Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1332/07.2TBMTJ.L2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
INSOLVÊNCIA
MANDANTE
TRÂNSITO EM JULGADO
OFENSA DO CASO JULGADO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O JULGAMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO FALIMENTAR – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO / CONTRATOS DE MANDATO E DE GESTÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, 5.ª edição, p. 50, 425 a 427;
-Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, p. 703.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, 620.º, 621.º, 628.º E 629.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 110.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-11-2018, PROCESSO N.º 408/16.0T8CTB.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. Sendo o recurso admitido ao abrigo da al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, designadamente com fundamento (específico e excepcional) na ofensa de caso julgado, o seu objecto fica circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões.

2. O contrato de mandato caduca, em regra, com a declaração de insolvência do mandante (cfr. artigo 110.º, n.º 1, do CIRE).

3. Tendo o recurso sido interposto por mandatário forense com procuração caducada, não pode considerar-se eficazmente impugnada a decisão respeitante a uma das questões, pelo que transita em julgado (cfr. artigo 628.º do CPC).

4. O caso julgado impede que o mesmo ou outro tribunal volte decidir em termos diferentes a questão, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º a 621.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

Recorridos: Banco CC, S.A., e DD

AA e EE intentaram, no Tribunal Judicial do ..., acção de reivindicação, sob a forma ordinária, contra a sociedade Comercial FF, S.A., e DD, pedindo:

1.º) a condenação destes a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º 16.710, a fls. 28 vº, do Livro B-47, inscrito na matriz cadastral sob o art. 212 da secção C (a parte rústica) e sob o art. 199 (a parte urbana), ambas da freguesia de ... e Conselho do ..., incluindo a faixa de terreno, constituiu a servidão de passagem relativamente ao prédio dos réus;

2.º) em consequência de tal reconhecimento, a condenação a retirarem o portão colocado na entrada da referida faixa de terreno, entregando-lhes no estado em que se encontrava antes da ocupação; e

3.º) a condenação do 2.º réu a pagar-lhes, a título de indemnização, por danos patrimoniais, a quantia de 11.550,00 € e, por danos não patrimoniais, a quantia de 1 500,00 €.

Para tanto invocaram, em súmula, que a faixa de terreno, resultante de uma desanexação de prédios, à entrada da qual os demandados colocaram um portão, era, e sempre foi, uma servidão de passagem

Os réus DD e Banco CC, S.A. (que, por incorporação da Comercial FF, S.A., com transferência total do respectivo património, passou a deter de todos os direitos e obrigações desta) contestaram.

Procedeu-se a julgamento e, depois, foi proferida a douta sentença de 30.09.2014 (fls. 265 e s.) que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo:

1.º) condenar os réus a reconhecerem que a faixa de terreno que dá acesso ao prédio dos réus e à parte rústica do prédio dos autores, é parte integrante do prédio registado na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º 16.710, a fls.28 vº, do Livro B-47, inscrito na matriz cadastral sob o art. 212 da secção C (a parte rústica) e sob o art. 199 (a parte urbana), ambas da freguesia de ... e Conselho do ..., com excepção da faixa de terreno com que confronta a Sul, com 1 metro de largura por 200 metros de comprimento, e que constituiu o prédio registado na Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº ..., inscrito na Matriz sob parte do artº 1,182;

2.º) mais condenar os réus a retirarem o portão colocado na faixa de terreno, identificada nos autos, no prazo de 15 dias, e após trânsito em julgado da decisão proferida; e

3.º) no mais, absolver os demandados.

Foi desta sentença que apelou o réu DD, alegando o seguinte:

(a) com base no depoimento da testemunha GG, a factualidade levada a julgamento pelos artigos 2.º e 8.º da base instrutória devia ter sido dada como não provada;

(b) colocando-se uma questão de “confrontações”, a acção própria teria de ser de “demarcação”, não de “reivindicação”. Tal significa, in casu, que o Tribunal a quo se ocupou de uma questão que não foi suscitada, o que implica o desencadeamento da nulidade estabelecida nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 615.º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC, a saber, nulidade da sentença.

Também da mencionada sentença apelou o réu Banco CC, S.A., suscitando uma terceira questão:

(c) o apelante, na sua qualidade de locador financeiro, não teve qualquer intervenção na colocação do portão noticiado do dispositivo a douta decisão agora em crise, como se alcança da materialidade assente no ponto 10, pelo que não lhe pode ser assacada qualquer violação de direito de propriedade, nem ser condenado a proceder a qualquer desinstalação. Exigir o contrário implica a cominação da nulidade prevista no artigo 615.º, al c), do CPC.

Conhecendo, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 8.10.2015 (fls. 359 e s.), decidiu o seguinte:

Julgar procedente a apelação de DD, anular a sentença de 30 de Setembro de 2014 (fls. 265/288), exclusivamente no segmento da fundamentação do julgamento da matéria de facto, e determinar que a Senhora Juiz a quo, em sede da referida decisão ___ e somente nesta___ fundamente, especificamente, materialidade de facto dos quesitos 2º e 8º da base instrutória, artigo a artigo, com as provas que lhes são pertinentes (e não com referência estruturada nas testemunhas)”.

Em obediência a este douto Acórdão, procedeu o Tribunal de 1.ª instância, em 28.03.2016 (fls. 392 e s.), à introdução, na sentença proferida, de fundamentação específica para os quesitos 2.º e 8.º da base instrutória, que correspondem aos factos dados como assentes nos pontos 13 e 17 da fundamentação de facto.

Na sequência disto, veio o réu Banco CC, S.A., atendendo a anulação da sentença proferida havia sido exclusivamente no segmento da fundamentação de facto, dar por integralmente reproduzidas as suas alegações de recurso de apelação (fl. 428).

Por sua vez, veio o réu DD, continuando a não se conformar com o decidido, veio interpor recurso de apelação (fls. 431 e s.).

Os autores contra-alegaram (fls. 454 e s.), sustentando, quanto às alegações as alegações do réu Banco CC, S.A., que elas eram improcedentes, e quanto às alegações do réu DD que elas eram inadmissíveis, pelo facto de terem sido produzidas após a declaração de insolvência e com procuração de mandatário caducada, e, em qualquer caso, improcedentes. Interpuseram ainda os autores recurso subordinado (fls. 469 e s.), pugnando pela procedência do pedido de indemnização formulado na petição inicial.

Em face disto, proferiu, em 15.12.2016, a Exma. Senhora Juíza do Tribunal de 1.ª instância proferiu um despacho (fls. 492 e s.), em que, entre outras coisas, notificava o Senhor Administrador da insolvência para informar se interessava a apensação dos presentes autos aos autos de insolvência e, sem prejuízo disto, constituir mandatário forense ou confirmar a constituição constante do processo, ratificando o processado pelo insolvente / mandatário deste após a declaração de insolvência, sob pena de ficar sem efeito o recurso interposto.

E, após algumas vicissitudes dos autos, em 14.02.2017, proferiu novo despacho (fls. 501 e s.), em que se:

- admite o recurso interposto pelo réu Banco CC, S.A.;

- julga sem efeito o recurso interposto pelo réu DD, nos termos dos artigos 641.º, n.º 2, al. a), e 40.º, n.º 1, als. a) e c), e 41.º do CPC, atendendo a que, por força do despacho de 15.12.2016, se havia considerado caducado, com a declaração de insolvência (sentença de 9.06.2015, transitada em julgado em 16.07.2015), o mandato conferido ao seu mandatário e este não tinha recorrido (estando já decorrido o prazo legal para tal), bem como a que o Senhor Administrador não havia constituído novo mandatário nem ratificado o processado, e

- julga caducado o recurso subordinado dos autores, nos termos do artigos 633.º, n.º 3, do CPC, atendendo a que aquele indicia apenas sobre o pedido indemnizatório formulado contra o réu DD e o recurso deste era julgado sem efeito.

Sobem, então, os autos ao Douto Tribunal da Relação de Lisboa.

Entendendo estarem reunidos os pressupostos do artigo 656.º do CPC, designadamente a simplicidade da questão recursória, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator a quem foi distribuído o processo proferiu, em 29.09.2015, decisão singular (fls. 522 e s.), em que aceitou os factos fixados pelo Tribunal de 1.ª instância, deu por verificada a nulidade apontada e considerou, por este último facto, prejudicada a apreciação da 3.ª questão, decidindo, a final:

Anular a douta 30 de Setembro de 2014, na parte do segmento da decisão stricto sensu ___ e só apenas neste ___ e determinar a Exma. Senhora Juiz a quo profira nova decisão, «em relação direta» com o pedido formulado de «reivindicação», julgando procedente ou improcedente, bem como, com o demais que é peticionado”.

Desta decisão reclamaram os autores para a Conferência, tendo esta, por Acórdão de 17.05.2018 (fls. 578 e s.), entendido ser de aceitar os factos fixados pelo Tribunal de 1.ª instância, dar por verificada a nulidade apontada e considerar, por este último facto, prejudicada a apreciação da 3.ª questão, decidindo, a final:

Anular a douta 30 de Setembro de 2014, na parte do segmento da decisão stricto sensu ___ e só apenas neste ___ e determinar a Exma. Senhora Juiz a quo profira nova decisão, «em relação direta» com o pedido formulado de «reivindicação», julgando procedente ou improcedente, bem como, com o demais que é peticionado”.

Deste Acórdão vêm agora os autores AA e BB interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Pedem a anulação e a revogação do Acórdão, alegando, em conclusão, o seguinte:

“A) Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de revista interposto pelos recorridos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu anular a douta sentença de 1º instância proferida a 30 de Setembro de 2014, com base em recurso interposto por DD, não admitido e não sujeito a qualquer reclamação, em violação do trânsito em julgado da decisão de não admissão, e com que os aqui recorrentes se não podem conformar.

B) Sobre as alegações do recorrente DD, as mesmas foram produzidas já após a declaração de insolvência, sem que este tenha já disposição sobre os seus direitos patrimoniais e com procuração de mandatário caducada, pelo que não foram admitidas, em 1ª Instância, por decisão transitada em julgado.

C) O Acórdão recorrido, ao confirmar a antecedente decisão singular de anulação de decisão singular de 1ª Instância, fê-lo com base na fundamentação de recurso inexistente e procedeu a anulação de sentença já transitada em julgado, com ofensa expressa dos artºs 619º e 621º do C.P.C.

D) O que traduziu a prática de um acto que a Lei não admite, o que constitui uma efectiva nulidade nos termos do artº 195º do C.P.C..

E) Violou, por isso, o Acórdão recorrido os artºs 615º, nº1 alíneas a) e b) do C.P.C., por aplicação do artº 666º do mesmo Código, e os artºs 619º a 621º, ainda do C.P.C.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso, deduzido ao abrigo do artº 629º nº2 alínea a) do C.P.C., ser julgado procedente e provado e ser anulado e revogado o Acórdão recorrido do Tribunal da relação de Lisboa, com a confirmação do trânsito em julgado da sentença de 1ª Instância sobre a condenação da alínea a) da decisão e do trânsito em julgado do despacho que não admitiu o recurso do Réu DD”.

Posto isto, cumpre delimitar o objecto do presente recurso.

Pela ligação com esta delimitação, cabe uma breve observação sobre a admissibilidade do recurso.

O recurso vem expressamente interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 1, al. a), do CPC, norma que prevê um dos grupos de casos em que é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Uma das hipóteses expressamente referidas na norma é a hipótese de a decisão ofender o caso julgado (formal ou material).

Sobre ela afirma Abrantes Geraldes que “[a] ampliação da recorribilidade da decisão justifica-se, aqui, pela necessidade de preservar os efeitos que decorrem de decisões já transitadas em julgado ou cobertas pela eficácia ou autoridade do caso julgado, evitando a sua inconveniente contradição ou a inútil confirmação (art. 580.º, n.º 2)[1].

Estando causa uma decisão da qual resulta (alegadamente) a ofensa de caso julgado, deve, então, o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.

No entanto – continua Abrantes Geraldes –, “nestas situações, a admissibilidade excecional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação do caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado [2].
Resulta, assim, que os termos em que o recurso é admitido têm consequências no plano da delimitação do objecto do recurso.
Sendo o recurso admitido ao abrigo da al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, designadamente com fundamento (específico e excepcional) na ofensa de caso julgado, o seu objeto fica circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões. Significa isto, por outras palavras, que a arguição de vícios formais da decisão recorrida que envolvam a formulação de questões que não se inscrevam naquele que é o objeto da revista não podem ser conhecidas[3].
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), não ocorrendo questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), formula-se, pois, a (única) questão a decidir: saber se se o Acórdão recorrido foi proferido sem consideração do caso julgado anteriormente formado.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS
Vêm dados como provados no Acórdão recorrido os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância, afirmando-se que “[a] 1ª instância deu como provados os factos constantes na douta sentença impugnada, a fls. 271/274, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (art. 663º, nº6, do C. P. Civil)”.
São ainda pertinentes os factos expostos no Relatório que antecede, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

O DIREITO

Posto isto, é chegada a altura de apreciar a questão que é objecto do presente recurso – a da alegada violação do caso julgado.

Com interesse directo para tal questão, sustentam os autores / ora recorrentes, nas conclusões das suas alegações de revista, que “[o] Acórdão recorrido, ao confirmar a antecedente decisão singular de anulação de decisão singular de 1ª Instância, fê-lo com base na fundamentação de recurso inexistente e procedeu a anulação de sentença já transitada em julgado, com ofensa expressa dos artºs 619º e 621º do C.P.C.” [conclusão C)].

O Tribunal recorrido decidiu, precisamente:

Anular a douta 30 de Setembro de 2014, na parte do segmento da decisão stricto sensu ___ e só apenas neste ___ e determinar a Exma. Senhora Juiz a quo profira nova decisão, «em relação direta» com o pedido formulado de «reivindicação», julgando procedente ou improcedente, bem como, com o demais que é peticionado”.

Lembre-se que, por despacho de 14.02.2017, o recurso interposto pelo réu DD foi julgado sem efeito, por caducidade do mandato conferido ao sujeito que o apresentou (fls. 501 e s.); em consequência deste decaimento – do decaimento do recurso principal –, foi o recurso subordinado dos autores julgado caducado. Recorde-se ainda que este despacho não foi objecto de reclamação (cfr. artigo 643.º do CPC), tendo, por isso, transitado em julgado.

Destes factos resulta, com clareza, que o único recurso de apelação subsistente era o interposto pelo réu Banco CC, S.A., atinente à decisão sobre o 2.º pedido dos autores (a condenação do réu Banco CC, S.A., na obrigação de proceder à desinstalação do portão).

A parte da decisão respeitante ao 1.º pedido (acção de reivindicação), essa transitou em julgado, pois não foi impugnada (cfr. artigo 628.º do CPC) – rectius: não foi eficazmente impugnada, posto que o recurso interposto por DD foi julgado sem efeito, por decisão definitiva.

Ora, o caso julgado impede que o mesmo ou outro tribunal volte definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º a 621.º do CPC [4].

Vistas as coisas assim – como, salvo o devido respeito, devem ser vistas –, é de concluir que, ao decidir a anulação do segmento da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância quanto ao 1.º pedido, o Tribunal recorrido causa “perturbação” a decisão que estava “protegida” e era imodificável, violando, portanto, o caso julgado.

É de concluir, em suma, que ocorreu a ofensa do caso julgado invocada como fundamento da admissão da revista.

Verifica-se, no entanto, que o Tribunal a quo não respondeu às questões resultantes do único recurso de apelação admitido (o recurso interposto pelo réu Banco CC, S.A.), por ter considerado que a sua resposta ficava prejudicada pela solução dada às anteriores.

Impõe-se, assim, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2, a contrario, do CPC[5], a remessa dos autos ao Tribunal recorrido para que sejam apreciadas as questões cuja apreciação não ocorreu.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, na procedência do recurso, revoga-se o Acórdão recorrido e determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso interposto pelo réu Banco CC. S.A.

                                                           *

Custas a final.

                                                           *

        LISBOA, 4 de Julho de 2019

                                                            

Catarina Serra (Relator)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

___________________
[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 50.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit. loc. cit.
[3] Cfr. neste sentido, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2018, Proc.  408/16.0T8CTB.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
[4] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985 (2.ª edição), p. 703.
[5] Dispõe-se nesta norma que “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”. A norma é expressamente ressalvada da regra da aplicabilidade do regime da apelação ao recurso de revista (cfr. artigo 679.º do CPC). A ressalva visa excluir, em absoluto, a possibilidade o Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação, devendo entender-se, por isso, que o procedimento indicado é sempre o da remessa dos autos a esta última. Cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pp. 425-427.