Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2352/20.7YRLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
PENA DE PRISÃO
RECUSA
RESIDÊNCIA
RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS PENAIS NA UNIÃO EUROPEIA
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESTRADIÇÃO / M. D. E.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, de 23-08, a execução do mandado de detenção europeu (MDE) pode ser recusada quando a pessoa procurada residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança de acordo com a lei portuguesa.

II - A recusa de execução depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, que declare a sentença condenatória exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada, sendo a decisão incluída na decisão de recusa de execução, à qual é aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo ao reconhecimento de sentenças penais que imponham penas de prisão ou medidas privativas da liberdade no âmbito da União Europeia, previsto na Lei n.º 158/2015, de 17-09 (n.º 3 e 4 do art. 12.º da Lei n.º 65/2003).

III - A pretensão do recorrente, de suspensão de execução da pena em Portugal, diz, pois, respeito a um acórdão do tribunal da relação proferido no Processo de execução do MDE, do qual é admissível recurso para o STJ no prazo de cinco dias (art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 e 16.º-A, n.º 5, da Lei n.º 158/2015).

IV - Tendo sido interposto fora do prazo, deve o recurso ser rejeitado (art. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).

V - Não há lugar a pagamento de custas, por aplicação do art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, segundo o qual o processo de extradição é gratuito.

VI - A gratuitidade não abrange, porém, a condenação em importância prevista no art. 420.º, n.º 3, do CPP, em caso de rejeição do recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, nacional da ..., identificado nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de ... de setembro de 2021, que, no processo de execução de um mandado de detenção europeu (MDE) emitido pelo Tribunal de ..., ..., República Federal da Alemanha, para efeitos de cumprimento da pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão em que foi condenado por sentença de 29.12.2015, decidiu reconhecer a sentença condenatória, confirmando a pena aplicada, e recusar a execução do MDE, com fundamento no facto de o recorrente residir em Portugal.

2. No recurso, apresentado em 28 de outubro de 2021, extrai da motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I. Por Douto Acordão, proferido e notificado ao arguido, no dia 28 de Setembro de 2021, foi determinado que o aqui recorrente, cumprisse uma prisão efectiva de 1 (um) ano e 3 (três) meses, havendo de descontar na mesma 65 dias referentes ao período de 26-10-2015 até 29-12-2015, em que o recorrente esteve em prisão preventiva conforme decisão do Tribunal de Comarca de ... (...) a qual foi emitido um Mandado de Detenção Europeu, pelas autoridades judiciárias alemãs,  proferido pelo Tribunal de Comarca de ..., em ... com o número de referência 02.01.2019, 304 ... 16/16.

II. O Douto Acordão padece de vício da insuficiência para a decisão de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410.º n.º 2 al. a) do C. P. P.

Com efeito,

III. Na motivação da decisão de facto de aplicar ao ora recorrente, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva de um (1) ano e 3 (três) meses, não consta de forma suficientemente fundamentado, o critério utilizado pelo douto acordão que, conduziu à douta decisão, pois e, salvo melhor entendimento, com o devido respeito que é muito, não basta, nem se mostra suficiente dizer que, a decisão de cumprimento do remanescente da pena a cumprir deverá ser efectiva, sendo de indeferir a pretensão do arguido, formulada em cumprir a pena que lhe fora aplicada em regime de pena suspensa com regime de prova ou em prisão domiciliária com pulseira electrónica ou prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 43º do C. P. sustentando unicamente que, e por estar em causa um cumprimento de uma pena de prisão aplicada pela revogação da suspensão da execução da referida pena, que lhe fora imposta pela sentença proferida pelo tribunal alemão e que, dos elementos comunicados e dos também observados, retira-se juízo de prognose desfavorável relativamente ao arguido, ora recorrente.

IV. Entende o recorrente e em conformidade com o ordenamento jurídico de um Estado de Direito que a denegação da suspensão da execução da pena de prisão tem de ser expressa e especialmente fundamentada com referência a: a) ao carácter desfavorável da prognose — de que a censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; b) às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

V. Na verdade, e conforme resulta do texto do douto acordão recorrido, ou melhor dizendo não resulta do texto do douto acordão, que ficaram por realizar diligências por parte do tribunal a quo, nomeadamente a elaboração de relatório social actual que no entender do ora recorrente poderia completar ou melhorar a factualidade apurada para a sustensão da referida decisão, assim como, a falta de elementos relativos à personalidade do arguido, às suas condições actuais de vida,considerando o lapso temporal entre a ocorrência dos factos e a respectiva decisão, já volvidos 6 anos, é de concluir que a decisão recorrida enferma do vício a que alude a alínea a), n.º 2, do art. 410.º do C.P.P.

VI. O tema da determinação da medida da pena entretece-se com concepções nucleares de dogmática penal, como as de fundamento e dos fins do direito de punir, da prevenção e da culpa jurídico-penais. A tese da legitimação do direito de punir não pode procurar-se em quaisquer considerações de ordem teleológica, metafísica ou moral, mas apenas na necessidade da aplicação da pena criminal para a defesa dos bens jurídicos. A tese de que em consequência as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, nomeadamente a prevenção geral positiva.

VII. Sendo a ressocialização perspectivada pela lei portuguesa como escopo essencial do ius puniendi.

VIII. Também a ressocialização dos condenados se apresenta em face dos pressupostos jurídico-constitucionais próprios de um Estado Democrático material de considerações humanitárias, como um imperativo ético, valendo dizer, como a concretização de um dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se mostrem carecidas (a. Almeida Costa “Passado e futuro da liberdade condicional no direito português” Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 1989, págs. 449-450.

IX. Como refere o Professor Figueiredo Dias (Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas 1993 págs 529-530,553-554) a finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta e mais nobre e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever jurídico-penal visando a protecção da reincidência através da colaboração voluntária activa daquele.

X. Nesta esteira, cumpre dizer que, o arguido está actualmente inserido socialmente e familiarmente na comunidade portuguesa, sendo trabalhador por conta de outrem, com contrato de trabalho com a categoria profissional de ... na empresa “... , Unipessoal Lda”, tendo pautado a sua conduta por respeito às regras de sociedade, não sofrendo qualquer condenação volvidos 6 anos, nem lhe são conhecidos qualquer processos.

XI. Assim e considerando que o tema da determinação da medida da pena entretece-se com concepções nucleares de dogmática penal, como as de fundamento e dos fins do direito de punir, da prevenção e da culpa jurídico-penais sendo que no entender do ora recorrente a tese da legitimação do direito de punir não pode procurar-se em quaisquer considerações de ordem teleológica, metafísica ou moral, mas apenas na necessidade da aplicação da pena criminal para a defesa dos bens jurídicos, nem se pode bastar pela tese de as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, nomeadamente a prevenção geral positiva e especial sem atender em concreto.

XII. Considera o recorrente que, no caso em concreto houve uma notória violação da medida da pena aplicada ultrapassando a medida da culpa concreta do arguido violando o disposto nos artigos 40º nº 1,5 0º e 71 n º 1 todos do C.P. ao indeferir a suspensão do cumprimento da pena a que o arguido foi condenado.

XIII. Na mesma senda, e conforme douto Acordão pode haver uma “maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da residência e as condições de vida inteireamente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais” – cf. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.04.2006 relatado pelo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, no processo 06PI429 consultável em www.dgsi.pt.

XIV. Acrescerá dizer que o Mandado de Detenção Europeu é , uma decisão judiciária emitida por um Estado membro, o de emissão, com vista à detenção e entrega a outro Estado membro, Estado de execução, de um cidadão, para efeitos de procedimento penal, de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade nos termos do disposto no art. 1º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei nº 35/2015, de 4 de Maio, que é actuado tendo por base o princípio do reconhecimento mútuo conforme o nº 2 do mesmo artigo e cujo núcleo consiste em que a decisão da autoridade judiciária competente e em conformidade com o direito do respectivo Estado membro, dever ter efeito directo e pleno em todo o território da União Europeia.

XV. Isto significa que as autoridades competentes do Estado membro onde a decisão pode ser executada, devem prestar a sua colaboração à respectiva execução, como se fosse decisão tomada por autoridade deste mesmo Estado.

XVI. Pelo exposto entende o Recorrente que a pena que lhe foi aplicada se mostra absolutamente injusta e inadequada, uma vez que não reflete as condições pessoais do recorrente, bem como não espelha algumas as circunstâncias que deveriam ter sido ponderadas em seu benefício.

XVII. Desde logo, o Tribunal “a quo" não teve em consideração que o arguido é uma pessoa socialmente integrada, embora com muitas dificuldades económicas, tem uma família que o apoia e compõe o seu agregado familiar, sendo que é com o rendimento do seu trabalho que o agregado familiar se sustenta, considerando que a irmã do arguido e esposa do mesmo estão dependentes por razões de saúde.

XVIII. Que o arguido sempre trabalhou e cuidou pelo seu sustento e da sua família e que pese embora, tenha passado por algumas situações de precaridade laboral, muito por força da sua área profissional, e da sua fraca habilitação literária., a verdade é que sempre contribuiu para a economia familiar.

XIX. No caso, houve uma notória violação da medida da pena aplicada ultrapassado em muito a medida da culpa concreta do arguido face aos factos conhecidos, tendo ainda, o acórdão em crise violado disposto nos artigos 40º, n.º 2 e 71, n.º 1 al. a), do Cód Penal;

XX. Acresce o facto de os fins de prevenção geral atendidos no douto acórdão ora em crise ultrapassam a medida da culpa do recorrente, a qual deve ser o primeiro e último limite na determinação da pena concreta a aplicar, bem como, descurou os fins de prevenção especial expressos na necessidade de reintegração do arguido encarado na vertente humana e social.

XXI. Não teve ainda em consideração o tribunal "a quo", a diminuta escolaridade do recorrente, que tanta dificuldade lhe tem trazido para obtenção da licença de condução facto que, aliás, e salvo o devido respeito, devia ter sido acolhido e valorado, pelo tribunal "a quo" com alguma intensidade.

XXII. Por duas ordens razões, por um lado, porque reflete as parcas competências do arguido, ora recorrente, para entender de forma plena a verdadeira ilicitude da sua conduta e, por outro lado, porque não deixa de ser limitativo no que concerne à sua capacidade de representar e perceber a verdadeira repercussão que tal conduta viria a ter na sua vida, bem como, poderia ter tido na vida dos demais, caso os crimes se tivessem consumado.

XXIII. Assim, tendo em conta o artigo 71º, do Cód. Penal, impõe-se a aplicação de uma pena com ponderação nos factos aí elencados e a personalidade do agente,

Requer o Requerente nos termos do art.º 411º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal que seja realizada audiência de julgamento para debater os pontos concretos que constam na motivação.

Termos em que, e pelo mais que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso:

Deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, modificando a decisão do tribunal a quo, determinando por este Douto Tribunal a suspensão da execução da pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses a que o arguido ora recorrente foi condenado.».

3. Respondeu o Ministério Público, pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação, dizendo que o recurso não é admissível por ter sido apresentado fora de prazo e que não merece provimento, assim concluindo:

«1. O acórdão recorrido proferido a 9 de setembro de 2021 foi notificado ao Requerido 30 de setembro de 2021 e o recurso por este interposto apenas a 28 de outubro de 2021;

2. O prazo legal para interposição do recurso é de 5 dias, nos termos dos art. 24º, nº 2, da Lei nº 65/2003 e o art. 16º-A, nº 5, da Lei 158/2015;

3. O acórdão recorrido não é, assim, passível de recurso, por já ter transitado em julgado;

4. Por intempestivo não deve o recurso interposto ser admitido e conhecido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça – art. 414º, nº 3, do CPP;

Caso assim se não entenda,

5. O acórdão recorrido, no âmbito de um processo de Mandado de Detenção Europeu, emitido pelas autoridades judiciárias alemãs para cumprimento da pena de prisão, em lugar da entrega, decidiu pelo reconhecimento da respetiva sentença proferida pelo Tribunal Alemão e execução em Portugal da pena de 1 ano e 3 meses de prisão, em que o Recorrido foi condenado, pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, por verificados os requisitos legais;

6. Apenas é permitida a alteração da duração e natureza da condenação se incompatíveis com a lei interna, nos termos do art. 16º, nº 3 e nº 4, da Lei 158/2015;

7. Não sendo o caso, não é legalmente possível a alteração da pena, por aplicação agora, no Estado de execução, do instituto da suspensão da execução da pena;

8. Extravasa, pois, a competência do Tribunal “a quo” a sindicância ou mesmo censura dos factos e do direito, a pretendida análise da culpa e a alteração da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, nem tal se insere nas finalidades do reconhecimento de tal sentença penal europeia;

9. De resto, e mesmo que assim não fosse, a pena de prisão de 1 ano e 3 meses de prisão já foi suspensa na sua execução pelo período probatório de 3 anos;

10. E só por motivos ao mesmo imputados, foi esta suspensão revogada, pela decisão do Tribunal Alemão, transitada em julgado;

11. Naturalmente que não pode agora ao recorrente ser concedida nova suspensão da execução da pena;

12. Não tinha, pois, o Tribunal “a quo” de ordenar a realização de novas diligências, com o pretendido relatório social;

13. Não padece o acórdão recorrido de qualquer vício, designadamente o invocado previsto no art. 410º, nº 2, a), do CPP;

14. Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido.

O recurso por intempestivo não deve ser admitido e conhecido, se assim não for entendido, não merece provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido».

4. Dispõe o artigo 25.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que estabelece o regime de emissão e execução do MDE, que, feita a distribuição na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, o processo é concluso ao relator e depois remetido, com projeto de acórdão, a visto simultâneo dos restantes juízes, sendo submetido a julgamento na primeira sessão após o último visto.

Dadas as especialidades estabelecidas neste preceito, o julgamento tem lugar em conferência, não havendo lugar à requerida audiência.

Colhidos os vistos, cumpre, pois, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

5. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I de 28.12.1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

6. O Tribunal da Relação decidiu nos seguintes termos (transcrição do acórdão):

Acordam no Tribunal da Relação de ...:

1. No nuipc 2352/20...., emergente da Procuradoria-Geral Distrital de ..., o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de ... veio - cf. referência 17309956 - promover a execução do mandado de detenção europeu (MDE) emitido pelas autoridades judiciárias alemãs (Tribunal de comarca ..., em ..., com o número de referência 02.01.2019, 304 ... 16/16, no reporte à decisão do Tribunal de comarca ... (...) de proceder à execução de operada condenação), destinado à detenção e entrega, àquelas, de AA (nacional da ..., nascido em ..., a ...02.1988, solteiro, com última residência naquele país em ... ... 8, 06130 .../..., e declarando, no acto de audição, residir em Portugal na Rua..., ... ...), para cumprimento da pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão em que foi condenado (e a que haverá que descontar 65 (sessenta e cinco dias) dias relativos ao período - de 26.10.2015 até 29.12.2015 - em que o requerido esteve em prisão preventiva) pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas - comércio ilícito de estupefacientes em quantidade considerável, p. e p. pelos §§ 1 alínea 1 juntamente com Anexo I, 3 alínea 1, 29 a alínea 1 n.º 2 BtMG/Lei dos estupefacientes e 56 StGB/Código Penal Alemão -, pela sentença (pessoalmente notificada, ao requerido, e anexa com a certidão, inserta nos autos, a que se refere o artigo 4.º, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, transposta em Portugal pela Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, com a exactidão do conteúdo e de tradução a ser certificada, com data de 31.05.2021, pelo Ministério Público de ... - Magistrada BB), proferida em 29.12.2015, pelo Tribunal de Comarca de ..., República Federal da Alemanha, transitada em julgado em 06.0l.2016.

Trata-se, no caso, de crime que se integra, no reporte da autoridade de emissão, na enumeração do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei n.º 35/2015, de 04 de Maio (lei portuguesa) e corresponde ao campo e), não sujeito assim a dupla incriminação, por alusão ao formulário do M.D.E., e à correspondência com o artigo 21.º, n.º 1, e tabela anexa, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sendo, ali, a moldura penal abstracta prevista para os factos em apreço de pena de prisão “de 1 (um) a 15 (quinze) anos (S 29 a alinea 1 BtMG)”.

2. Tendo sido assistido por defensor nomeado pela Ordem dos Advogados (o qual, com a junção da procuração forense de fl. 108, cessou, posteriormente, funções), procedeu-se à audição do requerido, a quem foi pormenorizadamente exposta a natureza e conteúdo do presente M.D.E., no âmbito da qual o mesmo veio invocar a causa de recusa facultativa de execução do M.D.E. prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003 - a pessoa procurada residir em Portugal -, formulando a pretensão de não ser entregue às autoridades judiciárias alemãs e, antes, se determinar o cumprimento do remanescente da pena em Portugal (com o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de ... a ter por extemporânea a alusão pelo requerido a modalidades de cumprimento da pena - por pena suspensa na sua execução, prisão domiciliária com autorização para trabalhar ou prestação de trabalho comunitário).

3. Não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do presente mandado de detenção europeu - que visa a entrega da pessoa procurada para efeito de cumprimento do remanescente da pena imposta por prática de crime de tráfico de estupefacientes, nem sobre a inteligibilidade dos fundamentos invocados, não ocorrendo - diversamente do que, também, se invoca, no sentido de que teria ocorrido a prescrição da pena face ao preceituado no artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal Português (“laborando o Requerido”, como sublinha o Ministério Público, “em alguma confusão com a causa de recusa facultativa prevista no art. 129 n.º 1 al. e) da Lei n.º 65/2003”) -, causas de extinção do procedimento criminal e/ou da pena em referência, v.g. prescrição e/ou amnistia.

4. O crime in judice encontra correspondência no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro - como acima se assinalou, a moldura penal abstracta prevista na República Federal da Alemanha para os factos tidos por assentes no caso em análise é de pena de prisão “de 1 (um) a 15 (quinze) anos (S 29 a alinea 1 BtMG)” -, e o presente mandado de detenção emitido pelas autoridades judiciárias alemãs respeita os requisitos legais, de forma (designadamente, emissão e validade de transmissão) e de conteúdo - cf. também referências 536164 e 536844.

5. Como se observa, trata-se, no caso, de pena a cumprir pelo revogar - ex vi artigo § 56f, parágrafo 1 do Código Penal (StGB) - da suspensão da pena em que o requerido, AA, fora condenado no “Tribunal Distrital de ..., em ...”, por sentença de 29.12.2015 (referência: 268 Ls 271 Js 6180/15-101/15), transitada em julgado desde 06.01.2016, relativa a “tráfico ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante”, suspensão de execução essa que fora determinada para um período de três anos mas subordinada a regulares apresentações e a “cumprir dentro do prazo de seis meses”, a partir do trânsito em julgado, “200 horas de serviço comunitário de acordo com a instrução do departamento de liberdade condicional”.

6. Como igualmente se comunica, o requerido cometeu “novamente crimes durante do período probatório”, tendo sido, desse modo, condenado, “por sentença do Tribunal da 1.ª Instância de ... (...) de 06.07.2016 (referência do processo: 304 Ls 560 Js 8305/16), a uma pena de prisão de um ano e seis meses por posse ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante (data da infração 06.03.2016)”, com o “recurso interposto pela pessoa condenada” a ser “rejeitado pela sentença do Tribunal regional/Tribunal de 1.ª Instância de ..., de 30.11.2016 (referência: 8 c Ns 107/16)” e o “recurso interposto contra esta decisão” a ser “julgado improcedente por despacho do Tribunal Distrital Superior de ... de 28.09.2017 (número do processo: dois RV 113/17”, sendo “a decisão juridicamente vinculativa” - consignando-se na decisão do “Tribunal de comarca ... (...)”, em “08.01.2019”, que o requerido, AA, “mostrava com isso que a expectativa em que baseava a suspensão da pena não fora cumprida (artigo § 56f, subsecção 1, n.º 1 do Código Penal)”, para além de que “o condenado, cujo paradeiro se tornara, há muito tempo, desconhecido para as entidades públicas, não cumpria as condições” que lhe haviam sido impostas, considerando-se, em ordem ao decidido, já “não ser suficiente o prolongar do período probatório ou o impor de outras condições e instruções (artigo 56f, parágrafo 2 do Código Penal)”.

7. Por outro lado, nos termos que emanam da “cópia autenticada” da “tradução do documento apresentado em original”, certificada em “31.05.2021” - e como flui nos presentes autos da “referência de recibos 528836, sob o registo doc 44”, de 04.06.2021, e, agora, também, de recibos sob a referência 532841, em 2021.07.05 -, os factos tidos como provados, no Tribunal de comarca ..., constantes da, aludida sentença “(268 Ls) 273 Js 6180/15 (101/15)”, datada de 29.12.2015, na sequência do efectuado julgamento, em que o requerido foi assistido por defensor (“Advogado CC, ... ..., ... ...”), e que fundamentam o decidido (em ordem à pena de prisão imposta, de 1 (um) ano e 3 (três) meses, cuja suspensão da execução foi, entretanto, revogada na sequência da, posterior, imposta “pena de prisão de um ano e seis meses por posse ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante (data da infração 06.03.2016)”), foram os seguintes:

“O arguido de ... anos é solteiro e tem uma filha de sete anos que vive em …...

O arguido viajou há ano e meio como nacional da ... via ... para ... e para a Alemanha, porque os refugiados são mais bem tratados aqui. Recebe benefícios sociais em ... de aproximadamente 310,00 euros por mês. Pediu asilo.

Já em África, o arguido consumia ocasionalmente marijuana sem ser viciado, assim como na Alemanha até à sua detenção.

O arguido foi detido neste processo a 26 de outubro de 2015. A 27 de outubro de 2015, o mandado de detenção foi emitido pelo Tribunal Distrital de ... com o número de referência 382 .... O arguido esteve em prisão preventiva até à audiência principal.

Até à data, não foi objeto de qualquer acusação criminal na Alemanha.

O acusado comprou 488,9 g de marijuana com um conteúdo de substância ativa de pelo menos 44 g de THC por 2.500,00 Euros num apartamento em ... ..., ... ..., a 26 de outubro de 2015, por volta das 12h30 horas, através do intermediário Sr. DD processado separadamente. O acusado entregou o preço de compra de 2.500,00 Euros ao Sr. DD. Este último levou os narcóticos do apartamento e entregou-nos ao acusado. O acusado foi controlado pela polícia na estação de metro de ... e os narcóticos foram apreendidos.

Pretendia vender a marijuana para fins lucrativos em ....

Estas conclusões baseiam-se na confissão credível do arguido, bem como no conteúdo dos documentos discutidos na audiência principal, tal como evidenciado pela ata da audiência.

Por conseguinte, o arguido tornou-se passível de procedimento criminal por tráfico ilícito de estupefacientes em quantidade não negligenciável (artigo § 1, nº 1 em combinação com o anexo I, artigo § 3, nº 1, artigo § 29a, nº 1 e nº 2 da Lei dos Estupefacientes (BtMG);

A lei prevê uma pena de prisão de um ano até 15 anos (artigo § 29a, nº 1 da Lei dos Estupefacientes (BtMG). Tendo em conta a grande quantidade de narcóticos, o tribunal não assumiu um caso menos grave no sentido do artigo § 29a, nº 2 desta lei.

Dentro da gama padrão de punição, o facto do arguido ter feito uma confissão está a seu favor. Ficou impune e esteve em prisão preventiva durante dois meses. A infração diz respeito a uma chamada droga suave, que poderia ser apreendida. O acusado concordou com o confisco e também com a confiscação de 175,00 Euros.

Contra ele, por outro lado, há que ter em conta que tinha uma grande quantidade de narcóticos à sua disposição. O limite para a não pequena quantidade que começa em 7,5 g de TIC foi excedido por um fator de aproximadamente 5,8.

Estes narcóticos teriam sido suficientes para um grande número de unidades de consumo”.

8. Em vista da razão de ser do normativo atinente à causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu, cumpre notar que “a disposição tem de ser interpretada teleologicamente, e específica de um determinado modelo operativo de cooperação, e deve ser sistematicamente compreendida nos limites do regime do mandado de detenção europeu.

A reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade compromissória que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução.

A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para protecção de nacionais, que no contexto pretende reequilibrar o desaparecimento total ou a desvinculação no regime do mandado de detenção europeu do princípio tradicional da não entrega (e da não extradição) de nacionais - princípio, porém, já excepcionalmente atenuado com a revisão constitucional de 1997 e a alteração do artigo 33º, 3 da Constituição, e posteriormente com a alteração de 2001, em que ficou ressalvada a aplicação de normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.

A faculdade de recusa de execução prevista na referida alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, constitui, assim, uma espécie de “válvula de segurança”, que, aliás, constava já materialmente - aí não como faculdade, mas como exigência de garantia e como condição - do regime de extradição do artigo 32º, nº 3 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, nos casos em que, em limitadas situações, se admite a extradição de nacionais: a extradição só terá lugar para procedimento «se o Estado requerente der a garantia da devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa».

Também, na mesma linha de política criminal e de resguardo de alguma margem de soberania e de protecção em relação aos seus nacionais ou às pessoas que relevem da sua jurisdição, Portugal tinha já declarado, a respeito de Convenção Relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 40/98, se 28 de Maio, e publicada no DR, I-A, de 5 de Setembro de 1998), que autorizava a extradição de nacionais nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada e para fins de procedimento criminal, desde que o Estado requerente garantisse a devolução da pessoa extraditada para cumprimento da pena em Portugal, salvo se a pessoa a tal se opusesse.

Vista nesta perspectiva, e no fundo de reserva de soberania, a alínea g) do n.º 1 do referido artigo 12.º concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução no caso de mandado para cumprimento de uma pena, desde que, face à ligação da pessoa procurada, maxime sendo seu nacional, este Estado se comprometa a executar a pena.

A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão.

Na construção da norma, a faculdade é de livre exercício do Estado da execução, não dependendo de qualquer compromisso específico prévio ou de pedido do Estado da emissão; o único compromisso é unilateral e dir-se-á potestativo, e consiste na execução da pena aplicada em lugar da entrega da pessoa procurada.

A questão está, pois, não em qualquer quadro de referências e na natureza pura e simples (e não receptícia) do exercício da faculdade, mas apenas na inexistência no regime do mandado de detenção europeu, de critérios gerais ou específicos para predeterminar as condições de exercício da faculdade de recusa de execução.

Mas porque a decisão de recusa da execução constitui faculdade de Estado da execução, o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução.

Não estando directamente fixados, tais critérios, internos, hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena (o acórdão do Supremo Tribunal de 3/3/05, proc. 773/05, identificou o problema, mas não tomou posição expressa, desnecessária no contexto em que decidiu).

Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas.

Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais.” - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2006.04.27, relatado pelo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, no processo 06P1429, in www.dgsi.pt.

9. Assim, desde logo, não é de deferir a pretensão jurisdicional formulada pelo requerido relativa às aludidas modalidades de cumprimento da pena - “pena suspensa, com obrigações a determinar pela DGRS; prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, mas com autorização para trabalhar; e prestação de trabalho comunitário” -, pois que (no pressuposto, aqui não discutido, de que tal seria, ainda, de jure condito, possível in casu), para lá do mais que ressalta do acima evidenciado, v.g. de que o remanescente da pena a cumprir resulta, pelos expostos motivos, da revogação da suspensão de execução da pena que lhe fora imposta pela sentença proferida naquele tribunal alemão, dos elementos comunicados e dos, também agora, observados, retira-se juízo de prognose desfavorável relativamente ao comportamento do requerido, AA, na referência ao que se evidencia quanto à sua personalidade e às circunstâncias do facto, bem como à ponderação das exigências mínimas e irrenunciáveis do ordenamento jurídico, na deriva de considerações de prevenção geral, limitadoras do valor da socialização em liberdade subjacente aos institutos em causa. Ou seja, no presente caso a ressocialização que se impõe em ordem a uma efectiva reinserção realiza-se apenas pelo efectivo cumprimento do remanescente da pena imposta referenciada nos mandados de detenção europeu sub judice, sem ocorrência de válidas circunstâncias a favor de AA como credor de uma confiança que não soube aproveitar e que ele próprio frustrou - cf. supra pontos n.ºs 5 e 6 -, tudo configurando juízo de prognose favorável referente à ressocialização em liberdade do mesmo.

10. O requerido, que “solicitou Concessão de Autorização de Residência Permanente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 80.º da Lei 23/2007 de 04JUL na sua actual redacção” (nos termos consignados no “Auto de Audiência de 22 de Dezembro de 2020”, o mesmo seria, à data, “titular de autorização de residência válida, cuja cópia fica junta aos autos”), observando-se que o “procedimento referente ao pedido de Concessão de Autorização de Residência Permanente” se mostra “suspenso, nos termos do n.º 1 do art.º 38.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 4 de janeiro” - cf. referências ……33, e ……86 -, foi, devidamente “esclarecido”, tendo declarado “que não consente no cumprimento do presente mandado de detenção europeu, não renunciando, no entanto, ao princípio da regra da especialidade”, mais referindo, então, “que tem contrato de trabalho válido, que reside em Portugal desde 2013, e que tem 4 pessoas a cargo, uma delas o pai que se encontra doente” - com alusão no requerimento de “oposição à entrega”, a que o mesmo (pai) nasceu em “... de Outubro de 1938”, sendo as demais, “irmã”, “nascida em .. de Janeiro de 1978”, “irmã”, “nascida em .. de Junho de 1985” e  “sobrinha”, “nascida em ..  de Abril de 2007”, mais aludindo, agora, a “esposa do requerido”, que diz “se encontra na ..., onde cuida dos três filhos do casal, todos menores, os quais recebem ajuda do pai, a partir de Portugal”.

Não faz o requerido, de resto, alusão, explicativa ou outra, ao constante daquela sentença, acima mencionado - e onde se invoca, para tanto, as próprias declarações do requerido -, no sentido de ser “solteiro”, ter “uma filha de sete anos, que vive em África” e ter, “um ano e meio atrás” (na referência a Dezembro de 2015), viajado “como cidadão de ..., via ..., para ..., e de lá” ter continuado “para a Alemanha, porque” ali “se cuida melhor dos refugiados, pedindo asilo e passando a receber ajuda social na quantia mensal de € 310,00”.

11. Considerando válidas as razões invocadas, a Ex.ª Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação de ... nada teve a opor a que o requerido cumpra em Portugal o remanescente da pena, para tanto requerendo (em 29 de Dezembro de 2020) a “necessária a transmissão da sentença penal europeia em apreço para reconhecimento e execução em Portugal”, o que foi satisfeito pelas autoridades judiciárias alemãs, no reporte à, pelo requerido AA, invocada causa de recusa facultativa à execução do mandado de detenção europeu in judice - cf. Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI/ do Conselho da Europa, de 13 de Junho, e Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei n.º 35/2015, de 04 de Maio, v.g. artigos 11.º, 12.º e 12.º-A.

12. Deste modo, não estando em causa disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português e/ou ao respeito por quaisquer direitos, liberdades e garantias individuais, nem se tratando de crime contra a segurança do Estado, e verificando-se todos os necessários, e suficientes, requisitos legais, há que recusar a entrega às autoridades judiciárias alemãs de AA - como por ele requerido/cf. também Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, artigo 10.º, n.º 5, alínea c) - na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos inerentes à exequibilidade da sentença proferida no Tribunal da Comarca de ..., em 2015.12.29, pela sentença, transitada em julgado, n.º 268 Ls 101/15, e à confirmação da pena imposta a AA, de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, que não se mostra extinta “por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa”, o que aqui se declara por menção à supra referida certidão enviada pelas autoridades judiciárias alemãs contendo a sentença condenatória e a, igualmente transitada em julgado, decisão - 304 ... 16/16, proferida em 2019.01.08, pelo Tribunal da 1.ª Instância de ... (...)/Tribunal de comarca ... (...) - que revogou a suspensão da execução da imposta pena, a deverem ser executadas em Portugal quanto ao remanescente da imposta pena de prisão, ora efectiva, nos termos dos artigos 4.º, 5.º e 8.º, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, artigo 10.º, n.º 5, alínea c), Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 115/2009, de 12/10, artigo 100.º, n.ºs 1 e 2, Código de Processo Penal, artigos 234.º, n.º 1, 237.º, n.º1, alíneas a) a d), e 2, e 238.º, e Código de Processo Civil, artigo 980.º.

III. Decisão:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de ... em:

1 - Atribuindo-se-lhes força executiva, declarar exequíveis em Portugal a sentença (que, condenatória, foi proferida em 2015.12.29. pelo Tribunal de Comarca de ...) e a decisão (que, datada de 2019.01.08, e emanada do Tribunal da 1ª Instância de ... (...), revogou a suspensão da execução da pena), ora revistas e confirmadas, com as referências, respectivamente, 268 Ls 271 Js 6180/15-101/15 e 304 ... 16/16, transitadas em julgado, confirmando-se a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão em que o requerido ali foi condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas - comércio ilícito de estupefacientes em quantidade considerável, p. e p. pelos §§ 1 alínea 1 juntamente com Anexo I, 3 alínea 1, 29 a alínea 1 n.º 2 BtMG/Lei dos estupefacientes e 56 StGB/Código Penal Alemão (correspondente, em Portugal, ao artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro); e

2 - Assim, em recusar a execução do presente mandado de detenção europeu, com o remanescente (pois que haverá que descontar 65 (sessenta e cinco) dias relativos ao período, de 26.10.2015 até 29.12.2015, em que o requerido esteve em prisão preventiva) da pena que foi imposta a AA a dever ser executado na esfera de jurisdição do tribunal português da área da residência do mesmo (requerido), nessa medida, e após trânsito, devendo os autos baixar à, competente, 1.ª instância - cf. Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, artigos 10.º, n.º 5, alínea c), e 26.º, alínea a), Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, e Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 115/2009, de 12/10, artigo 103.º, n.ºs 1 a 3.”

7. Importa, antes de mais, convocar o essencial do regime processual de execução do mandado de detenção europeu decorrente da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que transpõe a Decisão-Quadro 2002/584/JAI de 13.6.2002 do Conselho para a ordem jurídica interna (a que pertencem as disposições seguidamente citadas sem indicação do respectivo diploma legal), no que releva para a decisão do recurso.

8. Resulta diretamente do texto do artigo 1.º que o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro da União Europeia (UE), com vista à detenção e entrega, por outro Estado-Membro, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade.

O mandado de detenção europeu, que se baseia no princípio do reconhecimento mútuo – princípio de dimensão política que, erigido em “pedra angular” do sistema de cooperação judiciária entre os Estados-Membros da União Europeia no Conselho Europeu de Tampere (Outubro de 1999, conclusão 33), encontra hoje, após o Tratado de Lisboa (2007), expressão jurídica no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual “a cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais “ –, fundado “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”, “aboliu” o processo formal de extradição entre os Estados-Membros da União, o qual foi “substituído” por um “novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal”, que permitiu “suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição” instituídos pelos instrumentos de cooperação então em vigor (considerandos 5, 6, 7, 8 e 11 e artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6.2002).

O princípio do reconhecimento mútuo, a que está sujeita a execução do MDE (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003), não encontra definição no direito nacional, devendo o seu sentido, conteúdo e extensão ser obtidos por recurso à legislação da União Europeia e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre validade e interpretação dos actos normativos adoptados pelas instituições (artigo 267.º, alínea b), do TFUE), com respeito pelo princípio de interpretação conforme aos Tratados e à legislação secundária aprovada com base nos Tratados (assim,).

De acordo com este princípio, uma decisão proferida por uma autoridade judiciária competente (autoridade de emissão) produz efeitos no território do Estado em que deva ser executada (Estado de execução), como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse. Como tem sido sublinhado na jurisprudência do TJUE (nomeadamente nos acórdãos de 16.6.2005, caso Pupino, Proc. C-105/03; de 17.7.2008 caso Kozlowski, Proc. C-66/08; e de 5.9.2012, caso Silva Jorge, Proc. C-42/11), o princípio do reconhecimento mútuo, assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da EU.

Nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são apenas os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, de 26.2.2009 (a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio).

9. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, al. g), a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. Esclarecendo o n.º 3 que a recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada e o n.º 4 que a decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo ao reconhecimento de sentenças penais que imponham penas de prisão ou medidas privativas da liberdade no âmbito da União Europeia, devendo a autoridade judiciária de execução, para este efeito, solicitar a transmissão da sentença.

O regime relativo ao reconhecimento de sentenças penais que imponham penas de prisão ou medidas privativas da liberdade no âmbito da União Europeia encontra-se estabelecido na Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, alterada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro, que, para além do mais, transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia.

Dispõe o artigo 26.º deste diploma, sob a epígrafe “Execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu” que o disposto na presente lei se aplica à execução de condenações, se o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão ou medida de segurança privativa de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional [al. a)].

10. O acórdão recorrido, em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.ºs 1, al. g), 3 e 4, da Lei n.º 65/2003, que se conjuga com o artigo 26.º da Lei n.º 158/2015, reconheceu o MDE para cumprimento da pena, recusou a execução e, consequentemente, a entrega do recorrente, por este residir em Portugal, procedendo ao reconhecimento da sentença condenatória do Tribunal de ..., ..., República Federal da Alemanha, que justificou a emissão do MDE, na mesma sentença, proferida no processo de execução do MDE, conferindo-lhe força executiva em Portugal, assim assegurando o compromisso do Estado Português em executar a pena.

11. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão final sobre a execução do mandado de detenção europeu.

O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que o prazo para a interposição do recurso é de cinco dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida.

Idêntica disposição se encontra na Lei n.º 158/2015, cujo artigo 16.º-A dispõe que da decisão é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no prazo de cinco dias a contar da notificação ao Ministério Público e ao defensor, devendo a resposta ser apresentada no mesmo prazo.

Sendo o recurso admissível, há que apreciar da sua tempestividade, assim se conhecendo também da questão prévia suscitada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da relação, na resposta ao recurso interposto.

12. Dos autos resulta esclarecido que:

(a) O acórdão recorrido foi proferido no dia 9 de setembro de 2021 (ref. 17352029);

(b) Foi notificado à sua mandatária por via postal com a data de 10.9.2021 (ref. 17352062), com a indicação de que a notificação, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, do CPP, se presumia efetuada no terceiro dia posterior ao do seu envio, sendo dia útil, ou, não o sendo, no primeiro dia útil seguinte;

(c) Foi notificado pessoalmente ao recorrente, por agente do Posto Territorial da GNR do ..., em 17.9.2021, conforme certidão por este assinada (ref. of. 540602);

(d) Tendo o recorrente alegado que a notificação não estava completa, por omissão de partes do texto do acórdão, o Tribunal da Relação, a promoção do Ministério Público, ordenou a repetição da sua notificação pessoal com cópias do acórdão na sua totalidade;

(e) Cumprindo o decidido, os agentes do Posto Territorial da GNR do ... e do Posto Territorial da GNR do ... procederam à notificação pessoal do recorrente, em 30.9.2021 e em 22.9.2021 (of. ref. 542625 e 542895), o qual assinou as respetivas certidões;

(f) Em 12.10.2021, o recorrente requereu ao Tribunal da Relação o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, pretensão que foi indeferida por despacho do juiz desembargador, com fundamento em que o acórdão tinha transitado em julgado e em que o requerido estava fora dos poderes do Tribunal da Relação, que se encontravam esgotados (despacho ref. ...);

(g) O processo foi, depois, remetido ao Juízo Local de ..., para execução da condenação;

(h) Em 28 de outubro de 2021 veio o recorrente interpor o presente recurso do acórdão do Tribunal da Relação, dizendo-se notificado no dia 28.9.2021 (ref. ... e …..19);

(i) O recurso foi admitido por despacho do juiz desembargador de 29.10.2021 (ref. ...), no qual é referido que a interposição do recurso “terá em consideração, eventualmente esta (3.ª e última) notificação ao requerido”, em 30.9.2021, pelo que “na dúvida” foi o recurso admitido.

13. Do exposto se pode concluir com segurança que a última notificação do acórdão recorrido ocorreu, por notificação pessoal do recorrente, em 30 de setembro de 2021.

Pelo que, sendo de cinco dias o prazo para a interposição do recurso (artigo 24.º da Lei n.º 65/2003, cit.) e considerando as regras de contagem previstas no artigo 138.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 104.º do CPP), aquele prazo se extinguiu no dia 6.10.2021, sem prejuízo de o recurso ainda poder ter sido interposto até ao dia 11.10.2021, tendo em conta a tolerância de três dias oferecida pelo artigo 107.º-A do CPP, o que, a ser usada, poderia permitir a interposição do recurso nos oito dias seguintes à notificação.

Tendo sido interposto no dia 28.10.2021, o recurso foi apresentado fora do prazo legalmente previsto.

14. Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, aplicável ex vi artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º.

De acordo com este preceito, o recurso não é admitido quando for interposto fora de tempo, sendo que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (n.º 3).

Termos em que se impõe a rejeição do recurso.

Não sendo o recurso admissível, não tem este tribunal que apreciar das questões colocadas pelo recorrente.

Quanto a custas e sanção processual

15. Nos termos do artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

Dispõe o artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, que os processos de extradição são gratuitos, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) a d) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 26.º. Por razões de analogia, tendo em conta a natureza e as finalidades do processo de execução do MDE, que substitui a extradição nas relações entre os Estados-Membros da União Europeia, e não havendo norma idêntica na Lei n.º 65/2003, deverá aplicar-se esta disposição.

Em conformidade com o disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.

III. Decisão

16. Pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal em rejeitar o recurso interposto por AA.

Sem custas.

Vai, porém, o recorrente condenado ao pagamento da importância de 3 UC, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP.


Supremo Tribunal de Justiça, 15 de dezembro de 2021.


(assinado digitalmente)

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes