mais, ordenasse à operadora Meo/ Altice que facultasse a listagem de contactos de e para o telemóvel do Recorrente BB, a partir de 1.6.2018 e até à data da realização das pesquisa, tudo com apoio  nas normas dos art.os 1º, 2º, 3º n.os 1 e 2, 4º a 7º e 9º n.º s 1, 2 e 3 al.as a), b) e c) da Lei n.º 32/2009, de 17.7, 131º e 132º n.os 1 e 2 al.ª b) do CP e 1º al.as l) e j do CPP. 
Promoção essa que foi deferida nos seu precisos termos por despacho da magistrada judicial de 6.9.2018 – fls. 562 a 578 –, seguindo-se, depois, os aturados termos da investigação que os autos documentam, com a realização de variadas, e numerosas, diligências de prova, entre elas, intercepções de comunicações telefónicas de e para os telemóveis dos Recorrentes, localizações celulares,  buscas domiciliárias e noutros lugares e perícias de natureza vária.

Ora, o Recorrente BB questiona neste recurso  – conclusões u) a x) e dddd) da motivação –, precisamente, a legalidade do despacho de 6.8.2018  e a validade e utilizabilidade, como meio de prova, das listagens de comunicações através dele obtido, que considera prova proibida nos termos do art.º 126º n.º 3, por efectuada relativamente a pessoa que, à data em que foi ordenada, não era suspeita da prática de crime muito menos tinha sido constituída arguida, por isso que em infracção ao disposto no art.º 187º n.º 4 al.ª a), aplicável aos «registos da realização de conversações ou comunicações» por remissão do art.º 189º n.os 1 e 2.
   
Veja-se, então, se as coisas são como as diz o Recorrente e com que consequências.    
 
79. Os art.os 187º a 190º tratam das, denominadas, escutas telefónicas e de (outros) meios de obtenção de prova similares, como os relativos a conversações ou comunicações transmitidas por meio técnico diferente do telefone – art.º 189º n.º 1 –, a dados de localização celular e a registos da realização de conversações ou comunicações – art.º 189º n.º 2.

Cuidando das escutas stricto sensu, estabelece o art.º 187º n.º 1 que «A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público», e quanto a um conjunto de crimes que enumera taxativamente – os chamados crimes de catálogo –, entre eles – al.ª a) – os «Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos».
E, além de outros requisitos constantes daquele n.º 1 e do n.º 2, prescreve o n.º 4 da mesma norma que «A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra», entre outros, – al.ª a) – «Suspeito ou arguido».
Nos termos do art.º 190º a inobservância das exigência do art.º 187º – entre elas, naturalmente, a de que o escutando tenha a qualidade de suspeito – é causa de nulidade da prova obtida.
E nulidade no sentido, e com as consequências, da proibição de prova prevista no art.º 126º n.º 3, é dizer, com a interdição da sua utilização na formação da convicção probatória, como, tudo, é entendimento, pelo menos, predominante na jurisprudência deste Supremo Tribunal [46] e na doutrina [47].
De seu lado,  o art.º 189º n.º 2, estende este regime das escutas, à obtenção dos registos da realização de conversações ou comunicações telefónicas, referidos e regulamentados na Lei n.º 32/2008, de 17.7.

Acresce que:

Na definição do art.º 1ª al.ª e), «"Suspeito"» é «toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar».
A distinção entre arguido e suspeito  «reside nas distintas consequência jurídicas do estatuto processual da cada um deles, mas […] o quid fáctico, das duas figuras é o mesmo. […]. O suspeito é um arguido que ainda não foi reconhecido como tal […]»» [48].
Não obstante a proximidade das figuras, a consistência dos indícios própria do estatuto de arguido e de suspeito é diferenciada: para aquele exige-se – art.º 58º n.º 1 al.ª a) – a «suspeita fundada da prática de crime»; o que podendo ser menos do que a indiciação suficiente que autoriza a acusação e a pronúncia – art.os 283º n.os 1 e 2 e 308º n.os 1 e 2 –, seguramente que é mais do que o indício  com que se basta o suspeito.
Indício é a razão que sustenta e revela uma convicção sobre a probabilidade, mesmo mínima, de verificação de um facto e é construído sobre «uma máxima de experiência ou numa lei científica» [49].
«A lei muito significativamente só exige a existência de "indício", no singular (art.º 1º al.ª e), para a formulação do juízo de suspeita, do que resulta que, para este juízo não é sequer necessária a convergência de indícios. A suspeita não ter de ser premente […] nem mesmo suficiente […], mas o acto formal da dedução de uma queixa não fundamenta, por si só, uma suspeita […]» [50].
E «não devem ser confundidas a questão dos graus de convicção exigíveis pela lei e a questão da suficiência da fundamentação dessa convicção» [51].

80. Volvendo ao mais concreto, tem-se que, ao tempo em que foram proferidos o despacho de 6.8.2018 e a promoção de 3.8.2018 que o precedeu, o estádio do esclarecimento dos factos sob investigação era o retratado na informação de serviço de 2.8.2018 subscrita pelo inspectora da PJ, – depois, testemunha – JJ [52] e no despacho da mesma data do Coordenador de Investigação Criminal, HH – (também) depois testemunha [53] –, em que se dava conta das diligências de averiguação já efectuadas e de que ainda «não se encontra[vam] bem definidas as circunstâncias em que o desaparecimento de CC» tinha ocorrido, sem que, porém, a investigação pudesse descartar a hipótese de ter tido «origem criminosa» [54], aventando-se, mesmo, a possibilidade da prática de crimes de sequestro e, ou, de homicídio [55].
Sugerindo, na oportunidade, aqueles agentes policiais à magistrada do Ministério Público titular do inquérito que, além de informações bancárias sobre a situação patrimonial do casal AA e CC, providenciasse pela requisição à operadora telefónica Vodafone «as listagens, em suporte digital, desde o dia 1 de Julho de 2018 e até a data de realização da pesquisa, das comunicações telefónicas efectuadas e recebidas, incluindo chamadas, mensagens, tentativas de chamada e chamadas falhadas , com a respectiva localização celular, eventos de rede e Location Up Date, do número de telemóvel 9.......9 de CC, e do número 9........6 de AA […]».
E tudo assim – justificaram – «com o objetivo de padronizar comportamentos, comunicações e localizações de […] CC e de sua esposa […] AA, cuja hipótese de intervenção do desaparecimento não pode ser descurada» [56].
Sendo que foi no acolhimento dessa sugestão que a procuradora adjunta que, ao tempo, dirigia o inquérito lavrou a promoção de 3.8.2018, depois deferida pelo despacho de 6.3.2018 e a que, tudo, se seguiu a disponibilização das listagens pretendidas.

Ora, já se verá por tudo o que precede, que as objecções do Recorrente BB não têm sustentação: para lá de satisfeitos os demais requisitos substanciais exigidos pelo art.º 187º n.º 1 que nem o Recorrente questiona – designadamente, o de se estar perante crimes de catálogo, que tanto o homicídio, ainda que simples do art.º 131º do CP, como o de sequestro, necessariamente o agravado do art.º 158º n.os 1 e 2 al.ª a) do CP por o desaparecimento já perdurar há (muito) mais do que dois dias, são punidos com máximos de prisão (muito) superior a três anos [57] –, as circunstâncias do caso apontavam, na verdade, a Recorrente AA como suspeita da prática daqueles ilícitos na acepção dos art.os 1º al.ª e), 187º n.º 4 al.ª a) e 189º n.º 2, que sobre ela recaía o indício da máxima da experiência das leges artis da investigação criminal para que a Inspectora JJ bem chamou a atenção, de que, em situações com os contornos da dos autos, o cônjuge vítima é sempre um dos possíveis autores do(s) facto(s) criminoso(s).
O que já se vê, retira fundamento à arguição, por nada contender nem com a legalidade e validade da prova assim obtida, nem existir qualquer proibição de prova que obste a sua utilização, por isso que não havendo qualquer fundamento para questionar a matéria de facto fixada.

E tendo, por tudo e também por aqui, o recurso do arguido BB de improceder.

(c). Da violação dos art.os 355.º, 150.º n.os 1 e 2, 171.º, 173.º e 249.º n.os 1 e 2, al. b), todos do CPP e da sua inconstitucionalidade.
81. Na conclusão cccc) da motivação, aponta o Recorrente BB «violação, pelo acordão “a quo”, das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras de experiência comum, valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 355º, 150º, n.º 1 e 3, 171º, n.º 2, 173º, 249º, n.º 1 e 2, alínea b) todos do C.P.P. na interpretação normativa infra descrita».
Tirando as questões relativas ao art.º 150º pelo que já de seguida se dirá, não é, salvo o devido respeito, facilmente perceptível o sentido das arguições: se a questão da violação das regras sobre a prova vinculada e das regras da experiência comum ainda se pode entender como (mais) uma manifestação do tom geral da sua inconformação com o sentido da decisão de facto, já se tem maior dificuldade em alcançar o significado da referência à inconstitucionalidade dos art.os 355º [58] – que proíbe que na formação da convicção probatória o tribunal se valha de provas que não tenham sido produzidas e examinadas em audiência –, 171º e 173º – que tratam dos pressupostos e de formalidades, em geral, dos meios de obtenção de prova exames – e 249º n.os 1 e 2 al.ª b) – que se ocupam das providências cautelares de aquisição e conservação da prova por órgão de polícia criminal –, até porque, apesar de o ter anunciado [59], nenhuma dimensão normativa deles constitucionalmente censurável o Recorrente acabou por indicar.

Razões por que, por referência aos mencionados preceitos desde já se consigna que se tem por improcedente a arguição, quer por falta daquela indicação quer – e decisivamente – por se não ver no que a interpretação e aplicação deles pelo Acórdão Recorrido possa relevar de inconstitucionalidade.
E, do mesmo modo, também se descarta a ideia de uma qualquer violação do comando do art.º 355º do CPP – e, consequentemente, de uma qualquer ideia de valoração de prova proibida que o Recorrente possa ter em mente [60] –, que como resulta da fundamentação de facto do Acórdão Recorrido, apenas as provas produzidas e examinadas em audiência foram relevantes para a fixação da matéria de facto.

Isto dito, e passando à prova por reconstituição:

82. Entre fls. 703 e 706 da motivação tece o Recorrente várias considerações acerca da diligência de reconstituição autuada a fls. 2892 a 2905, executada por inspectores da Polícia Judiciária.
No fundamental, diz que o seu objecto era apurar as circunstâncias em que a Recorrente AA retirara e (re)colocara a pistola da marca C...... da e na casa da residência dele, mas que tal objecto foi alargado no ponto em que, ali perguntada, esclareceu «não possuir qualquer conhecimento de manuseamento de armas, pelo que não sabe proceder aos seu municiamento de modo a que fique pronta a disparar».
E assim sem que em momento algum tenha sido «confrontada com a reconstituição de manusear ou de municiar a arma de fogo».
E sem que ao Recorrente tenha sido dado conhecimento do alargamento do objecto da diligência.

Considerando, por tudo, ser caso de proibição de prova, sustenta que a reconstituição não devia ter sido valorada pelo Acórdão Recorrido.
Sendo que, ao ter concluído pela sua validade e utilizabilidade, interpretou o art.º 150º em violação do princípio da plenitude das garantias de defesa consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP, na medida em que prejudicou o exercício do contraditório enquanto expressão processual do princípios da igualdade, bem como do princípio da imediação da prova em audiência, do princípio do estado de Direito Democrático, do princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos, do princípio da prevalência da lei e do princípio das garantias processuais e procedimentos ou do processo justo e equitativo, tudo, conforme o estatuído nos art.os 2º, 13º, 16º, 18º, 20º e 32º n.º 5 da CRP.

Veja-se.


83. Nos termos do art.º 150º, a reconstituição é admissível «quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma» e «consiste na reprodução, tão fiel quanto possível das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo».

«[…] Contrariamente à generalidade dos demais meios de prova, a reconstituição não tem por finalidade imediata, pelo menos em regra, a comprovação de um facto histórico, antes verificar se um determinado facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e na forma em que terá sido executado. Trata-se de um meio de prova através do qual se controla experimentalmente a veracidade de uma determinada hipótese factual, relevante para o processo, cuja possibilidade ou modo de ocorrência se pretende confirmar ou excluir. Numa formulação mais simplista, dir-se-ia que se trata de um modo de testar uma dada hipótese factual e se os seus resultados corroborarem o sentido da investigação de acordo com as provas e indícios até então obtidos tal não significa que o facto aconteceu efectivamente dessa forma, tão-somente que a hipótese em causa é plausível, verosímil. A reconstituição tem, pois, natureza experimental, de confirmação ou infirmação de determinadas hipóteses factuais sendo a sua finalidade testar, pôr à prova, o que se diz ou pensa ter ocorrido. […]» [61].

Dada a sua configuração e natureza, a reconstituição é uma diligência em que, por regra, participam pessoas envolvidas na produção de outros meios de prova – v. g., declarantes, neste incluídos os arguidos, depoentes e peritos –, autonomizando-se, no entanto, essa participação das intervenções naqueles outros actos.

E, não obstante as informações e declarações prestadas por tais participantes possam ter determinado os seus termos e resultado, a reconstituição do facto, uma vez realizada com respeito pelos pressupostos e procedimentos devidos, autonomiza-se dos contributos individuais de quem nela interveio

O que, no caso de participante que seja arguido, implica que os seus contributos não se confundam com a prova por declarações, por isso que não estão sujeitos, designadamente, ao regime dos art.º 357º ou 356º n.º 7 [62].

Ponto sendo, porém, que só sejam valorados como provas os depoimentos das testemunhas sobre o que observaram e não sobre as revelações feitas durante a realização dessas diligências.

A prova por reconstituição é apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do art.º 127º.

Referenciada à questão de facto, a sua valoração escapa em regra ao controlo do STJ.

Estando, todavia, em jogo, a sua fiscalização na perspectiva de utilização de método proibido de prova, é questão de direito para que aquele tribunal é competente [63].


84. Volvendo ao mais concreto, tem-se então que, sob alegação de se tratar de prova proibida, vem Recorrente BB contestar a valoração que o Acórdão Recorrido fez da prova por reconstituição referida, questionando a fixação dos factos em que se fundou o juízo condenatório pelos crimes de homicídio e de profanação de cadáver.

Afirmando, como se disse, que a validade da reconstituição ficou comprometida, por um lado, com a ampliação do seu objecto e, por outro, com o facto de não lhe ter sido dado conhecimento dessa ampliação.

Mas, salvo o devido respeito, não tem razão.


85. Começando pela questão do conhecimento do, suposto, alargamento do objecto da diligência há que ter em conta, em primeiro lugar, que o Recorrente BB esteve representado no acto pelo seu defensor, que, em seu nome, pôde exercer todos os direitos processuais de defesa que lhe pudessem assistir, mas sem que, ali ou posteriormente, algo tivesse objectado ou requerido.
Sendo que, de qualquer modo, não exigindo o art.º 150º, nem qualquer outra disposição legal, a presença dele no acto sob cominação de nulidade, absoluta ou relativa – art.os 118º a 120º –, sempre qualquer invalidade que pudesse decorrer da sua ausência não constituiria mais do que simples irregularidade, de há muito sanada nos termos dos art.º 123º n.º 3. 

Mas acontece  que, contrariamente ao sustentado no recurso, não se vislumbra nulidade ou proibição prova, porque não se descortina aquilo que o Recorrente considera ser a ampliação do objecto da reconstituição, revelada, como já se disse, no esclarecimento prestado pela Recorrente AA de «não possuir qualquer conhecimento de manuseamento de armas, pelos que não sabe proceder aos seu municiamento de modo a que fique pronta a disparar».

Esclarecimento que, relativo à arma que ali estava em jogo, ainda se insere no cenário factual hipotético cuja plausibilidade e verosimilhança se aferia e, portanto, no objecto da diligência.

E esclarecimento que, aliás, já ao tempo não constituía qualquer novidade para a investigação, que isso mesmo já a Recorrente afirmara no primeiro interrogatório judicial, em 28.9.2018, como, designadamente, consta do despacho de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, a fls. 1547 a 1548.

  
Sendo, assim e como se disse, aquele auto um elemento probatório autónomo, nada obstava à sua valoração no Acórdão Recorrido, em conjunto com os demais meios de prova, nos termos do art.º 355º n.º 2 e segundo as regras da experiência comum e da livre convicção do tribunal.
Mesmo que tenha sido, como foi, presidido por órgão de polícia criminal e que a Recorrente AA não tenha requerido, como não requereu, a sua reprodução ou leitura – cfr. art.º 357º n.º 1 al.ª a).
Que – repete-se –, os esclarecimentos por ela prestados no decurso da diligência, – designadamente, no que se refere ao conhecimento sobre o manuseamento de armas –, não constituem prova por declarações, e, nessa medida, podem e devem ser valorados enquanto parte integrante daquela reconstituição, porque são contributos que, conjuntamente com os esclarecimentos dos demais intervenientes, se destinam a esclarecer o próprio acto de prova, nele se assimilando.

E por isso que inexistindo proibição de prova  na acepção do art.º 355º.

E improcedendo o recurso nesta parte.

86. E já se verá que, não tendo havido ampliação do objecto da reconstituição e assegurado que sempre esteve o contraditório, que o auto de reconstituição (sempre) esteve nos autos desde o inquérito ao livre acesso de todos os sujeitos processuais e, portanto, também ao alcance da defesa do Recorrente, caem pela base as acusações de inconstitucionalidade que o Recorrente dirige à aplicação que se fez in casu da norma do art.º 150º, relevando aquela prova como um dos elementos em que se apoiou a convicção probatória do Acórdão Recorrido.
Inexistindo, assim, ofensa a qualquer uma das normas e princípios constitucionais aponta  que enuncia, muito particularmente, aos da plenitude das garantias defesa – art.º 32º n.º 1 – e do contraditório – art.º 32º n.º 5 da CRP.
E improcedendo, por tudo, o recurso nesta parte.

(d). Da análise dos dados de tráfego de chamadas e metadados.
87. Nas conclusões nnn) a www) da motivação, o Recorrente BB impugna, ainda, o juízo de valor efectuado pelo Acórdão Recorrido sobre os dados de tráfego de chamadas e metadados documentados nos apensos II – dados de tráfego de chamadas do telemóvel n.º 9.......1 de que era utilizador no período de 1.6.2018 a 26.9.2018 – e V – dados de tráfego de chamadas, de mensagens e de GPRS (internet) do mesmo telemóvel.
Afirma que  foram incorrectamente apreciados, isso pois que – alega – deles se extraíram presunções erradas, ou, pelo menos, não sustentadas em qualquer prova, sobre o local onde esteve no intervalo em que se disse terem ocorrido os episódios de homicídio e de profanação de cadáver, e que foi na casa da sua residência e na companhia dos seus filhos e não na casa da residência da Recorrente AA e no local onde veio a ser encontrado o cadáver e respectivo trajecto de ida e volta.
E daí que, também com este fundamento, queira que, no reconhecimento do erro, se revoguem os passos do Acórdão Recorrido que o dão com co-interveniente na prática daqueles actos criminosos, decretando-se a sua absolvição nessa parte.

Veja-se.   

88. A recolha dos dados de tráfego e de localização celular ora em causa está regulada no art.º 189º n.º 2 e na Lei n.º 32/2008, remetendo o primeiro para o regime das escutas – no caso para os n.os 1 e 4 do art.º 189º –, como tudo já melhor referido em 80. supra cujos termos aqui se recordam.
E, como ali sublinhado, a inobservância de requisitos como os referidos nos n.os 1 e 4 do art.º 187º acarreta a nulidade das provas  nos termos do art.º 190º, no sentido, e com as consequências, da proibição de prova prevista no art.º 126º n.º 3, é dizer, com a interdição da sua utilização na formação da convicção probatória.
Proibição de prova que, típica questão de direito, pode ser sindicada em recurso pelo STJ.

Não é esse, porém, o plano em que o Recorrente põe as coisas no presente recurso, que não invoca violação de regras para a obtenção daqueles dados ou a ilegalidade do procedimento da sua produção. Põe em causa, isso sim, a decisão de facto firmada por assente em erro de julgamento daquelas provas.
Ora, como se sabe, esse é vício da decisão que escapa ao controlo do STJ, que, nos termos do art.º 434º, apenas detém poderes de revista: «O Supremo Tribunal de Justiça, funciona como tribunal de revista. Não cabe no conceito de revista a impugnação de pontos da matéria de facto que hajam sido adquiridos pelas instâncias, a menos que essa impugnação se reporte a violação de regras de direito probatório material. […] Assim como a lei exige para comprovação de determinados factos um determinado tipo de prova (por exemplo, documental) também exige que para a obtenção de determinados factos, mediante meios probatórios específicos, por exemplo através de intercepções nos meios de comunicação telefónicos ou de outra natureza, sejam observados trâmites e procedimentos balizadores da intervenção das autoridades na vida privada e pessoal dos sujeitos a um procedimento, sem que o que essa obtenção se torna inválida. Só a violação de regras e procedimentos legalmente estabelecidos para a produção de determinado tipo de prova permite a intervenção/sindicância do Supremo Tribunal de Justiça, dado tratar-se de matéria de direito a que se mostra afecta a respectiva competência orgânico-funcional.» [64]

Insiste-se:
Das conclusões formuladas pelo Recorrente a este propósito não mais se retira do que as razões da sua divergência relativamente ao juízo valorativo sobre aquelas provas efectuado no Acórdão Recorrido.
Criticando a convicção que sobre elas formou no uso dos poderes de livre apreciação conferidos pelo art.º 127º e contrapondo à do tribunal a sua própria convicção.
Ou seja, a alegação consubstancia, nesta parte, mera impugnação da decisão da matéria de facto por erro na apreciação da prova.
O que cai fora da perímetro de cognição do STJ.

E implica a rejeição do recurso, por manifesta improcedência.

Até porque a competência limitada do STJ ao reexame da matéria de direito não sofre qualquer ampliação nos casos de reversão de uma decisão absolutória da 1.ª instância para condenação em prisão efectiva pelo Tribunal da Relação, por se considerar que a (re)apreciação de direito nos seu vários matizes – inclusivamente, nos que respeitam ao controlo da aplicação das normas de direito probatório material – e o conhecimento oficioso dos erros-vício previstos no art.º 410º n.º 2 – que já se viu em momento anterior não existirem – e das nulidades absolutas ou insanáveis nos termos do art.º 410º n.º 3 – que nenhuma, igualmente, se descortina – acautelam suficientemente as garantias de defesa do arguido no terceiro grau de jurisdição.


89. Em face do exposto, vai o recurso rejeitado, nesta parte, por manifesta improcedência, nos termos dos art.os 420º n.º 1 al.ª a).

(e). Violação do princípio in dubio pro reo, na vertente que consubstancia matéria de direito.
90. A Recorrente AA refere-se à violação do princípio do in dubio pro reo na conclusão 7ª do recurso, nos seguintes termos:
─ «Violação do princípio in dúbio pro reu na vertente que consubstancia matéria de direito.
Do exposto supra, resulta que, não fora os sucessivos erros notórios na apreciação da prova e o erro notório que a decisão recorrida, globalmente, representa;
E não fora a violação das regras sobre «prova vinculada» em que reiteradamente incorreu o acórdão recorrido;
E a referida violação das regras sobre a prova, nomeadamente e sobretudo a violação das regras da experiência comum;
E tivesse o acórdão recorrido conhecido das partes elencadas no presente recurso que devia ter apreciado e não apreciou,

Com toda a certeza que o Tribunal recorrido teria chegado à conclusão de que, os vestígios recolhidos, os indícios confirmados, a prova obtida e a forma como se obteve a mesma, tem como consequência  um imenso estado de dúvida que impunha, como impõe, a ABSOLVIÇÃO da arguida, ou, como vem pugnando ab initio a equipa de defesa da recorrente, O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO, RELATIVAMENTE À TOTALIDADE DO OBJECTO DO PROCESSO, NOS TERMOS DOS ART.º 426 N.º 1 E N.º 2, SEM PREJUÍZO DO DISPOSTO NO ART.º 426-A, AMBOS DO C.P.P.
O acórdão recorrido violou, assim, o princípio do «in dubio pro reo».

Nessa medida, porque ressalta evidente do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que o tribunal «a quo» só não reconheceu aquele estado de dúvida em virtude do erro notório na apreciação da prova – do conhecimento oficioso deste STJ – e das demais deficiências supra descritas, este STJ pode e deve sindicar a apreciação do princípio do "in dubio pro reo"».

O Recorrente BB dedica-lhe duas das 164 conclusões, com o seguinte teor:
─ «Pelo supra exposto a interpretação do Tribunal da Relação de ........., ao ter realizado um “segundo” julgamento, alterando a matéria de facto dada como não provada para provada e, consequentemente, condenando o arguido pela alegada prática de um crime de homicídio qualificado e de um crime de profanação de cadáver, constituiu […] uma clara e irreparável violação do princípio “In dubio pro reo”, na vertente que consubstancia matéria de direito» – conclusão gggg).
─ «Em consequência deverão considerar-se provados apenas os factos que o Tribunal do Júri como tal considerara, declarando-se como não provados todos os factos que o tribunal da relação, na decisão recorrida, considerou como provados em clara oposição ao princípio “In dubio pro reo” e em oposição ao que fora decidido na primeira instância.» – conclusão hhhh).
E refere-se-lhe no corpo da motivação no seguinte contexto:
─ «De acordo com as regras de experiência comum – a que o acórdão recorrido tanto refere – é aceitável admitir que hipoteticamente alguém com tanta experiência e premeditação para preparar um crime desta natureza o iria fazer com a arma de fogo que estava registada em seu nome?
E após o crime não se desfazia imediatamente da arma?
E ao invés depois de alegadamente ter usado a arma a iria colocar em casa, sabendo que as autoridades podiam ir apreendê-la e fazer os testes para comprovar que havia sido a arma do crime?
É óbvio que não. O homem médio, as regras de experiência comum dizem-nos que alguém colocado nesta probabilidade jamais iria praticar um homicídio com a arma de fogo que estava registada em seu nome e, muito menos, a guardaria em casa à espera da chegada das autoridades.

E isto o acórdão recorrido não quis analisar e não analisou.

Se o tivesse feito, em vez de o ter omitido - como sucedeu a tantas outras questões como infra se verá, o acórdão recorrido não teria decidido como decidiu e, bem pelo contrário  teria chegado à mesma conclusão a que chegou o acórdão do Tribunal do Júri: forçosa e imperativa aplicação do princípio “in dubio pro reo”.».

Veja-se.


91. O princípio in dubio pro reo é um princípio fundamental do processo penal, com aplicação exclusiva no domínio probatório e, por isso, circunscrito à matéria de facto.
Decorre do princípio constitucional da presunção da inocência consagrado no art.º 32.º n.º 2 da CRP – «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa» –, também com assento na DUDH  – art.º 11.º – e na CEDH – art.º 6.º.
Sendo um corolário daquele outro, o princípio in dubio pro reo está especificamente ligado à apreciação da prova e à formação da convicção do julgador, estabelecendo que a dúvida insanável sobre os factos – o non liquet – deverá ser sempre valorada em favor do arguido.
Pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório [65].
Constitui um limite normativo à convicção probatória, designadamente, ao princípio da livre apreciação da prova – art.º 127.º –, impondo orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos.
E pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório [66].

92. Respeitando à apreciação e valoração da prova, à questão de facto, o uso do princípio in dubio pro reo pode, ainda assim, ser sindicado pelo STJ.
Porém nos estreitos limites em que a natureza de tribunal de revista o consente, isto é, em termos análogos aos erros-vícios da decisão de facto previstos na art.º 410º n.º 2.
Havendo, desse modo, a sua violação de se evidenciar no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum.
E só se verificando quando, a partir da motivação da convicção probatória, se concluir que, tendo o tribunal ficado num estado de dúvida razoável acerca da comprovação dos factos, ainda assim decidiu em desfavor do arguido.
Sendo que assim encarado, o princípio in dubio pro reo é uma regra de direito ou um princípio jurídico, cujo controlo pelo STJ o art.º 434º consente.
E sendo que, nessa perspectiva, a dúvida a sindicar é a dúvida que a própria sentença revela, «porque a dúvida é a que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido» [67].

93. No caso concreto:

Olhando de novo para as peças de recurso, é muito evidente que, sob a invocação do in dubio pro reo, os Recorrentes se limitam a reiterar a generalidade das críticas que, a outros títulos, dirigem ao Acórdão Recorrido em matéria de facto – erro notório na apreciação da prova, violação das regras da prova vinculada, violação das regras da experiência comum, nulidade de omissão de pronúncia –, mas que todas já aqui foram julgadas improcedentes.
Reiterando o seu inconformismo com a valoração da prova produzida e com a decisão de facto produzida.
E querendo que o tribunal tivesse tido as dúvidas probatórias que, justificadamente, não teve, e que tivesse decidido em moldes que tivessem isentado de responsabilidade.

Não é, essa, porém, e como se viu, a dimensão em que a actuação do princípio pode ser sindicada pelo STJ.
E, no enfoque permitido, resulta muito evidente na fundamentação do Acórdão Recorrido transcrita em 38. supra que, no momento de fixar os factos que deram os Recorrentes como co-autores dos crimes por que nele foram condenados, o tribunal não foi assaltado por qualquer dúvida e muito menos alguma resolveu em desfavor deles.
Como especialmente resulta do seguinte trecho que, aqui, de novo se reproduz:
─ «Em suma, não sendo minimamente credível a história contada pela arguida AA sobre a intervenção dos ditos “indivíduos de nacionalidade ......” na morte do CC, nem a versão daquela no sentido de que retirou a arma e a recolocou na casa do arguido BB sem conhecimento deste, as provas são demonstrativas de que aquela teve intervenção nessa morte – desde logo, com base nas suas próprias declarações, ao admitir ter estado presente quando tal ocorreu e dando uma versão de como aquele foi morto, sabendo-se que aquela arguida procedeu posteriormente a uma limpeza profunda, removendo quaisquer indícios comprometedores que pudessem existir na casa e eventualmente na viatura automóvel - e ainda que teve ajuda de outra pessoa para concretizar tal desígnio, mais resultando que foi usada, para o efeito, a arma apreendida que se encontrava na casa do arguido BB, aí sendo encontrada também uma munição igual à usada no disparo que causou a morte, apesar da enorme raridade de tal tipo de munições, conforme assinalado pelo perito em balística.
Todas aquelas circunstâncias, conjugadas entre si, demonstram, com toda a evidência, que essa outra pessoa que colaborou com a arguida AA para tirar a vida do CC e ajudou aquela a desfazer-se do corpo da vítima, só podia ter sido o arguido BB, o qual forneceu os instrumentos do crime – arma e munições – e tinha com aquela uma relação amorosa duradoura – o que afasta a intervenção de alguém estranho a essa relação –, ambos pensando continuar a vida em comum após a morte da vítima e ambos beneficiando com tal morte, dados os seguros de que aquela era beneficiária, sendo certo que a arguida AA e a vítima, apesar de casados, já não faziam vida em comum, dormindo em diferentes divisões da casa, contrariamente ao que a mesma tentou fazer supor aos investigadores na fase inicial da investigação, garantindo que faziam a vida normal de um casal, pelo menos até ser descoberta a existência do arguido BB e a sua relação amorosa com a arguida.».

Razões por que também por aqui os recursos improcedem.
     

III. decisão.
94. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
─ Em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso da Recorrente AA na parte em que incide sobre o segmento do Acórdão Recorrido que conheceu do recurso interlocutório que moveu ao despacho de 18.2.2020 da juíza presidente do Tribunal do Júri, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399.º, 400.º n.º 1 al.ª c), 414º n.º 2 e 432.º n.º 1 al.ª d) e b) do CPP.
─ Em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso da Recorrente AA no segmento relativo às condenações parcelares pelos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399.º, 400.º n.º 1 al.ª e), 414.º n.os 2 e 3, 420.º n.º 1 al.ª b) e 432º n.º 1 al.ª b).
─ Em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso do Recorrente BB no segmento relativo à condenação parcelar pelo crime de detenção de arma proibida, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399.º, 400.º n.º 1 al.ª e), 414.º n.os 2 e 3, 420.º n.º 1 al.ª b) e 432º n.º 1 al.ª b).
─  Em julgar, no mais, os recursos improcedentes.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se, a cada um, a taxa de justiça em 7 UC's (art.º 8º n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).
*
Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).

*
Supremo Tribunal de Justiça, em 25.3.2021.



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama (Adjunto)

Manuel Braz (Presidente)

_______________________________________________________


[1] Fls. 126 a 127 do acórdão de 8.9.2020, aqui recorrido.
[2] Transcrição do dispositivo.
[3] Rectificação comunicada e por requerimento de 13.10.2020, que na peça original constava «em perigo agónico de morte ou com ele já morto?»
[4] Diploma a que pertencerão todos os preceitos que se vierem a citar sem menção de origem.
[5] Transcrição do acto, expurgado do relatório.
[6] Cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in D.R. I-A , de 28.12.1995.
[7] Vejam-se, entre outros os Ac's STJ de 19-06-2019, Proc. n.º 881/16.6JAPRT.P1.S1 e de 14.3.2018 - Proc. n.º 22/08.3JALRA.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] AcSTJ de 19.10.2016 - Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, in www.dgsi.pt, aliás citado no acórdão de 14.3.2018 referido na nota anterior.
[9] In DR I, de 11.12.2018.
[10] In DR-I de 22.11.
[11] Neste sentido e entre muitos outros, cfr. AcSTJ de 6.1.2020 - Proc. n.º 266/17.7GDFAR.E1.S1, consultável in ECLI - European Case Law Identifier.
[12] E mais recentemente, , v. g., o AcTC n.º 212/2017, 2.5., e a Decisão Sumária n.º 174/2017 sobre que recaiu, tudo consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[13] Acórdão n.º 186/2013 que decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do art. 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».
[14] Neste sentido, AcSTJ de Proc. n.º 22/08.3JALRA.E1.S1 e a numerosa jurisprudência nele citada, bem como, entre muitos outros, Ac'STJ de 6.5.2020 - Proc. n.º 134/17.2T9LMG.C1.S1, in ECLI - European Case Law Identifier,  de 17.6.2020 - Proc. n.º 91/18.8JALRA.E1.S1, de 22.04.2020 - Proc. n.º 63/17.0T9LRS.L1.S1 , de 5.2.2020 - Proc. n.º 551/14.0TACBR.C1.S1, de 15.1.2020 - Proc. n.º 14/16.9ZCLSB.E1.S1, de 25-09-2019 - Proc. n.º 157/17.1JACBR.P1.S1 e de 5.9.2019 - Proc. n.º 1008/14.4T9BRG.G1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[15] Consultável em www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, por ser dos mais recentes e pela alargada recensão jurisprudencial que documenta,  veja- se o AcSTJ de 11.7.2019 - Proc. n.º 1203/16.1T9VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt
[17] «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: […] De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º».
[18] E pela Decl. de Rect. n.º 105/2007, de 9.11.
[19] Nesse sentido, AcTC n.º 591/2012, de 5.12,  depois confirmado pelo AcTC n.º 324/2013 (Plenário), de 4.6.2013, ambos acessíveis no sítio do Tribunal Constitucional.
[20] E da al.ª d) do mesmo número.
[21] Consultáveis no sítio do Tribunal Constitucional.
[22] AcTC n.º 451/2003, citado no AcTC n.º 690/2020 referido.
[23] E continua, hoje, a dispor.
[24] Alteração da Lei n.º 59/98 referida.
[25] Acessível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=33345.
[26] Ora consultável em www.dgsi.pt,
[27] Acessível em SASTJ.
[28] Acessível através da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180417.html
[29] AcSTJ de 8.11.2018, in www.dgsi.pt.
[30] AcSTJ de 8.11.2018 - Proc. n.º 202/14.2GAPCR.G2.S1, in www.dgsi.pt.
[31] Acessível no sítio do Tribunal Constitucional.
[32] Aliás citada nas motivações de recurso de ambos os arguidos.
[33] Mouraz Lopes, José, "Gestão Processual: Tópicos para um Incremento da Qualidade da Decisão Judicial", Julgar 10 - 2010, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/139-149-Qualidade-da-decis%C3%A3o.pdf.
[34] Neste sentido, v. g., AcSTJ de  12.3.2015 - Proc. n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1.
[35] AcSTJ de 19.5.2010 - Proc. n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[36] AcSTJ de 24.1.2018 - Proc. n.º 388/15.9GBABF.S, aliás citando, AcSTJ de 26.3.2014 - Proc. n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1, ambos in www.dgsi.pt.
[37] AcSTJ 19.2.2020 - Proc. n.º 118/18.3JALRA.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[38] «A nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 660°, n°2, do Código de Processo Civil [de 1961], aplicável ex vi artigo 4.º, do CPP. Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado n° 2 do artigo 660.° do Código de Processo Civil» – AcSTJ de 4.6.2020 - Proc. n.º 658/17.1PZLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, aliás, citando Henriques Gaspar e outros, ibidem,  p. 118.
[39] AcSTJ de 25.9.2019 - Proc. n.º 150/17.4JASTB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[40] Destacado a negrito da responsabilidade do relator.
[41] Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", vol II., 5ª ed, p. 261.
[42] AcSTJ de 3.4.2010 - Proc. n.º 38/17.9JAFAR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
Para tudo, ainda, Simas Santos e outros, "Noções Processo Penal", 3ª ed., pp. 236 a 242.
[43] Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., p.
[44] Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 984.
[45] Sublinhado do relator.
[46] Neste sentido, AcSTJ de 26.3.2014, in www. dgsi.pt9
[47] Neste sentido, Simas Santos e outros, ibidem, pp. 265 a 272,
[48] Pinto de Albuquerque, ibidem, pp. 171 e 172.
[49] Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 348.
[50] Idem, ibidem, p. 348.
[51] Idem, ibidem, p. 348.
[52] Fls. 218 a 221.
[53] Fls. 222 a 223.
[54] Informação da inspectora JJ.
[55] Despacho do coordenador HH.
[56] Informação da Inspectora JJ; sublinhado do relator.
[57] 8 a 16 anos, o primeiro; 2 a 10 anos, o segundo.
[58] Que dispõe que «Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência» (n.º 1) e que «Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes», que se referem, estes, à reprodução ou leitura de declarações ou depoimentos prestados nas fases preliminares do processo
[59] «[N]a interpretação normativa infra descrita».
[60] Neste sentido de a violação da prescrição do art.º 355º n.º 1 poder acarretar proibição de prova, por ofensa ao  princípio da imediação, v. Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 344.
[61] AcSTJ de 23-04-2020, Proc. n.º 289/16.3JABRG.G1.S2,
[62] Neste sentido Ac'sSTJ de 20.4.2006 - Proc. n.º 363/06, in www.dgsi.pt, e de 30.3.2005 - Proc. n.º 552/05, in SASTJ.
[63] Neste sentido, Ac'sSTJ de 4.1.2017 - Proc. n.º 655/10.8GBTMR.S1 citado e de 9.7.2015 - Proc. n.º 277/11.6JAPRT.P2.S1, in SASTJ.
[64] AcSTJ de 21.10.2020 - Proc. n.º 91/18.8JAAVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[65] Neste sentido, Ac'sSTJ de 25.9.2019 - Proc. n.º 99/17.0GBSVV.P2.S1 e de 16.5.2019 - Proc. n.º 476/15.1PELSB.L1.S1, ambos in SATJ.
[66] Neste sentido, Ac'sSTJ de 25.9.2019 - Proc. n.º 99/17.0GBSVV.P2.S1 e de 16.5.2019 - Proc. n.º 476/15.1PELSB.L1.S1, ambos in SATJ.
[67] AcSTJ de 30.3.2017 - Proc. n.º 199/15.1PEOER.L1.S1, in www.dgsi.pt.