Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
283/15.1T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO EMPREGADOR
Data do Acordão: 09/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS / JULGAMENTO DOS RECURSOS.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 87.º, N.º 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 281.º E 282.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 563.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-04-2004, PROCESSO N.º 04B1040;
- DE 03-02-2010, PROCESSO N.º 304/07.1TTSNT.L.S1;
- DE 03-04-2013, PROCESSO N.º 241/08.2TTLSB.L1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido.

II. A adequação concreta entre o comportamento do agente e o efeito lesivo tanto pode ser obtida através da prova que tenha sido diretamente alcançada sobre a matéria, como pode ser indiretamente afirmada por meio de presunções judiciais, sendo que, em qualquer dos casos, estamos sempre num domínio de soberania exclusiva das instâncias.

III. Tendo-se provado que o acidente teria sido evitado caso o empregador tivesse efetuado uma análise das condições de segurança a observar pelos trabalhadores na execução de trabalhos de desmantelamento de engenhos de serragem, definindo os equipamentos de proteção coletiva e individual a utilizar e as tivesse transmitido aos mesmos, verifica-se a existência de nexo de causalidade, entre essa omissão e a ocorrência do acidente.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 283/15.1T8VIS.C1.S1 – Revista (4ª Secção)[1]


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I


        Relatório[2]:

            

               1) - A instância da presente ação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, intentada por AA, contra “BB, S. A.” e “CC, SA” iniciou-se em 14 de janeiro de 2015, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo do Trabalho de ... – Juiz 1, na qual peticionou que as Rés fossem condenadas, na medida das suas responsabilidades [artigos 18º e 79º, n.º 3, ambos da LAT], a pagarem-lhe as seguintes importâncias


a) A pensão anual e vitalícia que lhe vier a ser atribuída em consequência do exame por junta médica que irá requerer, com início em 20/11/2015;
b) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente e, considerando que o Autor é portador de incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer trabalho, sendo tal subsídio igual a 12 vezes o valor de 1.1 IAS, ou seja, € 5.533,70 (artigo 47º, nºs 1, alínea d) e 3 e artigo 67º, n.º 2, da Lei 98/2009, de 04/09);
c) O subsídio para readaptação da habitação, dado ter ficado dependente de cadeira de rodas, obrigando à adaptação da residência em função de tal limitação física, subsídio que deve ser fixado no seu limite máximo de 12 vezes o valor de 1.1 IAS, ou seja € 5.533,70 (artigo 47º, nºs 1, alínea. i) e 3 e artigo 68º da Lei 98/2009, de 04/09);
d) Ajudas medicamentosas (artigo 25º, nº 1, alínea b), da LAT);
e) Ajudas técnicas (cadeira de rodas, cama articulada, automóvel adaptado e demais dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais do Autor – artigos 41º e 43º da LAT);
f) Um dia de ITA que ainda não lhe foi pago;
g) O pagamento da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, a qual deverá ser fixada no montante mensal de € 461,14 (o valor de 1.1 IAS) – artigos 47º, n.º 1, alínea h), 53º e 54º da LAT, valor esse a ser atualizado em conformidade com a sucessiva alteração legislativa;
h) A Ré empregadora a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais a indemnização de € 188.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação;
i) Ambas as Rés a pagarem os juros à taxa legal nos termos do artigo 135º do CPT.

               

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               2) - O Autor para fundamentar tais pedidos alega, em síntese, o seguinte:


                No dia 29/12/2014, no desenvolvimento de trabalhos de desmantelamento de quatro engenhos de serragem de granito, encontrava-se sobre uma plataforma superior do engenho a proceder ao corte de parafusos mediante a utilização de uma rebarbadora, perdeu o equilíbrio e caiu de uma altura de cerca de 5 metros; sofreu traumatismo torácico esquerdo, vertebral dorso lombar, craniano e abdominal e como sequelas: paraplegia com nível sensitivo T9 que o confinou a uma cadeira de rodas, sem retenção urinária e fecal, tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 80% com IPATH.

               Ora, a Ré Empregadora violou as regras de segurança no trabalho, por não ter assegurado as condições de segurança nos trabalhos de desmantelamento dos engenhos de serragem de granito nem a formação adequada, não tendo definido em concreto as medidas de prevenção a implementar para que fossem acautelados os riscos existentes, nomeadamente, os associados a uma eventual remoção de dispositivos de proteção contra quedas no decorrer do processo de desmantelamento.

               Depende da assistência de terceira pessoa para os atos da vida diária e sofreu danos não patrimoniais.

               Termina pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e que as Rés sejam condenadas, na medida das suas responsabilidades, a pagar-lhe as quantias peticionadas.
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               3) - A Ré seguradora “BB - Seguros, SA” contestou a ação, articulando, em suma, o seguinte:
               
               O acidente ocorreu por manifesta e grave violação das condições de segurança na prestação do trabalho, não tendo a empregadora especificado as concretas medidas de segurança a adotar na realização dos trabalhos.
               O engenho de serragem não possuía marcação CE e/ou declaração de conformidade nem manual de instruções em português, os trabalhadores não receberam quaisquer instruções para a realização dos trabalhos de desmontagem da máquina e não se encontravam a utilizar equipamentos de proteção individual, nem existia guarda corpos.
               Não foi ministrada qualquer formação ao A. e o acidente em apreço deveu-se, única e exclusivamente, à culpa da empregadora, pelo que, a seguradora é responsável pelos valores peticionados sem prejuízo do direito de regresso.

               Termina, dizendo que a ação deve ser julgada em conformidade com a prova que venha a ser produzida, sem prejuízo do direito de regresso que assiste à “BB - Companhia de Seguros, SA” sobre a “CC, SA”, cujo reconhecimento requer, com todas as legais consequências.
               
                                                                                             
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               4) - Por sua vez, a Ré Empregadora “CC, S.A”, contestou alegando, em síntese, que:

               O acidente em causa deu-se, não por ter violado qualquer das regras de segurança no trabalho ou por incumprimento do seu dever de formação, mas devido a uma iniciativa dos trabalhadores que, em desrespeito às ordens dadas e ao procedimento habitualmente utilizado, decidiram abrir um orifício no piso da plataforma, onde o A. viria a cair.
               Acresce que o Autor teve formação e que o engenho e a plataforma reuniam condições de segurança.
               Assim, por não haver lugar à responsabilidade agravada, deve ser a Ré seguradora responsabilizada em exclusivo pelas consequências advindas do acidente.

               Termina, pedindo que a ação, no que lhe diz respeito, seja julgada totalmente improcedente, e, consequentemente, absolvido do pedido contra si deduzido        
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               5) - O A. apesentou resposta à contestação da Empregadora, concluindo como na petição inicial, ou seja, dizendo, que devem julgar-se improcedentes as exceções deduzidas pela Ré “CC”.

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                6) - Foi proferido despacho saneador, selecionada a matéria assente e elaborada a base instrutória.
                                                                                             
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               7) – Procedendo-se à audiência de julgamento, por sentença proferida em 17 de julho de 2018, foi decidido:
                                                                                             

               1 - Julgar-se a presente ação procedente, por provada, e em consequência:

A) Condenar-se a Ré “CC – Companhia de Seguros, SA”, sem prejuízo do direito de regresso sobre a Ré “CC, S.A”, a pagar ao Autor AA as seguintes quantias:

a) € 418,16 (quatrocentos e dezoito euros e dezasseis cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias em falta, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada prestação mensal, nos termos supra expostos e até integral pagamento.
b) Pela IPP de 81,5%, com IPATH de que ficou a padecer, uma pensão anual e vitalícia de € 5.866,56 (cinco mil oitocentos e sessenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), devida desde 20/11/2015, sendo tal pensão atualizável, passando a mesma a ser de € 5.890,03 a partir de 01/01/2016, de € 5.919,48 a partir de 01.01.2017 e de € 6.026,03 a partir de 01.01.2018 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais até integral pagamento.
c) A pensão anual deve ser paga, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respetivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro.
d) A quantia de € 5.226,58 (cinco mil duzentos e vinte e seis e cinquenta e oito cêntimos) a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 20.11.2015 até integral pagamento.
e) A quantia referente ao valor das despesas suportadas com a readaptação da habitação, até ao limite de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 20.11.2015 até integral pagamento.
f) A fornecer ao Autor ajudas medicamentosas e ajudas técnicas, designadamente cadeira de rodas ultra leve e demais dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que ficou a padecer, como material de transferes, cadeira de banho, algálias e consumíveis para a disfunção esfincteriana, bem como a carro adaptado para que o mesmo possa conduzir.
g) A quantia mensal de € 115,20 (cento e quinze euros e vinte cêntimos), devida desde 20.11.2015, anualmente atualizada na mesma percentagem a que o for o IAS, passando a ser de € 115,80 a partir de 01.01.2017 e de € 118,20 a partir de 01.01.2018, a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, a pagar nos termos do art.º 72º, nº 4 da NLAT, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais até integral pagamento.


B) Condenar-se a Ré “CC, S.A” a pagar ao Autor AA, as seguintes quantias:

a) € 2.387,88 (dois mil trezentos e oitenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) a título de diferenças de indemnização agravada por incapacidades temporárias, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada prestação mensal, nos termos supra expostos e até integral pagamento.
b) Pela IPP de 81,5%, com IPATH de que ficou a padecer, uma pensão anual e vitalícia de € 2.490,85 (dois mil quatrocentos e noventa euros e oitenta e cinco cêntimos), devida desde 20/11/2015, sendo tal pensão atualizável, passando a mesma a ser de € 2.500,81 a partir de 01/01/2016, de € 2.513,31 a partir de 01-01-2017 e de € 2.558,55 a partir de 01-01-2018 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais até integral pagamento.
c) € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da presente sentença até integral pagamento.

II

           Inconformadas com esta decisão, as Rés Seguradora e Empregadora, interpuseram recurso de apelação, impugnando, também, a Empregadora a decisão proferida quanto à matéria de facto.

               O Autor respondeu aos recursos, dizendo, como questão prévia, que as alegações da recorrente Seguradora eram extemporâneas, por não terem sido apresentadas dentro do tempo legal para o efeito, uma vez que nelas não se impugnava a matéria de facto, e terminou pedindo que sejam ambos julgados improcedentes.

               Ora, por acórdão proferido, em 01.02.2019, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, com um voto de vencido”, depois de eliminar os factos constantes nos nºs 98 e 138, e de alterar a redação dos pontos n.ºs 124 e 129, decidiu-se o seguinte:

- Rejeitar o recurso interposto pela Ré “BB, SA”, por ser extemporâneo, e,

- Na total improcedência do recurso da Ré ”CC, SA”, manter a sentença recorrida.


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                Ora,  o voto de vencido, tem o seguinte teor:

- “Vencido porquanto considero não estar verificado o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente”.         

III

            Da revista:

               Ainda inconformada, a Ré Empregadora interpôs recurso de revista, que foi admitido, nos termos do artigo 671º, n.º 3, do CPC, aplicável “ex vi” dos artigos 81º, n.º 5, e 1º, n.º 2, alínea a), estes do CPT, dada a existência de um voto de vencido apesar do acórdão ter confirmado a decisão da 1ª instância, sem fundamentação essencialmente diversa.


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               A recorrente “CC”, com a sua alegação, formulou as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido é recorrível nos termos do art.º 671.°, n.ºs 1 e 3 (a contrario) do CPC, porquanto foi lavrado com um voto de vencido, não se verificando assim os pressupostos cumulativos da “dupla conforme”.

2. A decisão recorrida acaba por concluir (erradamente) que foi em consequência das omissões da ora Recorrente, referentes às suas obrigações gerais em matérias de segurança e saúde no trabalho, que o malogrado acidente ocorreu.

3. Contudo, tal conclusão não encontra respaldo na prova produzida, considerando o acervo factual fixado em primeira instância, com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação.

4. As lesões sofridas pelo A./recorrido, descritas nos autos, resultaram de uma queda de uma altura de cerca de 5 metros, por um orifício de um metro e meio de diâmetro por ele aberto no pavimento de uma plataforma, equipamento de proteção coletiva ali colocado pela Ré/recorrente.

5. Não fora a abertura daquele buraco, que não era imprescindível à execução daqueles trabalhos, e o acidente não se teria dado, pois foi por ali que o A./recorrido caiu.

6. O Recorrido procedeu a tal abertura ao arrepio daquele que era o procedimento habitual, executado dezenas de vezes em tarefas de manutenção, e que poderia ter sido seguido no caso concreto.

7. Não havia necessidade de proceder à abertura de um buraco com aquelas dimensões, metro e meio de diâmetro, tendo em conta a finalidade invocada, de permitir a passagem de um gancho que não tinha mais de meio metro em qualquer das suas superfícies.

8. O A./sinistrado procedeu de modo imprevidente ao ir trabalhar com uma rebarbadora elétrica, nas imediações desse buraco com um metro e meio de diâmetro, a cinco metros de altura, tanto mais quanto tinha sido ele a abrir esse buraco no dia de trabalho anterior.

9. O A./sinistrado não agiu com a diligência exigida a um bonus pater familias, ao ir trabalhar com aquele equipamento elétrico, a uma altura de 5 metros, ao lado de um orifício no pavimento de metro e meio de diâmetro, sem se ter socorrido de cintos de arnês, que a empregadora tinha à sua disposição, tanto mais quanto esse cinto poderia ser amarrado ao guarda-corpos da plataforma.

10. O verdadeiro nexo causal do acidente consubstancia-se na abertura feita no passadiço da plataforma situada a 5 metros de altura, sem que tivesse sido colocada qualquer proteção, conjugadamente com a imprudência do A., que foi trabalhar para as imediações do mesmo com equipamento elétrico, sem utilizar qualquer equipamento de proteção individual, nomeadamente o que a sua empregadora tinha colocado à sua disposição.

11. Existisse a plataforma nos termos em que a Recorrente a construiu e o trabalhador, na pior das hipóteses, teria sido projetado, mas nunca teria caído em altura.

12. Ainda que tivesse havido violação das condições de segurança, o acidente de trabalho dos autos não se deu por violação dessas regras.

13. Efetivamente, não há qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a falta de formação, falta de marca da CE e de instruções em português no engenho, e todos os outros alegados incumprimentos da Recorrente.

14. Para que exista responsabilidade agravada, não basta a inobservância das normas de segurança, sendo ainda necessário que exista o nexo de causalidade entre a inobservância e a ocorrência do acidente e consequentes danos, o que in casu não se verifica.

15. Nesta conformidade, por não estarem cumpridos os pressupostos legais para a aplicação do artigo 18.º da NLAT, não poderá haver lugar à responsabilidade agravada da Recorrente, devendo a Ré seguradora ser responsabilizada em exclusivo pelas consequências advenientes do acidente de trabalho sub judice.

               Termina pedindo que se conceda a revista e, consequentemente, se revogue a decisão recorrida e se a substitua por outra que a absolva dos pedidos contra ela formulados e que condene, apenas, a Ré Seguradora pela reparação dos danos emergentes do acidente.


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              O Autor contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1. Decorre da factualidade dada como provada, nomeadamente dos n.ºs 30, 31, 41, 42, 43, 108, 113, 124, 128, 129, 130, 131, 132, que, apesar de ter sido o Autor quem removeu as peças do corredor de circulação, fê-lo com indicação do seu superior hierárquico; no momento do acidente procedia de acordo com as instruções da Ré empregadora, transmitidas pelo seu superior hierárquico DD ao trabalhador EE que na altura coordenava os trabalhos e as transmitiu ao Autor, sendo que a equipa de manutenção procedeu à remoção do balanceiro seguindo instruções dos seus superiores hierárquicos no sentido de procederem ao aproveitamento do maior número de peças o mais rápido possível, abrindo para o efeito um buraco no passadiço da plataforma o engenho.

2. Quem deveria ter atuado com a diligência de um bonus pater familias era a entidade patronal, que, olhando apenas para o lucro, colocou, com as suas ordens, em causa a vida de todos os trabalhadores que andavam a efetuar aquele trabalho de desmantelamento, para conseguir recuperar o máximo de peças no mínimo de tempo possível.

3. Os trabalhos de desmantelamento dos engenhos não eram uma tarefa habitual dos trabalhadores envolvidos na operação, designadamente do Autor, sendo antes uma tarefa esporádica, pois que não se tratava da manutenção do engenho mas sim do seu desmantelamento, com retirada de todas as peças existentes no seu interior, o que exigia formação específica na área de segurança e saúde no trabalho.

4. Inexistiram quaisquer procedimentos escritos para a realização da operação de desmantelamento em apreço, pelo que não assiste razão à Recorrente ao afirmar que a equipa ao abrir o buraco na plataforma fugiu à regra em que se consubstanciava o procedimento habitual para a execução dos trabalhos.

5. Quem primeiramente deveria ter formação era a própria Recorrente, na medida em que foi a mesma quem ordenou ao Autor a abertura do buraco, sendo que alguém colocou sobre o mesmo tábuas soltas, em mau estado de conservação e com dimensões reduzidas face àquele buraco.

6. Não era suscetível para os trabalhadores se perceberem que era necessário o uso dos cintos de arnês, visto não terem tido formação em matéria de segurança e risco em altura, falta der formação que se estende à própria Recorrente, que não avaliou o risco e, consequentemente, não adotou as medidas para colmatar o facto de não existir uma proteção coletiva efetiva.

7. Não foi o Autor quem revelou ser incauto e negligente mas sim a Recorrente, que, aliás, já o vinha sendo há alguns anos, como revelara o relatório de avaliação de riscos elaborado em 2011, que propunha à mesma várias medidas a adotar que nunca foram implementadas até ao acidente. Medidas essas que, por sinal, permitiriam ter evitado o sinistro ocorrido.

8. A Recorrente podia e deveria ter conjeturado a necessidade de implementar medidas contra quedas, ao ordenar abertura de um buraco na plataforma, e sabendo que o engenho iria ficar completamente oco, não podendo servir de guarda-corpos interno.

9. Da matéria de facto provada extrai-se uma atuação culposa da Ré recorrente, violadora de regras de segurança, sendo certo que, se as mesmas tivessem sido cumpridas, o acidente não teria ocorrido.

10. A factualidade assente demonstra que o Autor encontrava-se a desenvolver trabalhos não habituais e que exigiam formação específica na área da segurança e saúde no trabalho; não foram definidas pela Recorrente instruções específicas quanto às medidas de segurança a adotar na realização dos trabalhos; as únicas instruções recebidas para realização dos trabalhos de desmontagem da máquina foi a de procederem ao aproveitamento do maior número de peças o mais rápido possível, abrindo para o efeito um buraco no passadiço da plataforma do engenho; no momento do acidente a proteção coletiva contra o risco de queda em altura das plataformas de trabalho existentes para a realização de trabalhos (em altura) na parte superior do engenho não era suficiente; o Autor procedeu à remoção das peças do corredor de circulação por indicação do seu superior hierárquico, sendo que no momento do acidente o Autor procedia de acordo com as instruções da Ré empregadora (transmitidas ao superior hierárquico DD e ao trabalhador EE); a Recorrente não transmitiu aos trabalhadores envolvidos nos trabalhos instruções para que usassem os cintos de arnês na realização do desmantelamento de engenhos, não lhes tendo dado qualquer formação no domínio da segurança e saúde no trabalho; a Recorrente não assegurou que os trabalhos de desmontagem dos engenhos fossem realizados em condições de segurança e saúde.

11. Perante esta factualidade, ao não adotar (a Recorrente) os procedimentos que se impunham nas circunstâncias concretas, tendo capacidade para proceder da forma exigível, outra não poderia, nem poderá, ser a conclusão se não a da verificação do nexo causal entre o acidente que vitimou o Autor e as inúmeras omissões da Ré empregadora/Recorrente, respeitantes às obrigações em matéria de segurança e saúde no trabalho, conduzindo a uma responsabilidade agravada da mesma.

               Termina pedindo que se negue provimento ao recurso, e, em consequência, se mantenha a decisão recorrida.

IV

Fundamentação:

Lei adjetiva aplicável:

Tendo a instância se iniciado em 14 de janeiro de 2015 e o acórdão recorrido sido proferido em 01 de fevereiro de 2019, são aqui aplicáveis os Códigos de Processo Civil e do Processo do Trabalho, nas suas atuais versões.


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Questão colocada:

- Nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente.

       


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Parecer do Ministério Público:

Pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, foi emitido parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, no sentido de ser negada a revista.

Notificado às partes, as mesmas não se pronunciaram sobre o mesmo.


V

- Da matéria de facto:

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

“1- O Autor AA nasceu no dia … de junho de 19…(cf. doc. de fls.129).

2- A Ré empregadora “CC, S.A” dedica-se à atividade de extração, transformação e comercialização por grosso e a retalho, importação e exploração de granitos e outras rochas ornamentais, construção civil e obras públicas.

3- No âmbito dessa atividade a 2ª Ré “CC” admitiu o Autor ao seu serviço, em 02 de setembro de 1998, para sob a suas ordens, direção e fiscalização exercer a profissão de pré-oficial, desenvolvendo funções relacionadas com a reparação e manutenção de máquinas, equipamentos e instalações, mediante retribuição, que em 29 de dezembro de 2014, ascendia à remuneração mensal de € 536,10, acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante cada e € 122,10 de subsídio de alimentação.

4- A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelo Autor ao serviço da Ré “CC” encontrava-se transferida para a 1ª Ré “BB, S.A,” mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., pela retribuição aludida no n.º 3.

5- No dia 29 de dezembro de 2014, pelas 10h15, no lugar de ..., ..., ..., o Autor no exercício das suas funções para a 2ª Ré “CC”, encontrava-se sobre uma plataforma superior de um engenho, a proceder ao corte de parafusos mediante a utilização de uma rebarbadora, quando perdeu o equilíbrio e caiu de uma altura de cerca de 5 metros.

6- No dia anterior, 28-12-2014, o Autor e os colegas EE, FF e GG, todos sob a supervisão do responsável da equipa de manutenção da Ré Empregadora GG, concluíram, ao nível do pavimento, a remoção dos fusos da coluna onde aquele (Autor) se encontrava a trabalhar.

7- No dia 29/12/2014, o Autor, seguindo instrução do responsável da equipa de manutenção, subiu à plataforma superior do engenho de serragem nº. 10 para proceder à desmontagem dos componentes da engrenagem de subida e descida (ligações de transmissão).

8- No momento em que se encontrava a efetuar o corte dos parafusos da caixa que continha o motor, com o recurso a uma rebarbadora, sentiu um impulso provocado pelo contacto entre o referido equipamento de trabalho e o ferro, tendo perdido o equilíbrio, colocando o pé em falso na abertura existente no corredor de circulação da plataforma e caindo desamparado ao chão de uma altura de cerca de 5 metros.

9- Em consequência de tal queda o Autor sofreu lesões, designadamente traumatismo torácico esquerdo, traumatismo vertebral dorso-lombar (D9 e L1), traumatismo craniano e abdominal.

10- Na sequência do acidente o Autor foi assistido no local pelos Bombeiros Voluntários de ... e equipa SIV do Hospital ...(...).

11- Face à gravidade das lesões sofridas, o Autor foi helitransportado para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde foi submetido a intervenções cirúrgicas, tendo permanecido internado até 22/01/2015.

12- Em 22-01-2015 o Autor foi transferido para o Hospital ...em ..., para realização de reabilitação física, onde permaneceu internado até 16/03/2015, data em que foi transferido para o Centro de reabilitação ..., na ... e posteriormente para a Unidade de Cuidados Continuados Acredita em ..., onde permanece atualmente.

13- Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor padeceu de ITA desde a data do acidente até 19/11/2015 (326 dias), sendo esta a data da alta.

14- A 1ª Ré seguradora pagou ao Autor indemnização pelo período de ITA desde 30/12/2014 a 19/11/2015 (325 dias), no montante global de € 5.097,00, nos termos constantes do doc. de fls. 119 dos autos que aqui se dá por reproduzido.

15- Na data do acidente o Autor desenvolvia trabalhos de desmantelamento de quatro engenhos de serragem de granito, tendo o acidente ocorrido na realização de tal operação.

16- A operação de desmantelamento de equipamentos exigia formação específica na área de segurança e saúde no trabalho.

17- Em data não concretamente apurada o presidente do conselho de administração da Ré Empregadora, HH, deu indicação ao trabalhador GG, responsável pela equipa de manutenção da empresa, para proceder ao desmantelamento de quatro engenhos de serragem existentes nas instalações da Ré.

18- Tendo sido determinado superiormente a afetação do ora Autor (e outros colegas da manutenção) para os trabalhos de desmantelamento.

19- Daí o sinistro ter ocorrido quando o Autor se encontrava na plataforma superior do engenho de serragem n.º.10 a efetuar o corte dos parafusos da caixa que continha o motor, mediante a utilização de uma rebarbadora.

20- A Ré empregadora não definiu em momento anterior ao início dos trabalhos as instruções específicas quanto às medidas de segurança a adotar na realização dos trabalhos.

21- O Autor desconhecia a eventual existência de procedimentos escritos para a realização de trabalhos de manutenção e, em concreto, para os trabalhos de desmantelamento dos engenhos que estavam em curso no dia do acidente, não tendo recebido quaisquer instruções escritas para a realização dos trabalhos de desmontagem da máquina.

22- O engenho de serragem que estava a ser desmantelado no momento em que ocorreu o acidente (engenho n.º.10) era da marca “...”, fabricado antes de 1995/1996, não dispondo o mesmo de marcação CE e/ou declaração CE de conformidade.

23- Estando o manual de instruções escrito em italiano, não existindo, naquela altura nenhuma cópia traduzida para português ao alcance dos trabalhadores, Autor incluído.

24- As plataformas de acesso e de trabalho existentes na parte superior do engenho foram produzidas e montadas, internamente, pelos trabalhadores por forma a assegurar condições de segurança na realização das tarefas de operação, manutenção e limpeza, porquanto tais equipamentos não dispunham, de origem, de forma de acesso adequada à parte superior.

25- No momento do acidente a proteção coletiva contra o risco de queda em altura das plataformas de trabalho existentes para a realização de trabalhos (em altura) na parte superior do engenho não era suficiente porquanto, em alguns pontos, as aberturas existentes nos corredores de circulação não estavam dotadas de guarda-corpos que reduzissem e/ou eliminassem o risco de queda em altura.

26- Existindo na altura do acidente uma abertura no corredor de circulação, a qual se encontrava próxima do local onde o sinistrado se encontrava a realizar os trabalhos no momento em que ocorreu o acidente.

27- Existindo algumas tábuas de madeira sobre a mesma abertura.

28- As tábuas colocadas para reduzir o risco de queda em altura, para além de apresentarem fendas que condicionavam a sua robustez e estabilidade, não ocupavam a totalidade da área da abertura, não tendo sido convenientemente fixas à estrutura ou entre si, por forma a evitar um eventual deslizamento ou deslocação das mesmas.

29- Aquela abertura no corredor de circulação da plataforma foi realizada para que fosse realizada de forma mais rápida a remoção do balanceiro mediante a utilização da ponte rolante existente no pavilhão.

30- Tendo sido o Autor quem, com indicação do seu superior hierárquico, procedeu à remoção das peças do corredor de circulação.

31- Apesar de não ter sido ele quem procedeu à colocação das tábuas por cima da abertura.

32- Nos trabalhos que estavam a ser efetuados a Ré empregadora não utilizou como equipamento de proteção coletiva uma plataforma elevatória como meio mecânico.

33- Como equipamento de proteção individual, existiam cintos de arnês, sendo tais equipamentos utilizados onde a proteção coletiva (guarda-corpos) é inexistente.

34- No dia do acidente o Autor não se encontrava a utilizar qualquer equipamento de proteção individual que o protegesse contra o risco de queda em altura.

35- Não tendo sido transmitidas pela Ré empregadora aos trabalhadores envolvidos nos trabalhos, e nomeadamente ao Autor, instruções claras para que tal equipamento fosse utilizado na realização de desmantelamento dos engenhos.

36- Não existindo, sequer a linha de vida para prender o cabo do arnês.

37- A Ré Empregadora não deu qualquer formação ao Autor no domínio da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente quanto aos riscos de queda em altura e medidas de proteção, coletiva ou individual, a adotar nas tarefas de manutenção.

38- A Ré Empregadora não assegurou que os trabalhos de desmontagem dos engenhos fossem realizados em condições de segurança e saúde, não tendo definido em concreto, as medidas de prevenção a implementar para que fossem acautelados os riscos existentes e nomeadamente os associados a uma eventual remoção de dispositivos de proteção contra quedas no decorrer do próprio processo de desmantelamento.

39- A Ré empregadora não assegurou uma formação ao Autor adequada quer ao posto de trabalho, quer sobre as tarefas a levar a cabo, quer ao exercício de atividades de risco elevado, designadamente no que diz respeito aos riscos associados com a queda em altura e medidas de proteção coletiva e individual a adotar.

40- O acidente do Autor ocorreu em consequência do aludido nos nºs 15 a 39.

41- No momento do acidente o Autor procedia de acordo com as instruções da Ré empregadora, transmitidas pelo seu superior hierárquico GG ao trabalhador EE que na altura coordenava os trabalhos e que as transmitiu ao Autor.

42- O referido EE, de acordo com as instruções que lhe haviam sido transmitidas, deu instruções ao Autor que deveria aceder à plataforma superior do referido engenho, a cerca de 5 metros do solo.

43- O Autor, em cumprimento das instruções recebidas, acedeu à plataforma superior do engenho, munido de uma rebarbadora.

44- Nesse momento, o Autor iniciou o corte dos parafusos da caixa que continha o motor com o recurso à rebarbadora.

45- A dado momento a rebarbadora ficou presa ocasionando um movimento brusco no trabalhador “coice” que levou a que o Autor se desequilibrasse, caindo no solo.

46- Depois de perder o equilíbrio, o Autor colocou o pé “em falso”, na abertura existente no corredor de circulação da plataforma, que tinha sido montando de forma deficiente com recurso a algumas tábuas de madeira.
47- As plataformas de acesso e de trabalho existentes na parte superior do engenho foram produzidas e montadas pelos trabalhadores, na medida em que tal equipamento não dispunha, de origem, de qualquer forma de acesso à parte superior.

48- Foi em face das circunstâncias referidas nos nºs 43 a 46 que o Autor caiu no solo de uma altura de cerca de 5 metros.

49- No local onde o Autor estava a desempenhar as suas funções não existiam guarda-corpos no local da abertura existente na plataforma, nem para o lado interior do engenho, existindo apenas guarda-‑corpos na parte exterior da plataforma de circulação.

50- O corredor da plataforma onde se encontrava o trabalhador apresentava uma abertura, apenas parcialmente tapada com tábuas de madeira, que apresentavam fendas e não estavam fixadas à estrutura ou entre si, de forma a evitar um eventual deslizamento ou deslocação.

51- A Ré empregadora não disponibilizou plataforma elevatória no local.

52- O acidente teria sido evitado caso a Ré empregadora tivesse efetuado uma análise das condições de segurança a observar pelos trabalhadores para a execução daquela tarefa, definindo os equipamentos de proteção coletiva e individual a utilizar e as tivesse transmitido aos mesmos.

53- Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor ficou a padecer de paraplegia com nível sensitivo T9, que o confinou a uma cadeira de rodas.

54- Padecendo ainda de retenção urinária e fecal, inicialmente com necessidade de algaliação de 4 em 4 horas e atualmente com sonda de esvaziamento em igual período (de 4 em 4 horas) e treino intestinal com medicação em dias alternados.

55- O Autor ficou ainda a sofrer de espasmos musculares que o impedem de manter uma postura ereta, sendo a tendência de piorar com o passar do tempo.

56- Ocasionalmente, devido aos espasmos que tem, o Autor desequilibra o seu tronco.

57- As sequelas aludidas nos nºs 53 a 56 dificultam a realização pelo Autor de algumas tarefas do dia-a-dia, designadamente a sua higiene pessoal, vestir e fazer transferes.

58- Em consequência das lesões sofridas no acidente o autor necessita de adaptação do domicílio dado ter ficado dependente de cadeira de rodas.

59- O Autor necessita de ajudas medicamentosas e ajudas técnicas, designadamente cadeira de rodas ultra leve e demais dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que ficou a padecer, como material de transferes, cadeira de banho, algálias e consumíveis para a disfunção esfincterianas, sendo que para conduzir terá que ter um carro adaptado.

60- Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor necessita de apoio parcial de terceira pessoa, durante duas horas diárias para atos pontuais de higiene, vestir e transferes.

61- Em consequência do acidente e das lesões que sofreu o Autor sofre de mal-estar clinicamente significativo, com repercussões graves ao nível do funcionamento pessoal e familiar.

62- Ocasionalmente os estímulos associados com o trauma são evitados – evitamento deliberado de pensamentos, sentimentos ou conversas a propósito do acontecimento traumático.

63- O Autor exibe sinais de ansiedade, sendo que do ponto de vista psiquiátrico apresenta perturbação da adaptação e reação depressiva prolongada.

64- Em ambiente familiar o Autor mostra-se mais irritado, isolando-se e manifestando desinteresse em participar em atividades que anteriormente lhe eram gratificantes.

65- Atualmente o Autor não tem qualquer tipo de sensibilidade do tronco para baixo, sendo que a falta de sensibilidade é a nível de T9.

66- O Autor está confinado a uma cadeira de rodas e segundo as técnicas médicas atuais não mais poderá voltar a andar.

67- Tem dores acentuadas nos ombros e braços, pelo esforço que faz em apoiar-se nos mesmos, especialmente na condução da cadeira de rodas e a segurar o seu tronco para que o mesmo não tombe para a frente.

68- Sente enorme desgosto pelas situações anteriormente enumeradas e pelas suas consequências a nível do agregado familiar, das relações pessoais (afetivas) e de amizades.

69- Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor ficou também irreversivelmente afetado das funções sexuais.

70- O Autor nunca mais teve qualquer tipo de ereção espontânea, ainda não tendo feito todos os tratamentos possíveis para obter ereções provocadas.

71- O Autor não respondeu a terapêutica oral/comprimidos para disfunção erétil, não tendo ainda sido tentado outro tipo de tratamento (designadamente intrauretral, intracavernoso, e dispositivos de ereção por vácuo).

72- Antes do acidente o Autor era um jovem robusto, saudável e alegre.

73- Antes do acidente o Autor fazia planos para constituir família no futuro.

74- Tendo deixado em absoluto de ter ereções e de tirar prazer e felicidade da sua vida sexual.

75- O Autor ficou incapaz de ejacular, podendo eventualmente procriar com recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida.

76- Devido ao seu estado, e tomando consciência, para além do mais, também da sua disfunção e incapacidade sexual, o Autor ficou triste, sentindo-se diminuído.

77- O Autor perdeu a alegria de que dispunha, isolando-se e sentindo-se triste e diminuído perante os seus familiares e pessoas que o rodeiam, evitando ter vida social.

78- O Autor sente-se revoltado e triste com a sua situação.

79- Com as lesões sofridas, os tratamentos a que foi e continua a ser submetido, o Autor sofreu e sofre dores.

80- Antes do acidente o Autor praticava futebol e costumava sair com os amigos para se divertir.

81- O engenho n.º 10 tinha características semelhantes a outros 3 engenhos existentes na fábrica da Ré empregadora.

82- No momento do acidente o Autor encontrava-se a proceder no âmbito dos trabalhos de desmantelamento do engenho n.º 10 ao aproveitamento de peças.

83- As peças que estavam a ser retiradas para aproveitamento, sem aquele trabalho seriam destruídas pela maquinaria pesada, giratórias com martelos demolidores e outros acessórios, que posteriormente iriam destruir a parte restante do engenho, reduzindo-o a uma amálgama de ferros e cimento.

84- Os vários componentes aproveitáveis do engenho servem, posteriormente, para a reparação de avarias e para a substituição de peças.

85- No momento do acidente o Autor encontrava-se a cortar os parafusos de uma “caixa redutora de reenvio”, com o recurso a uma rebarbadora, com o fito de separar essa caixa do engenho, aproveitando-a em futuras reparações, evitando assim a sua destruição no subsequente processo de desmantelamento.

85- Com os engenhos completos, a substituição/retirada de caixas foi uma tarefa que o Autor, e a equipa de manutenção em que se integrava, executaram dezenas de vezes, tendo em vista o período temporal de 18 (dezoito) anos durante o qual perdurou a relação laboral daquele com a Ré.

86- Em trabalhos de manutenção e com os engenhos completos o Autor procedeu a tarefas de substituição/retirada de caixas, designadamente em 9/4/2003, 16/07/2007, 28/11/2008, 8/10/2010, 17/8/2012 e 23/7/2014.

87- A tarefa de substituição/retirada de caixas, no âmbito da manutenção dos engenhos, dada até a quantidade de vezes que foi executada, era uma tarefa habitual e rotineira, bem sabendo todos os trabalhadores, incluindo o Autor, quais os procedimentos a adotar.

88- Por vezes, quando os parafusos estavam enferrujados, tal tarefa consistia em utilizar uma rebarbadora para cortar os parafusos que ligavam a caixa ao engenho, ficando assim aquela despegada.

89- Ainda no âmbito dos trabalhos de aproveitamento de peças do engenho, durante o processo de desmantelamento, dois ou três dias antes ao do acidente, a equipa de manutenção esteve a remover o balanceiro, que é outro dos componentes do engenho.

90- Este balanceiro é uma peça com cerca de quatro metros de comprimento e um metro de largura, pesando várias toneladas.

91- Este balanceiro por vezes tem que ser retirado para se proceder à sua reparação no exterior, e em caso de desmantelamento de engenhos é retirado para o seu aproveitamento, sendo tal tarefa normalmente efetuada colocando-o previamente em suspensão com o uso de correntes.

92- A tarefa de suspensão do balanceiro, embora muitas vezes sem necessidade de o mesmo ser retirado, foi realizada dezenas de vezes pela equipa de manutenção, na qual estava incluído o Autor, nomeadamente, em 20-08-2001, 02-01-2003, 25-03-2003, 12-05-2003, 08-03-2004, 05-04-2004, 02-06-2004, 29-11-2004, 01-02-2005, 09-06-2005, 14-08-2006, 09-12-2006, 26-04-2007, 12-05-2007, 13-11-2007, 17-01-2008, 28-05-2008, 26-09-2008, 17-10-2008, 29-11-2008 e 20-04-2012.

93- Pelo menos a tarefa de suspensão do balanceiro, era uma tarefa habitual, e não esporádica, sendo que todos os trabalhadores da equipa de manutenção sabiam quais os procedimentos a adotar para a suspensão do balanceiro.

94- Sabendo que deviam ser utilizadas correntes, as quais uma vez acopladas à ponte rolante permitem puxar o balanceiro e colocá-lo em suspensão.

95- Essas correntes, com uma espessura de cerca de 35 milímetros, passam pelo intervalo do piso (passadiço) da plataforma que, por ser feito com ferros colocados paralelamente, tem intervalos de cerca de 50 milímetros, dimensão suficiente a permitir a passagem daquelas correntes.

96- E foram estes procedimentos que foram utilizados em todas as outras situações em que houve suspensão do balanceiro, designadamente nas mencionadas no nº 92.

97- Tal procedimento poderia ter sido utilizado na tarefa de suspensão do balanceiro com vista à sua retirada nas operações de desmantelamento que estavam a ser efetuadas.

98- [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

99- Tal orifício destinava-se à passagem do gancho aplicado nas correntes e engatado no carrinho que se movimenta na ponte rolante para uma mais rápida retirada do balanceiro, já que a dimensão do balanceiro não permitia que ele por ali passasse.

100- Tal plataforma foi construída pela Ré empregadora, que, quando adquiriu a unidade fabril em questão, no início dos anos 90, já tinha os engenhos a operar, mas sem qualquer equipamento de proteção coletiva.

101- Este equipamento de proteção coletiva, situado a cerca de 5 metros de altura, consistia justamente numa plataforma fixa de circulação dotada de guarda-corpos, que permitia a execução de trabalhos na parte superior dos engenhos em segurança, sem necessidade de utilizar meios móveis para tal execução.

102- A abertura daquele buraco e a sua falta de proteção foi causa da ocorrência do acidente, pois foi por ele que o Autor caiu de uma altura de 5 metros.

103- Após a conclusão da retirada das peças que seriam para aproveitar, a restante parte das operações de desmantelamento era executada por outra equipa, que não a equipa de manutenção em que o Autor se integrava.

104- A restante parte das operações de desmantelamento consistia na destruição do que resta do engenho, já depois de expurgado das peças e componentes aproveitados pela equipa de manutenção, com recurso à utilização de máquinas giratórias ou escavadoras, com os respetivos acessórios, nomeadamente martelos demolidores.

105- Estas máquinas utilizadas no processo de desmantelamento dos engenhos são manobradas por maquinistas, e não pelo pessoal da manutenção, numa operação em que não se encontra qualquer trabalhador no interior da unidade fabril que alberga o engenho.

106- Estas máquinas derrubam o que resta do engenho, reduzindo-o a uma amálgama de ferros, cimento e madeira, após o que uma empresa externa à Ré, a quem esta vende os destroços, procede à separação da sucata de ferro do restante material sem valor, transportando consigo aquela sucata.

107- O Autor nunca participou na restante parte das operações de desmantelamento referidas nos nºs 103 a 106.

108- A remoção de uma parte do piso da plataforma não era imprescindível para a realização normal do processo de retirada do balanceiro, mas era a forma de se proceder mais rápido a tal operação decorrente do desmantelamento do engenho.

109- A Ré empregadora mantém ainda, desde há vários anos, serviços externos de segurança e saúde no trabalho.

110- A máquina com que o Autor estava a operar era uma rebarbadora, que cortava os parafusos da “caixa redutora de reenvio”, e não o engenho propriamente dito.

111- Em 16 de setembro de 2015, o ISQ (Instituto de Soldadura e Qualidade) emitiu o certificado de conformidade constante de fls. 258 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

112- Em todas as outras vezes em que foi necessário suspender o balanceiro, tal operação foi feita sem abrir qualquer orifício no pavimento.

113- Nas operações de desmantelamento que se encontravam a decorrer na data do acidente, por se saber que a plataforma iria ser derrubada com o desmanchar do engenho e para uma retirada mais rápida do balanceiro foi aberto o buraco por onde o Autor veio a cair.

114- A utilização de uma plataforma elevatória era, naquele caso inviável atentas as características do local.

115- A Ré tinha nas suas instalações como meio de proteção individual cintos de arnês que poderiam ter sido utilizados pelo Autor.

116- Naquelas circunstâncias, se o Autor tivesse utilizado cinto de arnês o mesmo podia ser amarrado, designadamente ao corrimão do guarda-corpos, assim evitando a queda de uma altura de 5 metros.

117- A retirada de peças dos engenhos com vista ao seu aproveitamento em outros equipamentos fazia parte do trabalho de desmantelamento, aproveitando, contudo, alguns componentes que ainda estivessem em condições de vir a ser utilizados futuramente na manutenção de outros engenhos.

118- No dia do acidente o engenho n.º.10 já se encontrava praticamente todo desmantelado, já tendo sido retirado todos os mecanismos existentes no interior do engenho, faltando apenas retirar as caixas redutoras do engenho.

119- A única parte do engenho que seria desmantelado com o recurso a maquinaria pesada (giratórias, escavadoras, martelos demolidores e outros acessórios) eram as colunas do engenho, as quais se encontravam fixas ao chão com betão, não sendo, por isso, possível retirá-las de outra forma que não fosse com recurso a máquinas.

120- Todas as intervenções anteriores do Autor a nível dos engenhos, aconteceram sempre no sentido de manutenção do equipamento ou da sua reparação, mas sempre quando os engenhos estavam em funcionamento, pois eram essas as tarefas próprias enquanto trabalhador integrado na equipa de manutenção.

121- A equipa de manutenção, ao executar as tarefas que lhes estavam adstritas enquanto tal, procedeu muitas vezes à manutenção dos balanceiros, sendo que a maioria das vezes apenas era necessário mantê-los em suspensão, sendo apenas retirados esporadicamente para reparação fora das instalações da Ré.

122- Os trabalhos de manutenção eram realizados da forma aludida no n.º 121 porque eram essas as instruções recebidas e sempre sem qualquer formação na área da segurança relativamente a tais trabalhos.

123- O engenho em causa (nº.10) tinha dois balanceiros, sendo que cada um deles se situa em lados opostos do engenho.

124- “No dia 26 ou 27/12/2014 (sexta feira ou sábado)”, a equipa de manutenção procedeu à remoção de um dos balanceiros, seguindo as instruções dos seus superiores hierárquicos no sentido de procederem ao aproveitamento do maior número de peças o mais rápido possível, abrindo para o efeito um buraco no passadiço da plataforma do engenho para, dessa forma, possibilitar a passagem do gancho que se encontra fixo às correntes da ponte rolante e proceder à remoção do balanceiro de forma mais rápida – redação alterada pelo Tribunal da Relação.

125- O balanceiro encontra-se por baixo e não ao nível do passadiço onde o Autor se encontrava a trabalhar na altura do acidente, só passando pelo buraco aberto o gancho da ponte rolante.

126- Os trabalhadores utilizaram a ponte rolante, o único equipamento com capacidade para colocar o balanceiro, que pesa várias toneladas, primeiro em suspensão e depois movimentá-la (com a mesma ponte rolante) para colocar o balanceiro no chão.

127- As correntes passavam pelos intervalos do passadiço, o que não acontecia com o gancho.

128- No dia 26/12/2014, ninguém da empresa levantou qualquer problema à forma como a peça foi retirada, nem colocou em causa a forma como foi executado o trabalho.

129- “No dia do acidente o Autor agiu no cumprimento das ordens recebidas” – redação dada pelo Tribunal da Relação.

130- O Autor sempre recebeu ordens dos seus superiores hierárquicos diretos, que na data do acidente era o Sr. GG e, na sua ausência, era o Sr. EE.

131- O Sr. GG não participou nos trabalhos de desmantelamento, mas apareceu nos dias de trabalho para transmitir as ordens à equipa na pessoa do Sr. EE.

132- Os trabalhadores da equipa de manutenção, incluindo o Autor, executaram o trabalho, nomeadamente procedendo à abertura do buraco no passadiço, por ordens expressas do superior hierárquico, Sr. EE, o qual tinha recebido ordens e instruções do Sr. DD.

133- O Autor nunca recebeu qualquer formação, tendo-se limitado a fazer o que lhe mandaram, ou seja, a assinar a folha que constitui o documento de fls. 253 verso a 254.

134- Não foi explicado ao Autor quaisquer instruções claras para que o equipamento de proteção individual (cinto de arnês) fosse utilizado, nomeadamente onde poderia (ou deveria) prender o cabo do arnês.

135- O guarda-corpos da plataforma de circulação está colocado do lado exterior da plataforma do engenho, podendo apenas proteger uma queda em altura para o solo (da parte de fora do engenho).

136- No momento do acidente, quando o Autor se encontrava no passadiço da plataforma superior do engenho a proceder ao corte de parafusos para retirar as caixas redutoras, já o interior do engenho tinha sido todo retirado, existindo um fosso vazio.

137- E, não havia desse lado, que deitava diretamente para o interior do engenho qualquer tipo de proteção, nomeadamente guarda corpo que pudesse evitar a queda dos trabalhadores.

138- “Eliminado pelo Tribunal da Relação.”


VI

                - Do direito:

    - Saber se existe nexo causal entre a violação das regras de segurança verificadas e o acidente:

                As instâncias decidiram pela sua verificação.

Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação não foi proferido por unanimidade, dada a existência de um voto de vencido no sentido da não existência desse nexo causal, o que determina a inexistência da dupla conformidade e a admissibilidade da presente revista.


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Dispõe o artigo 18º, n.º 1, da LAT, que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais [n.º 1].

Estabelece o artigo 79º, n.º 3, da LAT que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

Determina, por sua vez, o artigo 281º, do CT, que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde (n.º 1) e que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (n.º 2).

Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (n.º 3)

Acresce que o artigo 282.º, do CT, impõe que o empregador deve informar os trabalhadores sobre os aspetos relevantes para a proteção da sua segurança e saúde e a de terceiros (n.º 1).


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Ora, a questão colocada pela Recorrente, e aqui em causa, consiste, apenas, em saber se existe nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança pela Empregadora e a ocorrência do acidente, ou seja se foi devido a essa omissão que resultou o acidente, sendo que essa violação já se encontra assente.


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O nexo causal tem duas vertentes: a vertente naturalística e a vertente jurídica.

Ora, “[a] afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido. A adequação concreta entre o comportamento do agente e o efeito lesivo tanto pode ser obtida através da prova que tenha sido diretamente alcançada sobre a matéria, como pode ser indiretamente afirmada por meio de presunções judiciais, sendo que, em qualquer dos casos, estamos sempre num domínio de soberania exclusiva das instâncias[3].”

Com efeito, tratando-se de presunções judiciais “[d]um meio probatório que é admitido para prova de factos suscetíveis de serem provados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351º do CC, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 1, do CPC.

No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório[4].”

Acresce que ”[o] nexo de causalidade (naturalístico) ou seja, indagar se, na sequência do processamento naturalístico dos factos, estes funcionaram ou não como facto desencadeador ou como condição detonadora do dano, é algo que se insere no puro plano factual, como tal insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça[5]”.  

                                                                                        

No entanto, já pode o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do Código Civil, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar-se se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório.


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Da jurisprudência citada, que é uniforme e reiterada, resulta que compete, no caso concreto, a este Supremo Tribunal de Justiça verificar, apenas, se foram ou não observados, na subsunção dos factos, os critérios do artigo 563º, do CC[6], ou seja, compete-lhe somente averiguar se os factos provados constituem suporte das ilações tiradas pelas instâncias e pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade.

Ora, da matéria de facto provada é legítimo extrair-se que houve, por omissão, uma atuação culposa da Recorrente, violadora de regras de segurança e um incumprimento do seu dever de informação.

De tal matéria de facto também se retira que, se aquelas regras tivessem sido cumpridas e as informações prestadas, o acidente não teria ocorrido.

Com efeito, interpretando-se globalmente a matéria de facto, é forçoso concluir-se que, uma vez que a mesma já não pode ser objeto de modificação por este Supremo Tribunal, aquela omissão, por parte da Recorrente, foi a única causa da ocorrência do acidente sofrido pelo Autor que lhe provocou as lesões nela consignadas.

 

VEJAMOS:

Provou-se que, aquando do acidente, o A. se encontrava a executar trabalhos de desmantelamento de engenhos de serragem, operação que exigia uma ação específica na área da segurança e saúde no trabalho – factos nºs 15 e 16.

Contudo, a Ré “CC” não definiu, em momento anterior ao início dos trabalhos, as instruções específicas quanto às medidas de segurança a adotar na realização dos trabalhos.

Igualmente, se provou que o Autor desconhecia a eventual existência de procedimentos escritos para a realização de trabalhos de manutenção e, em concreto, para os trabalhos de desmantelamento dos engenhos que estavam em curso no dia do acidente, uma vez que não recebeu quaisquer instruções escritas para a realização desse trabalho pois as que recebeu foram, apenas, no sentido de aproveitarem o maior número de peças e o mais rápido possível, tendo-se para este efeito aberto um buraco no passadiço da plataforma do engenho – factos nºs 20 e 21.

Mais se provou que, também nesse momento, a proteção coletiva contra o risco de queda em altura das plataformas de trabalho existentes para a realização de trabalhos (em altura) na parte superior do engenho não era suficiente porquanto, em alguns pontos, as aberturas existentes nos corredores de circulação não estavam dotadas de guarda-corpos que reduzissem e/ou eliminassem o risco de queda.

Acresce que, no momento em que ocorreu o acidente, existia uma abertura no corredor de circulação, próxima do local onde o sinistrado se encontrava a realizar os trabalhos, e existiam algumas tábuas de madeira colocadas sobre a mesma abertura, para reduzir o risco de queda em altura, mas essas tábuas, para além de apresentarem fendas que condicionavam a sua robustez e estabilidade, não ocupavam a totalidade da área da abertura e não foram convenientemente fixas à estrutura ou entre si, por forma a evitar um eventual deslizamento ou deslocação das mesmasfactos 25 a 28.

Essa abertura, no corredor de circulação da plataforma, foi efetuada para que fosse realizada de forma mais rápida a remoção do balanceiro mediante a utilização da ponte rolante existente no pavilhão, sendo certo que também se apurou que a remoção de parte do piso da plataforma não era imprescindível para a realização do processo de retirada do balanceiro – factos nºs 29 e 92.

Por outro lado, foi o A. quem procedeu à remoção das peças do corredor de circulação, mas fê-lo por indicação do seu superior hierárquico.

Ora, quando se verificou o acidente, o Autor procedia de acordo com as instruções da Ré empregadora, transmitidas pelo seu superior hierárquico DD ao trabalhador EE que, na altura, coordenava os trabalhos e as transmitiu ao A., e, a equipa de manutenção procedeu à remoção do balanceiro, seguindo instruções dos seus superiores hierárquicos, que foram, como já se disse, no sentido de procederem ao aproveitamento do maior número de peças e o mais rápido possível, tendo aberto, para o efeito, um buraco no passadiço da plataforma do engenho – factos nºs 17, 30, 40, 124 e 129 a 132.

Mais se provou que, no dia do acidente, o Autor não se encontrava a utilizar qualquer equipamento de proteção individual que o protegesse contra o risco de queda em altura, apesar de nas instalações da Ré empregadora existirem cintos de arnês, pois esta não transmitiu aos trabalhadores envolvidos nos trabalhos, nomeadamente ao Autor, instruções claras para que tal equipamento fosse utilizado na realização de desmantelamento de engenhos – factos nºs 115, 116 e 134.

Também a Ré empregadora não deu qualquer formação ao Autor no domínio da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente quanto aos riscos de queda em altura e medidas de proteção, coletiva ou individual, a adotar nas tarefas de manutenção – facto n.º 37.

A Ré empregadora não assegurou, igualmente, que os trabalhos de desmontagem dos engenhos fossem realizados em condições de segurança e saúde, não tendo definido em concreto, as medidas de prevenção a implementar para que fossem acautelados os riscos existentes e, nomeadamente, os associados a uma eventual remoção de dispositivos de proteção contra quedas no decorrer do próprio processo de desmantelamento, e não assegurou, também, uma formação ao Autor adequada quer ao posto de trabalho, quer sobre as tarefas a levar a cabo e quer ao exercício de atividades de risco elevado, designadamente, no que diz respeito aos riscos associados com a queda em altura e medidas de proteção coletiva e individual a adotar – factos n.ºs 38 e 39.


               Por fim, provou-se que “o acidente ocorreu em consequência do aludido nos n.ºs 15 a 39” – facto n.º 40 – e que “o acidente teria sido evitado caso a ré empregadora tivesse efetuado uma análise das condições de segurança a observar pelos trabalhadores para a execução daquela tarefa, definindo os equipamentos de proteção coletiva e individual a utilizar e as tivesse transmitido aos  mesmos”  - facto n.º 52.

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                Ora, resulta desta factualidade, sem margem para dúvidas, que, como as instâncias decidiram, “o acidente que vitimou o A. ocorreu em consequência das descritas omissões da Ré Empregadora respeitantes às suas obrigações em matéria de segurança e saúde no trabalho”, ou seja, a sua omissão foi causa adequada da sua ocorrência.
               Por outro lado, interpretando-se a matéria de facto na sua globalidade, verifica-se que não houve apenas uma causa imediata que determinou o acidente, mas sim um encadeamento ou sequência de causas, pois foram várias as regras de segurança omitidas e várias as informações que não foram dadas, e todas elas podem ser, em abstrato, causas idóneas do dano, ou seja, do acidente ocorrido.
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               Conclui-se, assim, que se verificou o nexo de causalidade, pressuposto da existência de responsabilidade civil, entre a omissão das regras de segurança e de saúde, que a Recorrente tinha obrigação de implementar, e o acidente de que o Autor foi vítima.
VII

                - Decisão:

1) Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.

2) Custas da revista, pela Ré/recorrente,

3) Notifique.

                Segue em anexo o respetivo Sumário.


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                                               Lisboa, 2019.09.25

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Paula Sá Fernandes

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[1] - Registo n.º 012/2019
FP (R) – CM/PSF
[2] - Relatório elaborado com base nos das instâncias.
[3] - Acórdão de 03.02.2010, desta Secção, proferido no processo n.º 304/07.1TTSNT.L.S1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/588be7dbc740fe238025771500374db2?OpenDocument.
[4] - Acórdão desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça de 3.4.2013, proferido no processo n.º 241/08.2TTLSB.L1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/55bcc98eb0f25e3c80257b4700313ea2?OpenDocument.
[5] - Acórdão de 22.04.2004, proferido no processo n.º 04B1040.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cfdec8cc373eea2d80256e9b00273cf6?OpenDocument.
[6] - “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.