Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10/20.1PAENT.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES
FALSIDADE INFORMÁTICA
CRIME CONTINUADO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Para se afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. A resolução criminosa antecede a execução da respectiva acção ilícita.
II - Porém, não se confunda tal resolução com a eventual decisão tomada pelo arguido, a dado momento da sua vida, no sentido de gizar um plano com vista à apropriação ilegítima de quantias de dinheiro pertencentes a terceiros com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, à medida que as oportunidades criminosas fossem aparecendo. Se alguém toma a resolução de passar o resto da vida a assaltar residências, fazendo disso modo de vida, não se pode concluir, por mais firme que seja a sua resolução, que todos os assaltos que fizer no futuro são a execução do mesmo único crime de furto. Tal entendimento afrontaria a parte final da norma do art. 30.º, n.º 1, do CP, nos termos da qual “o número de crimes determina-se (…) pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
III - Uma coisa é enveredar, de forma consciente e a título duradouro, por um projeto que passará pela prática, regular, de crimes contra o património - sejam eles de burla, furto, roubo ou outros -, outra coisa é a decisão e subsequente planificação de determinado crime em concreto (no caso, de burla informática), que implica, nomeadamente, a escolha da vítima, o modo de abordagem, o esquema com que a mesma terá de ser convencida a usar a aplicação informática MBWAY, etc.
IV - Ou seja, o que conta para a unificação da conduta criminosa do arguido, quando a mesma se desdobra em várias acções subsumíveis, cada uma delas, ao respectivo tipo legal, não é aquela primeira decisão, tomada em abstracto, de que vai passar a efectuar transferências de dinheiro da conta de terceiros associada à aplicação MBWAY, com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação, mas sim a decisão de cometer determinado crime em concreto, em determinadas circunstâncias que pelo arguido foram concretamente ponderadas e analisadas e lhe permitiram passar à respectiva execução.
V - O que resulta da matéria de facto provada é que o arguido, ao longo de um período de 4 meses, enganou pelo menos uma dúzia de pessoas, convencendo-as a aderir ao serviço MB WAY, e associar a aplicação ao número de telemóvel dele, fixando um código PIN igualmente por ele definido e, na posse do número de telemóvel da vítima e do PIN, aceder ao cartão bancário e à conta bancária daquela e, por via do serviço MBWAY, poder ordenar movimentos bancários a partir da conta da vítima (transferências para outros cartões ou contas bancárias), ou pagamentos de compras e, ainda, efectuar levantamentos em numerário em caixas Multibanco, tendo as vítimas sido abordadas em momentos completamente distintos, por processos independentes e autónomos, invocando o arguido, em alguns casos, identidades diversas e sempre diferentes da sua, indicando números de telemóvel diferentes (e nunca o número de telemóvel do ofendido) onde recebia mensagem com os códigos de activação da aplicação MBWAY, indicando, ainda, um código de 6 dígitos, para definir o PIN MBWAY.
VI - Embora as situações criminosas que ocorreram se tenham processado genericamente da mesma forma, aquele teve de escolher as suas vítimas em plataformas de venda online, procurando aí identificar pessoas que tenham disponibilizado objectos para venda, contactando-as telefonicamente, manifestando a vontade de comprar esses objectos e dispondo-se a pagar os mesmos de imediato, por via da aplicação MBWAY, de forma independente, em momentos distintos, em abordagens autónomas e com algumas variantes, não havendo qualquer ligação entre aquelas pessoas, tendo o cuidado de se certificar que cada uma das vítimas não era conhecedora deste processo de pagamento, (pois, caso contrário, o agente dos factos desliga logo a chamada, não voltando a estabelecer qualquer contacto), desenvolvendo, então, um processo ardiloso, conforme as circunstâncias, tendo em vista ter acesso à conta bancária da vítima, pelo que, nunca poderia haver uma única resolução que abarcasse todas as acções ilícitas descritas. Diferente seria a conclusão se todas as vítimas estivessem reunidas numa mesma sala e o arguido aproveitasse a oportunidade de estarem todas juntas para, de uma só vez, as enganasse e convencesse ao uso da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação, a fim de efectuarem transferências de dinheiro da conta de terceiros associada à aplicação MBWAY. Neste caso, sim, estaríamos perante uma só resolução criminosa, a que corresponderia um só crime de um crime de falsidade informática e um crime de burla informática
VII - Impõe-se, pois, a conclusão de que há tantas resoluções criminosas, quantas as aludidas acções ilícitas levadas a cabo pelo arguido, pois, todas elas tiveram lugar em situações históricas distintas, sendo de excluir a hipótese de estarmos perante uma única resolução criminosa.
VIII - A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais. No crime continuado não há apenas uma resolução criminosa, mas tantas resoluções quantas as condutas que o integram, de tal modo que cada conduta parcelar constitui materialmente um crime autónomo, apenas unificado para efeitos punitivos e de sorte que a não verificação de um dos pressupostos que determinam a unificação se verificará uma pluralidade de crimes em concurso real.
IX - Pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. É a diminuição considerável do grau de culpa do agente que constitui a ideia fundamental que legitima, em última instância, o funcionamento do instituto do crime continuado.
X - No caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou.
XI - Por outro lado, não vem provada a existência de qualquer circunstância exterior que motivasse o arguido a repetir a prática do crime, que fosse determinante para que o arguido continuasse na senda criminosa, e lhe diminuísse consideravelmente a culpa, ou seja que revele que a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários é possível formular.
XII - Embora decorrendo numa composição e num ambiente preparados pelo recorrente, as expressões de comportamentos sucessivamente renovados em relação a cada um dos ofendidos afastam a natureza exógena (situação externa favorável) das circunstâncias; bem diversamente, as condições em que o recorrente agiu não foram construídas nem se lhe apresentaram externamente, mas cada uma foi directamente criada pelo recorrente com a finalidade e intenção de praticar cada um do conjunto de actos em que se traduziu o «engano» dos ofendidos e as consequentes atribuições patrimoniais, traduzido no aproveitamento do desconhecimento que os ofendidos tinham do funcionamento do Mbway. Não concorrem, assim, os elementos essenciais da construção do crime continuado.
Decisão Texto Integral:


 Processo: 10/20.1PAENT.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

I. RELATÓRIO

 1. No Processo Comum, com julgamento em Tribunal Colectivo, nº 10/20.3GBTMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Central Criminal de Santarém - Juiz 3, por acórdão proferido em 21 de dezembro de 2021, foi decidido julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação e, em conformidade:

- Condenar o arguido AA como autor material, em concurso real, de 12 (doze) crimes de falsidade informática, previstos e punidos pelos artigos 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15.09 (PARTES I e III a XIII da acusação), nas penas de 2 (dois) anos de prisão pela prática de cada um desses 12 crimes;

- Condenar o arguido AA como autor material, em concurso real, de 6 (seis) crimes de burla informática e nas comunicações, previstos e punidos pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal (PARTES V a VIII, X, XII e XIII da acusação), nas penas de:

- parte V – 8 meses de prisão;

- parte VI – 5 meses de prisão;

- parte VII – 5 meses de prisão;

- parte VIII – 6 meses de prisão;

- parte X – 1 ano de prisão;

- parte XII – 4 meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.

*

2. Inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, alegando, em síntese, que não se pode conformar com a qualificação jurídica dos factos e com a pena que concretamente lhe foi aplicada, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O arguido não se conforma com a decisão recorrida.

2. Entende que apenas deveria ter sido condenado pela prática de 1 crime de burla informática, e pela prática de 1 crime de falsidade informática.

3. Havendo no caso lugar à aplicação do disposto no art.º 30º do Código Penal.

4. Existiu apenas uma resolução criminosa, e o período temporal é apenas um único, bem como o modus operandi é sempre o mesmo.

5. O arguido celebrou acordo com 6 das 12 vítimas, as quais desistiram das respectivas queixas.

6. Encontra-se a ressarcir mensalmente as mesmas, e tem junto os respectivos comprovativos de pagamento ao Tribunal.

7. Manifestando assim o seu profundo arrependimento e assunção da sua culpa.

8. Tem pago com sacrifício visto que se encontra preso e o seu agregado subsiste de prestações sociais.

9. Entende que não deveria ter sido aplicada pena superior a 5 anos, visto que demonstrou arrependimento e voluntariamente dispôs-se a ressarcir as vítimas.

10. Este Altíssimo STJ, deverá aplicar ao arguido pena igual ou inferior a 5 anos a qual deverá ser suspensa na sua execução.

11. Sujeita à condição do arguido continuar a pagar até ao final todos os acordos de pagamento que celebrou com as vítimas e se mostram juntos aos autos.

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3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, concluindo:   

1ª – O arguido recorreu, pois, no seu entender considera que no caso se verifica uma continuação criminosa, e, por isso, estamos perante um crime continuado.

2ª – Considera que os 6 crimes de burla informática e os 12 crimes de falsidade informática foram cometidos, existindo uma resolução plúrima do mesmo tipo de crime e que protege um bem jurídico patrimonial, e existiu ainda uma execução de forma homogénea, no mesmo quadro factual e temporal, de forma sucessiva.

3ª – Assim, sustenta que se encontram reunidos os pressupostos de facto previstos no n.º 2, do art.º 30º, do Código Penal.

4ª – Mais sustenta que da matéria de facto provada, resulta que atuou num quadro de solicitação de uma mesma situação exterior, que o levou a repetir a sua atuação, por esta se mostrar facilitada.

5ª – Considera que a pena que concretamente lhe foi aplicada se mostra manifestamente excessiva tendo em conta o seu grau de culpa, e considerando ainda que celebrou acordo de pagamento com seis das vítimas, as quais vieram a desistir das respetivas queixas, homologadas pelo Tribunal a quo.

6ª - Entende que a aplicação de uma pena justa, adequada e proporcional, e que não exceda o seu grau de culpa, não poderá em caso algum ser superior a 5 anos de prisão, e deve ser suspensa na sua execução por igual período, com imposição de regras de conduta e injunções que se julguem adequadas às necessidades do caso em apreço.

7ª - Finalmente, defende que a decisão recorrida violou as disposições constantes dos artigos 3º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15-09, 221º, n.º 1, 30º, 40º, 71º, n.ºs 1 e 2, e 50º, do Código Penal.

8ª - Nos termos do art.º 30º, nºs 2 e 3, do Código Penal, são requisitos do crime continuado, (a) a realização plúrima de violação típicas do mesmo bem jurídico, desde que este não proteja bens eminentemente pessoais; (b) execução essencialmente homogénea das referidas violações; (c) realizada no quadro da mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa (neste sentido v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-11-2017 [processo n.º 1558/12.7TACBR.C1], acessível através de www.dgsi.pt.

9ª - Também no citado Acórdão se lê “III – É necessário ser rigoroso na aferição dos requisitos de que depende a figura do crime continuado, sob pena de se premiar e promoverem as carreiras criminosas longas”.

10ª – Nesta matéria deverá ter-se presente que o arguido, em 12 ocasiões, quis sempre se locupletar com cada uma das quantias pertencentes a 12 pessoas, num total de € 7.840,00, o que conseguiu, integrando-as no seu património.

11ª - Para além disso, a conduta do arguido ocorreu durante cerca de 4 meses, o que permitia ao mesmo equacionar a possibilidade de fazer cessar a essa sua conduta, o que não aconteceu.

12ª - Por sua vez, e apesar de resultar dos factos provados que a conduta do arguido foi essencialmente idêntica, contudo, na nossa perspetiva, não foi qualquer condicionalismo exterior que o determinou à prática dos crimes, mas antes um desígnio interior e firme, traduzido no aproveitamento do desconhecimento que os ofendidos tinham do funcionamento do mbway, que ocorreu durante cerca de 4 meses, evidenciando assim um dolo direto.

13ª – Logo, impõe-se a conclusão de que o arguido não atuou num quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminuiu consideravelmente a culpa.

14ª – Na verdade, mesmo considerando que o arguido agora está a tentar reparar os ofendidos, os factos dados como provados contrastam flagrantemente com qualquer solicitação exterior que lhe possa ter diminuído consideravelmente a culpa.

15ª – Donde, na nossa perspetiva, não se confirmam os requisitos legais de que depende a verificação do crime continuado.

16ª - No que respeita à determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente – artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

17ª - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal.

18ª – As finalidades das penas visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, conforme determina o disposto no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal.

19ª – A medida da pena há de ser dada tendo por base a necessidade de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias (prevenção geral positiva ou de integração), sem, contudo, poder ultrapassar a medida da culpa, atuando depois e em última instância a prevenção especial de socialização como forma de determinar a medida da pena.

20ª - Na determinação da medida da pena, deverá atender-se às exigências de prevenção que satisfazem as necessidades comunitárias de se punir o crime e, bem assim, de se realizarem as finalidades das penas.

21ª - Será dentro da moldura de prevenção geral de integração, que a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização (neste sentido cf. Acórdão do STJ de 20-09-2006, - processo n.º 03P4425, acessível em www.dgsi.pt).

22ª- Se atendermos ao teor do segmento da Ação Penal da decisão recorrida e a toda a fundamentação que ali é vertida, é de concluir que a pena que foi aplicada ao arguido, tendo como ponto de partida os tipos legais dos crimes em causa, se mostra justa e adequada a prevenir a prática de crimes de igual natureza, quer por parte do arguido, quer por parte da comunidade em geral.

23ª - Entre o mais, o arguido atuou com dolo na modalidade de dolo direto.

24ª – O valor das quantias de que o arguido se apropriou, num total de € 7.840,00, correspondente ao prejuízo patrimonial sofrido por cada um dos ofendidos, são de uma gravidade considerável.

25ª - O facto do arguido se ter aproveitado do desconhecimento dos ofendidos acerca do funcionamento do mbway, para assim cometer os ilícitos penais, é também reveladora da uma censura acentuada.

26ª– A medida concreta da pena aplicada ao arguido teve também em conta que este já sofreu um número considerável de condenações, várias delas pela prática de crimes contra o património.

27ª – Assim, face à multiplicidade e gravidade das condutas imputadas ao arguido, só uma pena privativa de liberdade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

28ª- Com tal enquadramento, e sem esquecer as circunstâncias de a conduta do arguido englobar várias ações criminosas, entendemos que a pena de prisão efetiva aplicada ao arguido, se mostra justa e em conformidade com as exigências do caso concreto.

29ª- Se atendermos ao que consta da decisão recorrida relativamente à pena concretamente aplicada, verificamos que a sua medida foi sustentada na gravidade dos ilícitos, no valor dos prejuízos causados aos ofendidos e na forma homogénea da execução dos crimes cometidos, e, bem assim, nos antecedentes criminais do arguido e no facto de, em julgamento, não ter demonstrado qualquer contrição pelos factos que praticou.

30ª - Justamente por isso, e também pelo número de crimes que foram dados como provados, não se vislumbra a possibilidade de aplicar ao arguido uma pena de prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão, a fim de se poder equacionar uma possível suspensão da sua execução, os termos do art.º 50º, do Código Penal.

31ª – A pena não superior a 5 anos de prisão pode ser suspensa na sua execução se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

32ª – No caso dos autos, para além da pena de prisão aplicada, pelas razões já indicadas, ter que ser sempre superior a 5 anos de prisão, na hipótese, contudo, de ser igual ou inferior aos 5 anos, não se vislumbra, nomeadamente face às circunstâncias dos crimes, que se pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

33ª – Por tudo o que vai exposto, a decisão recorrida não violou as disposições legais invocadas pelo Recorrente.

34ª - Deve, pois, o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida.

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4. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, no sentido de que:

«Por razões de economia expositiva, damos por integralmente reproduzida a factualidade dada como provada na 1.ª instância.

Segundo o art. 30.º, n.º 2, do CP, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

O n.º 3 do mesmo normativo exclui a possibilidade de crime continuado quando estejam em causa crimes praticados contra bens eminentemente pessoais (independentemente de o bem jurídico ser da titularidade da mesma pessoa ou de pessoas diferentes).

Do ponto de vista objectivo o crime continuado pressupõe, assim, (i) uma pluralidade de acções subsumíveis ao mesmo tipo legal de crime ou a tipos legais afins (que não protejam bens jurídicos eminentemente pessoais), (ii) executadas de forma homogénea e (iii) motivadas

por uma mesma situação exterior que, enfraquecendo a vontade do agente para agir em conformidade com o Direito, reduz consideravelmente a sua culpa.

Relativamente a este último aspecto, tem-se entendido que «pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».

Dito por outras palavras, a «diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição.

Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa (por exemplo, ele procura de novo a vítima no local onde ela se encontra, sendo certo que de outro modo ele não se cruzaria com ela), não há diminuição sensível da culpa (…). Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso».

Sob o ponto de vista subjectivo, a pluralidade de acções criminosas deve ser objecto de outras tantas resoluções criminosas.

No caso dos autos, face à realidade factual assente, é incontroverso que o recorrente praticou os crimes com o mesmíssimo modus operandi.

Todavia, toda a sua actuação obedeceu a uma prévia e única resolução criminosa (v. os factos provados 9, 10 e 11).

Isso, por si só, já afasta a possibilidade da continuação criminosa.

Ainda que assim não se entenda, é evidente que o arguido não foi impelido a cometer os crimes por efeito de circunstâncias exteriores que lhe reduziram sensivelmente a culpa. Ao invés, foi ele que criou e engendrou o esquema que lhe permitiu violar repetidamente as normas criminais.

Ora, tendo a repetição das condutas sido determinada por razões endógenas, não é possível afirmar a existência do crime continuado posto que, como bem refere o MP na sua resposta, «não foi (…) qualquer condicionalismo exterior que determinou o arguido à prática dos crimes, mas antes um desígnio interior e firme, traduzido no aproveitamento do desconhecimento que os ofendidos tinham do funcionamento do mbway», ou, como também observa o STJ a propósito de uma hipótese com contornos semelhantes (burla informática concretizada na utilização de cartões de crédito falsificados em operações de levantamento de dinheiro através do sistema informático), o «que se alcança da matéria provada é que o arguido concebeu um esquema para cometer múltiplos crimes e procurou os meios aptos para os levar a cabo, não tendo deparado “com uma situação exterior” que o tenha levado a repetir a sua actuação, por esta se mostrar facilitada».

Daí que a actuação do recorrente não possa ser reconduzida ao crime continuado.

Esta solução não prejudica a hipótese que passamos a discutir.

O art. 30.º, n.º 1, do CP estabelece que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

De acordo com o enunciado legal, em princípio, ainda que esteja em causa o mesmo ilícito, haverá tantos crimes quantos aqueles que efectivamente forem praticados pelo agente.

Ponto é que relativamente a cada um dos crimes exista uma resolução criminosa autónoma.

«Sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções – de resoluções no sentido de determinações de vontade, de realizações do projecto criminoso – o juízo de censura será plúrimo».

Pois bem, conforme já tivemos oportunidade de referir, o tribunal colectivo deu como assente que o recorrente, em data anterior a 06.01.2020, gizou um plano com vista à apropriação ilegítima de quantias de dinheiro pertencentes a terceiros com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação (factos provados 9, 10 e 11).

Ora, esse plano desvela a existência de uma única resolução criminosa que depois é executada ao longo de um período de 4 meses (entre 06.01.2020 e 05.05.2020).

Daí que, salvo melhor entendimento, o recorrente apenas tenha cometido um crime de falsidade informática (art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei 109/2009) e um crime de burla informática (art. 221.º, n.º 1, do CP).

Nessa decorrência, há que reajustar a medida das penas.

O crime de falsidade informática é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão (art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei 109/2009, de 15.09).

O crime de burla informática é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (art 221.º, n.º 1, do CP).

A concretização da pena envolve diversos tipos de operações.

Desde logo, perante crimes punidos, em alternativa, com pena de prisão ou de multa (burla informática), há que ter em conta o disposto no art. 70.º do CP segundo o qual o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

As finalidades da punição, segundo o art. 40.º, n.º 1, do C.P, consistem na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente da sociedade, ou seja, «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação de culpa» 

Prosseguindo neste exercício, o art. 71.º, n.º 1, do C.P estabelece que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

E o art. 40.º, n.º 2, do C.P prescreve que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Culpa e prevenção, geral (protecção de bens jurídicos) e especial (reintegração do agente na sociedade), constituem, assim, os critérios gerais a que o julgador deve atender na fixação da medida concreta da pena.

A culpa, «traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singularidade do agente», define o máximo inultrapassável da pena.

A prevenção geral, respondendo à necessidade social de protecção dos bens jurídicos violados, determina o mínimo da pena.

A prevenção especial, visando a ressocialização do infractor (prevenção especial positiva), serve para encontrar, dentro daqueles dois marcos, o quantum necessário da pena concreta.

Na síntese do STJ, «a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades

de prevenção geral, de modo que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível».

Refira-se ainda que o art. 71.º, n.º 2, do CP enumera diversos exemplos de circunstâncias que, desde que não façam parte do tipo de crime, concorrem «quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente».

Com respeito à pena unitária, cuja moldura abstracta, conforme estabelece o art. 77.º, n.º 2, do CP, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, o n.º 1, parte final, do mesmo normativo estatui que na sua individualização são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, manifestada esta «de forma imediata na acção típica, isto é, nos factos».

Também aqui devem ser levadas em linha de conta «as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, bem como os factores elencados no n.º 2 deste artigo 71.º referidos agora à globalidade dos factos».

No caso em apreço o recorrente actuou de forma premeditada, com dolo directo e intenso, perseverando na sua conduta ao longo de quatro meses e em prejuízo de doze ofendidos.

Nesse curto espaço de tempo obteve ganhos patrimoniais que totalizaram 7840 euros (sendo que, face às desistências de queixa, o valor dos prejuízos patrimoniais causados pela burla ascendeu a 3760 euros). Regista diversas condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, roubo, sequestro e ofensa à integridade física (factos provados 197 a 204). Constituiu família aos 17 anos e beneficia do seu apoio, mas tem fraca escolaridade, é consumidor de estupefacientes desde a adolescência e não apresenta hábitos de trabalho regulares (facto provado 196). Contrariamente ao aduzido no recurso, não ficou provado qualquer arrependimento ou admissão de culpa da sua parte (como resulta do texto do acórdão recorrido, o arguido não prestou declarações durante o julgamento e só depois de encerrada a produção da prova é que fez chegar aos autos declarações de confissão de dívida e acordos de pagamento em relação a alguns dos ofendidos).

Ponderando os factores que antecedem e as necessidades de prevenção geral, que pela sobejamente conhecida frequência crescente destes dois tipos de crime são bastante elevadas, entendemos adequadas as seguintes penas:

- Em relação ao crime de falsidade informática, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

- Em relação ao crime de burla informática, justificando-se a inversão da preferência legal consagrada no art. 70.º do CP, a pena de 2 anos de prisão;

- Em cúmulo jurídico, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Postula o art. 50.º, n.º 1, do CP que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A leitura do preceito revela que a pena de suspensão está condicionada à aplicação de uma pena de prisão cuja medida concreta não seja superior a cinco anos (pressuposto formal) e à formulação do chamado «juízo de prognose favorável» que permita acreditar que o arguido não voltará a cometer novos crimes (pressuposto material).

Quanto a este último requisito é necessário, «em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexo sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, e, em segundo lugar, (…) que a pena de suspensão (…) não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

No caso dos autos, afigura-se evidente que o pressuposto material não está preenchido.

Na verdade, para além das pouco abonatórias circunstâncias atinentes à situação pessoal do recorrente, o seu trajecto de vida, manchado por várias condenações, algumas as quais em penas de prisão efectiva (factos provados 201 a 204), também não faz jus à suspensão da execução da pena.

Como refere a nossa melhor doutrina, «a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, neste caso, bem mais difícil e questionável – mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza».

Acresce que as assinaladas fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir também conduzem à rejeição da aplicação desta pena de substituição.

Na verdade, «a suspensão de execução da prisão não deverá ser decretada, se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime" (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral

sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica. Só por estas

exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade

que ilumina o instituto ora em análise».

Deve, por isso, ser arredada a possibilidade de suspensão da execução da proposta pena de prisão».

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5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.

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6. Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).

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7. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação sobre a determinação e medida da pena

Matéria de facto provada

Discutida que foi a causa, e com relevo para a sua boa decisão, resultou provado que:

1. Desde data não exatamente apurada que os arguidos AA e BB vivem em condições análogas às dos cônjuges e têm seis filhos em comum.

2. Por sua vez, o MBWAY é uma solução interbancária – multibanco - disponibilizada pela empresa SIBS que permite fazer compras online e em lojas físicas, gerar cartões bancários virtuais- denominados MBNET-, enviar, pedir dinheiro, dividir contas e ainda utilizar e levantar dinheiro através do smartphone, numa aplicação própria ou nos canais de uma instituição bancária, associando contactos telefónicos a cartões ou contas bancárias,

3. A adesão ao referido serviço pode ser feita inicialmente através de um ATM ou da própria aplicação para telemóvel,

4. Assim, para adesão através de ATM,

i. o interessado deve introduzir o seu cartão bancário no ATM (terminal automático) respetivo e selecionar a opção “MBWAY” no MULTIBANCO, inserir o seu número de telemóvel e definir um PIN MBWAY com seis dígitos.

ii. De seguida, o interessado deve fazer "descarga" da aplicação de telemóvel MBWAY e inserir o número de telemóvel e o PIN MBWAY definidos no MULTIBANCO, onde recebe um sms com código de ativação para inserir na aplicação e o serviço fica pronto a ser utilizado.

5. Por seu turno, para adesão através da aplicação (sem recurso a ATM), o interessado deve

1.º passo: Fazer download da app MBWAY e selecionar a opção “Ainda não tem MBWAY?”;

2.º passo: Introduzir os dados do seu cartão de multibanco;

3.º passo: Definir o seu PIN MBWAY com 6 dígitos;

4.º passo: Indicar o seu número de telemóvel, onde receberá mensagem com os códigos de ativação.

5.º passo, inserir o código de ativação na aplicação.

6. Deste modo, os dados de adesão e registo no MBWAY são sempre o número de telemóvel e o pin MBWAY, pelo que se, no processo de adesão e ativação, for associado um número de telemóvel pertença de outrem que não o titular da conta bancária, aquele fica com acesso irrestrito a esta e assume os poderes e as prerrogativas associadas ao titular.

7. No caso de transferência bancária, e após acesso à conta nos termos descritos, basta selecionar o contacto da pessoa a quem se quer enviar o dinheiro, indicar o valor a transferir e validar a operação, após o que, de imediato, é processada a transferência do dinheiro para a  contacto selecionado.

8. A par, a aplicação permite ainda o modo “Dividir conta”, neste caso, o utilizador, na aplicação, seleciona a opção “Dividir conta”, depois seleciona o contacto com quem pretende dividir a conta, indique o valor da conta, e confirma a operação introduzindo o seu PIN MBWAY,

a. Nesse instante, o outro utilizador/contacto recebe uma notificação na app MBWAY a informar do seu pedido de dinheiro no valor da divisão de conta.

b. Caso aceite, introduz o código de ativação e à medida que cada um aceita o pedido, o outro recebe o dinheiro imediatamente na sua conta.

9. Neste contexto, em data não concretamente apurada, mas situada antes do dia 6 de janeiro de 2020, o arguido AA, sem ocupação profissional regular, gizou um plano.

10. Esse plano passou por se apropriar de quantias em dinheiro com recurso ao uso fraudulento daquela aplicação, aproveitando o desconhecimento dos visados sobre o modo de funcionamento da mesma,

11. Em execução desse plano, o arguido atuou nos moldes descritos nas várias situações que se descreverão infra.

*

AUTOS PRINCIPAIS (PARTE UM- 10/20…)

 12. No dia 6-1-2020, entre as 22h40 e as 22h50, o arguido AA, através do cartão SIM com o nº ...69, identificando-se como “CC”, contactou DD (DD) para o telemóvel desta, com o n.º ...83.

13. Nesse âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de uns produtos que esta tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

14. O que aquela aceitou.

15. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

16. O que aquela, convencida da bondade do anunciado, anuiu.

17. Mediante indicação do arguido, DD deslocou-se ao ATM localizado junto da Pastelaria Ice Cream, na Rua ...,

18. Ali, pelas 22h56, DD introduziu o seu cartão de multibanco nº…28 do banco Millennium BCP, associado à conta n.º ...85, por si titulada, e, sempre por indicação telefónica daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...69 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

19. Com o que o arguido AA, pelas 22h56:20, logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário, do Banco Millennium BPC à aplicação mbway instalada por si no número ...69.

20. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de DD e obteve um código de levantamento.

21. Na posse desse código, entre as 23:03:52 e as 23:04:46, do referido dia, na Av. ..., em ..., no ATM instalado no posto de combustíveis da ..., efetuou dois levantamentos:

- Um de €200,00 em numerário; e - Um de €20,00 em numerário,

22. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas, num total de €220,00.

23. Fê-lo sem autorização de DD e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia até à junção aos autos do acordo de confissão de dívida e de desistência de queixa datado de 17.12.2021.

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PARTE TRÊS- ANEXO II (66/20…)

24. No dia 31-1-2020, antes das 17h40, o arguido AA, através do número ...06, contactou EE (EE) para o telemóvel deste.

42. Nesse âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de um telemóvel que este tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que o pretendia adquirir pelo preço anunciado,

43. O que EE aceitou.

44. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco).

45. O que EE, convencido da bondade do anunciado, anuiu.

46. Mediante indicação do arguido AA, EE deslocou-se ao ATM localizado junto da Avenida ..., em ....

47. Ali, EE introduziu o seu cartão de multibanco do Banco CGD, associado à conta n.º ...00, por si titulada, e, sempre por indicação telefónica daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...06 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

48. Desta forma, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário associado àquela conta, na aplicação mbway instalada por si no número ...06.

49. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu, por mais de uma vez, a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de EE e obteve códigos de levantamento.

50. Na posse desses códigos, pelas 17h41:10, em ATM localizado no ..., na ..., em ..., o arguido AA efetuou um levantamento de €200,00.

51. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas, num total de €200,00.

52. Fê-lo sem autorização de EE e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia até à junção aos autos do acordo de confissão de dívida e de desistência de queixa datado de 17.12.2021.

*

PARTE QUATRO- ANEXO III (74/20…)

53. No dia 5-2-2020, cerca das 19h00, o arguido AA, através do cartão SIM com o nº ...81, conectado ao IMEI ...58, contactou FF (FF) para o telemóvel deste,

54. Nesse âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de uns produtos que este tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

55. O que FF aceitou.

56. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

57. O que FF, convencido da bondade do anunciado, anuiu.

58. Mediante indicação do arguido, FF deslocou-se ao ATM localizado junto da Avenida ..., em ....

59. Ali, entre as 20h27 e as 20h36, FF introduziu o seu cartão de multibanco n. ...19 do Banco CGD, por si titulado, e, sempre por indicação telefónica daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...81 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

60. Desta forma, entre as 20h37 e 20h45, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário, associado à conta n.º ...00, na aplicação mbway instalada por si no número ...81.

61. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu, por mais de uma vez, a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de FF e obteve códigos de levantamento.

62. Na posse desses códigos, naquele período temporal, em ATM da Rua ... em ..., o arguido efetuou 5 levantamentos:

- Três de €100,00 em numerário; - Um de €40,00 em numerário; e - Um de €10,00 em numerário,

63. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas, num total de €350,00.

64. Fê-lo sem autorização de FF e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia até à junção aos autos do acordo de confissão de dívida e de desistência de queixa datado de 17.12.2021.

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PARTE CINCO - ANEXO XX (35/20…)

65. No dia 7-2-2020, antes das 23h00, o arguido AA, através do cartão SIM com o nº ...53, conectado ao já aludido IMEI ...58, contactou GG (GG) para o telemóvel deste.

66. Nesse âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de uns produtos que este tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

67. O que GG aceitou.

68. Ato contínuo, o arguido AA disse ser motorista ou camionista em ... e propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

69. O que GG, convencido da bondade do anunciado, anuiu.

70. Mediante indicação do arguido, GG deslocou-se ao ATM localizado junto da Rua ..., em ....

71. Ali, pelas 23h08, GG introduziu o seu cartão de multibanco n. ...85, associado à conta n.º ...13, da Caixa de Crédito Agrícola, por si titulada, e, sempre por indicação telefónica daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...53 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

72. Desta forma, entre as 23h11 e as 23h21, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário na aplicação mbway instalada por si no número ...53.

73. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu, por mais de uma vez, a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de GG e obteve códigos de levantamento.

74. Na posse desses códigos, naquele período temporal, em Atm da Avenida ..., em ..., o arguido efetuou 4 levantamentos de €100,00, no total de €400.00.

75. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas.

76. Fê-lo sem autorização de GG e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

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PARTE SEIS - ANEXO 4 (126/20…)

77. No dia 22-2-2020, antes das 14h50, o arguido AA, através do telemóvel com o nº ...55 ligado ao IMEI ...79(+1), contactou HH (HH), para o telemóvel desta.

78. Nesse âmbito, mostrou interesse na aquisição de um motor de rega que o namorado desta, que não tinha acesso às redes sociais, tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que o pretendia adquirir pelo preço anunciado,

79. O que HH aceitou.

80. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

81. O que HH, convencida da bondade do anunciado, anuiu.

82. Mediante indicação do arguido, HH deslocou-se ao ATM localizado junto à ..., em ..., ....

83. Ali, pelas 14h50, HH introduziu o seu cartão de multibanco n.º ...94, do Millennium BCP, associado à conta n.º ...23, por si titulada, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...55 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

84. Assim, pelas 14h53, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário e respetiva, titulada por HH, na aplicação mbway instalada pelo arguido no número ...55.

85. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de HH e obteve códigos de levantamento.

86. Na posse desses códigos, entre as 14h57 e as 14h59, em Atm da Avenida ..., em ..., o arguido AA efetuou um levantamento de €100,00 e outro de €20, no total de €120.00.

87. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas.

88. Fê-lo sem autorização de HH e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

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PARTE SETE - ANEXO XIX (251/20…)

89. No dia 4-3-2020, antes das 22h00, o arguido AA, através do telemóvel com o nº ...34, conectado ao IMEI ...89, contactou, por SMS, II (II, cidadão surdo-mudo), para o telemóvel deste.

90. Nesse âmbito, mostrou interesse na aquisição de produtos que II tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

91. O que II aceitou.

92. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

93. O que II, convencido da bondade do anunciado, anuiu.

94. Mediante indicação do arguido, II deslocou-se ao ATM localizado junto da Urbanização ..., em Coimbra.

95. Ali, entre as 22h00 e as 22h10, II introduziu o seu cartão de multibanco n.º ...05 da CGD por si titulado, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...34 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

96. Desta forma, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário associado à conta n.º ...00, titulada por II, na aplicação mbway instalada por si, no número ...34.

97. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de II e obteve códigos de levantamento.

98. Na posse desses códigos, pelas 22h05, em ATM da Rua ..., em ..., o arguido efetuou um levantamento de €100,00.

99. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas.

100. Na mesma ocasião, o arguido AA tentou efetuar outros 7 levantamentos, no entanto não o conseguiu por insuficiência de saldo da referida conta de II.

101. Fê-lo sem autorização de II e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

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PARTE OITO - ANEXO V (107/20…)

102. No dia 12-3-2020, cerca das 17h00, o arguido AA, através do telemóvel com o nº ...52, contactou JJ (JJ), para o telemóvel deste.

103. Nesse âmbito, mostrou interesse na aquisição de uns produtos que JJ tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

104. O que JJ aceitou.

105. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

106. O que FF, convencido da bondade do anunciado, anuiu.

107. Mediante indicação do arguido, JJ deslocou-se ao ATM localizado junto da EN ..., ..., na Caixa Agrícola do ....

108. Ali, entre as 17h37 e as 17h46, JJ introduziu o seu cartão de multibanco n. ...05 do Millennium BCP por si titulado, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...52 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

109. Desta forma, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário, associado à conta nº ...09, na aplicação mbway instalada por si no número ...52.

110. De seguida, no referido telemóvel, o arguido introduziu, por mais de uma vez, a opção “levantamento mbway” através da conta associada ao referido cartão de JJ e obteve códigos de levantamento.

111. Na posse desses códigos, naquele período temporal, em Atm da Avenida ..., em ..., o arguido efetuou 2 levantamentos de €100,00 cada, num total de €200,00.

112. E apropriou-se daquelas notas do Banco Central Europeu, fazendo-as suas.

113. Fê-lo sem autorização de JJ e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

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PARTE NOVE - ANEXO XXI (175/20…)

114. No dia 16-3-2020, antes das 12h00, através de telemóvel não concretamente apurado, o arguido AA contactou KK (KK), para o telemóvel desta.

115. Neste âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de um artigo que aquela tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que o pretendia adquirir pelo preço anunciado,

116. O que KK aceitou.

117. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

118. O que KK, convencida da bondade do anunciado, anuiu.

119. Mediante indicação do arguido AA, KK deslocou-se ao ATM localizado junto à ..., na cidade ....

120. Ali, KK introduziu o seu cartão de multibanco associado a uma conta depósito à ordem n.º ...33, por si titulada, do Banco CTT, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...82 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

121. Desta forma, pelas 12h16, AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário, associado à dita conta titulada por aquela, na aplicação mbway instalada por si no número ...82.

122. E, no referido telemóvel, com a referida aplicação, entre as 12h22 e as 12h55, o arguido AA ordenou três “transferências mbway”, de €750,00, num total de €2250,00, da conta do Banco CTT, titulada por KK, para a conta bancária por si titulada, com o n.º ...24, do Banco CTT, também associada ao referido número ...82.

123. Na mesma ocasião, ordenou, ainda, 3 “levantamentos mbway” de €100,00 no valor total de €300,00 da referida conta titulada por KK, gerando assim os respetivos códigos.

124. Naquele período, na Rua ..., no ATM ali localizado do Banco BPI, através daqueles códigos, efetuou os respetivos levantamentos de €300,00,

125. Com o que se apropriou daquele numerário.

126. Após, ainda no dia 16-3-2020, na posse dos referidos €2250,00, recebidos na conta nº ...24, do Banco CTT, através do cartão de multibanco associado à mesma, o arguido AA efetuou dois levantamentos de €200,00, em numerário, no ATM localizado junto à ... em ... e um levantamento de €1850,00, ao ..., na cidade ....

127. E apropriou-se daqueles €2250,00 em notas do Banco Central Europeu,

128. Desta forma, o arguido AA integrou no seu património um total de €2550,00 (€2250,00 por transferência e €300 por levantamento direto), que pertenciam a KK, fazendo-o seu.

129. O arguido AA agiu sem autorização de KK e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia até à junção aos autos do acordo de confissão de dívida e de desistência de queixa datado de 17.12.2021.

130. No período temporal, acima indicado em 121, o arguido ainda tentou efetuar outras 2 transferências de €750,00 e dois levantamentos de €100,00, mas as transações não foram aceites pelo sistema.

*

PARTE DEZ - Anexo VI (205/20…)

131. No dia 29-3-2020, cerca das 20h00, através do telemóvel com o nº ...54, o arguido AA contactou LL, para o telemóvel deste.

132. Neste âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de um casaco de pele de senhora que este tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que o pretendia adquirir pelo preço anunciado,

133. O que LL aceitou.

134. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco).

135. O que LL, convencido da bondade do anunciado, anuiu,

136. Mediante indicação do arguido AA, LL deslocou-se ao ATM localizado junto da Rua ..., em ....

137. Ali, entre as 20h10 e as 20h30, LL introduziu o seu cartão de multibanco n.º ...34 associado           à conta n.º ...00, por si titulada, da CGD, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...22 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

138. Desta forma, pelas 20h:10:31, AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário, titulada por aquele, na aplicação mbway instalada por si no número ...22.

139. E, no referido telemóvel, com a referida aplicação, o arguido ordenou três “transferências mbway”, de €750,00, cada e uma de €250,00, num total de €2500,00, daquela conta daquela da CGD, titulada por LL, para o número de telemóvel ...82 associado à conta bancária n.º ...25, do Banco CTT, titulada pela arguida BB.

140. Na mesma ocasião, ordenou, ainda, três “levantamentos mbway” no valor total de €400,00 - dois de €100,00 e um de €200,00 - da referida conta da CGD, titulada por LL, gerando assim os respetivos códigos.

141. Naquele período, na Rua ..., no ATM ali localizado do Banco BPI, através daqueles códigos, efetuou os respetivos levantamentos de €400,00,

142. Com o que alcançou aquele numerário, fazendo-o seu.

143. Na mesma ocasião e lugar, na posse dos referidos €2500,00, recebidos na conta nº ...25 do Banco CTT, através do cartão de multibanco associado à mesma, o arguido efetuou o levantamento de €400,00.

144. No dia seguinte, 30-3-2020, novamente naquele ATM, o arguido levantou €400,00 da referida conta de BB, através do cartão de débito associado à mesma.

145. Pelas 11h46 do referido dia, no Balcão do CTT, em ..., em circunstâncias e com intuitos não apurados, a arguida BB efetuou um levantamento €1700,00 em numerário da sua conta.

146. O saldo da conta nº ...25 ficou assim reduzido a € 1,46.

147. LL ficou desapossado, assim, de um total de €2900,00 (€2500,00 da transferência e €400 por levantamento), que lhe pertencia.

148. O arguido agiu sem autorização de LL e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

*

PARTE ONZE - ANEXO VII (46/20…)

149. No dia 6-4-2020, cerca das 19h00, através do telemóvel com o nº ...50, o arguido AA contactou MM, para o telemóvel deste.

150. Neste âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de uns produtos que este tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

151. O que MM aceitou.

152. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

153. O que MM, convencido da bondade do anunciado, anuiu,

154. Mediante indicação do arguido, MM deslocou-se ao ATM localizado junto do ....

155. Ali, entre as 20h50 e as 20h56, MM introduziu o seu cartão de multibanco nº. ...07, por si titulado, do Banco BPI, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...50 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

156. Desta forma, entre as 20h56 e as 21:00:53, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário associado à conta n.º ...01, na aplicação mbway instalada por si no número ...50.

157. E, no referido telemóvel, com a referida aplicação, o arguido deu ordem de transferência mbway, de €250,00, daquela conta do BPI, para o número de telemóvel ...82 associado à conta bancária n.º ...24, por si exclusivamente titulada.

158. Na mesma ocasião, ordenou, ainda, dois levantamentos mbway de €100,00, cada, da referida conta do BPI, gerando assim os respetivos códigos.

159. Naquele período, na Rua ..., em ..., no ATM ali localizado, através daqueles códigos, o arguido efetuou dois levantamentos de €100,00 cada, no total de €200,00.

160. De seguida, ali, através do seu cartão de multibanco associado à conta nº ...24, efetuou o levantamento dos referidos €250,00 acima referidos,

161. Com o que fez seu o montante total de €450,00, que pertencia a MM.

162. Fê-lo sem autorização de MM e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia, até à junção do requerimento de 21.12.2012, que dá conta de o ofendido ter chegado a acordo de pagamento com o arguido e, assim, desistido da queixa.

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PARTE DOZE - ANEXO VIII (149/20…)

163. No dia 21-4-2020, antes das 12h00, o arguido AA, através do n.º ...11- associado ao telemóvel com o IMEI ...30, contactou NN e mostrou-se interessado na aquisição de um produto que aquela tinha colocado para venda no site CustoJusto.pt.

164. Nesse âmbito, disse-lhe que pretendia adquirir o mesmo pelo preço anunciado,

165. O que aquela aceitou.

166. Ato contínuo, o arguido propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco),

167. O que aquela, convencida da bondade do anunciado, anuiu.

168. Mediante indicação do arguido, NN deslocou-se ao ATM localizado na Rua ..., em ....

169. Ali, entre as 12h00 e as 12h42, sempre por indicação telefónica do arguido AA, NN introduziu o seu cartão de multibanco associado à conta n.º ...00, por si titulada, da Caixa Geral de Depósitos (CGD), selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...77 (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele.

170. Desta forma, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário associado à conta n.º º ...00, na aplicação mbway por si instalada no número ...77.

171. De seguida, através da aplicação, o arguido ordenou uma “transferência mbway” de €40,00, do referido telemóvel, associado à referida conta de NN, para o número ...77, associada à conta do Banco CTT com o n.º ...24, por si titulada e exclusivamente movimentada.

172. O arguido AA recebeu ali na sua conta aquele montante de €40,00, fazendo-o seu.

173. Ainda, naquele dia, na Avenida ... em ..., no posto de combustível ali localizado, na posse daquele montante, com o cartão de multibanco n.º ...66 associado à referida conta do Banco CTT, efetuou um pagamento de €6,40.

174. E, pelas 19h57:26, na Avenida ..., ..., de igual modo, efetuou um levantamento de €30,00.

175. Fê-lo sempre sem autorização de NN e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia.

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PARTE TREZE - ANEXO IX (847/20…)

176. No dia 5-5-2020, antes das 19h00, através de telemóvel não concretamente apurado, o arguido AA contactou o filho de OO, então menor de idade, para o telemóvel deste.

177. Neste âmbito, mostrou-se interessado na aquisição de uns produtos que esta tinha colocado para venda no site ... e disse-lhe que os pretendia adquirir pelo preço anunciado,

178. O que o filho de OO aceitou.

179. Ato contínuo, o arguido AA propôs-lhe que o pagamento fosse realizado através da aplicação MBWAY, assegurando-lhe que era uma forma de pagamento segura e que, se seguisse as suas indicações, receberia a quantia, de imediato, bastando para tanto se deslocar a um ATM (caixa automática de multibanco).

180. Tendo conhecimento do que se passava e dessa sugestão, OO, convencida da bondade do anunciado, anuiu.

181. Mediante indicação do arguido, OO deslocou-se a um ATM do Banco Santander Totta localizado em ....

182. Ali, entre as 18h50 e as 19h02, aquela introduziu o seu cartão de multibanco nº ...12, por si titulado, do Novo Banco, e, sempre por indicação daquele arguido, selecionou a opção adesão mbway, introduziu ali o número ...41- (ao invés do número de telemóvel do ofendido enquanto utilizador da aplicação) e apôs um código de 6 dígitos, indicado por aquele,

183. Deste modo, entre as 18h56 e as 19h11, o arguido AA logrou ativar o serviço de mbway do referido cartão bancário associado à conta n.º ...42, na aplicação mbway instalada por si no número ...41.

184. E, no referido telemóvel, com a referida aplicação, de forma consecutiva, o arguido ordenou 10 levantamentos por mbway, no valor total de €310,00, obtendo os respetivos códigos.

185. Naquele período, na Avenida ..., ..., no ATM ali instalado no posto de combustível da ..., através daqueles códigos, o arguido efetivou todos aqueles levantamentos.

186. E, deste modo, alcançou os referidos €310,00 em numerário, fazendo-os seus.

187. Fê-lo sem autorização de OO e nunca mais se mostrou contactável ou lhe devolveu qualquer quantia, até à junção aos autos do acordo de confissão de dívida e de desistência de queixa datado de 17.12.2021.

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188. Ao praticar os factos acima descritos de 1 a 187, o arguido AA agiu sempre com o propósito concretizado de aceder informaticamente às respetivas contas bancária de todas aquelas 12 pessoas, acima identificadas, tomando conhecimento da totalidade dos dados das mesmas, não obstante saber que não estava autorizado a fazê-lo por aqueles e que acedia a dados sigilosos e legalmente protegidos.

189. O arguido quis interferir no sistema de pagamento da SIBS e no sistema informático interbancário regulado pelo Estado, através do Banco de Portugal, não só, associando, com a introdução de dados, os respetivos cartões SIM por si detidos às contas bancárias daqueles ofendidos, provocando ordens de ativação de serviços bancários não genuínas, como também, desejou manipular os dados para criação de levantamentos e transferências que sabia serem aptos a “enganar” o sistema informático, criando a convicção junto dos seus responsáveis e utilizadores que as mesmas haviam sido ordenadas ou consentidas pelos respetivos titulares das respetivas contas bancárias, o que sabia ser falso.

190. O arguido AA nunca quis comprar qualquer produto a cada uma daquelas pessoas, como bem sabia,

191. Da forma acima descrita, naquelas 12 ocasiões, o arguido quis sempre se locupletar com cada uma daquelas quantias pertencentes a cada uma das referidas 12 pessoas, acima identificadas, num total de € 7.840,00 (sete mil, oitocentos e quarenta euros), o que conseguiu, integrando-as no seu património.

192. Para tanto, quis simular interesse na compra dos referidos bens e convencer cada uma das 12 pessoas, acima identificadas, que o pagamento por si prometido seria feito por sistema mbway, o que sabia ser falso.

193. Sabia que tal enriquecimento era ilegítimo e cada uma das referidas pessoas, aqui ofendidas, desconhecia todo o conjunto de falsidades, por si organizado.

194. Deste modo, desejou provocar, assim, naquelas 12 pessoas, um prejuízo pelo menos de valor equivalente, contra a vontade de todos eles.

195. Em todas as descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas, acima elencadas, eram proibidas e punidas por lei penal.

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196. Consta no relatório social do arguido AA, junto em 15.11.2021, que:

- Encontra-se no Estabelecimento Prisional ... desde 07/06/2021. Em termos comportamentais, o arguido tem mantido conduta de acordo com as normas institucionais, não apresentando registo de infrações disciplinares. Não se encontra ainda inserido em atividades estruturadas de carater laboral ou formativo por tal não ter ainda sido possível.

- O arguido encontra-se a ser acompanhado pelos serviços clínicos do Estabelecimento Prisional, beneficiando de consulta de psicologia. Tem ainda acompanhamento por parte de Técnica do Centro de Respostas Integradas de ..., que se desloca ao E.P. e está inserido no programa de substituição de opiáceos (toma de metadona), referindo encontrar-se abstinente desde que se encontra recluído.

- AA tem recebido visitas regulares dos elementos do seu agregado familiar, nomeadamente de BB (coarguida no presente processo), sua companheira e os filhos de ambos.

- Demonstrou algumas competências pessoais, denotando capacidades de pensamento consequencial.

- Anteriormente à prisão, o arguido vivia com a companheira e as três filhas menores do casal (as duas mais velhas, de 18 e 16 anos de idade, já constituíram agregados familiares autónomos), num bairro degradado conhecido pela existência de diversas problemáticas sociais. A companheira, encontrava-se, então, grávida do sexto filho comum, nascido a .../.../2021. A estrutura espacial do bairro é constituída por imóveis bastante antigos e algumas barracas, onde residem diversos familiares do arguido, o que proporciona ao agregado uma dinâmica de interação em ambiente de família alargada.

- AA não desenvolvia qualquer atividade estruturada, referindo vender, às vezes, alguns artigos de vestuário em feiras e mercados da região.

- É descrito um relacionamento afetuoso entre os elementos do agregado familiar, sendo evidentes vínculos afetivos significativos.

- A nível económico a estrutura familiar assenta no rendimento social de inserção no valor de cerca de €450,00 e nas prestações familiares a crianças e jovens relativas aos elementos menores do agregado, no montante de cerca de €320,00, afirmando a companheira do arguido que, apesar das dificuldades, não se encontram em causa as necessidades básicas do agregado.

- Não lhe eram conhecidas atividades de lazer estruturadas, sendo o arguido conhecido na comunidade pelo seu consumo de substâncias estupefacientes. À data, AA tomava metadona diariamente, sendo acompanhado pela Equipa de Tratamento de ..., do Centro de Respostas Integradas de .... Na altura, não frequentava as consultas naquele organismo, situação que justifica com a situação pandémica do país, afirmando ter ocorrido uma recaída no consumo.

- AA é oriundo de um agregado em que os pais eram toxicodependentes, apresentando o pai diversos contactos com o sistema de justiça.

- Dadas as frequentes ausências dos progenitores do meio familiar (a mãe abandonou o agregado quando o arguido tinha cerca de sete anos e o pai faleceu contava ele cerca de 13/14 anos), cresceu integrado numa dinâmica de família alargada, em que a avó desempenhou o principal papel de referência no seu processo educativo.

- No início da adolescência, AA foi protagonizando um quotidiano de maior autonomia, tendo acabado por se envolver no consumo de estupefacientes.

- Apresenta um percurso escolar caracterizado por falta de motivação, referindo ter concluído o 9º ano de escolaridade durante o cumprimento de pena privativa de liberdade.

- A nível profissional, refere ter trabalhado apenas na venda ambulante de artigos de vestuário, atividade exercida de forma irregular.

- Estabeleceu, com cerca de 17 anos, uma relação afetiva com atual companheira e o casal tem seis filhos comuns.

- Em reclusão continua a beneficiar do apoio da família alargada e da companheira que o visita regularmente e que apresenta disponibilidade para o continuar a acolher e apoiar.

197. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 8201/01.... e transitada em julgado a 20 de março de 2002, AA foi condenado pela prática, em 29 de setembro de 2001, de um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €3,00 (três euros).

198. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 255/02.... e transitada em julgado a 7 de outubro de 2002, AA foi condenado pela prática, em 19 de setembro de 2002, de um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de €2,00 (dois euros).

199. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 135/05.... e transitada em julgado a 20 de maio de 2005, AA foi condenado pela prática, em 5 de maio de 2005, de um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, sob a condição do arguido continuar o tratamento relativo à sua toxicodependência.

200. Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 315/02.... e transitada em julgado a 20 de maio de 2005, AA foi condenado pela prática, em 1 de julho de 2005, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º do Código Penal, dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.º do Código Penal, e um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena única, em cúmulo jurídico, de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e à condição do arguido se sujeitar a tratamento médico.

201. Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 385/04.... e transitada em julgado a 29 de janeiro de 2007, AA foi condenado pela prática, em 17 de agosto de 2004, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

202. Por acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo n.º 342/04.... e transitada em julgado a 1 de junho de 2007, AA foi condenado pela prática, em 13 de março de 2006, de dois crimes de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º do Código Penal, um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal, e um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena única, em cúmulo com as citadas penas dos processos 135/05, 315/02 e 385/04, de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. 203. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 952/06.... e transitada em julgado a 20 de maio de 2005, AA foi condenado pela prática, em 13 de maio de 2008, de um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.

204. Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 190/12.... e transitada em julgado a 30 de outubro de 2013, AA foi condenado pela prática, em maio de 2012, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º do Código Penal, e um de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena única, em cúmulo jurídico, de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 205. Consta no relatório social da arguida BB, junto em

05.11.2021, que:

- BB, natural de ... - ..., é a 1ª filha numa fratria de 7 filhos, de um casal de etnia ... que se dedicava a atividades rurais por conta de outrem e à atividade de feirante.

- As condições económicas eram suficientes para satisfazer as necessidades básicas dos vários elementos constitutivos do agregado, percecionando e avaliando o seu desenvolvimento integrado num contexto familiar funcional, normativo, protetor e afetivo.

A primeira infância foi passada junto da avó paterna (onde os pais também residiam) que a criou e a colocou na escola com 6 anos tendo concluído o 1.º ciclo do ensino básico. A arguida revelou interesse pelos estudos sendo avaliada como um elemento que se adaptou ao estabelecimento de ensino, cooperante e respeitador.

- Aos 16 anos de idade foi viver maritalmente/união de facto com o atual companheiro, pai dos seus cinco filhos, para a localidade de ... onde reside a tia-avó (D. PP que sempre criou e cuidou do seu companheiro, presentemente em prisão preventiva), tendo iniciado atividade profissional como feirante, mas de modo irregular/pontual já que nessa época o companheiro exercia atividade profissional numa panificação/padaria.

- Em 2011/2012, sensivelmente, durante um período de sete meses viveu com o filho no agregado familiar dos progenitores, em ....

- Há cerca de oito anos regressou novamente à sua residência, em ....

- A habitação, casa térrea, de construção antiga, pertencente à ..., de tipologia ... reúne condições mínimas de habitabilidade e de conforto.

- O agregado familiar na atualidade é constituído pela arguida e pelos cinco filhos, menores de idade, já que o companheiro está em prisão preventiva no âmbito do mesmo processo judicial.

- A residência situa-se em zona urbana, numa artéria calma e pacata sem indicadores de problemáticas de marginalidade e/ou de delinquência expressivos e/ou significantes.

- A arguida é bem aceite pela população vizinha avaliando-a como uma pessoa pacífica, generosa, extrovertida e sociável e verificando-se espírito de entreajuda e de solidariedade.

- A sua subsistência é assegurada pelos abonos de família no valor de aproximadamente €150,00 e pelo Rendimento Social de Inserção – RSI no valor mensal de €450,00. Este agregado é ajudado pelo Banco Alimentar (duas vezes por ano) e pela tia-avó permitindo que as necessidades básicas dos elementos constitutivos do agregado estejam asseguradas.

- O ambiente familiar é tendencialmente harmonioso e equilibrado com manifestações de afetividade, coesão e sentimentos de pertença. A tia-avó continua a ser uma figura familiar de referência primordial para a estabilidade do agregado nos vários domínios. O seu quotidiano é, por norma, passado em casa dedicando-se às tarefas domésticas e educacionais.

- Aparenta ser uma pessoa sensível, respeitadora, educada, pacífica e conciliadora.

206. A arguida BB foi condenada, no seio do PCC 97/11…, por acórdão de 24.03.2014, transitado em julgado em 05.05.2014, pela prática, em 07.01.2011, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 25º, nº 1, al. a), do DL 15/93, de 22.01, na pena de 2 nos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova, posteriormente extinta nos termos do artº 57º do CP.

2.2. Matéria de facto não provada

De entre os factos alegados na douta acusação, não se provou, desde logo, a matéria elencada na parte dois – anexo 1 (130/20…).

Também não se provou que, na matéria da parte 10, anexo VI, a arguida BB tenha presenciado e dado o seu aval quando o arguido AA contactou telefonicamente LL; que tenha decidido e acordado com o arguido em efetuarem as transferências das quantias obtidas ilicitamente para a sua conta do Banco CTT; que, ao fazer levantamentos dessa conta, soubesse que as quantias existentes tinham origem em factos ilícitos, designadamente praticados através do mbway ou por outra via, e que tenha repartido o dinheiro que levantou no dia 30.03.2020 com o arguido.

Não se provou, em suma, que a arguida estivesse conluiada com o seu companheiro e que soubesse sequer que este tinha obtido quantias em dinheiro de modo ilícito, tendo participado na execução de um acordo comum.

E não se provou, consequentemente, o ponto 11 da acusação: «os arguidos acordaram com BB colaboraria com AA sempre que este o solicitasse, nomeadamente disponibilizando-se para receber e levantar quantias indevidamente obtidas pelo referido arguido, permitindo assim converter as vantagens obtidas em numerário e, desse modo, ocultar a prática dos factos por aquele e impedir que as autoridades policiais e judiciárias as recuperassem».

Não se provou outrossim que:

Entre 6-1-2020 e 5-5-2020, o arguido garantiu o seu sustento e o do seu agregado familiar com a prática dos factos acima discriminados, fazendo daquela atividade modo de vida.

Naquele período, o arguido não desenvolveu qualquer atividade profissional.

O arguido AA quis recorrer a conta bancária titulada pelo seu irmão para transferir e alcançar, em dinheiro, as referidas vantagens por si alcançadas à custa dos respetivos titulares das mesmas e, desse modo, ocultar a sua autoria dos factos.

Ambos os arguidos agiram em permanente comunhão de esforços e intentos, sabendo que, ao facultarem a conta de BB - do Banco CTT- para receber e converter, em numerário, as referidas quantias obtidas pelo arguido AA à custa de LL - dando a essas quantias a aparência de licitude - estavam a introduzir na economia legal quantias monetárias provenientes de práticas ilícitas e a colocar em causa a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, conformando-se com tal resultado,

Quiseram, assim, sempre, introduzir na economia legal quantias monetárias que sabiam serem provenientes de práticas ilícitas cometidas pelo arguido AA, conformando-se com tal resultado, impossibilitando que aquele fosse identificado e que as referidas quantias fossem apreendidas, dificultando a ação da justiça.

A arguida BB quis ainda auxiliar o arguido na prática daqueles factos, sabendo que agia contra a vontade de LL, uma vez que não estavam autorizados a dispor dos dados introduzidos e as referidas quantias não lhes pertenciam.

 

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II.2. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator: Raúl Borges).

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II.2.1. Alega o recorrente, em síntese, que não se pode conformar com a qualificação jurídica dos factos e com a pena que concretamente lhe foi aplicada. Entende que deveria apenas ter sido condenado pela prática de um crime de burla informática na forma continuada, e um crime de falsidade informática na forma continuada. Por outro lado, e ainda que, assim não se entenda, alega o recorrente que a pena aplicada é manifestamente excessiva, tendo em conta os concretos factos valorados como provados, e o grau de culpa do arguido, pelo que a pena a aplicar deverá ser sempre igual ou inferior a 5 anos de prisão, e suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de continuar a efetuar o pagamento às vítimas.

Atendendo às respetivas conclusões da motivação do recurso, suscitam-se as questões a seguir indicadas:

- Se no caso se verifica uma continuação criminosa;

- Medida concreta da pena única;

- Suspensão da execução da pena de prisão.

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 II.3. Quanto ao crime continuado:

Considera o recorrente que a decisão recorrida violou o artigo 30.º n.º 2 do Código Penal ao não decidir condenar o ora recorrente na prática de apenas um crime de burla informática, e um crime de falsidade informática, pois que atendendo-se ao número 2 do artigo 30.º do Código Penal, e confrontando-se com os factos dados como provados, verifica-se, que os referidos 6 crimes de burla informática, bem como os 12 crimes de falsidade informática foram cometidos, existindo efectivamente uma resolução plúrima do mesmo tipo de crime e que protege um bem jurídico patrimonial (…) existiu efectivamente uma execução de forma homogénea (no mesmo quadro factual e temporal, de forma sucessiva).

Para tanto, alega que da matéria fáctica provada resulta que os factos foram cometidos no mesmo período temporal, o modus operandi foi sempre o mesmo, a resolução criminosa foi apenas uma única. O facto de o arguido ter abordado várias vítimas é irrelevante, pois a forma como agiu foi sempre a mesma, dentro de um mesmo determinado período, e na sequência de uma única resolução criminosa. Assim, da matéria de facto provada resulta, efectivamente, configurada a actuação do arguido no "quadro da solicitação de uma mesma situação exterior", que lhe tenha propiciado e facilitado a repetição das suas acções. O que se alcança da matéria provada é que o arguido concebeu um esquema para cometer múltiplos crimes e procurou os meios aptos para os levar a cabo, não tendo deparado "com uma situação exterior" que o tenha levado a repetir a sua actuação, por esta se mostrar facilitada. Sendo, in casu, suficiente a utilização de um mesmo cenário ou plano de actuação, ou ainda como no caso dos autos a prática do mesmo tipo de crime, durante um determinado período em que se verifica até uma certa proximidade e continuidade temporal entre os factos praticados pelo ora recorrente. Entende o recorrente que se trata de uma mesma resolução criminosa, de através do plano que traçou, o arguido com a aparência de que pretendia comprar bens que se encontravam à venda, e assim, conseguir obter proveitos que lhe permitiram sustentar o seu modo de vida, pelo que deve o arguido ser apenas condenado pela prática de um crime de burla informática na forma continuada e na prática de um crime de falsidade informática na forma continuada.

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II.3.1. A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», constitui, na definição do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, um crime continuado.
A consideração como um só crime das condutas que realizem, de modo plural, um tipo de crime, e que, por isso, seriam naturalisticamente tratadas como pluralidade de infracções, procura responder a exigências de justiça e de economia processual, mas supõe, no plano das valorações, uma gravidade diminuída da actuação e um menor - consideravelmente menor - grau de culpa do agente. A definição de crime continuado, que condensa o resultado de elaborado trabalho dogmático, revela uma construção teleológica do conceito.
A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.
Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções, Livraria Atlântida, Coimbra, 1945, pág. 338.
O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967 (e 1996), págs. 246 e ss., refere quatro exemplos de situações exteriores, que preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, seriam susceptíveis de diminuir consideravelmente o grau de culpa do agente [1], e que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber:

a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, de acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;

b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;

c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;

d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.

Para o Autor, Direito Criminal, II, pág. 209, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

É a diminuição considerável do grau de culpa do agente que constitui a ideia fundamental que legitima, em última instância, o funcionamento do instituto do crime continuado[2].

Segundo Cavaleiro Ferreira, Lições, II, pág. 162, o crime continuado é uma excepção ao concurso de crimes “uma forma de concurso de crimes que revela uma muito menor gravidade da culpa”.

Para Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 296, são a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado e justificam subtracção às regras da pena conjunta do concurso.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137, nota 20 (e 2010, pág. 159), o crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa. E, “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca.”.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva em “Direito Penal Português, Parte Geral – II Teoria do Crime”, Verbo, 1998, págs 315 e ss, que “(...) O crime continuado distingue-se do concurso real de crimes apenas em razão dos elementos aglutinadores que a lei prevê: unidade do bem jurídico protegido, execução por forma essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação exterior.

(...) No crime continuado não há apenas uma resolução criminosa, mas tantas resoluções quantas as condutas que o integram, de tal modo que cada conduta parcelar constitui materialmente um crime autónomo, apenas unificado para efeitos punitivos e de sorte que a não verificação de um dos pressupostos que determinam a unificação se verificará uma pluralidade de crimes em concurso real.

(...) O elemento verdadeiramente determinante do conceito de crime continuado é a diminuição considerável da culpa do agente no caso concreto, determinada pela disposição exterior das coisas para o facto (...)”.
«Para que se possa considerar a existência de um crime continuado, há, assim, que apurar se a actuação do agente se traduz numa pluralidade de actos de execução de um mesmo tipo legal, em que se verifique uma homogeneidade do modo de comissão, que conforma como que um “dolo continuado”; apresenta-se como um «fracasso psíquico», sempre homogéneo, do agente perante a mesma situação de facto, suposto, porém, que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis, e que por essa fragilidade facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime (cfr., Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, trad. da 5ª edição, 2002, pág. 771-772)[3].
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II.3.2. No caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou.
Por isso, afigura-se-nos destituída de fundamento a pretensão do recorrente, de que cometeu um único crime de falsidade informática e um único crime de burla informática porque, perante os factos provados, houve, no seu entender, uma só resolução criminosa, na medida em que foram cometidos no mesmo período temporal, o modus operandi foi sempre o mesmo, e o facto de o arguido ter abordado várias vítimas é irrelevante, pois a forma como agiu foi sempre a mesma, dentro de um mesmo determinado período, e na sequência de uma única resolução criminosa.
É certo que o tribunal colectivo deu como assente que o recorrente, em data anterior a 06.01.2020, gizou um plano com vista à apropriação ilegítima de quantias de dinheiro pertencentes a terceiros com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação (factos provados 9, 10 e 11).
Porém, e também ao contrário do que sustenta o Exm.º Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal, esse plano, só por si, não desvela a existência de uma única resolução criminosa que depois é executada ao longo de um período de 4 meses (entre 06.01.2020 e 05.05.2020), pelo que, no seu entendimento, o recorrente apenas tenha cometido um crime de falsidade informática (art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei 109/2009) e um crime de burla informática (art. 221.º, n.º 1, do CP).
Com efeito, para se afirmar a existência de uma unidade resolutiva «é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação». Haverá concurso (efectivo) de crimes «quando os factos se subsumem a crimes que protejam bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas»[4].
A resolução criminosa antecede a execução da respectiva acção ilícita.
Porém, não se confunda tal resolução com a eventual decisão tomada pelo arguido, a dado momento da sua vida, no sentido de gizar um plano com vista à apropriação ilegítima de quantias de dinheiro pertencentes a terceiros com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, à medida que as oportunidades criminosas fossem aparecendo.
Se alguém toma a resolução de passar o resto da vida a assaltar residências, fazendo disso modo de vida, não se pode concluir, por mais firme que seja a sua resolução, que todos os assaltos que fizer no futuro são a execução do mesmo único crime de furto. Tal entendimento afrontaria a parte final da norma do art. 30.º n.º 1 do Código Penal, nos termos da qual “o número de crimes determina-se (…) pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
É certo que a norma do art. 30.º n.º 1 do Código Penal perfilha um critério teleológico, mais do que naturalístico. Por exemplo, se alguém, para assaltar uma residência, tem de entrar lá três vezes, porque não consegue transportar duma só vez todos os bens, só comete um crime de furto e não três. Só houve uma resolução (a de assaltar a casa). Ou, se, para cometer uma burla, na mesma ocasião, preenche e entrega à vítima vários cheques falsos, também cometerá um só crime de falsificação de documento.
Porém a “resolução criminosa” pressupõe sempre a representação pelo agente dos factos concretos que vão ser praticados. Não se pode reduzir a um mero “projeto de vida”, que abranja de forma indistinta todos os factos criminosos, praticados em momentos indeterminados do futuro, à medida que as oportunidades criminosas forem aparecendo[5]
Uma coisa é enveredar, de forma consciente e a título duradouro, por um projeto que passará pela prática, regular, de crimes contra o património - sejam eles de burla, furto, roubo ou outros -, outra coisa é a decisão e subsequente planificação de determinado crime em concreto (no caso, de burla informática), que implica, nomeadamente, a escolha da vítima, o modo de abordagem, o esquema com que a mesma terá de ser convencida a usar a aplicação informática MBWAY, etc.
Ou seja, o que conta para a unificação da conduta criminosa do arguido, quando a mesma se desdobra em várias acções subsumíveis, cada uma delas, ao respectivo tipo legal, não é aquela primeira decisão, tomada em abstracto, de que vai passar a efectuar transferências de dinheiro da conta de terceiros associada à aplicação MBWAY, com recurso ao uso fraudulento da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação, mas sim a decisão de cometer determinado crime em concreto, em determinadas circunstâncias que pelo arguido foram concretamente ponderadas e analisadas e lhe permitiram passar à respectiva execução.
O que resulta da matéria de facto provada é que o arguido, ao longo de um período de 4 meses, enganou pelo menos uma dúzia de pessoas, convencendo-as a aderir ao serviço MB WAY, e associar a aplicação ao número de telemóvel dele, fixando um código PIN igualmente por ele definido e, na posse do número de telemóvel da vítima e do PIN, aceder ao cartão bancário e à conta bancária daquela e, por via do serviço MBWAY, poder ordenar movimentos bancários a partir da conta da vítima (transferências para outros cartões ou contas bancárias), ou pagamentos de compras e, ainda, efectuar levantamentos em numerário em caixas Multibanco, tendo as vítimas sido abordadas em momentos completamente distintos, por processos independentes e autónomos, invocando o arguido, em alguns casos, identidades diversas e sempre diferentes da sua, indicando números de telemóvel diferentes (e nunca o número de telemóvel do ofendido) onde recebia mensagem com os códigos de activação da aplicação MBWAY, indicando, ainda, um código de 6 dígitos, para definir o PIN MBWAY.
Embora as situações criminosas que ocorreram se tenham processado genericamente da mesma forma, aquele teve de escolher as suas vítimas em plataformas de venda online, procurando aí identificar pessoas que tenham disponibilizado objectos para venda, contactando-as telefonicamente, manifestando a vontade de comprar esses objectos e dispondo-se a pagar os mesmos de imediato, por via da aplicação MBWAY, de forma independente, em momentos distintos, em abordagens autónomas e com algumas variantes, não havendo qualquer ligação entre aquelas pessoas, tendo o cuidado de se certificar que cada uma das vítimas não era conhecedora deste processo de pagamento, (pois, caso contrário, o agente dos factos desliga logo a chamada, não voltando a estabelecer qualquer contacto), desenvolvendo, então, um processo ardiloso, conforme as circunstâncias, tendo em vista ter acesso à conta bancária da vítima, pelo que, nunca poderia haver uma única resolução que abarcasse todas as acções ilícitas descritas. Diferente seria a conclusão se todas as vítimas estivessem reunidas numa mesma sala e o arguido aproveitasse a oportunidade de estarem todas juntas para, de uma só vez, as enganasse e convencesse ao uso da aplicação informática MBWAY, aproveitando o desconhecimento dos ofendidos sobre o modo de funcionamento dessa aplicação, a fim de efectuarem transferências de dinheiro da conta de terceiros associada à aplicação MBWAY. Neste caso, sim, estaríamos perante uma só resolução criminosa, a que corresponderia um só crime de um crime de falsidade informática e um crime de burla informática 
Impõe-se, pois, a conclusão de que há tantas resoluções criminosas, quantas as aludidas acções ilícitas levadas a cabo pelo arguido, pois, todas elas tiveram lugar em situações históricas distintas, sendo de excluir a hipótese de estarmos perante uma única resolução criminosa.
Em conclusão, improcede a pretensão do recorrente de ser condenado pela prática de um único crime de falsidade informática e um crime de burla informática.   

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II.3.3. Por outro lado, também não vem provada a existência de qualquer circunstância exterior que motivasse o arguido a repetir a prática do crime, que fosse determinante para que o arguido continuasse na senda criminosa, e lhe diminuísse consideravelmente a culpa, ou seja que revele que a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários é possível formular.

Quanto ao requisito de os factos terem sido praticados no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa, entendemos que não se verifica.

Sobre este requisito pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 2ª Ed., pág. 162, afirmando:

 “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. É o que sucede quando o agente depara repetidamente com um meio facilitador da prática do crime, como uma janela ou uma porta aberta. Isto é quando a ocasião se proporciona e não quando ele activamente a provoca. No caso do agente provocar a repetição da ocasião criminosa, por exemplo, procurando de novo a vítima no local onde ela se encontra, não há diminuição sensível da culpa. Também não há diminuição sensível da culpa quando o agente engendra ou fabrica o meio apto para realizar o crime (…). Em todos estes casos a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.

Também afasta a culpa diminuta a circunstância de o agente ter sido advertido por algum órgão do estado ou particular durante a repetição dos factos, uma vez que ele não se deixou motivar pelos valores da ordem jurídica apesar de eles lhe terem sido lembrados.”

Este exemplo clarifica o presente caso para se concluir que inexiste a situação exterior que possa facilitar ou tivesse facilitado a execução dos crimes pelo arguido.

Na verdade, no caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou; embora decorrendo numa composição e num ambiente preparados pelo recorrente, as expressões de comportamentos sucessivamente renovados em relação a cada um dos ofendidos afastam a natureza exógena (situação externa favorável) das circunstâncias; bem diversamente, as condições em que o recorrente agiu não foram construídas nem se lhe apresentaram externamente, mas cada uma foi directamente criada pelo recorrente com a finalidade e intenção de praticar cada um do conjunto de actos em que se traduziu o «engano» dos ofendidos e as consequentes atribuições patrimoniais, traduzido no aproveitamento do desconhecimento que os ofendidos tinham do funcionamento do Mbway. 
Não concorrem, assim, os elementos essenciais da construção do crime continuado.
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II.4. Quanto à medida concreta da pena.

II.4.1. O recorrente não se conforma com a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, que lhe foi aplicada, por entender ser manifestamente excessiva tendo em conta o seu grau de culpa, que o arguido celebrou acordo de pagamento com seis das vítimas, as quais vieram a desistir das respectivas queixas, desistências que foram homologadas pelo Tribunal a quo e que se encontra a pagar escrupulosamente os respectivos acordos, que são a maior manifestação de arrependimento e assunção da culpa que o arguido poderia ter, visto que é com enorme sacrifício que se encontra a efectuar os pagamentos. Não obstante os seus antecedentes criminais, a verdade é que o arguido está a reparar as vítimas, entendendo que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos, esta não poderá ser em caso algum superior a 5 anos de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução, sujeita à condição do arguido continuar a pagar até ao final todos os acordos de pagamento que celebrou com as vítimas e se mostram juntos aos autos.
*
II.4.2. A esse propósito escreveu-se no acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de ... Juízo Central Criminal de ... - Juiz 3, sob recurso (ainda que quanto às penas individuais e única):

Cumpre, portanto, proceder à determinação da medida da pena dentro das molduras penais abstratas cominadas para os presentes ilícitos, nos termos supra referidos.

Do princípio da dignidade da pessoa humana, de que decorre o princípio da culpa (patente nos arts. 1.º, 13.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da CRP), conjugado com o art. 18.º, n.º 2, do texto constitucional, resulta que apenas razões de prevenção geral (i. e., integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação normativa) podem justificar o desencadear de reações criminais. Por seu turno, há que fazer igualmente apelo a critérios de prevenção especial, i. e., de integração social ou socialização, também eles decorrendo da ideia de Estado de Direito material.

Destas considerações deriva que, para a determinação da medida concreta da pena, se tenham em conta, dentro dos limites abstratos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra os arguidos, fixando-se o limite máximo daquelas de acordo com a culpa destes; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham (art. 71.º, nº. 1 e n.º 2, do CP).

Assim, no caso em apreço, na pena a aplicar ao arguido ter-se-ão em conta os critérios determinativos constantes dos arts. 70.º e 71.º do CP, designadamente o grau de intensidade dos ilícitos penais praticados, considerando-se a respetiva natureza, o dolo do arguido na modalidade de dolo direto (art. 14.º, nº 1, do CP) e o valor das quantias de que o arguido se apropriou (e que correspondem ao prejuízo patrimonial de cada um dos ofendidos).

Ter-se-á presente o modo essencialmente homogéneo como os factos foram praticados, aproveitando o arguido o desconhecimento dos ofendidos acerca do funcionamento do mbway e a facilidade de os encontrar e ter acesso aos seus contactos através das plataformas de venda online.

Considerar-se-á outrossim o facto de o arguido ter já um leque considerável de antecedentes criminais, avultando a prática de crimes contra o património.

Haverá que atender, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, deponham a favor ou contra o arguido, ponderando-se a sua situação pessoal e familiar, mormente o apoio familiar que tem e o facto de ter feito acordos de pagamento com alguns lesados, pretendendo com isso ressarci-los do prejuízo causado.

Entende-se que a pena por cada um dos doze crimes de falsidade informática deverá ser idêntica, já que é similar o modo de execução.

No que respeita aos seis crimes de burla informática, ter-se-á presente os valores de que o arguido se apropriou em cada uma das situações, assim se distinguindo as penas parcelares. Ou seja, nas situações a que se referem as Parte V a VIII e X a XII da acusação, o prejuízo patrimonial dos ofendidos foi, respetivamente, de € 400,00, € 120,00, € 100,00, € 250,00, € 2.900,00 e € 40,00

Refira-se, a propósito do crime de burla informática, que, nos termos do art. 70.º do CP, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Porém, pese embora este crime de burla informática permita, em abstrato, a aplicação de pena de multa, entende o Tribunal Coletivo que a circunstância de o arguido AA ter já averbadas várias condenações no seu registo criminal, entre as quais pela prática de vários crimes contra o património, não permite que se considere que a aplicação de pena de multa realizaria, no caso concreto, e de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Afasta-se, assim, a aplicação da pena de multa.

Assim, julga-se adequado, em função dos citados critérios de prevenção e de retribuição, condenar o arguido por cada um dos doze crimes de falsidade informática, na pena de 2 anos de prisão.

Relativamente aos crimes de burla informática, ponderando o valor do prejuízo causado por cada resolução criminosa, entende o Tribunal Coletivo ser adequado que se condene o arguido nas seguintes penas parcelares, respeitantes aos factos a que se referem as seguintes partes da acusação.

- parte V – 8 meses de prisão; - parte VI – 5 meses de prisão; - parte VII – 5 meses de prisão;

- parte VIII – 6 meses de prisão; - parte X – 1 ano de prisão;

- parte XII – 4 meses de prisão;

Uma vez que os crimes se encontram numa relação de concurso efetivo, haverá que fixar uma pena única, para o que relevam os factos e a personalidade de cada arguido (art. 77.º do CP).

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, sem poder porém exceder 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias, se estivermos perante pena de multa; se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos para a punição do concurso (referido artigo 77.º).

No caso concreto, o limite mínimo é de 2 anos de prisão e o limite máximo de 25 anos de prisão (já que a soma das penas concretas é de 27 anos e 4 meses).

Assim, considerando:

- a gravidade dos ilícitos, o valor dos prejuízos causados aos ofendidos e a forma homogénea da execução dos crimes;

- o facto de o arguido ter apoio familiar;

- os antecedentes criminais do arguido (sendo a última condenação averbada do ano de 2013) e o facto de, em julgamento, o arguido não ter demonstrado qualquer contrição pelos factos que praticou, tem-se por adequado fixar a pena única do arguido em 5 anos e 9 meses de prisão.

Essa pena não admite suspensão da sua execução – artº 50.º do CP.

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II.4.3. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente   (n.º 1).

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas (n.º 2, artigo 77.º Código Penal).

No presente caso, o limite mínimo é de 2 anos de prisão e o limite máximo de 25 anos de prisão (já que a soma das penas concretas é de 27 anos e 4 meses).

Estabelecida a moldura penal do concurso a medida da pena única deverá ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente – Cfr., J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421, p. 290 a 292).

Conforme ensina o citado Professor, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77.º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares»[6], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

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II.4.4. Na consideração dos factos, deverá ser considerado o conjunto factual na sua globalidade (de modo a descortinar as possíveis conexões entre eles), bem como a personalidade do arguido, a fim de se avaliar criticamente a pena única que lhe foi atribuída.

Será no âmbito daquela moldura penal e de acordo com a personalidade do agente, procedendo a uma análise global dos factos e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, que deverá ser determinada a pena única conjunta a aplicar ao arguido.

Na avaliação da personalidade, ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade, sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade.

Analisando a decisão sob recurso no que respeita à justificação dada para a referida pena única aplicada ao arguido/recorrente, verificamos que o tribunal recorrido teve presente o modo essencialmente homogéneo como os factos foram praticados, aproveitando o arguido o desconhecimento dos ofendidos acerca do funcionamento do MBWAY e a facilidade de os encontrar e ter acesso aos seus contactos através das plataformas de venda online.
Considerar-se-á outrossim o facto de o arguido ter já um leque considerável de antecedentes criminais, avultando a prática de crimes contra o património.

O recorrente revela uma personalidade com relativa propensão para a prática de crimes contra o património, apontando para características de alguma habitualidade, com reflexos na persistência de crimes contra o património através de artifícios e engano de idêntica natureza.
Considerando a homogeneidade e a proximidade temporal dos crimes contra o património, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela construção artificiosa da ambiência dos enganos, certificando-se do desconhecimento dos ofendidos acerca do funcionamento do mbway, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto com o sistema penal por factos da mesma natureza, concluímos, sem dificuldade, que as finalidades de prevenção especial são muito acentuadas, como revelam as condenações anteriores, dispondo o arguido de um leque considerável de antecedentes criminais, avultando a prática de crimes contra o património, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.
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II.4.5. Assim, tudo ponderado, tendo presente a gravidade dos crimes, no que tange ao concreto contexto em que os factos foram praticados, que fornecem a imagem global de uma atitude significativamente desconforme ao direito, com persistência de crimes contra o património, a revelar a clara incapacidade do arguido em interiorizar a ilicitude da sua conduta, não tendo demonstrado qualquer contrição pelos factos que praticou, e tendo ainda presente a moldura penal abstracta a considerar para a fixação da pena única, a qual se baliza entre os 2 anos de prisão, correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas, e o limite máximo de 25 anos de prisão (já que a soma das penas concretas é de 27 anos e 4 meses), consideramos perfeitamente adequada, ajustada e equilibrada a pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, que o tribunal a quo tinha fixado, que assim será mantida.

*

Fixada em 5 anos e 9 meses de prisão a pena concreta do concurso, nos termos expostos, excluída se mostra a aplicabilidade de pena de substituição, designadamente a suspensão da sua execução, nos termos do artigo 50.º n.º 1 do C.P

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III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC`s.

Lisboa, 9 de Junho de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro

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[1] Reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, II, com a colaboração de Figueiredo Dias, Almedina, 1965, pá. 210, e Reimpressão, Almedina, 1968 – 1971, pág. 210.
[2]  Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 210 e ss., e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra, 1976, págs. 122 e ss.
[3] Acórdão do STJ de 17/04/2013, proc. 700/01.8JFLSB.C1.S1, 3ª Secção, Relator: Henriques Gaspar
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, pag. 136, anotações 14 e 15
[5] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/07/2013, proc. 1239/04.5TABRG.G1.
[6] Cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1.