Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6208/19.8T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DENÚNCIA
COMUNICAÇÃO
FACTO EXTINTIVO
RETROATIVIDADE
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Um conflito de leis no tempo (art. 1101.º, al. c), do CC, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ou naquela que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro) deve ser resolvido antes de se proceder à aplicação das normas aos factos da causa: o contrato de arrendamento foi celebrado a 8 de outubro de 1999, muito antes do início de vigência da lei nova, mas prolonga-se na sua vigência.

II. Tratando-se de um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre ou não vinculada” por iniciativa do senhorio rege-se pela disciplina consagrada no art. 1101.º, al. c), do CC.

III. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso, mas antes a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. Coragem D'Autor - Imobiliária, S.A., intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Garrafeira Clériporto, L.da., pedindo:

a) a declaração da validade e eficácia da comunicação de denúncia do contrato de arrendamento - celebrado a 8 de outubro de 1999, entre os sócios da ora Ré e os primitivos proprietários - enviada pela Autora, com data de 24 de fevereiro de 2017, e, consequentemente, a declaração da extinção do contrato de arrendamento a 1 de março de 2019;

b) a condenação da Ré na desocupação de pessoas e bens do locado - identificado no referido contrato de arrendamento -, e na respetiva restituição à sua proprietária, aqui Autora;

c) a condenação da Ré no pagamento à Autora de uma indemnização pelo atraso na restituição do locado, correspondente ao montante das rendas vencidas desde a data da cessação do contrato até à sua efetiva desocupação e entrega à Autora, nos termos previstos no artigo 1045.º do CC.

2. Alegou, para o efeito, que é atualmente a única e legítima proprietária do seguinte prédio urbano, cuja propriedade está registada a seu favor:

- Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. de Utiliz. independente, composto de Casa de 5 pavimentos, composta de r/c, 1º, 2º, 3º, 4º andares e águas furtadas, de duas frentes, destinado a comércio e habitação, sito na Rua …. n.os … a … e Rua ….., n.os …. a …, na União das Freguesias de ……, concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o número …..27, da freguesia de …., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …81, conforme documentos que se juntam sob os n.os 1 e 2, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

- Esse prédio veio à propriedade e posse da Autora por o ter adquirido por contrato de compra e venda a AA e Outros, através de escritura pública lavrada no Cartório Notarial do …., do Notário Dr. BB, a 22 de novembro de 2016. Por sua vez, a dita AA e Outros adquiriram o referido prédio por sucessão.

- Mais alegou que por contrato de arrendamento, lavrado por escritura pública, de 8 de outubro de 1999, no …. Cartório Notarial do …, os primitivos proprietários do prédio deram de arrendamento aos atuais sócios da Ré, CC e esposa DD, o rés-do-chão e cave, com acesso pelo n.º …., do prédio sito na Rua ….., n.os …. a …, no …., do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …81 (anteriormente ….55), mediante a renda mensal então fixada, de noventa e oito mil escudos (€488,82), pelo prazo de 1 (um) ano, renovável por iguais períodos de tempo, destinando-se o arrendamento à atividade comercial de garrafeira de vinhos e outras bebidas, podendo ser comercializadas, além de bebidas, artefactos regionais conexos com regiões ou zonas turísticas.

- Pelo referido contrato, ficaram, desde logo, os então arrendatários autorizados a ceder a sua posição no contrato a favor da sociedade por eles a constituir (a aqui Ré), a qual veio a ser constituída a 25 de novembro de 1999, posição que a Ré já tinha adquirido aquando da transmissão do prédio para a aqui Autora, a 22 de novembro de 2016, conforme resulta do recibo de renda então entregue à Autora, datado de 1 de novembro de 2016.

- Presentemente, e por força das atualizações legais, o valor mensal da renda é de €690,30 (seiscentos e noventa euros e trinta cêntimos), conforme recibo de renda referente ao mês de fevereiro de 2019.

- O contrato de arrendamento teve o seu início a dia 1 de outubro de 1999 e a Ré, por si e pelos primitivos arrendatários que a antecederam no contrato, vem ocupando o locado desde 1 de outubro de 1999, no desenvolvimento da sua atividade, no qual se mantém.

- No entendimento da Autora, perante o teor do contrato de arrendamento e o prazo nele estipulado, as partes primitivas não sujeitaram o contrato ao regime de duração limitada, pelo que o contrato de arrendamento em apreço foi celebrado no regime de duração indeterminada.

- Assim, não pretendendo manter o referido contrato de arrendamento, por escrito datado de 24 de fevereiro de 2017, enviado à Arrendatária sob registo com aviso de receção, com a devida antecedência legal de 2 (dois) anos, a Autora denunciou o contrato com efeitos a 1 de março de 2019. Mais comunicou a Autora que, por força da cessação do contrato, o locado deveria ser-lhe entregue na data da cessação, com todas as suas chaves.

- A Ré não procedeu à entrega do locado, nele se mantendo, recusando-se a restituir o local arrendado, violando uma das suas obrigações como arrendatária.

- Alegou, por fim, que lhe assiste o direito a reclamar a entrega do local arrendado, por efeito da cessação do contrato e, ainda, o pagamento das rendas pela ocupação do mesmo até efetiva entrega.

3. Citada, a Ré contestou, defendendo-se por exceção, e deduziu reconvenção.

4. Alegou, para o efeito, que o contrato de arrendamento em causa é um contrato de duração limitada e, por isso, não está subordinado ao regime jurídico do contrato de duração indeterminada como defende a Autora. Considera também que, atendendo ao regime em vigor ao tempo da celebração do contrato, os contratos de arrendamento comercial podiam ser concluídos com duração limitada e, por isso, apenas assistia à Autora a faculdade de se opor à renovação do contrato. Invocou, ainda, que mesmo que assim não se entenda, à denúncia do contrato seria aplicável o regime previsto na Lei n.º 13/2019 e, assim, no caso de ser de duração indeterminada, a denúncia o contrato de arrendamento teria de ser feita com cinco anos de antecedência: o contrato apenas se extinguiria a 1 de março de 2022, pelo que a denúncia feita pela Autora sempre seria ineficaz relativamente a 1 de março de 2019.

5. Preconiza, em reconvenção, que explora um estabelecimento comercial denominado Garrafeira Clériporto, sito na Rua …., n.º …., no …., isto é, junto à ….. Trata-se de uma “Loja com história”, pois que é um estabelecimento de comércio tradicional que, pela sua atividade e património, constitui uma referência viva na atividade económica e social do centro histórico do …. Procedeu à instalação do estabelecimento comercial, nele colocando os vitrais, os painéis de azulejo, os móveis e demais equipamento, bem como a respetiva mercadoria. Relativamente a boa parte do recheio, obras e benfeitorias, já não dispõe e/ou não conseguiu localizar as respetivas evidências documentais e solicitou às pessoas que intervieram na instalação do estabelecimento a sua avaliação, cujo valor global ascende a €161.064,99. Alegou igualmente que, em 2017, teve um volume de negócios de €298.215,44 e que, para assegurar essas vendas, tinha, em 2017, um stock de €244.425,92 (doc. n.º 22), sendo que, se o estabelecimento comercial encerrar em consequência da cessação do contrato de arrendamento, esta mercadoria é insuscetível de ser comercializada pela Ré/Reconvinte, porque não dispõe de qualquer outro estabelecimento. Sofrerá um prejuízo correspondente ao valor das existências em inventário, que, em 2017, era de €244.425,92. Assim, em reconvenção formulou o seguinte pedido:

- julgar não provada e totalmente improcedente a presente ação, absolvendo a Ré do pedido, com as legais consequências;

- julgar totalmente provado e procedente o pedido reconvencional deduzido pela e, por conseguinte, condenar a Autora/Reconvinda a pagar-lhe uma indemnização de montante não inferior a €405.490,91, correspondente aos prejuízos que resultam da cessação do contrato de arrendamento de 8 de outubro de 1999.

6. Requereu, ainda, a intervenção principal provocada de EE, FF e GG, funcionários da Ré, para, juntamente com ela, deduzirem o pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos com a cessação do contrato de arrendamento, ao abrigo do art. 1110.º-A do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

7. Na réplica, a Autora sustentou a inadmissibilidade da reconvenção, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, pois o regime previsto no art. 1110.º-A do CC apenas se aplica aos contratos de duração indeterminada e, segundo a posição defendida pela Ré, estaríamos na presença de um contrato de duração limitada. Impugnou os factos alegados em sede de reconvenção e opôs-se à requerida intervenção. Alegou, ainda, que o contrato em causa deve ser qualificado como contrato de arrendamento de duração por tempo indeterminado, por não conter uma cláusula expressa na qual se atribuísse ao contrato a natureza de duração por tempo determinado, como se exigia no regime jurídico em vigor na data da sua celebração.

8. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho que admitiu liminarmente a reconvenção, despacho saneador e despacho que fixou o valor da causa e determinou a competência do tribunal para julgar a matéria em litígio, ordenando a remessa dos autos para os Juízos Centrais Cíveis do ….

9. A 30 de setembro de 2019 (ref. Citius …), foi proferido despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal de terceiros, com os seguintes fundamentos:

“ Fls. 38 v. (requerimento de intervenção de terceiros):

Dispõe o art. 1110.º-A do Cód. Civil, introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro – com início de vigência no dia seguinte ao da sua publicação (art. 16.º) – que a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional “obriga o senhorio a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento”.

A lei consagra um direito dos “trabalhadores do estabelecimento” (sic), pelo que apenas a estes cabe o seu exercício. De resto, trata-se de um direito que nasce de um facto (dano) que só poderá ser afirmado se a ocorrência do putativo prejuízo não for impedida pela compensação devida por outra entidade. Não se prevê, pois, um direito da entidade patronal de ser reembolsada do valor de uma indemnização por si paga ao trabalhador, pelo seu forçado despedimento.

Reza o art. 316.º do Cód. Civil (norma invocada pela ré) que o chamamento de terceiro pode ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

“a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”.

Ora, os alegados trabalhadores da ré – ou do “estabelecimento”, no dizer da lei – não são partes na relação locatícia, pelo que não são “sujeitos passivos da relação material controvertida” em juízo. De igual modo, não são “contitulares do direito invocado pelo autor”. Mostra-se infundado o pedido de intervenção principal de terceiro.

Pelo exposto indefere-se a requerida intervenção processual de terceiro. Custas do incidente a cargo da ré requerente.

Notifique”.

10. A 16 de outubro de 2019, por carta registada, com certificação Citius em 15 de outubro de 2019, foram as partes notificadas do despacho.

11. Prosseguindo os autos com a realização de audiência prévia, veio a Autora ampliar o pedido formulado na petição.

12. A Ré opôs-se à alteração da causa de pedir e do pedido.

13. Por sentença, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:

Pelo exposto, julgo a ação procedente e, em conformidade:

− declaro válida e eficazmente operada a denúncia do contrato objeto da ação, com efeito extintivo do arrendamento no dia 1 de março de 2019;

− condeno a ré, Garrafeira Clériporto, L.da, a entregar o imóvel arrendado à autora, Coragem D'Autor - Imobiliária, S.A., desocupado e no estado próprio de uma prudente utilização até à data de trânsito em julgado da sentença;

− condeno a ré no pagamento à autora da quantia mensal correspondente ao dobro da renda mensal estipulada, que se venceu e vencer no dia do mês em que se venceriam as rendas, desde 1 de março de 2019 e até à entrega efetiva do locado. Julgo manifestamente improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a autora.

Custas a cargo da ré e reconvinte”.

14. Não conformada, a Ré interpôs recurso de apelação, pugnando pela procedência do recurso e, por isso, pela revogação da sentença recorrida, assim como pela procedência da reconvenção e admissão da intervenção provocada dos trabalhadores da sociedade Ré/Recorrente.

15. A Autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.

16. O Tribunal da Relação … proferiu despacho a convidar a Recorrente a pronunciar-se sobre a proposta de não admissão do recurso por intempestividade no segmento em que se insurge contra o despacho proferido a 30 de setembro de 2019 (ref. Citius ….).

17. A Recorrente pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso e a Recorrida, por sua vez, pela respetiva inadmissibilidade.

18. A 10 de setembro de 2020, o Tribunal da Relação … proferiu decisão sumária que não admitiu o recurso.

19. A Recorrente reclamou desse despacho para a conferência, ao abrigo do art. 652.º, n.º 3, do CPC.

20. A 9 de novembro de 2020, o Tribunal da Relação …, por acórdão, decidiu o seguinte:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:

- não admitir o recurso do despacho que indeferiu o incidente de intervenção de terceiros (despacho proferido em 30 de setembro de 2019 (ref. Citius ….) );

- confirmar a sentença.

Custas a cargo da apelante.”

21. Irresignada, a Ré, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, do CPC, interpôs recurso de revista excecional, apresentando as seguintes Conclusões:

A. Em 13 de fevereiro de 2019 entrou em vigor a Lei nº 13/2019, que estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

B. Nessas alterações avultam:

i. O artigo 1101 al c) do Código Civil que alterou o prazo de denúncia do contrato de arrendamento urbano não habitacional de dois para cinco anos;

ii. E a introdução do artigo 1110-A no Código Civil que veio estabelecer disposições especiais relativas à denúncia e à oposição à renovação do contrato pelo senhorio, designadamente no que respeita à indemnização a pagar ao arrendatário e aos trabalhadores do seu estabelecimento.

C. A Lei nº 13/2019 veio alterar o paradigma do arrendamento urbano, dispondo diretamente sobre a relação locatícia como o evidenciam:

a. O prazo de duração do contrato;

b. O regime da sua denúncia e da oposição à renovação;

c. A imposição do pagamento de uma indemnização ao arrendatário e aos trabalhadores do seu estabelecimento;

d. À ineficácia das anteriores comunicações de oposição à renovação do arrendamento.

D. Por seu turno, estabelece o artigo 12 nº 2 do Código Civil, que quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

E. Daqui decorre que a Lei nº 13/2019 abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual, em virtude de ser dirigida à tutela de uma generalidade de pessoas – os arrendatários, ligados entre si por certo vínculo contratual – o contrato de arrendamento urbano, mitigando assim o desequilíbrio entre senhorios e arrendatários e protegendo a situação de especial fragilidade destes.

F. Quer isto dizer que a Lei nº 13/2019 se aplica de modo direto e imediato aos contratos de arrendamento urbano não habitacional vigentes em 13 de fevereiro de 2019, alterando o prazo da sua denúncia que passou a ser de cinco anos e não de dois.

G. Com esta lei continua a permitir-se a denúncia do contrato de arrendamento urbano não habitacional, mas confere-se mais tempo – agora cinco anos, para que o arrendatário possa preservar o seu estabelecimento comercial e salvaguardar os respetivos postos de trabalho.

H. No caso sub judice o contrato de arrendamento denunciado teve o seu início em 1 de outubro de 1999, denuncia operada por carta de 24 de fevereiro de 2017 e que determinava a sua cessação em 1 de março de 2019.

I. Ora, atento o disposto no artigo 1101 al c) do Código Civil, na redação da Lei nº 13/2019, a denúncia só produzirá efeitos em 1 de março de 2022, isto é, decorridos cinco anos após a data da comunicação.

J. Impõe-se, por isso, que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie e decida a seguinte questão:

“A Lei N 13/2019 aplica-se aos contratos de arrendamento urbano não habitacional vigentes à data da sua entrada em vigor, designadamente no que respeita à sua denúncia que passa a ter de ser feito com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que o senhorio pretender a sua cessação?”

K. Esta questão afigura-se de especial relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito dado o carater inovador da Lei nº 13/2019, o elevado número de contratos abrangidos e a sua especial repercussão, seja nas relações entre senhorios e arrendatários, seja no impacto económico e social daí decorrente.

Termos em que se requer a V Exa se dignem admitir o presente recurso de revista excecional, apreciando e decidindo que a Lei nº 13/2019 se aplica aos contratos de arrendamento urbano não habitacional vigentes à data da sua entrada em vigor, designadamente no que respeita à sua denúncia, que passa a ter de ser feita com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que o senhorio pretender a sua cessação, e, em consequência, revogar o douto acórdão recorrido.”

22. Por seu turno, a Autora apresentou contra-alegações, expondo as seguintes Conclusões:

1) A Recorrida intentou uma acção declarativa requerendo, além de outros pedidos, a condenação da Ré, a declarar-se válida e eficaz a comunicação da denúncia do contrato de arrendamento, celebrado em 8 de Outubro de 1999 entre os sócios da ora Ré e os primitivos proprietários, enviada pela A. em 24.02.2017, e em consequência, declarar-se extinto o contrato de arrendamento na data de 1 de Março de 2019.

2) A Ré, ora Recorrente, contestou defendendo-se por excepção e deduziu reconvenção pedindo a condenação da A./Reconvinda, ora Recorrida e a pagar à Ré/Reconvinte, ora Recorrente, numa indemnização de € 405.490,91, correspondentes aos prejuízos que resultam da cessação do contrato de arrendamento de 8 de Outubro de 1999.

3) Tal acção declarativa veio a ser totalmente procedente, nomeadamente, a douta sentença recorrida declarou válida e eficazmente operada a denúncia do contrato objecto da acção, com efeito extintivo no dia 1 de Março de 2019, considerando improcedente a reconvenção formulada pela Ré, ora Recorrente.

4) A ora Recorrente veio a interpor recurso de Apelação e o Tribunal da Relação proferiu em 10.09.2020, douta decisão singular, na qual não admitiu o recurso do incidente de intervenção de terceiros, seguindo-se a reclamação da Recorrente para a conferência.

5) O douto acórdão recorrido, decide, por unanimidade, quer a não admissão referido incidente, quer as restantes questões afloradas nesse recurso de Apelação, confirmando, a douta sentença proferida em 1ª instância.

6) Face ao recurso de Revista apresentado pela Recorrente, nos termos do Art.672º nº1 alínea a) CPC, cumpre averiguar se está ou não preenchido o mencionado pressuposto legal, já que a situação da “dupla conforme”, mencionada no Art. 671º nº3 CPC foi aceite pela Recorrente e a ora Recorrida entende também que se verifica “in casu”.

7) A Recorrente limitou-se a expor na sua alegação as suas discordâncias em relação ao decidido, reproduzindo expressões legais e fazendo a sua interpretação relativamente à Lei 13/2019 de 13 de Fevereiro, defendendo que tal diploma se aplica ao contrato de arrendamento aqui em crise.

8) Quanto a essa questão da aplicação da Lei 13/2019, o douto acórdão recorrido apreciou a eficácia da denúncia, concluindo que a presente acção foi intentada posteriormente à comunicação da denúncia e antes da entrada em vigor desse diploma legal, pelo que a denúncia exercida rege-se pelo regime em vigor à data da comunicação.

9) Salientou-se ainda no douto acórdão recorrido que o referido diploma entrou em vigor ao dia seguinte à data da sua publicação-13-02.2019, e que não foi estabelecido, quanto a esse aspecto, qualquer regime transitório, regendo-se tal matéria pela aplicação da lei no tempo previsto no Art. 12º nº1 CC.

10) Nesse conspecto, argumentaram os Senhores Juízes Desembargadores que a alteração da lei apenas tem aplicação a factos novos, ou seja, ás comunicações que se venham a realizar após a entrada em vigor da nova lei, ainda que, a contratos celebrados no pretérito.

11) A questão que a Recorrente traz para apreciação é simples, pois reduz-se à aplicação da lei no tempo, que no caso em apreço, não se reveste de elevado grau complexidade jurídica, embora a mencionada alteração legislativa, revista o carácter inovatório.

12) Além disso, tal questão não oferece particular dificuldade de interpretação, situa-se no âmbito de uma mera controvérsia jurídica, não ultrapassando a normal relevância jurídica das questões submetidas a Tribunal.

13) Pelo que, não há necessidade de rever a decisão que foi proferida nas instâncias anteriores.

14) Aliás, a Recorrente limita-se a apontar divergências, o que é normal, mas não justifica que seja claramente necessário a protecção desse interesse geral na boa aplicação do direito.

15) Em conclusão, não se verifica, no caso sub judicie, o apontado pressuposto que a lei faz depender a admissibilidade do presente recurso de revista, pelo que nos termos do Art. 672º nº 1 alínea a) CPC, não deve ser admitido.

Termos em que não deve ser admitido o recurso excepcional de revista.

E assim se fará JUSTIÇA!”

23. Uma vez que acórdão do Tribunal da Relação … confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, tratando-se de um recurso de revista excecional, interposto à luz do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, a Relatora remeteu os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, em ordem ao apuramento dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito.

24. A 17 de fevereiro de 2021, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso de revista excecional interposto pela Ré à luz do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

II – Questões a decidir

Atendendo ao Acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça, assim como às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa apenas a seguinte questão:

- saber se o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, se aplica à denúncia do contrato de arrendamento para fins não habitacionais comunicada ao arrendatário antes do seu início de vigência e, por conseguinte, se deve ou não prorrogar-se a entrega do local arrendado para 1 de março de 2022.

III - Fundamentação

A) De Facto

Conforme o acórdão do Tribunal da Relação ….., foram considerados relevantes para a apreciação das conclusões de recurso os seguintes factos provados no Tribunal de 1.ª Instância:

“1 – A autora tem inscrita a seu favor a propriedade do prédio urbano sito na rua …., n.os .. a …, e rua …, n.os ….. a …., …., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …..27

2 – Em 8 de outubro de 1999, os anteproprietários do prédio identificado, na qualidade de primeiros outorgantes, e dois dos atuais gerentes da ré subscreveram o documento junto a fls. 2, intitulado ARRENDAMENTO, declarando os primeiros dar de arrendamento aos segundos, autorizados a ceder a sua posição à ora ré, o rés-do-chão e cave, com entrada pelo n.º … da rua …., do prédio acima referido.

3 – No documento intitulado ARRENDAMENTO consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

«Que este arrendamento é feito nos termos e sob as cláusulas seguintes:

1. O prazo do arrendamento é de um ano, a partir de um de outubro corrente, renovável por iguais períodos, nos termos da lei.

(…)

3.ª O local arrendado destina-se à atividade de garrafeira de vinhos e outras bebidas, podendo ser comercializadas, além de bebidas, artigos e artefactos regionais conexos com regiões ou zonas turísticas, não lhe podendo ser dada outro destino, designadamente como bar, café, snack-bar, restaurante, boîte ou qualquer outra atividade hoteleira similar, bem como mercearia ou minimercado.

4. Os arrendatários poderão efetuar obras de adaptação do locado à sua atividade, por sua conta e sem direito a qualquer indemnização por benfeitorias, as quais ficam a pertencer ao locado, nomeadamente substituição do soalho (que conservará em madeira ou substituirá por granito ou tijoleira rústica), reparação do teto, casa de banho, portas e janelas que dão para a Rua …, mas desde já ficam mandatados os arrendatários para obter licenciamentos junto de quaisquer entidades administrativas, nomeadamente Governo Civil, Câmara Municipal do … e outras, e sempre com integral respeito pela traça do prédio, cujo exterior não poderá ser alterado. Nomeadamente não poderão ser retirados nem danificados os azulejos existentes, ficando, no entanto, autorizada a colocação de painel pendurado, mesmo que esconda tais azulejos (sem os danificar), para publicidade do estabelecimento da arrendatária. No interior do locado terão de manter as paredes em granito, como se encontram, sendo autorizada a retirada das escadas de acesso ao nível superior, que são propriedade deles senhorios.

5.ª Os inquilinos ficam desde já autorizados a ceder a favor de sociedade por eles a constituir o direito ao arrendamento, renunciando os senhorios desde já ao direito de preferência.»

4 – Em data anterior a 22 de novembro de 2016, os referidos gerentes da ré declararam transmitir-lhe a posição de arrendatária, declarando a arrendatária tomar a posição de arrendatária.

2. A crise da relação locatícia

5 – Em 22 de fevereiro de 2017, a ré recebeu a carta remetida pela autora cuja cópia se encontra junta a fls. 26, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Assunto: Comunicação de denúncia do contrato de arrendamento celebrado em 08-10-1999 (alínea c) do art. 1101.º do Código Civil).

(…)

Na qualidade de Senhoria, vimos pela presente, nos termos do artigo 9.º da Lei 6/2006 de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08 e Lei n.º 79/2014/ de 19 de dezembro, e ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil, por aplicação do regime transitório previsto no artigo 26.º, da citada Lei 6/2006, com as alterações posteriormente introduzidas, denunciar o contrato de arrendamento comercial que teve o seu início no dia 1 de Outubro de 1999, celebrado por escritura pública de 08 de outubro de 1999, no .. Cartório Notarial do …. (depois do DL 257/95/ de 30 de setembro) (…).

A presente denúncia é feita com um aviso-prévio de 2 (dois) anos, conforme estabelece a alínea c) do referido artigo 1101.º do CC, pelo que a mesma, produzirá os seus efeitos no dia 1 de março de 2019, data em que se extingue o referido contrato de arrendamento aqui denunciado.

Assim, na referida datal deverão V. Exas proceder á desocupação do locado de pessoas e bens e a sua entrega à Senhoria, com todas as respetivas chaves”.

6 – Em 1 de março de 2019, não entregou o locado à autora, mantendo atualmente a sua ocupação.

- FACTOS NÃO PROVADOS -

Não há, na economia da presente decisão sobre os pedidos formulados na ação, factos relevantes não provados a considerar”

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B) De Direito

Contrato de arrendamento comercial de duração indeterminada

1. O Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação … convergiram na qualificação jurídica do negócio jurídico celebrado entre as partes como contrato de arrendamento comercial de duração indeterminada, e não como de duração limitada, qualificação esta relevante para a determinação do regime da denúncia do contrato pelo senhorio.

2. No presente recurso de revista, a Recorrente conforma-se com a qualificação do contrato adotada pelas Instâncias, não a pondo em causa, defendendo apenas a aplicação do novo regime previsto na Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, no que respeita à nova redação que conferiu ao art. 1101.º, al. c), do CC - período de antecedência da comunicação da denúncia.

3. Não nos parece merecer qualquer reparo a qualificação jurídica do contrato acolhida pelas Instâncias. Na verdade, o texto do contrato prevê que “o prazo do arrendamento é de um ano, a partir de um de outubro corrente, renovável por iguais períodos, nos termos da lei.” Ao tempo da sua celebração – 8 de outubro de 1999 - vigorava o art. 117.º, n.º 1, do RAU (DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º  257/95, de 30 de setembro), segundo o qual as partes podiam convencionar um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respetiva cláusula estivesse inequivocamente prevista no texto do contrato, assinado pelas partes, não podendo esse prazo ser inferior a cinco anos (art. 98.º, n.º 2, do RAU). Segundo o acórdão recorrido, “no contrato não se fez constar expressamente que o mesmo ficava sujeito ao regime de “duração efetiva” e a cláusula em causa não o revela, pois não estabelece um prazo limite de renovação, para além de se usar o plural “renovável por iguais períodos”, o que inculca a ideia de sucessivas e indeterminadas renovações. Acresce que a cláusula estabelece um prazo de duração distinto do prazo mínimo previsto na lei, o que só por si constituía fundamento suficiente para considerar que a cláusula não se revelava inequívoca quanto ao regime de duração do contrato.” Assim, conforme o acórdão recorrido, “sendo a cláusula suscetível de diferentes sentidos, não se revela inequívoca, como a lei previa e ponderando o regime vigente à data da celebração, é forçoso concluir que a mesma não estabelece a duração do contrato por tempo determinado.”

Conflito de leis no tempo

1. Estamos perante um conflito de leis no tempo, que deve ser resolvido antes de se proceder à aplicação das normas aos factos da causa: o contrato de arrendamento foi celebrado a 8 de outubro de 1999, muito antes do início de vigência da lei nova (Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro), mas prolonga-se na sua vigência. O contrato de arrendamento institui uma relação duradoura, dá origem a uma verdadeira e própria situação jurídica duradoura. Havendo sido concluído na vigência do DL n.º 257/95, de 30 de setembro, é-lhe aplicável, nos termos do art. 26.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o NRAU.

2. Tratando-se de um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre ou não vinculada” - não é necessário invocar fundamentos para pôr termo ao contrato - por iniciativa do senhorio rege-se pela disciplina consagrada no art. 1101.º, al. c), do CC, aplicável ex vi do art. 1110.º, n.º 1 ou do art. 1110.º-A, n.º 1 (preceito este introduzido pela Lei n.º 13/2019), norma esta que foi invocada pela Autora na missiva que remeteu à Ré a comunicar a denúncia do contrato. Para além do exercício ad libitum, a denúncia tem eficácia ex nunc.

3. Impõe-se, portanto, determinar o regime aplicável à denúncia, pelo senhorio, do contrato de arrendamento sub judice: o art. 1101.º, al. c), do CC, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ou naquela que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

4. Ao tempo do envio da carta que continha a comunicação à Ré da denúncia, pela Autora, do contrato - 22 de fevereiro de 2017 -, de acordo com o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação então em vigor, dada pela Lei n.º 31/2012, “O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) al. c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação.

5. Entretanto, após a referida comunicação e antes do decurso do prazo de dois anos, a disposição do art. 1101.º, al. c), do CC, foi alterada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor a 13 de fevereiro de 2019, estabelecendo agora uma antecedência não inferior a cinco anos em lugar do período de dois anos anteriormente previsto. Foi, assim, repristinado, nesta sede, o regime que vigorava na redação inicial do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, antes da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, assim como o art. 1104.º, que consagra a necessidade de confirmação da denúncia prevista no art. 1101.º, al. c), por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação, sob pena de ineficácia.

6. A Lei n.º 13/2019, no art. 14.º, estabelece algumas disposições transitórias que, todavia, não determinam qual das leis – a antiga (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012) ou a nova (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019)  – é aplicável a situações como aquela sub judice (disposição transitória de carácter formal), nem para essas situações consagram uma regulamentação própria, não coincidente nem com a lei antiga (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012) nem com a lei nova (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019) (disposição transitória de carácter material).

7. Vigora o princípio da não retroatividade da lei. Compete, inter alia, à jurisprudência, apurar um critério racional que permita delinear com clareza a linha de fronteira que separa o âmbito de competência da lei antiga do da lei nova. Está em causa um problema de definição do âmbito de aplicabilidade de cada uma das leis – a antiga e a nova -, e não diretamente um problema de aplicação de normas[1].

8.

Artigo 12.º

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

9. De acordo com o art. 12.º, n.º 1, a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador. Mas mesmo quando o legislador confere eficácia retroativa à lei nova, presumem-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

10. Por seu turno, o art. 12.º, n.º 2, distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial - de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa essa data. Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos, via de regra, quando as disposições da lei nova se revistam de natureza supletiva ou interpretativa[2] e, por isso, não se lhes aplicando.

11. O “estatuto do contrato” (da autonomia privada) é determinado perante a lei vigente ao tempo da sua celebração. Todavia, a lei nova que, inter alia, respeite à organização da economia ou vise a tutela da parte mais vulnerável, limita o domínio da autonomia da vontade e será de aplicação imediata[3]. A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.

12. É verdade que muitas das disposições contidas na lei nova (Lei n.º 13/2019), tendo em vista tutelar um interesse social particularmente imperioso (ordem pública económica de proteção), se revestem de natureza imperativa. Pode, por isso, dizer-se que dispõem sobre o conteúdo de situações jurídicas, como aquela em apreço, abstraindo do facto que a tais situações jurídicas deu origem[4], conforme o art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC. Deste modo, sem suscitar grande dificuldade, o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação atual, será aplicável à denúncia, efetuada pelo senhorio depois do início de vigência da Lei n.º 13/2019, dos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor.

13. Não se afigurando objeto de querela a aplicação da lei nova (Lei n.º 13/2019) a contratos de arrendamento como aquele sub judice, importa determinar qual a lei aplicável (art. 1101.º, al c), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 21/2012 ou pela Lei 13/2019) à denúncia efetuada pela Autora por carta recebida pela Ré a 22 de fevereiro de 2017, muito antes da entrada em vigor da lei nova, mas para produzir efeitos extintivos do contrato a 1 de março de 2019, ou seja, alguns dias depois do início da vigência da lei nova (Lei n.º 13/2019).

14. Segundo a Recorrente, aplicando-se o disposto no art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, “a Lei nº 13/2019 abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual, em virtude de ser dirigida à tutela de uma generalidade de pessoas – os arrendatários, ligados entre si por certo vínculo contratual – o contrato de arrendamento urbano, mitigando assim o desequilíbrio entre senhorios e arrendatários e protegendo a situação de especial fragilidade destes. Pelo que este novo regime se aplica de modo direto e imediato aos contratos de arrendamento urbano não habitacional vigentes em 13 de fevereiro de 2019, alterando o prazo da sua denúncia que passou a ser de cinco anos e não de dois.

15. O Tribunal da Relação …., no acórdão recorrido, entendeu que “nos contratos de duração indeterminada a denúncia determina diretamente a extinção do vínculo; o vínculo dissolve-se sem eficácia retroativa. Contudo, denunciado o contrato este manter-se-á em vigor nos termos normais durante o período de aviso prévio, equipara-se a um contrato com termo certo, pois as partes sabem que cessa em determinada data, mas continuam adstritas a realizar as suas prestações de boa-fé”.

16. Sustentou o Tribunal da Relação …. que, sendo a declaração negocial de denúncia irrevogável depois de chegar ao poder do destinatário ou de ser dele conhecida, nos termos gerais (art. 230.º do CC), o contrato cessa após o decurso do período de pré-aviso. Este período serve para que o destinatário da declaração se possa precaver ou acautelar perante a extinção anunciada do vínculo contratual. Concluiu, assim, o Tribunal da Relação que “a alteração da lei apenas tem aplicação aos factos novos, ou seja, às comunicações que se venham a realizar após a entrada em vigor da nova lei, ainda que, a contratos celebrados de pretérito (aqui por aplicação do art. 12º/2, 2ª parte do Código Civil). A alteração introduzida a respeito da antecedência com que o senhorio deve proceder à comunicação da denúncia - o prazo de pré-aviso -, não está subordinada ao regime do art. 297º/2 CC, por se tratar de um “facto-pressuposto”. A denúncia constitui o facto principal, que determina a lei aplicável.”

17. Parece-nos que a fundamentação do acórdão recorrido, também nesta sede, não merece qualquer reparo.

18. A denúncia é uma figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), como o contrato de arrendamento – que é também de execução continuada -, que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. O interesse das partes é dessa forma realizado. A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário[5]. Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato.

19. A relação contratual não pode, todavia, ser extinta ex abrupto, independentemente de um pré-aviso. A denúncia tem, pois, que ser tempestiva, por parte do senhorio, isto é, com observância do prazo não inferior àquele para o efeito legalmente previsto. A indicação da data concreta em que se extingue a relação contratual constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia[6].

20. Não se aplica, in casu, o art. 297.º, n.º 2, do CC, porquanto não está em causa um prazo em curso aquando da entrada em vigor da lei nova. Com efeito, uma vez efetuada a comunicação pelo senhorio, não começa a correr qualquer prazo para que seja exercido um qualquer direito. O decurso global do prazo de dois anos não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontra verificado aquando do início de vigência da lei nova (art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019). A declaração de denúncia encontra-se, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de competência ou de aplicabilidade da lei antiga (art. 1101.º, al, c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela n.º Lei n.º 31/2012), porquanto é ela que determina a competência da lei aplicável. Não se consubstanciando o decurso do prazo de dois anos num facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, não releva o facto de ter volvido, total ou parcialmente, na vigência da lei nova (Lei n.º 13/2019). É um mero pressuposto que deve acrescer ao facto principal – a declaração de denúncia – para que este produza as respetivas consequências jurídicas. A antecedência – da comunicação ao arrendatário - não inferior a dois anos sobre a data em que o senhorio pretenda a cessação do contrato constitui um pressuposto do direito de denúncia, que se encontrava preenchido ao tempo em que aquele exerceu o seu direito de pôr termo ao contrato. Fonte de efeitos jurídicos é a declaração de denúncia e não o decurso do período de dois – ou de cinco – anos. Por isso, do exercício deste direito, pela Autora, resulta a cessação do contrato de arrendamento a 1 de março de 2019. É como se o direito de denúncia estivesse sujeito a termo certo, ou o contrato passasse, a partir da comunicação da denúncia ao arrendatário, a estar a ele sujeito. De resto, também se poderia dizer que o pré-aviso não é condição de eficácia da denúncia, gerando apenas a somente obrigação de indemnizar, nos termos gerais, pelos danos causados pela sua inobservância.

21. A lei nova não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) de situações jurídicas – quando ela própria lhes reconhece esse valor extintivo (constitutivo ou modificativo) - verificados antes do seu início de vigência.

22. O facto que produz a denúncia do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento é a declaração de denúncia. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário.

23. Assim, para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário[7], o que, no caso dos autos, sucedeu a 22 de fevereiro de 2017, antes da entrada em vigor da Lei 13/2019 (13 de fevereiro de 2019).

24. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso (de dois anos, conforme o art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012, ou de cinco anos, segundo o mesmo preceito, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2019), mas antes, reitere-se, a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário. Logo, não se traduzindo o decurso do prazo de pré-aviso num facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, afigura-se irrelevante saber se esse prazo ainda não se havia completado aquando do início de vigência da lei nova (13 de fevereiro de 2019).

25. Em síntese: sem prejuízo de se aplicar aos contratos de arrendamento que subsistam à data da sua entrada em vigor, a Lei n.º 13/2019, de acordo com o art. 12.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, assim como da 2.ª parte a contrario, não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) verificados antes do seu início de vigência, como é o caso da comunicação da denúncia do contrato pelo senhorio ao arrendatário. Quando a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor, já se havia constituído na esfera jurídica do senhorio o direito de denúncia do contrato, e este já o tinha adequadamente exercido. A denúncia rege-se, pois, pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário (art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012). Portanto, o contrato de arrendamento cessa após o decurso do período de dois anos subsequente àquela comunicação. O art. 1101.º, al. c), na redação da Lei 13/2019, aplica-se, conforme referido supra, ao direito de denúncia, também de contratos anteriormente celebrados, que venha a ser exercido depois do seu início de vigência, mas não ao direito de denúncia exercido antes da sua entrada em vigor.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto por Garrafeira Clériporto, L.da., confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de março de 2021.


Sumário: 1. Um conflito de leis no tempo (art. 1101.º, al. c), do CC, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ou naquela que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro) deve ser resolvido antes de se proceder à aplicação das normas aos factos da causa: o contrato de arrendamento foi celebrado a 8 de outubro de 1999, muito antes do início de vigência da lei nova, mas prolonga-se na sua vigência. 2. Tratando-se de um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre ou não vinculada” por iniciativa do senhorio rege-se pela disciplina consagrada no art. 1101.º, al. c), do CC. 3. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso, mas antes a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário.


Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).


Maria João Vaz Tomé (Relator)

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[1] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.231.
[2] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.233.
[3] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.241.
[4] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, pp.240-241. Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2002 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 1308/02 - disponível para consulta in www.dgsi.pt, “as leis relativas às relações jurídicas de arrendamento ou locatícias são, em princípio, de aplicação imediata às relações já constituídas, por visarem, não propriamente o «estatuto contratual» das partes, mas antes o respectivo «estatuto legal», atingindo-as, desse modo, não tanto como partes contratantes, mas enquanto sujeitos de direito entre si ligados por um particular e específico vínculo contratual (…) as normas relativas ao inquilinato e arrendamento, reportam-se à estruturação básica do sistema jurídico e da ordem social, e consequentemente, ao estatuto fundamental das pessoas e das coisas, e que, por isso, são de interesse geral, exigindo a aplicação imediata da lei nova, dado que este tipo de relações se autonomiza, atento o seu estatuto legal, do seu acto criador, conforme resulta da 2ª parte do n° 2 do artº 12° do C. Civil. Isto sendo sabido que o sistema de regulamentação do arrendamento de prédios urbanos, é entre nós e desde o Decreto de 12-11-1910, marcado por um acentuado carácter de ordem pública, consubstanciado em severas limitações à liberdade contratual e por uma forte incidência de motivações de cariz político-social”. Por seu turno, de acordo com Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, p.8, “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil. Acresce que o legislador esclareceu expressamente que algumas alterações têm aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da presente lei (artigo 14.º). Assim acontece quanto à forma do contrato, prevista no n.º 2 do artigo 1096.º, e quanto ao disposto no artigo 1041.º.” Por sua vez, Jéssica Rodrigues Ferreira, “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Electrónica de Direito, fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, afirma o seguinte: “Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem”.
[5] Cf. João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, Coimbra, Almedina, 1997, pp.280-281.
[6] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2002 (Ferreira Ramos), proc. n.º 4298/01 - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 15 de fevereiro de 2018 (João Camilo), proc. n.º 7086/15.1TBALM.L1.S1 – não disponível para consulta.
[7] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2002 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 1308/02) – disponível para consulta in www.dgsi.pt, segundo o qual “no que tange especificamente aos pressupostos legais da efectivação da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, não é aplicável a lei vigente ao tempo da celebração do contrato, mas sim, e em princípio, a lei vigente ao tempo em que é operada a declaração de denúncia do contrato.”; de 14-10-2008 (Cardoso de Albuquerque), proc. n.º 2234/08 – não se encontra disponível para consulta, conforme o qual “Tendo a denúncia operada pela recorrente ocorrido ainda na vigência do RAU, em nada releva que a presente acção tenha dado entrada já durante a vigência do NRAU, pois o que se está a discutir são os efeitos de um direito que à data em que foi exercido pela 1.ª R. ainda não lhe assistia, ou seja, o de denunciar aquele contrato com base na nova redacção do art. 1098.º, n.º 2, do CC. Ora, não se aplicando este novo regime, segue-se que é pelas normas aplicáveis do RA U que se deve reger a denúncia operada.”; de 21 de fevereiro de 2019 (Rosa Tching), proc. .º 750/13.1YXLSB.L1.S2 - disponível para consulta in www.dgsi.pt, de acordo com o qual “se é certo reportarem-se as condições de exercício do direito de resolução ou de denúncia  ao conteúdo da relação jurídica existente, certo é também que as mesmas não podem ser abstraídas do contrato de arrendamento que está na sua génese, pelo que, afastada a regra estabelecida nº 2 do citado art. 12º, impõe-se, quanto a elas, observar o disposto no nº1 deste mesmo artigo, ressalvando-se, por isso, os efeitos já produzidos Quer tudo isto dizer que, no tocante aos fundamentos de resolução e/ou de denúncia dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, de duração ilimitada e celebrados  antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, não se impõe a aplicabilidade imediata e retroativa do novo regime do NRAU, designadamente das normas transitórias constantes dos seus arts. 26º a 28º, havendo que ponderar a relevância dos factos apontados como causa da pretendida resolução ou da denúncia do contrato por parte do senhorio à luz das normas vigentes à data em que os mesmos ocorreram.”