Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20427/16.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CASO JULGADO
REQUISITOS
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, p. 121/124;
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 36 e ss.;
- Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, p. 78;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, p. 354;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 576 ; Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579, 590 ; Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1996, p. 336 ; Preclusão e "contrario contraditório", CDP, n.º 41, p. 24-25 ; O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ n.º 325, p. 171 e ss.;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 60 e 61;
- Vaz Serra, RLJ, Ano 110.º, p. 232.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-03-2004;
- DE 03-02-2005;
- DE 20-09-2005, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Para que se verifique a exceção do caso julgado é necessária a identidade de partes, do pedido e da causa de pedir.
II - O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas.
III - O facto de o recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada em outro processo (na decisão proferida nesse outro processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.

Decisão Texto Integral:            

ACÓRDÃO

Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra BB, advogada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

“a) €36 500, a título de danos patrimoniais;

b) €10 000, a título de danos não patrimoniais;

c) Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, a serem pagos desde o trânsito em julgado do arquivamento do processo 12399/5TDLSB até efetivo e integral pagamento”.

Alegou o Autor, para tanto, em síntese que:

— Na sequência da denúncia apresentada pelo Autor contra a Companhia de Seguros DD, S.A., a 27/07/1999, correram termos na 4.ª secção do DIAP de Lisboa, uns Autos de Inquérito sob o n.°12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente;

— O referido Inquérito veio a ser arquivado;

— Em 14/09/1999, o Autor solicitou proteção jurídica;

— Nos finais de novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;

— O Autor apresentou, a 28/12/2005, junto da Ordem dos Advogados, uma denúncia contra a Ré;

— Por força da atuação profissional da Ré, o Autor sofreu danos patrimoniais no valor de €36 500,00 e danos não patrimoniais no valor de €10 000,00, cujo pagamento reclama a título de responsabilidade civil contratual, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 1157.°, 443.°, 444.°, 798.° e 799.° do Código Civil, 85.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação aplicável à data dos factos e do Decreto-Lei n.° 387-B/87.

2. Não tendo sido possível a citação da Ré, em virtude do seu falecimento, foi julgada habilitada a herdeira CC que, notificada para os termos da ação, apresentou contestação, em que, além da defesa por invocação da exceção de prescrição e por impugnação, arguiu a exceção de caso julgado, sustentando existir identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir entre a presente ação e aquela que correu os seus termos como Ação de Processo Ordinário n.° 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa.

Concluiu pela respetiva absolvição do pedido.

3. Notificado, o Autor pugnou no sentido da improcedência das invocadas exceções, tendo alegado, naquilo que respeita à exceção de caso julgado, que:

«(...)

1. A Ré considera que “O objeto da presente ação já foi decidido noutra ação, (Processo n°776/13.5TVLSB, 6ª Vara Cível de Lisboa), por douta sentença confirmada por acórdãos do TRL e do STJ, que transitou em julgado, em que foram partes a ora Ré e o ora Autor, sobre o mesmo pedido e a mesma causa de pedir”.

2. Sucede, porém, que a referida sentença teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.

3. Ora conforme resulta da petição inicial apresentada, o Autor configura a relação jurídica entre Autor e Ré como um contrato de mandato.

4. Deste modo, a causa de pedir é necessariamente o referido contrato.

5. Pelo que não haverá identidade entre causas de pedir entre a presente ação e a ação referida no art.º 1.º supra, inexistindo assim exceção de caso julgado material.»

4. Findos os articulados, procedeu-se à realização de audiência prévia, sendo, após, proferido despacho saneador a julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado material com a consequente absolvição da instância da Habilitada CC (herdeira da Ré), «nos termos e para os efeitos dos artigos da aplicação conjugada dos artigos 278.º, n.º1, al e), 577.º, al. i), 580.º, n.ºs 1 e 2 e 595.º, todos do Código de Processo Civil.»

5. Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do qual conclui pela revogação da sentença recorrida, declarando-se a improcedência da exceção de caso julgado e determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a Apelação, confirmando a decisão do Tribunal de 1ª. instância.

7. Mais uma vez inconformado, o Autor / Apelante veio interpor revista, a título excecional, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O presente recurso tem por objeto o Douto Acórdão de 09.10.2018, o qual manteve a decisão da primeira instância, a qual julgou procedente a exceção do caso julgado, tendo absolvido CC (herdeira da Ré) da instância.

2ª. Em Tribunal de primeira instância foi considerado existir a exceção do caso julgado com base em ação de processo ordinário que correu sob o nº 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da extinta 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, na qual foi julgada procedente a exceção da prescrição, tendo sido absolvidos os Réus da instância.

3ª. O Venerando Tribunal a quo considerou «A única questão colocada à apreciação deste Tribunal de recurso reporta-se a saber se o senhor Juiz do Tribunal de Primeira Instância poderia concluir, como conclui, pela verificação da exceção de caso julgado tendo por parâmetro uma sentença, já transitada em julgado, que qualificou a atuação da Ré como configurando responsabilidade extracontratual - assim decidindo pela verificação da prescrição do direito do A. -, sendo certo que na presente ação o A. configura esses mesmos factos como responsabilidade contratual. Com base nesta distinta qualificação jurídica dos factos, o A. defende que não se verifica a mencionada exceção de caso julgado».

4ª. Concluiu o Venerando Tribunal a quo: «Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem novamente ser reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra óptica jurídica, sob pena de violação do caso julgado - artigos 5.º, n.º3, 581º e 621.º do Código de Processo Civil».

5ª. O que está aqui em causa não é apenas a qualificação da exceção do caso julgado material, mas igualmente as condições de exercício do Recorrente do direito a aceder ao sistema judiciário com o objectivo de ver reconhecido um direito substantivo de que é titular, ou seja, o direito à ação judicial.

6ª. Este direito está consagrado no ar.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, onde é estabelecido que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser negada por insuficiência de meios económicos, estabelecendo o n.º 4 do mesmo artigo que «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».

7ª. Estabelece o art.º 10.º da Convenção Universal dos Direitos do Homem que: «Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ele seja deduzida».

8ª. Este mesmo direito é garantido pelo art.º 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

9ª. A ação intentada teve como causa a conduta da Ré BB enquanto patrona oficiosa nomeada no âmbito do sistema de acesso ao Direito, a qual, ao negligenciar o seu dever como patrona oficiosa prejudicou irremediavelmente o Recorrente na demanda.

10ª. É no quadro do acesso ao direito e aos tribunais que deve ser analisado o presente recurso.

11ª. A Douta Sentença proferida na primeira instância e o Venerando Acórdão de que ora se recorre consideram verificar-se a exceção do caso julgado.

12ª. Ao contrário do que é afirmado pelo Venerando Tribunal a quo, no mencionado processo nº776/13.5TVLSB não foram meramente descritos os mesmos factos alegados em sede dos presentes autos.

13ª. Nos termos do n.° 1 do art.° 581.° do Cód. Proc. Civil, «Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», havendo identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

14ª. Existe a exceção de caso julgado quando ocorra uma tríplice identidade, ou seja, quando em ambas as ações as partes, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, estando transitada em julgado uma das decisões proferidas.

15ª. Conforme salienta Antunes Varela, «Nos termos do art.º 498.º do Cód. Proc. Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual surge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo autor (ou pelo réu no caso de pedido reconvencional ou da alegação de qualquer excepção). Na acção de condenação, por exemplo, a causa de pedir será o contrato, o negócio unilateral ou o facto ilícito real (a injúria, a usurpação do nome, o furto, a agressão física, o acidente de viação gerador de danos, etc.) em que o autor baseia a pretensão deduzida na petição inicial (condenação do demandado a efectuar determinada prestação)» (A: Varela, RLJ, 121º- 47 e s.).

16ª. O despacho saneador-sentença proferido no âmbito da ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.

17ª. Nos presentes autos o Recorrente invocou explicitamente como causa de pedir o vínculo existente entre a patrona oficiosa (a Ré) e o patrocinado (o Autor), no qual, embora não tenha sido assinado um contrato, a relação que se estabelece entre ambos continua a ser de mandatário e mandatado, ficando o pagamento de honorários do patrono nomeado à responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, em lugar do patrocinado.

18ª. A causa de pedir é necessariamente o referido contrato, e não a conduta da Ré que lhe causou o prejuízo peticionado, como seria no caso de estar em causa responsabilidade civil extracontratual.

19ª. Estão assim em causa duas causas de pedir diferentes, nunca tendo o Autor invocado responsabilidade civil extracontratual em ambos os casos.

20ª. A Douta sentença proferida no processo n.º776/13.5TVLSB considerou provado que o Recorrente tomou conhecimento dos factos que fundamentaram a ação em 2005.

21ª. O Recorrente, na presente instância indicou como fundamento para intentar a presente ação o conhecimento da decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados que condenou a Ré BB.

22ª. Foram assim alegados factos supervenientes, não se impondo a força positiva do caso julgado, não havendo identidade entre causas de pedir entre a presente ação e a ação de Processo Ordinário que correu sob o n.º776/13.5TVLSB na 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa.

23ª. Inexistindo assim exceção de caso julgado material.

24ª. De salientar igualmente que no âmbito do Processo Ordinário n.°776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, o Recorrente requereu apoio judiciário a 22.04.2010, o qual veio a ser concedido em 18.05.2010, tendo-lhe sido nomeado patrono oficioso em novembro de 2011.

25ª. Tendo a ação sido intentada somente em 2013, após o Autor tomar conhecimento da decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados que condenou a Ré BB.

26ª. Foi esta delonga, que prejudicou mais uma vez o Autor no seu direito de acesso à justiça, que determinou que a ação com o n.º776/13.5TVLSB tenha sido intentada só em 2013, a qual teve como consequência a absolvição da Ré BB por ser liminarmente considerado ter havido responsabilidade civil extracontratual, o que não foi o caso, conforme o Autor alegou nos presentes autos.

27ª. Pelo exposto, o douto Tribunal a quo violou os artigos 580.º e 581.º do Cód. Proc. Civil.

28ª. Apesar do Venerando acórdão recorrido vir confirmar, com a mesma fundamentação, a Douta Sentença proferida na Primeira Instância, o presente recurso é admissível ao abrigo do disposto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil.

29ª. Nas suas alegações, o Recorrente suscitou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito.

30ª. Está em causa o conceito de causa de pedir no seio da responsabilidade civil e o seu impacto na análise da figura do caso julgado, questão de direito de importância notória para uma correta aplicação da justiça.

31ª. O presente recurso é igualmente admissível ao abrigo do disposto na al.ª b) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que a ação intentada pelo Recorrente tem por base o patrocínio judiciário em sede do regime do apoio judiciário, o que determina que se tenha de considerar os interesses em causa como assumindo particular relevância social, estando em causa o direito de acesso à justiça, consagrado como direito fundamental, nos termos do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

32ª. Pelo que se encontram preenchidos os requisitos das al.ªs a) e b) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil e art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Conclui pelo provimento do presente recurso e, por via disso, pela revogação “do Acórdão recorrido, declarando-se a improcedência da exceção de caso julgado e determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento”.

8. Não foram produzidas contra-alegações.

9. A Formação de Juízes a que alude o nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, considerou admissível a presente revista excecional, nos termos da alínea b) do nº 1 do referido artigo 672º do Código de Processo Civil.

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Autor/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- a procedência ou não da exceção de caso julgado material, no confronto entre o objeto da presente ação e o da ação que, sob o n.º 776/13.5TVLSB, correu termos pela 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa (no âmbito da qual foi julgada procedente a exceção perentória de prescrição), em particular, no que respeita à identidade dos respetivos pedidos e causa de pedir;

- da violação do princípio constitucional do direito de acesso à justiça.

III. Fundamentação
1. Factualidade dada como provada
Vem provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

1.1. O A instaurou os presentes autos de Ação de Processo Comum contra BB, nos precisos termos que constam relatados supra (relatório) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

1.2. O A instaurou Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, contra BB e outra, no âmbito dos quais terminou formulando o pedido de condenação dos RR, no pagamento da quantia de 46.500€, tendo por fundamento os seguintes factos:

— Correram termos uns Autos de Inquérito na 4.ª secção do DIAP de Lisboa sob o n.º 12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente.

— Em Novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;

— Por força da atuação profissional da aqui R - da qual participou à Ordem dos Advogados - sofreu danos patrimoniais no valor de 36.500€ e danos não patrimoniais no valor de 10.000€.

1.3. Na Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa foi proferido Saneador-Sentença em 19.02.2014, tendo sido julgada procedente, por provada, a invocada exceção de prescrição e, consequentemente, absolvidos dos pedidos os RR.

1.4. A decisão proferida na Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa transitou em julgado, na sequência de interposição de recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.

2. Do caso julgado material

2.1. Considerações gerais

              Transitado em julgado, o saneador-sentença que conheça da procedência de uma exceção perentória e absolva o réu do pedido (conhecimento indireto do pedido) alcança o fim da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material (único que releva na economia do presente recurso), definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil.

A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).

No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, doutrina e jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva ("autoridade do caso julgado") e uma função negativa ("exceção do caso julgado").

Segundo Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda(in "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 36 e segs.).

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de "autoridade do caso julgado", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

                 A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "exceção dilatória do caso julgado", nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito, sublinha Teixeira de Sousa: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, págs. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: «a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção» (in"Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, pág. 354).

Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:

A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil.

(Cfr. Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, págs. 60 e 61)

2.2. Caracterização da exceção dilatória de caso julgado

Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Proc. Civil).

E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).

Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide.

A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação.

Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.

E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter.

Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção.

E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.

Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, Teixeira de Sousa que «o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 576).

2.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado

Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».

Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objetivos e subjetivos (questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.

2.3.1. Do ponto de vista dos limites objetivos (referentes ao pedido e à causa de pedir):

Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado (respetivos limites objetivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respectiva causa de pedir ("concepção restrita do caso julgado").

Actualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (cfr. R.L.J. ano 110º, pág. 232) embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão ("tese ampla") , que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas ("tese ecléctica").

E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, sublinha ainda Teixeira de Sousa que «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", págs. 578-579).

2.3.2. Do ponto de vista dos limites subjetivos (referentes aos sujeitos):

Do ponto de vista dos limites subjetivos, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram (questão traduzida no brocardo "res inter alios iudicata tertio necque nocet necque prodest").

Esta regra da "eficácia relativa" do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projetar na esfera jurídica de terceiros:

Quer pela "vinculação direta desses sujeitos" ("extensão do caso julgado a terceiros"), que se justifica «quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica» e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão "inter vivos" ou "mortis causa"); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objeto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da ação;

Quer através da "eficácia reflexa do caso julgado", que se verifica «quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro».

(Cfr. Teixeira de Sousa, in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 590).

2.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito

Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância.

À luz deste quadro normativo, cumpre, então, indagar se ocorreu a exceção do caso julgado.

3. Da respetiva aplicação ao caso concreto

3.1. Parâmetros comparativos entre o objeto da ação no processo n.º776/13.5TVLSB e a decisão ali proferida e o objeto da presente ação

No caso em apreço, constatamos que sucedeu, no essencial, o seguinte:
Ação de Processo Ordinário n.º 776/13.5TVLSB [da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa]:

Em 2013, o ora A. instaurou uma ação declarativa de condenação, com processo ordinário (a qual correu termos, sob o n.º 776/13.5TVLSB, pela 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa), contra a ora Ré BB, através da qual pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de €46.500,00.

Na referida acção n.º 776/13.5TVLSB, o A. alegou que:

Correram termos uns Autos de Inquérito na 4ª secção do DIAP de lisboa sob o nº12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente;

Em novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que nomeou Carla Narane, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;

Por força da atuação profissional da aqui Ré – da qual participou à Ordem dos Advogados – sofreu danos patrimoniais no valor de 36.500€ e danos não patrimoniais no valor de 10.000€.

Na aludida ação n.º776/13.5TVLSB, em 19/02/2014, foi proferido saneador-‑sentença, tendo sido julgada provada procedente, por provada, a invocada exceção de prescrição e consequentemente, absolvidas dos pedidos a Ré e a interveniente.

Aquela decisão transitou em julgado, na sequência de interposição de recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.

Ação de processo comum nº 20427/16.5T8LSB:

Em agosto de 2016, o A. intentou a presente acção contra a Ré BB, (entretanto falecida, encontrando-se habilitada para prosseguir a ação Inês Narane dos Reis Mendes) através da qual pede a condenação da Rá a pagar-lhe a quantia de:

“a) €36 500, a título de danos patrimoniais;

b) €10 000, a título de danos não patrimoniais;

c) Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, a serem pagos desde o trânsito em julgado do arquivamento do processo 12399/5TDLSB até efetivo e integral pagamento”.

Na presente acção, o A. alegou, em síntese, que:

 Na sequência da denúncia apresentada pelo Autor contra a Companhia de Seguros DD, S.A., a 27/07/1999, correram termos na 4.ª secção do DIAP de Lisboa, uns Autos de Inquérito sob o n.°12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente;

 O referido Inquérito veio a ser arquivado;

— Em 14/09/1999, o Autor solicitou proteção jurídica;

— Nos finais de novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;

— O Autor apresentou, a 28/12/2005, junto da Ordem dos Advogados, uma denúncia contra a Ré;

— Por força da atuação profissional da Ré, o Autor sofreu danos patrimoniais no valor de €36 500,00 e danos não patrimoniais no valor de €10 000,00, cujo pagamento reclama a título de responsabilidade civil contratual, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 1157.°, 443.°, 444.°, 798.° e 799.° do Código Civil, 85.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação aplicável à data dos factos e do Decreto-Lei n.° 387-B/87.

No despacho saneador ora sob recurso, veio a considerar-se que “a arguida excepção de caso julgado” se encontrava provada, tendo a Ré sido absolvida da instância.

3.2. Da verificação da exceção dilatória de caso julgado

No caso em apreço, o Recorrente veio insurgir-se contra esta decisão, alegando que a causa de pedir nas duas ações era diversa, argumentando que na primeira decisão se considerou que se estava no âmbito da responsabilidade extracontratual e, na presente ação, o Recorrente invoca a responsabilidade contratual.

Como se referiu, para que se verifique a exceção do caso julgado, é necessária a identidade de partes, do pedido e da causa de pedir.

Nos presentes autos não se questiona que se está em presença das mesmas partes (a habilitação de herdeiros para que os autos prosseguissem perante o óbito da Ré não altera a natureza de mesma parte) e do mesmo pedido.

O que é posto em crise é a existência da mesma causa de pedir.

O Recorrente entende que não se está perante a mesma causa de pedir.

As instâncias entenderam que a causa de pedir é a mesma, afirmando-se no Acórdão da Relação recorrido que: “Naquele processo – refere-se ao processo nº776/13.5TVLSB – os factos alegados pelo A. foram objeto de apreciação e de qualificação jurídica, concluindo-se pela verificação de uma situação de responsabilidade extracontratual da patrona então nomeada ao A. e que, àquela data, (19 de Fevereiro.2014), encontrava-se já prescrita o que determinou, no que à presente análise importa, a absolvição da Ré do pedido.

Ora, é o conteúdo desta mesma decisão – em que se apreciaram os factos alegados pelo A. e se concluiu pela sua qualificação jurídica como sendo de responsabilidade extracontratual -, que transitou em julgado, que impede que nesta ação se possa novamente analisar juridicamente a mesma realidade constante dos dois processos (deste e do aludido Proc.776/13.5TVLSB), uma vez que estamos perante um mesmo núcleo factual no qual o A. se baseou para formular as suas pretensões.

Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem ser novamente reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra ótica jurídica, sob pena de violação do caso julgado – artigo 5º, nº3, 581º e 621º do Código de Processo Civil Revisto”.

Ora, não se pode deixar de acompanhar as decisões proferidas pelas instâncias.

Assim:

A causa de pedir não é o facto jurídico como categoria abstrata; é sim o facto jurídico concretamente invocado, aquele de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente o seu pedido

(Acórdão do STJ, de 25/03/2004, consultável em www.dgsi.pt)

Como se afirma no Acórdão do STJ, de 3/02/2005, consultável em www.dgsi.pt, inspirada pelo princípio da substanciação, a causa de pedir é envolvida, além do mais, pelas características da facticidade e da concretização, estruturando-se na envolvência de factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respectiva alegação jurídica

- cfr., ainda Acórdão do STJ, de 20/09/2005, consultável em www.dgsi.pt

Por sua vez, a doutrina tem-se manifestado no mesmo sentido:

“Há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma da lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal.

Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir

(…) O Tribunal não conhece de puras abstracções, de mera categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir”

- Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume III, págs.121/124 –

Também Miguel Teixeira de Sousa se refere a esta situação, reportando-se a uma hipótese próxima da dos presentes autos, da forma seguinte:

“O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas. Assim, quando o objecto apreciado for susceptível de comportar várias qualificações jurídicas – como sucede quando um mesmo facto preenche simultaneamente a previsão da responsabilidade contratual e extracontratual -, o caso julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas.

Nesta hipótese, a excepção de caso julgado impede que um efeito jurídico obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerido com base numa outra qualificação dos mesmos factos. Por exemplo: se o autor não conseguiu obter a condenação do demandado com fundamento na responsabilidade contratual, a excepção de caso julgado impede a reapreciação da mesma situação perspectivada como responsabilidade delitual”

(Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1996, pág.336)

Deste modo, tendo presente que os factos alegados, como atrás se referiu efetuando uma comparação com os factos alegados nas duas ações, e dos quais o Recorrente extrai a responsabilidade da Ré e o pagamento de uma indemnização são os mesmos, pelo que a causa de pedir se manifesta a mesma.

Por outro lado, e como se referiu, o facto de o Recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada no processo nº 776/13.5TVLSB (na decisão proferida neste processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, como se afirmou, é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.

Deste modo, o Acórdão recorrido não merece censura, pois, no caso concreto, verifica-se a exceção do caso julgado.

4. Da pretextada violação do artigo 20º da CRP

                Finalmente,

efetivamente, é direito constitucionalmente garantido o da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos – artigo 20º, nº 1 da CRP.


Sendo certo que também resulta do artigo 205º, nº 2 da mesma Lei Fundamental um forte indício da relevância constitucional do valor do caso julgado das decisões dos tribunais.


Indício este, que, em conjugação com o disposto no artigo 282º, nº 3 (ressalva dos casos julgados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) e com o princípio da segurança jurídica (decorrente do princípio do Estado de Direito – artigo 2º) permite concluir pela consagração constitucional do princípio da intangibilidade do caso julgado – Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 78.


Ou, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que a mesma questão seja colocada várias vezes perante os tribunais, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais foram chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.

O caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (artº113º, nº1, CRP). Nesse enquadramento, o artº208º, nº2, CRP estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as de quaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade e esta prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor de caso julgado das decisões judiciais”

(obra citada, pág.328)

Ora, vem o Recorrente alegar, por último, que a decisão de absolvição da Ré da instância configura uma violação do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º, da CRP.

Mas também não tem razão nesta parte.

Na verdade, o direito do Recorrente a uma tutela jurisdicional efetiva não foi, de modo algum, violado, já que a solução de fazer valer a decisão já anteriormente proferida por outro Tribunal (transitada em julgado) é “expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica”.

Por outro lado, o Recorrente já anteriormente pôde apresentar a sua pretensão a um Tribunal, e não concordando com a solução teve ao seu alcance a possibilidade de recorrer da decisão proferida (tendo inclusive o Recorrente a possibilidade de apresentar reclamação no Tribunal Constitucional).

Também a possibilidade de existência de prazos de prescrição não viola o direito de acesso aos tribunais, pois prosseguem os interesses da certeza e da segurança jurídica.

Deste modo, não se mostram violadas quaisquer disposições constitucionais.

Pelo exposto, a pretensão do recorrente deve improceder

IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.



Lisboa, 1 de outubro de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

(Pedro de Lima Gonçalves)

(Fátima Gomes)

(Acácio das Neves)