Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3107/19.7T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
REPRESENTAÇÃO
ADMINISTRADOR DE CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
A acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador.    
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


AA, na qualidade de condómina do prédio urbano, em propriedade horizontal, no qual se encontra instalado  o  Centro Comercial  ................, sito na Rua ............., n.ºs ... a ..., em ......, intentou, em 3/6/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os CONDÓMINOS, não identificados, que votaram favoravelmente a deliberação da assembleia de condóminos de ../4/2019, representados por BB, na qualidade de administradora do referido condomínio, alegando ilegalidade dessa deliberação e pedindo a anulação da mesma, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 1433.º, n.ºs1 e 4, do Código Civil.

Citada, a referida administradora do condomínio não apresentou contestação.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus com o fundamento de que as acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio, representado pelo respectivo administrador, e não contra os condóminos, individualmente considerados, que aprovarem a deliberação impugnanda.           

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente, por unanimidade e com idêntica fundamentação, mantendo a decisão recorrida.

Ainda irresignada, a autora interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 672.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, sustentando, no essencial, a tese de que, segundo o preceituado no art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil, as acções nele previstas, como a presente, devem ser propostas contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, representados pelo administrador do condomínio, convocando vários arestos dos Tribunais Superiores em que assim foi entendido.

Não foram apresentadas contra-alegações.


Por acórdão de 13/10/2020, a Formação admitiu a revista excepcional assim interposta, considerando verificados os pressupostos invocados, pois que estamos perante uma “questão jurídica essencial em relação à qual profunda divergência jurisprudencial existente justifica ainda uma insistente intervenção clarificadora por parte deste Supremo Tribunal, em ordem a potenciar, tanto quanto possível, uma adequada sedimentação do critério decisório e a proporcionar um maior nível de segurança jurídica nas relações condominiais”.

A recorrente apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões (expurgadas da matéria referente à admissibilidade da revista excepcional, das repetições das alegações, e das decisões impugnadas, com citações jurisprudenciais, e da extensão, que nada têm de sintético, em manifesto incumprimento do preceituado no art.º 639.º, n.º 1, do CPC, pelo que não se reproduzem aqui):

“… XI - Conforme se pode ler no douto Acórdão recorrido (aliás, como já o dizia também a douta sentença de 1ª instância), existem, quanto a esta questão jurídica concreta, ora em apreço, duas correntes de entendimento, duas "escolas" de pensamento.

XII - Salvo o devido respeito, e fazendo-se valer dos argumentos da doutrina e da jurisprudência que dão eco e suporte à construção que a recorrente deu à acção na sua petição inicial, a mesma (recorrente) entende que configurou correctamente a acção, demandando quem devia demandar;

XIII - E não olvidou nem se cansou de alegar e fundamentar, em vários pontos da sua petição, as razões de facto pelas quais se viu forçada, por acção ---ou melhor, por omissão--- da administração de condomínio, a demandar condóminos de cuja identificação não dispunha nem podia dispor;

XIV - Nem de invocar a "rigidez" formal dos formulários eletrónicos disponíveis, a cuja programação e ou formatação a recorrente é, obviamente, alheia.

XV - E o entendimento da ora recorrente radica em duas ordens de razões: em primeiro lugar, no elemento literal da norma jurídica em apreço.

XVI - Com efeito, o artº 1433º, do Código Civil, mormente no seu nº 6, diz expressamente "condóminos contra quem são propostas as acções".

XVII - Em segundo lugar, num factor lógico: no entendimento da recorrente, só fará sentido que o condómino que pretenda impugnar uma deliberação da assembleia, o faça contra seus outros condóminos; e não demandar o condomínio de que ele próprio faz parte, sob pena de, além dos demais condóminos, estar a demandar-se também ... a ele próprio !!! Salvo o devido respeito, no entendimento da recorrente, esta última solução não será lógica.

XVIII - Como já anteriormente foi referido nos presentes autos (douta sentença 1ª instância) ---trecho de que aqui ora se faz eco, por consubstanciar o entendimento da ora recorrente---, "para uns, a ação deve ser intentada contra os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas, entendimento defendido pela autora (...), e acompanhando, entre outros, nos seguintes acórdãos:

….

Para outros, tais ações devem ser intentadas contra o condomínio representado pelo seu administrador, em especial nos casos em que a ação se funda em irregularidades procedimentais, como é o caso em apreço. Neste sentido, veja-se, entre outros, os seguintes acórdãos:


XIX - Conforme a ora recorrente alegou suficientemente na precedente apelação ---e, bem assim, na sua petição inicial---, é condómina no prédio…

XX - O condomínio do identificado centro comercial (Centro Comercial  ................) é administrado por BB, NIF ............., residente na Praça ...................., nº .. -........, ......, ....-... .......

XXI - Em 4 de abril de 2019, teve lugar uma assembleia de condóminos;

XXII - Com a seguinte ordem de trabalhos:

1. Apreciação e votação do relatório de atividade e contas do exercício de 2018.

2. Eleição da entidade administradora para o exercício de 2019.

3. Apreciação e votação do orçamento para o exercício de 2019.

4. Outros assuntos de interesse comum.

XXIII - A recorrente fez-se representar, na assembleia de condóminos de 04 de abril de 2019, por procurador, seu Pai, CC; tendo votado desfavoravelmente (voto "contra") todos os pontos da ordem de trabalho submetidos à votação da assembleia.

XXIV - Sucede que a referida assembleia de condóminos e respectiva(s) deliberação(ões) e ata, enfermam de vários vícios, formais e substantivos (ou materiais), que insanavelmente atingem a sua validade e eficácia e, assim, as torna(m) anuláveis.

XXV - A saber:

- A convocatória NÃO veio acompanhada de qualquer documento de suporte, ou informação, que permitisse aos condóminos ---ao que ao caso importa, à recorrente--- a prévia, adequada e necessária apreciação dos assuntos constantes da ordem de trabalhos.

XXVI - A ata de reunião (rectius: assembleia) de condóminos, não foi redigida no acto (isto é, até ao final da reunião); nem sequer por apontamento ---o que pode levar a (ou, pelo menos, permite) alterações por parte da administração, sem conhecimento dos condóminos; sendo que nem tudo o que é declarado ou reclamado pelos condóminos é reduzido a escrito e vertido para as atas.

XXVII - A ata não foi assinada pelos próprios condóminos no ato (reunião ou assembleia); apenas tendo sido assinada uma folha de presença, mas que (referida folha de presenças) não pode servir para fundamentar ou validar a respectiva ata.

XXVIII - Conforme já aconteceu em anteriores assembleias de condóminos, as atas são enviadas aos condóminos após um mês (ou mesmo mais) da data da reunião; para que estes não possam exercer, dentro dos prazos legais, o direito de se opor ou impugnar as mesmas, ou de exercer quaisquer outros direitos conferidos pela lei aos condóminos ---como, de resto, acontece com a ata da referida reunião de 04 de abril de 2019; sendo que, até à presente data, a recorrente não tem cópia da mesma e desconhece o respetivo conteúdo. O que igualmente se invoca, para todos os legais efeitos.

XXIX - Sendo que a propósito da legitimidade passiva, a própria recorrente alegou na apelação ---tal como, aliás, já havia aduzido na sua petição inicial---, que:

(segue-se a citação de dois acórdãos com transcrição dos respectivos sumários).


XXX - Nesta conformidade, a recorrente peticionou que a ação fosse julgada inteiramente procedente, por provada, e, consequentemente, fosse decretada a anulação, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1433º, nºs 1 e 4, do Cód. Civil, da deliberação da assembleia de condóminos de .. de abril de 2019; e, bem assim, serem os Réus condenados nas custas, e tudo o mais que for devido.

XXXI - Tendo requerido que a Administradora do Condomínio fosse citada para, em representação dos condóminos que aprovaram a deliberação da assembleia de 04 de abril de 2019, sob a cominação e no prazo legais, querendo, contestar, seguindo-se os ulteriores termos até final.

XXXII - Por zelo e diligência, formulou expressamente os requerimentos de que, ao abrigo do disposto no art. 1433º, nº 6 do C. Civil, requer a CITAÇÃO de todos os réus apenas na pessoa da administradora, BB, NIF ............., residente na Praça ...................., nº .. - ........, ......., ....-... ......; e que, no acto de citação, a referida Administradora do Condomínio seja notificada para juntar aos autos a ata da assembleia de condóminos de 04 de abril de 2019 e, bem assim, a respectiva folha de presenças.

XXXIII - Acresce que, na identificação das partes e no cabeçalho da ação, a recorrente concretizou detalhadamente a questão da sua lógica e natural incapacidade (provocada pela conduta da recorrida, aliás) para identificar especificadamente os réus, do seguinte modo:

"RÉUS:

Condóminos (cuja identidade concreta é desconhecida, em virtude de a Autora não dispor de cópia da ata e ou da folha de presenças) que votaram favoravelmente a deliberação da assembleia de condóminos de .. de abril de 2019, que devem ser representados judicialmente e CITADOS na pessoa da Administradora do CONDOMÍNIO DO CENTRO COMERCIAL  ................, NIPC ..........., Rua ............., nºs ... a ..., ...................., ....-... ..... (Administradora BB, NIF ............., residente na Praça ...................., nº .. - ........, ........., ....-... ......)

---cfr., p.f., requerimentos 1 e 2, apresentados a final da presente peça".

XXXIV- E ainda que:

"A AUTORA, AA, NIF .........., residente na Praça ............., nº .. - ...., ........, ....-... ......,

Vem propor contra

os RÉUS (cuja identidade concreta é desconhecida, em virtude de a Autora não dispor de cópia da ata e ou da folha de presenças) que votaram favoravelmente a deliberação da assembleia de condóminos de .. de abril de 2019, que devem ser representados judicialmente e CITADOS na pessoa da Administradora do CONDOMÍNIO DO CENTRO COMERCIAL  ................, NIPC ..........., Rua ............., nºs ... a ..., ................., ....-... ...... (Administradora BB, NIF ............., residente na Praça ...................., nº .. - ......., ......., ....-... ......)

---cfr., p.f., requerimentos 1 e 2, apresentados a final da presente peça---".

XXXV - Entende, pois, a recorrente ---e assim o alegou suficientemente na sua apelação--- que configurou corretamente a ação e a relação subjacente, mormente em matéria de partes ---mais concretamente, no que ao caso importa, em termos de legitimidade passiva---; tendo demandado os sujeitos passivos corretos, e nos termos prescritos na lei ---o que, tudo, a ora recorrente requer, no presente recurso, assim seja declarado.

XXXVI - Com efeito, na esteira dos Acórdãos citados supra

(segue-se identificação de três acórdãos – um do STJ, outro da Relação de Guimarães e outro da Relação de Lisboa).

---, no entendimento da recorrente, "a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados".

XXXVII - Sendo que a rigidez dos formulários eletrónicos ---referência à designação "Incertos"--- não se coaduna, sempre e perfeitamente, com as especificidades de cada caso concreto ("cada caso é um caso").

XXXVIII - Não só o douto Acórdão recorrido está em manifesta oposição à posição/solução preconizada pela recorrente, como, ademais ---salvo o devido respeito--- importa violação do disposto no artº 6º, CPC.

XXXIX - Pode ler-se no douto Acórdão recorrido (Tribunal da Relação de Guimarães - 1ª Secção Cível, Proc. nº 3107/19.7T8BRG.G1), que:


XL - No entendimento da ora recorrente, e por força do alegado supra (pontos 10 a 34, inclusivé), ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1433º, do Código Civil, e 6º, do Cód. Proc. Civil.

XLI - Assim, deve o presente recurso ---de revista excecional--- ter inteiro provimento e, consequentemente, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que, declarando a ação não contestada, julgue a ação inteiramente procedente, por provada, e, consequentemente, decrete a anulação, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1433º, nºs 1 e 4, do Cód. Civil, da deliberação da assembleia de condóminos de 04 de abril de 2019; e, bem assim, condene os Réus/recorridos nas custas, e tudo o mais que for devido.

TERMOS EM QUE,

Nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, deve o presente recurso de revista excecional ser julgado inteiramente por procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-a por outra que

---declarando que a recorrente configurou corretamente a ação e a relação subjacente, mormente em matéria de partes; mais concretamente, no que ao caso importa, em termos de legitimidade passiva; tendo demandado os sujeitos passivos corretos, e nos termos prescritos na lei---,

declare ainda a ação não contestada, e julgue a ação inteiramente procedente, por provada; e, consequentemente, decrete a anulação, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1433º, nºs 1 e 4, do Cód. Civil, da deliberação da assembleia de condóminos de .. de abril de 2019; e, bem assim, condene os Réus/recorridos nas custas, e tudo o mais que for devido, como é de Justiça!”


O processo foi redistribuído, face à jubilação do anterior Relator.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

A questão que cumpre agora conhecer, tendo em consideração as conclusões acabadas de transcrever, no que se entendeu relevante, e o douto acórdão da Formação que admitiu o recurso de revista excepcional, o qual delimita os poderes cognitivos desta conferência julgadora[3], consiste em saber em quem radica a legitimidade passiva para a presente acção.


II. Fundamentação

1. De facto

Os factos a considerar na decisão são os resultantes do antecedente relatório, já que outros não foram dados como provados no acórdão recorrido.

2. De direito

No recurso, está em causa saber em quem radica a legitimidade passiva para a presente acção: se nos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação anulanda, como sustenta a recorrente, ou no condomínio, como se decidiu no acórdão recorrido, ainda que em ambos os casos representados pelo administrador.

O art.º 30.º do CPC contém o conceito de legitimidade, dispondo, no n.º 1, 2.ª parte, que “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, sendo que, nos termos do n.º 2, este interesse se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da acção.

E acrescenta o n.º 3 do mesmo artigo que, “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

A redacção deste número, equivalente ao seu correspondente art.º 26.º do anterior CPC, resultou das alterações introduzidas a este pelo art.º 1.º dos Decretos-Lei n.º 180/96, de 25/9, e n.º 329-A/95, de 12/12, com o objectivo de pôr fim à velha querela entre os seguidores das teses do Prof. Alberto dos Reis (segundo a qual a legitimidade era apreciada pela efectiva titularidade da situação jurídica) e do Prof. Barbosa de Magalhães (para quem a legitimidade é analisada pela alegada titularidade dessa mesma situação).

Justificando tal alteração, o legislador, no preâmbulo do citado DL n.º 329-A/95, escreveu: “Decidiu-se, após madura reflexão, tomar expressa posição sobre a vexata quaestio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso”.

Por outro lado, é sabido que a legitimidade ad causam constitui um pressuposto processual positivo, ou seja, uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito.

Cremos não haver dúvidas de que a legitimidade das partes é um pressuposto processual que não deve ser confundido com a procedência ou improcedência da acção.

Como pressuposto processual que é, a legitimidade respeita às condições impostas ao exercício de uma situação subjectiva em juízo e traduz-se num posicionamento das partes quanto ao objecto do processo e pedidos nele formulados.

Já as condições de procedência se referem aos aspectos de que depende a tutela jurisdicional requerida.

Convém, pois, notar que estas condições de procedência são independentes da existência ou da constituição subjectiva alegada[4].

Sendo o objecto do processo constituído pelo pedido e pela respectiva fundamentação, ou causa de pedir, mas conferindo-se a esta apenas uma função individualizadora daquele, será o pedido a realidade aferidora da legitimidade de qualquer parte.

Deste modo, a ilegitimidade só se verificará quando não se encontrar o titular ou titulares da relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.

O pedido formulado nesta acção é o de que seja “decretada a anulação, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1433º, nºs 1 e 4, do Cód. Civil, da deliberação da assembleia de condóminos de 04 de abril de 2019”.

Estamos, assim, perante a impugnação de uma deliberação tomada pela assembleia de condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal, surgindo no âmbito da acção da respectiva anulação a questão da legitimidade passiva.

Como se refere no acórdão da Formação que admitiu a revista excepcional, “é hoje bem conhecida a profunda divergência jurisprudencial que existe, em especial nos Tribunais Superiores e até na doutrina sobre a questão aqui em apreço, como de resto, se dá nota tanto na decisão da 1.ª instância como no acórdão recorrido.

Assim e em síntese, enquanto uma orientação se perfila no sentido de que as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o próprio condomínio representado pelo respetivo administrador, tendo em conta o preceituado no artigo 12.º, alínea e), do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437.º, n.ºs 1 a 3, e 1436.º, alínea h), apelando aos critérios interpretativos do art.º 9.º, n.º 3, todos do CC; outra orientação vai no sentido de que o artigo 1433.º, n.º 6, do CC, embora o não refira expressamente, oferece um vetor decisivo no sentido de afastar a legitimidade do próprio condomínio e de afirmar a legitimidade dos condóminos, tornando inquestionável que a ação terá necessariamente de ser proposta contra todos aqueles que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou porventura por pessoa que a assembleia designe para o efeito”.

 São, fundamentalmente, estas as duas teses em confronto sobre a legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações condominiais.

Ao nível da jurisprudência, encontrámos acórdãos dos Tribunais Superiores nos dois sentidos, sendo que nos pareceu, das buscas que efectuámos, haver uma tendência maioritária para a referida primeira tese, ou seja, no sentido de atribuir legitimidade ao condomínio.

 Assim, no sentido da legitimidade dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação anulanda, embora representados pelo administrador, sustentada pela recorrente, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ de 2/2/2006, processo n.º 05B4296; de 29/11/2006, processo n.º 06A2913; de 20/9/2007, proc.º n.º 07B787 (agravo n.º 787/07 – 2.ª Secção, com dois votos de vencido, sendo um do Conselheiro Quirino Soares, que segue a tese da legitimidade do condomínio e outro do Conselheiro Santos Bernardino, relativamente a um procedimento processual, mas também no sentido da legitimidade dos condóminos); de 24/6/2008, agravo n.º 1755/08, com um voto de vencido do Conselheiro Urbano Dias,  e de 6/11/2008, proc.º n.º 08B2784, todos disponíveis em www.dgsi.pt.


 E, no sentido da legitimidade do condomínio, podemos ver, inter alia, os seguintes acórdãos do STJ:

-  de 5/5/2005, agravo n.º 1114/05 - 7.ª Secção[5], com o seguinte sumário:

“I - A legitimidade processual passiva nas acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos pertence ao condomínio, pois a decisão judicial que anular a deliberação será oponível àquele, integrado por todos os condóminos (art.ºs 1433, n.º 6, do CC e 6, al. e), do CPC).

II - Em tais acções, deverá o administrador ser citado como representante legal do condomínio (art.º 231, n.º 1, do CPC).

III - …”

- De 10/1/2006, revista n.º 3727/05 – 6.ª Secção[6], com o seguinte sumário:

“I - A al. e) do art.º 6 do CPC revisto, veio atribuir personalidade judiciária aos condomínios nas acções em que por ele pode intervir o administrador, nos termos do art.º 1433, n.º 6, do CC.

II - Assim, diversamente do que acontecia anteriormente à reforma do processo civil, o conjunto de condóminos (o condomínio) pode ser directamente demandado quando, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo ser citado o administrador como representante legal do condomínio - art.º 231, n.º 1, do CPC.”

- De 14/6/2007, agravo n.º 502/07 - 2.ª Secção[7], com o seguinte sumário:

“I - A deliberação social que se pretende impugnar exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados; pelo que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.

II - O titular do interesse relevante para efeito de legitimidade é o condomínio, sendo, na acção, representado pelo administrador; este, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo dos condóminos, do condomínio.”

- De 29/5/2007, revista n.º 1484/07- 1.ª Secção[8], com o seguinte sumário:

“É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal.”

- De 14/6/2007, agravo n.º 502/07 - 2.ª Secção[9], com o seguinte sumário:

“I - A deliberação social que se pretende impugnar exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados; pelo que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.

II - O titular do interesse relevante para efeito de legitimidade é o condomínio, sendo, na acção, representado pelo administrador; este, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo dos condóminos, do condomínio.”

- De 25/9/2012, revista n.º 3592/09.5TBPTM.E1.S1- 6.ª Secção[10], com o seguinte sumário:

 “I - O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos e do respectivo administrador – arts. 1430.º, n.º 1, 1432.º, 1435.º e 1436.º do CC.

II - As deliberações impugnadas da assembleia dos condóminos não são pessoais de cada condómino, mas do condomínio, como ente colectivo, que as aprovou em assembleia convocada para o efeito, nos termos legais e regulamentares.

III - Numa acção de impugnação de deliberações da assembleia dos condóminos o condomínio pode estar em juízo, representado pelo respectivo administrador.”

- E de 24/11/2020, revista n.º 23992/18.9T8LSB.L1.S1 – 6.ª Secção[11], com o seguinte sumário:

“I – O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos.

II – A deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que a aprovaram.

III – A própria essência de uma deliberação constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como uma soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta.

IV – Na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador”.


Na doutrina, também existem divergências de entendimento, havendo quem sustente a legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, baseando-se essencialmente numa interpretação actualista do art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil e quem defenda a legitimidade passiva dos condóminos invocando elementos literais e históricos da interpretação do preceito em causa que, para alguns autores, justificam que se demandem os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada e, para outros, também os que não se opuseram ou não estiveram presentes, havendo ainda autores[12] que desvalorizam a questão, admitindo como possível a demanda directa desses condóminos, mas bastando-se a lei com a citação do administrador.

 Assim:

No sentido da legitimidade passiva dos condóminos, pronunciaram-se:

 - o Conselheiro Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 4.ª Edição, Almedina, págs. 107 a 110, onde, em sede de comentário ao procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, em particular de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, refere:

A legitimidade processual é directamente aferida através da lei substantiva, sendo apenas conferida aos condóminos que não tenham aprovado, expressa ou tacitamente, as deliberações.

Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6.º, al. e), do CPC), mas aos condóminos, que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC” (pág. 108 e 109)”;

- Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª Edição, págs. 729 a 733, onde, após uma síntese das três soluções possíveis de resposta à questão da legitimidade passiva nas acções de anulação das deliberações condominiais e respectivos argumentos, sustenta que:

 “Tomando posição nesta vexata questio, diremos que o legislador, até ao presente, nunca reconheceu ao condomínio – e só a ele lhe competia fazê-lo – personalidade jurídica (…)

 Apesar disso, a partir da entrada em vigor da Reforma Processual de 95/96, reconheceu expressamente ao “condomínio resultante da propriedade horizontal” personalidade judiciária, embora, não em toda a sua amplitude, mas apenas “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, expressões estas que o legislador de 2013, reanalisando certamente a questão em toda a sua profundidade (…) manteve na integralidade a solução que vinha do passado, e daí, a exclusão da competência do administrador para, em representação do condomínio, ser demandado nas acções de invalidade das deliberações das assembleia de condóminos.

 E nestas circunstâncias, não há porque invocar uma interpretação actualista da lei, quando temos uma lei nova que confirma a anterior.

 Convimos que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio induz dificuldades práticas relevantes, mas essa questão reclama uma solução de lege ferenda, através, eventualmente, da generalização da norma restritiva existente ou declarativa que a norma actual abarca as acções de anulação das deliberações condominiais.

 Até lá, temos por certo que as acções destinada a apreciar a validade ou a eficácia das deliberações tomadas pelos condóminos em assembleia geral reportam-se à formação da vontade no âmbito interno deste órgão, seja quanto ao objecto seja quanto à forma, cujo resultado dimana do sentido do voto expresso por cada um dos condóminos participantes, nada tendo a ver com as competências do administrador, enquanto órgão executivo. É isso que explica que só sejam demandados os condóminos que contribuíram de forma clara e positiva, através do voto, para o resultado que se tem por inválido, sem curar de todos os demais cujo comportamento em nada contribuiu para aquele resultado.” (pág. 731).

 Perfilhando a tese da legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, pronunciaram-se:

 - Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª edição, págs. 338 a 347, onde em sede de comentário ao art.º 1433.º, n.º 6, do CC, sustenta, na pág. 346, que “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redacção do artigo 1433.º, n.º 4, é anterior à reforma de 94 e não foi objecto de actualização[13].

- Jorge Alberto Aragão Seia, in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínio, Almedina, 2.ª Edição, págs. 182 a 191, onde em sede de comentário ao art.º 1433.º do CC, sustenta, concretamente nas págs.190 e 191, que:

Resulta do n.º 6 do preceito em anotação que a legitimidade passiva para as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos – a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções… -, que são efectivamente os titulares do interesse directo em contradizer, pois a deliberação, enquanto não for anulada, vincula todo o condomínio; a decisão que julgar procedente a impugnação continua a vinculá-lo.

 É por isso que o n.º 6 impõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia nomear para o efeito.

   (…)

 O representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja do conjunto dos condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos mas apenas acta da assembleia geral, que o nomeou administrador ou representante especial.

 Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 231.º, do CPC, é o representante legal do condomínio assim encontrado que deverá ser citado para a acção.

 (…)

No caso de haver incompatibilidade entre o administrador e o condomínio e este não ter nomeado representante especial deverá ser citado o condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido e que haja votado favoravelmente a deliberação – n.º 1 do artigo 1435.º-A.

- Miguel Mesquita, A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, Julho/Setembro 2011, págs. 41 a 56, onde refere na pág. 54:

A solução para o problema passa, precisamente, em nosso entender, pela interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC. Vejamos porquê. Esta norma – cuja redacção deriva do DL n.º 267/94, de 25/10 – foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, do lado activo ou do lado passivo, de todos os condóminos.

Só muito mais tarde, a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6.º, alínea e), a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231.º, n.º 1, cuja redacção deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorrecto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador.

Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação actualista do citado art. 1433.º, n.º 6, do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.

   (…)

À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”

- Gonçalo Oliveira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, Julgar, n.º 23 (2014), Almedina, págs. 55 a 66 (também online[14]), que, embora proceda ao enquadramento do tema da personalidade judiciária do condomínio e foque o problema da representação do condomínio em juízo, designadamente, a propósito dos casos previstos no art.º 1437.º do CC, não se refere expressamente à questão da legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberações do condomínio, nem analisa o art.º 1433.º, n.º 6, do CC, limitando-se a referir, de forma genérica:

 “O legislador, ciente de que o condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, dota-o de organicidade e, muito embora não lhe atribua personalidade jurídica, admite que ele pode ser parte nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” (págs. 61 e 62).

- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 41, n.º 5, onde em comentário ao art.º 12.º do CPC, escreveram:

 “A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às ações em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts. 1433-6 CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição.”


 Que dizer?

  O art.º 12.º, al. e), do actual CPC, reproduzindo o art.º 6.º do CPC de 1961, na versão proveniente da revisão de 1995/96[15], atribui personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.

Esta disposição legal remete para o art.º 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade do administrador” para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o art.º 1436.º do mesmo Código que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia [alínea h)].

Por sua vez, o art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil prevê que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”.

A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art.ºs 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (art.ºs 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).

Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, proferido no processo n.º 232/16.0T8MTS.P1[16], parcialmente transcrito no acórdão deste Supremo, de 24/11/2020, já citado:

“Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.

Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.

Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.

Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.

Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador.

Esta solução, como refere Miguel Mesquita[17], é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”

Com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação, como sucede no caso dos autos, na versão apresentada pela recorrente.

A citação do administrador não evitaria esse problema, porquanto se trata de apurar a legitimidade passiva para a acção, ou seja, quem devia ser demandado e não quem os representa, sendo que, na tese que sustentamos, também o administrador representa o condomínio. Trata-se de saber quem deve figurar como parte, do lado passivo, e não o seu representante, questões distintas, como é evidente.

Atento o pedido formulado – de anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 4/4/2019 – de acordo com a tese que sustentamos, cremos não haver dúvidas de que a legitimidade passiva é do condomínio, ainda que representado pelo seu administrador.

Era aquele que devia figurar no lado passivo da acção e não os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação anulanda, não identificados, contra os quais foi endereçada a petição inicial e sustenta a recorrente.

Não lhe assiste, pois, qualquer razão na alteração que pretende através do recurso ora em análise.

Muito menos pode obter, através dele, a pretendida prolação de decisão em regime de substituição do Tribunal recorrido, visto que a regra de substituição não é aplicável na revista (cfr. art.ºs 665.º e 679.º, ambos do CPC).

Destarte, sem mais considerações, deve ser mantido o acórdão recorrido.


 Sumário:

A acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador.    


III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em negar a revista.


*

Custas da revista pela recorrente (art.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).


*

Lisboa, 4 de Maio de 2021

Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, para os efeitos do disposto no art.º 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que compõem este colectivo e que não podem assinar.


Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

______

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de .... – Juízo Local Cível de .... – Juiz ...
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Como é jurisprudência sedimentada deste STJ - cfr o Acórdão de 11 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 622/08.1TVPRT.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, e os arestos nele citados, bem como os nossos de 19/6/2019, processo n.º 2100/11.2T2AGD-A.P2.S2 e de 9/3/2021, processo n.º 2899/18.5T8ALM.L1.S1, entre outros.
[4] Cfr. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, págs. 67 e segs..
[5] Não disponível na dgsi.
[6] Não disponível na dgsi.
[7] Não disponível na dgsi.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Não disponível na dgsi.
[10] Não disponível na dgsi.
[11] Não disponível na dgsi.
[12] Como Rui Pinto Duarte em anotação ao art.º 1433.º do Cód. Civil em Código Civil Anotado de Ana Prata e Outros, Almedina, págs. 284 a 287.
[13] Note-se que o actual n.º 6 é igual ao n.º 4 do art.º 1433.º do C. Civil na redacção do DL n.º 267/94, de 25 de Outubro.
[14] http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/03-Gon%C3%A7alo-Magalh%C3%A3es.pdf.
[15] DL n.º 329-A/95, de 12/12, com a redacção do DL n.º 180/96, de 25/9.
[16] Acessível em www.dgsi.pt.
[17] Obra citada, pág. 56.