Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
209/18.0GESTB-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CUMPRIMENTO DE PENA
CARTA DE CONDUÇÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Constituindo o recurso de revisão um recurso extraordinário (por se tratar de um recurso interposto de uma decisão que já transitou em julgado), tal não impõe que se classifiquem todas as normas processuais inscritas no CPP a este respeitante como normas excecionais. Por isso, o art. 449.º, n.º 2, do CPP, poderá ser interpretado extensivamente como abrangendo decisões que se integram na decisão final de condenação uma vez que a decisão de revogação da pena de suspensão tem também uma dimensão substantiva (resultante da análise imposta pelo disposto no art. 56.º do CP).
II - A revisão da decisão que revoga a pena suspensa não pretende corrigir a pena que foi aplicada na sentença condenatória, mas sim averiguar se há lugar a revogação da pena suspensa, ou seja, se o pressuposto que esteve na base da sua aplicação, aquando da sua condenação, foi ou não frustrado.
III - Da necessária concordância prática entre a garantia constitucional do direito à revisão da sentença (art. 29.º, n.º 6, da CRP) e outros direitos constitucionais apenas resta a possibilidade de admitir a revisão de despachos que revogam a suspensão da pena de prisão, nos casos em que essa solução for ditada por uma interpretação conforme a Constituição, em ordem à preservação de um direito fundamental; isto é, a defesa constitucional do caso julgado deverá ceder perante a preservação do direito fundamental à liberdade que não pode ser restringido a não ser que esta restrição seja necessária, adequada e proporcional (cf. art. 18.º da CRP).
IV - No âmbito do sistema jurídico-penal, a garantia de caso julgado mostra-se enfraquecida quando uma nova lei descriminaliza o facto já julgado ou altera a medida da pena permitindo que cesse a pena logo que atingido o novo limite máximo da pena (cf. art. 2.º, n.os 2 e 4, in fine, do CP); e também, no âmbito da pena suspensa, o caso julgado inerente à sentença condenatória se apresenta fragilizado a partir do momento em que o legislador permitiu a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas (cf. art. 51.º, n.º 3, do CP e art. 492.º do CPP), ou permitiu a integração da pena principal, que havia sido suspensa, em conhecimento superveniente de concurso de crimes.
V - Também nestes autos (à semelhança do julgado pelo STJ no acórdão de 07.05.2009) o arguido apresentou os documentos (a 09.02.2021) que demonstravam que tinha cumprido as obrigações impostas depois da decisão de revogação da pena suspensa (de 21.01.2020, mas apenas notificada ao arguido a 21.01.2021, havendo suspensão de prazos entre 21.01.2021 e 06.04.2021), mas após esta apresentação também aqui o tribunal teve oportunidade de os apreciar, não o tendo feito por considerar estar esgotado o poder jurisdicional; por isso, os documentos são novos dado que não foram apresentados e apreciados no processo de decisão que conduziu à condenação em prisão efetiva; e constituem elementos que põem em causa, de modo sério e grave, a justiça da condenação e, por isso, nos termos dos arts 449.º, n.os 1, al. d) e 2, 450.º, n.º 1, al. c) e 457.º do CPP, é de autorizar a revisão.
Decisão Texto Integral:


     

Proc. n. º 209/18.0GESTB-A.S1
5.ª Secção




Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório

1.1. AA foi condenado, por decisão de 21.05.2018 e transitada em julgado a 20.06.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01), na pena de prisão de 6 meses, substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão por um período de um ano e sob cumprimento das seguintes obrigações:
- manutenção, no decurso do período da suspensão, da inscrição na escola de condução e frequência, com assiduidade, das aulas práticas;
- comprovação nos autos, no decurso do período da suspensão e mediante declaração emitida pela escola de condução, da submissão ao necessário exame prático.
1.2. O recorrente, através da sua defensora oficiosa, juntou aos autos principais, a 18.05.2018, licença de aprendizagem emitida pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes onde consta o averbamento da passagem no exame teórico (módulo comum); e a 07.06.2018 obteve a aprovação no exame prático, nas categorias B e B1, de acordo com a cópia da carta de condução junta aos autos principais a 09.02.2021 (juntamente com o requerimento apresentado, pela defensora oficiosa, onde se requer a junção deste documento aos autos e se requer que “atentos os motivos invocados, seja considerada como cumprida a condição para a suspensão da pena”, tendo-se ainda referido que “não juntou tal comprovativo aos autos [a carta de condução], por se supor que os documentos já entregues [a licença de aprendizagem unta a 18.05.2018] seriam suficientes para cumprir a condição imposta para a suspensão da pena em que foi condenado” — cf. ref. ...18 dos autos principais).
1.2. Mas, por decisão de 21.01.2020 (cf. certidão junta aos autos), e transitada em julgado a 22.02.2021, foi determinada (em momento anterior ao requerimento citado supra) a revogação da pena de substituição e deliberado que cumprisse a pena principal de prisão em que havia sido condenado; o arguido foi notificado, por carta rogatória, a 21.01.2021.
2. É desta última decisão que o condenado (preso desde 22.03.2022 no Estabelecimento Prisional ...) veio agora interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1-0 Recorrente AA foi condenado em 18 de maio de 2018 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução mediante a condição de manter a inscrição na escola de condução e frequentar com assiduidade as aulas práticas e comprovar nos autos a submissão ao exame prático.
2- Em 18 de maio de 2018 o recorrente juntou aos autos cópia da licença de aprendizagem já averbada a aprovação em exame teórico.
3- Em 7 de junho de 2018 o recorrente obteve a aprovação em exame prático na categoria B e Bl.
4- Decorrido 1 ano e sem que houvesse qualquer notificação por parte do Tribunal, a meio do ano de 2019 o recorrente vai para ... trabalhar, fixando aí residência.
5- A primeira notificação que recebe do processo é em 12 de fevereiro de 2021, sendo notificado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena.
6- De imediato requer ao tribunal a quo que a referida revogação seja revogada justificando a não entrega da prova no período da suspensão e entregando cópia da carta de condução obtida em junho de 2018.
7- Apesar do requerido ter junto aos autos a prova de que tinha cumprido a injunção do tribunal e do parecer do Ministério Publico para a extinção da pena, o tribunal responde ao recorrente mantendo a revogação da suspensão.
8- A revogação da suspensão ofende os mais elementares princípios de direito uma vez que foram cumpridas as condições impostas na Douta sentença, cumprindo-se a intenção subjacente à imposição de tais condições.
9- A revogação da suspensão da pena além de, no nosso entender, não poder se aplicada por não preencher os requisitos legais é injusta porque condena ao cumprimento de uma pena de prisão efetiva alguém que cumpriu com as medidas impostas pela condição da suspensão da pena, decorridos quase 3 anos após a condenação.
10- E, por isso recorrível nos termos do preceituado na al. d) do n.° 1 do artigo 449° do CPC.
11-0 Condenado cumpriu com o que lhe foi exigido, pelo que é da mais elementar Justiça extinguir por cumprimento a pena em que foi condenado, porque efetivamente está cumprida.»
3. Foram os autos remetidos ao Senhor Procurador da República, no Tribunal Judicial da Comarca ... (Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 4), que se pronunciou no sentido de ser negada a revisão e apresentou as seguintes conclusões:
«1. O recorrente pretende a revogação do despacho que determinou a revogação da pena de prisão suspensa na sua execução e determinou o cumprimento efectivo da pena de 6 (seis) meses de prisão.
2. O Arguido não recorreu deste mencionado despacho.
3. O despacho que revogou a pena de prisão suspensa na sua execução aplicado ao Arguido transitou em julgado.
4. Posteriormente, o Recorrente apoiando-se no fundamento da alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP, que entendemos que não se verifica, uma vez que não estamos perante a existência de factos novos ou meios de prova novos, mas antes de um argumento apresentado pelo recorrente /arguido que poderia servir como fundamento de recurso e não de revisão do acórdão, pretende agora revogar o despacho em crise.
5. E, desse modo, afrontar o trânsito em julgado da decisão que revogou a pena suspensa aplicada ao arguido e que determinou o cumprimento da pena de 6 (seis) meses de prisão.
6. O recurso de revisão é um recurso excepcional que só deve ser admitido nos casos taxativamente elencados na lei processual penal, pelo que não se verificando os mencionados pressupostos, é de improceder o presente recurso.»
4. A Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 4), na informação a que alude o art. 454.º, do CPP, deliberou:
«AA veio interpor recurso extraordinário de revisão do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado.
Antes de mais, importa referir que a jurisprudência se divide quanto à admissibilidade do recurso de revisão desse despacho.
Uma das orientações jurisprudenciais considera que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena não se limita a dar mera sequência à decisão condenatória, antes dela fazendo parte integrante, mormente ambas as decisões se equiparando quanto ao efeito suspensivo de recurso que de uma e outra seja interposto, a subir nos próprios autos. A outra orientação (…) considera que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta à recorrente não pôs fim ao processo, antes abriu a fase de execução da pena de prisão em que foi condenada, pelo que, consequentemente não pode ser objecto de revisão (art. 449.º, n.º 2, do CPP). – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2016, processo 14217/03.2TDLSB-A.S1, disponível in www.dgsi.pt.
Dito isto, analisemos a pretensão do Recorrente.
AA veio interpor recurso extraordinário de revisão do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado, com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do Cód. Proc. Penal.
Nos termos do referido preceito legal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Por sentença proferida em 21 de Maio de 2018, transitada em julgado em 20 de Junho de 2018, AA foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, a qual foi subordinada ao cumprimento das seguintes obrigações pelo arguido: a) manutenção, no decurso do período da suspensão, da inscrição na escola de condução e frequência com assiduidade das aulas práticas e b) comprovação nos autos, no decurso do período da suspensão e mediante declaração emitida pela escola de condução, da submissão ao necessário exame prático.
Por despacho de 20 de Janeiro de 2020, foi determinada a revogação da suspensão da pena de prisão imposta ao condenado e determinado o cumprimento pelo arguido da pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, uma vez que o condenado não comprovou nos autos o cumprimento da condição de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, e após realizadas as necessárias diligências com vista à audição do condenado, as quais se revelaram infrutíferas.
Em 21 de Janeiro de 2021, o condenado foi notificado por carta rogatória de tal despacho.
Em 9 de Fevereiro de 2021, o condenado veio juntar cópia da sua carta de condução e requereu que fosse considerada cumprida a condição para a suspensão da pena.
Em 15 de Março de 2021, foi proferido despacho onde se consignou que, atento o teor da decisão proferida em 21 de Janeiro de 2020 (cfr. fls. 79 e 80), que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão imposta ao arguido bem como o cumprimento pelo arguido da pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, tendo-se esgotado o poder jurisdicional, nada havia a determinar.
Em 22 de Abril de 2021, o condenado interpôs recurso do despacho proferido em 15 de Março de 2021, o qual não foi admitido por se entender que o despacho recorrido consubstanciava um despacho de mero expediente.
O condenado não apresentou reclamação do despacho de não admissão de recurso.
O condenado não interpôs recurso do despacho que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado.
Assim, transitado em julgado o despacho proferido em 20 de Janeiro de 2020, foram emitidos os competentes mandados de detenção do condenado com vista ao cumprimento da pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes os autos, encontrando‑se o Arguido preso desde 22 de Março de 2022.
Veio agora o Recorrente interpor o presente recurso, com base nos fundamentos já anteriormente alegados.
Ora, analisado o recurso interposto pelo condenado, facilmente se conclui que não estão aqui em causa novos factos ou meios de prova.
Com efeito, os factos ou meios de prova novos podem ser causa de revisão da sentença se, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (…) Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste (…). – Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Processo Penal (…), 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, página 1207.
No recurso interposto, o condenado limita-se a invocar que já é titular de carta de condução desde 2018, documento este que podia ter apresentado oportunamente.
Todos os factos alegados pelo condenado são pessoais, não podendo assim ser considerados novos.
Em suma, entendemos que não foi invocado qualquer facto ou meio de prova novo que pusesse em causa e de forma grave a justiça quer da condenação quer da revogação da suspensão, inexistindo fundamento para o recurso.».
5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, ao abrigo do disposto no art. 455.º, n.º 1, do CPP, manifestou-se, igualmente, no sentido de não ser autorizada a revisão porquanto:
«(...) A primeira questão que se coloca é a de saber se o recurso é admissível (v. a parte introdutória da informação da Sr.ª juíza – 27. supra).
A resposta à questão perspectiva-se como negativa.
Na verdade, apenas a sentença transitada em julgado e, por equiparação, o despacho que tiver
posto fim ao processo são susceptíveis de revisão (v. o art. 449.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).
Ora, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena (14. supra): - Não constitui (obviamente) uma sentença;
- Não põe termo, id est, não encerra, o processo.
Conforme se escreveu, por exemplo, no acórdão do STJ de 19.12.2019, «a matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação, o que por força da equiparação do n.º 2 do art.º 449.º, tem de perpassar também pelo despacho que põe fim ao processo, como decorre das alíns. b) e c) do n.º 1 do art.º 450.º do CPP, o que não acontece com o despacho revogatório da suspensão, onde desde logo não é a justiça da condenação decretada na sentença que é posta em causa, mas a justeza e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena» (processo 66/13.3PTSTR-A.S1, www.dgsi.pt).
Dito por outras palavras, a «decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sen- tença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo.
Tenha-se em vista o que a lei adjectiva penal estabelece em matéria de actos decisórios, ao estatuir nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º:
Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem
fim ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
É inquestionável, pois, que o despacho que o recorrente BB pretende seja revisto é insusceptí- vel de revisão, posto que prolatado depois da sentença.
Tem sido este, aliás, o entendimento quase unanime deste Supremo Tribunal, ao considerar que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não põe fim ao proces- so, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida» (acórdão do STJ de 15.02.2017, processo 320/07.3GBPSR.S1, www.dgsi.pt).
À vista deste entendimento, que se acompanha por ser o mais sólido e conforme ao texto legal (e que, permitimo-nos acrescentar, foi há bem pouco tempo renovado no acórdão do STJ de 06.04.2022, processo 12/09.9IDVRL-B.S1, da 3.a Secção, ainda não publicado, que saibamos, em qualquer base de dados), a revisão deve ser negada.
Caso assim não se entenda.
O recorrente estriba o recurso no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP (v. a conclusão 10).
Com fundamento no invocado normativo é admissível a revisão se forem descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no pro- cesso, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (neste caso seria sobre a justiça da decisão de revogação da suspensão da execução da pena).
De acordo com o entendimento maioritário do STJ, «só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal» (acórdão STJ de 24.06.2021, processo 1922/18.8PULSB-A.S1, www.dgsi.pt), bem como os factos ou meios de prova co- nhecidos do recorrente conquanto o mesmo justifique «a razão pela qual não os apresentou em momento próprio» (acórdão do STJ de 11.02.2021, processo 75/15.8PJAMD.S1, www.stj.pt).
No caso em apreço o novo elemento de prova consiste na carta de condução entretanto obtida pelo recorrente (18. supra).
Todavia, esse elemento de prova era de si conhecido desde 07.06.2018, ou seja, desde mo- mento anterior à decisão revivenda (v. a conclusão 3).
Tendo ele estado presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença (3. supra) e tendo sido notificado em duas ocasiões para comprovar o cumprimento das obrigações a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão (4., 6. e 7. supra) não podia ignorar que devia ter aportado tal documento ao processo «no decurso do período da suspensão» (1. supra).
E daí que, não podendo o elemento de prova em questão ser rotulado de novo nem como tal ser atendido para os efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, também por esta via deva ser denegado o pedido de revisão.»
6. Colhidos os vistos, cumpre decidir.




II
Fundamentação

1. Em primeiro lugar, tendo em conta a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, cumpre averiguar se o despacho que revoga a pena de substituição de suspensão de execução da pena (principal) de prisão é ou não suscetível de recurso de revisão, atento o disposto no art. 449.º, n.º 2, do CPP.

A resposta a dar à questão não é unânime.

Parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1] entende que o despacho que revoga a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão não constitui um despacho que se possa equiparar à sentença, pois não põe fim ao processo, dado que apenas dá sequência à condenação proferida na decisão inicial.

Outra parte da jurisprudência do Supremo Tribunal entende que o recurso de revisão deste despacho é admissível — assim no acórdão de 17.03.2016, proc. n.º 587/09.2GBSSB-A.S1[2], Relatora: Cons. Isabel São Marcos. Mas, já em momento anterior o Supremo Tribunal de Justiça se tinha pronunciado pela admissibilidade do recurso de revisão do despacho que revoga a pena suspensa em acórdão de 07.05.2009[3], onde expressamente se entendeu-se que  «(...) o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, na medida em que põe termo à pena de substituição da pena de prisão, dando efectividade à execução desta, não se limita a dar sequência à condenação antes proferida e, por outro lado, integra-se na decisão final.

Na verdade, enquanto que a sentença condenatória impôs uma pena de prisão mas pressupôs um juízo de prognose favorável ao arguido e a esperança fundamentada de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, por isso, não ordenou a prisão, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena reconheceu, ou que o arguido infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometeu crime pelo qual foi condenado e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, e determinou, em consequência o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Tal despacho não se limita, como se disse, a dar sequência à "execução" da pena anteriormente cominada, mas aprecia factos novos entretanto surgidos e que põem em causa a suspensão (condicional) da pena de prisão (...). Por conseguinte, há aqui um juízo autónomo efectuado pelo tribunal, baseado em facto ou omissão entretanto surgidos e imputáveis ao condenado e apreciados segundo o critério da culpa.

O despacho que revoga a suspensão da execução da pena é, assim, um despacho que não pode deixar de integrar-se na decisão final, dando efectividade à condenação cuja execução ficara condicionalmente suspensa. (...)»[4].

Constituindo o recurso de revisão um recurso extraordinário (por se tratar de um recurso interposto de uma decisão que já transitou em julgado), tal não impõe que se classifiquem todas as normas processuais inscritas no Código de Processo Penal (CPP) a este respeitante como normas excecionais[5]. Por isso, o art. 449.º, n.º 2, do CPP, poderá ser interpretado extensivamente como abrangendo decisões que se integram na decisão final de condenação uma vez que a decisão de revogação da pena de suspensão tem também uma dimensão substantiva (resultante da análise imposta pelo disposto no art. 56.º, do Código Penal)[6]. Na verdade, constitui o recurso de revisão um recurso que visa reagir contra casos de flagrante injustiça “fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado”[7]

Ora, constituindo a decisão de revogação da pena suspensa uma decisão necessária e imprescindível para que ocorra o cumprimento efetivo da pena de prisão, e considerando o legislador que apenas deve ocorrer a revogação quando o condenado infringiu “grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos” [art. 56.º, n.º 1, al. a), do CP], a decisão implica uma ponderação do juiz, tendo em conta os factos de que dispõe; mas esta ponderação não passa apenas pela verificação da existência ou não dos pressupostos de revogação, dado que o não cumprimento das condições de suspensão poderá ter outras consequências que não a de revogação — cf. art. 55.º, do CP. Ou seja, estamos perante uma decisão de mérito com reavaliação de modo que se possa afirmar que o “incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão[8].

Dir-se-á que não é possível a revisão com “o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada” (art. 449.º, n.º 3, do CPP). Porém, a revisão da decisão que revoga a pena suspensa não pretende corrigir a pena que foi aplicada na sentença condenatória, mas sim averiguar se há lugar a revogação da pena suspensa, ou seja, se o pressuposto que esteve na base da sua aplicação, aquando da sua condenação, foi ou não frustrado. E é por isso que se considera que esta decisão faz parte integrante daquela outra, pois a completa e, completando-a, a admissibilidade do recurso de revisão desta decisão constitui uma extensão da admissibilidade do recurso de revisão da sentença condenatória, ainda abarcável no espírito do legislador (corroborado pelo legislador constitucional) que pretendeu elevar a exigência de justiça sobre a garantia do caso julgado de modo a que este não constitua um valor absoluto, especialmente quando a sua manutenção implique a violação de um outro direito fundamental — o direito à liberdade. Na verdade, da necessária concordância prática entre a garantia constitucional do direito à revisão da sentença (art. 29.º, n.º 6, CRP) e outros direitos constitucionais, apenas resta a possibilidade de admitir a revisão de despachos que revogam a suspensão da pena de prisão nos casos em que essa solução for ditada por uma interpretação conforme a Constituição, em ordem à preservação de um direito fundamental; isto é, a defesa constitucional do caso julgado deverá ceder perante a preservação do direito fundamental à liberdade, que não pode ser restringido a não ser que esta restrição seja necessária, adequada e proporcional (cf. art. 18.º da CRP).

Além disto, no âmbito do sistema jurídico-penal, a garantia de caso julgado mostra-se enfraquecida quando uma nova lei descriminaliza o facto já julgado ou altera a medida da pena, permitindo que cesse a pena logo que atingido o novo limite máximo da pena (cf. art. 2.º, n.ºs 2 e 4, in fine, do CP); e também, no âmbito da pena suspensa, o caso julgado inerente à sentença condenatória se apresenta fragilizado a partir do momento em que o legislador permitiu a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas (cf. art. 51.º, n.º 3, do CP e art. 492.º, do CPP), ou permitiu a integração da pena principal, que havia sido suspensa, em conhecimento superveniente de concurso de crimes.

Tal como já afirmou este Supremo Tribunal de Justiça, “os princípios orientadores do caso julgado não se estendem à suspensão da pena, mas apenas à sua medida”[9]. Se assim é, deverá considerar-se como integrando os propósitos legislativos a admissibilidade do recurso de revisão do despacho que revoga a pena suspensa com fundamento em novos factos não conhecidos do tribunal ao tempo da decisão.

Assim sendo, passemos a analisar a pretensão formulada.

2. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

Atendendo ao carácter excecional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o Código de Processo Penal prevê, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do artigo 449º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

São elas:

- falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado;

- sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

- inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

- descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

- condenação com fundamento em provas proibidas;

- declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação; ou

- sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.

3.1. Como vimos, o recorrente invoca, como fundamento do recurso, a alínea d) do n.º 1 do citado art. 449. °, do CPP que, como já referido, estabelece que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível se se descobrirem novos factos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora, como considerou o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 376/2000, de 13.07.2000, “no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias[10]. E isto sob pena de, como refere Paulo Pinto de Albuquerque[11], o recurso de revisão, de natureza excecional, transformar-se numa «apelação disfarçada», o que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a censurar, enquanto violador da garantia do caso julgado.

Exige ainda a lei que os novos factos ou meios de prova descobertos sejam de molde, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Ponto é saber o que serão novos factos ou novos meios de prova.

A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.

Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico[12].

Porém, nos últimos tempos, tal jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal [13]. Algo de semelhante ocorre, quando o Código de Processo Penal, no art. 453.º, n.º 2, determina que, nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas, “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor” — ou seja, só são admissíveis novos meios de prova ou quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justificar a razão por que os não apresentou.

Assim sendo, o recorrente não pode “guardar” factos ou meios de prova do seu conhecimento ao tempo da decisão para mais tarde, em sede de recurso de revisão, os apresentar como sendo “novos”, e assim fundamentando uma possível alteração de uma decisão, com prejuízo para o caso julgado, entretanto formado. Na verdade, poderemos considerar que nestas circunstâncias não estamos a assistir a um exercício de um direito fundamental, mas a um abuso daquele direito.

Todavia, caso esteja em causa a inocência de um condenado, talvez devamos retomar as velhas palavras do Supremo Tribunal de Justiça “em verdade seria iníquo que, demonstrada a inocência de um condenado, embora baseada em factos que por êle não eram ignorados no momento da condenação, mas que não tivesse alegado em defesa por  os não reputar eficazes, ou por qualquer outro motivo, continuasse sofrendo o pêso da condenação, beneficiando-se assim o verdadeiro culpado, ao qual ficaria assegurada a impunidade, e a possibilidade de continuar a pôr em risco a tranquilidade social[14].

3.2. Explicitemos os factos constantes destes autos[15]:

- por decisão de 21.05.2018, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.019, na pena de prisão de 6 meses, substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão por um período de 1 ano e sob condição de cumprimento das seguintes obrigações: - manutenção, no decurso do período da suspensão, da inscrição na escola de condução e frequência, com assiduidade, das aulas práticas; - comprovação nos autos, no decurso do período da suspensão e mediante declaração emitida pela escola de condução, da submissão ao necessário exame prático;

- a decisão transitou em julgado a 20.06.2018;

- em momento anterior à decisão referida, a 18.05.2018, o arguido, através da sua defensora oficiosa, juntou aos autos principais licença de aprendizagem emitida pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes onde consta o averbamento da passagem no exame teórico (módulo comum);

- a 07.06.2018, o arguido obteve aprovação no exame prático, nas categorias B e B1, obtendo licença para condução de veículos daquelas categorias;

- a 21.01.2020, é prolatado despacho de revogação da pena de suspensão e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;

- o arguido foi notificado desta decisão, por carta rogatória, a 21.01.2021 (não foi notificado antes porque já não se encontrava na morada constante do termo de identidade e residência);

- após esta notificação, o arguido, através da defensora oficiosa, apressa-se a comunicar ao Tribunal, a 09.02.2021, que tinha frequentado as aulas e apresenta documento habilitante para a condução, juntando cópia da carta de condução n.º ...22, para condução de veículos B e B1, emitida a 07.06.2018;

- a decisão de revogação da pena de substituição transitou em julgado a 22.02.2021;

- o arguido encontra-se preso, no Estabelecimento Prisional ..., desde 22.03.2022.

3.3. Perante estes factos, não podemos dizer que estamos perante uma mera estratégia processual do arguido — o arguido não apresentou a carta de condução, pese embora já tivesse obtido a necessária licença, porque não teve conhecimento da notificação que lhe havia sido endereçada. Dir-se-á que não teve conhecimento pois não cumpriu o imposto no termo de identidade e residência (TIR) dando conhecimento ao Tribunal da sua nova morada — mas este não cumprimento não pode fundamentar o cumprimento de uma pena de prisão. Na verdade, quando o arguido efetivamente foi notificado da decisão que revogou a suspensão da pena (através da sua defensora oficiosa) juntou os elementos relevantes. Tal como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2009 (citado supra) «o arguido demonstrou nos autos, documentalmente, que tinha obtido a carta de condução no prazo indicado, pelo que cumprira a principal injunção imposta como condição de suspensão da pena (...), pelo que é de considerar que, se o tribunal recorrido tivesse tomado conhecimento desse facto, não teria concluído que o arguido infringira grosseiramente os deveres impostos, revogando, em consequência, a suspensão da execução da pena de prisão.

Pode contrapor-se que o tribunal recorrido teve conhecimento desses documentos antes de transitar em julgado o        despacho de revogação da suspensão da pena e, portanto, não seriam elementos "novos” no processo. Contudo, os documentos foram apresentados depois de proferido o despacho e o tribunal, nas duas vezes que teve oportunidade de os apreciar e de, eventualmente, mudar o sentido da decisão, não o fez por entender que se esgotara o seu poder jurisdicional. Assim, os documentos são efectivamente "novos", no sentido de que não foram apresentados e apreciados no processo de decisão que conduziu à condenação em prisão efectiva.

Trata-se de elementos que põem em causa, de modo sério e grave, a justiça da condenação e, por isso, nos termos dos arts 449°, nºs 1, al. d) e 2, 450º, n° 1, al c) e 457° do CPP, é de autorizar a revisão.»

O facto novo — o arguido ter obtido a licença de condução pouco depois da decisão condenatória — permite-nos constatar que não só aquando da decisão de revogação da pena de suspensão o arguido havia cumprido, muito antes, em 2018, as condições impostas na sentença, mas também porque vicissitudes processuais acabaram por determinar a prisão do arguido em claro desrespeito pelos propósitos subjacentes à aplicação de uma pena de substituição.

Assim, também nestes autos o arguido apresentou os documentos (a 09.02.2021) que demonstravam que tinha cumprido as obrigações impostas depois da decisão de revogação da pena suspensa (de 21.01.2020, mas apenas notificada ao arguido a 21.01.2021, havendo suspensão de prazos entre 21.01.2021 e 06.04.2021), mas após esta apresentação também aqui o tribunal teve oportunidade de os apreciar, não o tendo feito por considerar estar esgotado o poder jurisdicional. Por isso, os documentos são novos[16] dado que não foram apresentados e apreciados no processo de decisão que conduziu à condenação em prisão efetiva.  E constituem elementos que põem em causa, de modo sério e grave, a justiça da condenação e, por isso, nos termos dos arts 449.º, n.ºs 1, al. d) e 2, 450.º, n.º 1, al. c) e 457.º do CPP, é de autorizar a revisão.

Autorizada a revisão da decisão que apreciou o cumprimento das condições impostas aquando da aplicação da pena de substituição da pena de suspensão da execução da pena de prisão, devem os autos ser devolvidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 4, nos termos do art. 457.º, n.º 1, do CPP.

Nos termos do art. 457.º, n.º 2, do CPP, determina-se que seja suspenso cumprimento da pena de prisão, e consequentemente, imediatamente libertado; e, ao abrigo do disposto no art. 457.º, n.º 3, do CPP, determina-se que o arguido deve prestar novo termo de identidade e residência, advertindo-o expressamente que deve indicar a morada do local onde possa receber a correspondência.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, em autorizar o pedido de revisão formulado pelo condenado AA, determinando que

- seja suspenso cumprimento da pena de prisão,

- o arguido seja imediatamente libertado, e

- preste novo termo de identidade e residência, sendo expressamente advertido que a morada que indicar será a morada onde irá receber a correspondência do Tribunal referente a este processo, e que caso altere a sua residência disso deverá informar, imediatamente, o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 4.

Proceda, de imediato, à libertação do arguido, sem prejuízo do interesse da sua prisão à ordem de outro processo.

Comunique-se imediatamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Setúbal.

Envie cópia deste acórdão à Ordem dos Advogados.
Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de junho de 2021
Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama(Vencido quanto à recorribilidade. Ultrapassada essa questão, voto a decisão)

Eduardo Loureiro

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[1] Neste sentido, ac. de 12.03.2009, proc. n.º 09P0396 (Relator: Sousa Fonte) e jurisprudência aí citada, in www.dgsi.pt. Em sentido idêntico também, ac. do STJ, de 17.10.2012, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, XX, III, p. 197 e ss e ac. de 15.02.2017, proc. n.º 320/07.3GBPSR.S1, Relator: Cons. Oliveira Mendes, ac. de 19.12.2019, proc. n.º 66/13.3PTSTR-A.S1, Relator: Cons. Francisco Caetano,  todos em www.dgsi.pt; e ainda ac. de 20.05.2020, proc. n.º 906/13.7GAVNF-A.S1, Relator: Paulo Ferreira da Cunha, in  https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:906.13.7GAVNF.A.S1/,  e  ac. de 06.04.2022, proc. n.º 12/09.9IDVRL-B.S1, Relatora: Cons. Conceição Gomes, ainda inédito. Em sentido similar, cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, art. 449.º/ nm. 27, p. 1216.
[2] O acórdão pode ser consultado aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/610463d73e5803f780257f7a0042bf01?OpenDocument
[3] Colectânea de Jurisprudência­ — acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XVII, tomo II, 2009, p. 206 e ss.
[4] No mesmo sentido cf. também ac. de 09.12.2010, proc. n.º 346/02.3TAVCD-B.P1.S1, Relator: Cons. Rodrigues da Costa, ac. de 20.02.2013, proc. n.º 2471/02.1TAVNG-B.S1, Relator: Cons. Rodrigues da Costa, ac. de 30.10.2019, proc. n.º 516/09.3GEALR-A.S1, Relatora: a Relatora deste acórdão, todos in www.dgsi.pt; e ainda ac. de 31.01.2019, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I (2019), p. 161.
[5] No sentido de que a revisão não é uma exceção como no processo civil, cf. Cavaleiro Ferreira, Revisão Penal (art. 678.º, n.º 4, do Código de Processo Penal), Scientia Ivridica, tomo XIV, 1965, p. 520.
[6] Em sentido idêntico, ac. de 28.10.2020, proc. n.º 1007/10.5TDLSB-B.S1 (Relator: Cons. Manuel Augusto de Matos), in www.dgsi.pt.
[7] Assim já, ac. do STJ, 11.02.2015, proc. n.º 182/13.1PAVFX.S1, Relatora: a relatora destes autos.
[8] Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1993, § 546.
[9] Ac. de 07.02.1990, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 394, p. 237 e ss.
[10] Consultável  in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000376.html
[11] Cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, p. 1212 e ss.
[12] Assim, neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.93, Processo n.º 43.772; de 03.07.97, Processo n.º 485/97; de 10.04.2002, Processo n.º 616/02, todos da 3.ª Secção ou de 01.07.2009, Processo n.º 319/04.1 GBTMR-B.S1.
[13] Veja-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, Processo nº 198/l0.0TAGRD-A.S1 e de 02.12.2013, Processo n.º 478/12.0PAAMD-A.Sl, ambos da 5.ª Secção ou de 25.06.2013, Processo n.º 51/09.0PABMAI-B.Sl, da 3.ª Secção
[14] Ac. de 08.03.1940, Revista dos Tribunais, ano 58, n.º 1378, p. 152 e ss (também citado em Conde Correia, O «mito do caso julgado e a revisão propter nova, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 551). Todavia, já nesta altura a opinião não era unânime — na Revista da Justiça (ano 25, n.º 572, p. 116-7) em nota ao mesmo acórdão afirma-se que “não se deveria admitir que, conhecendo-os [o réu os novos factos], os não levasse ao conhecimento do Tribunal que o condenou e venha depois invocá-los para a revisão. (...) A doutrina agora adoptada pelo Supremo tem apenas o inconveniente de poder dar lugar a abusos.”).
[15] Resultante da consulta do apenso de revisão e dos autos principais.
[16] Também no sentido de que são novos os factos que são desconhecidos do Tribunal aquando da decisão, cf. cf. Eduardo Correia, Para quem são novos os factos ou elementos de prova que fundamentam a revisão das decisões penais?, Revista de Direito e Estudos Sociais, VI, p. 381 e ss; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1974, p. 99; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português. Do procedimento (marcha do processo), vol. III, Lisboa: UCP, 2014, p. 371.