Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/20.9YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: HEBRIQUE ARAÚJO
Descritores: DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
JUIZ PRESIDENTE
AJUDAS DE CUSTO
DESPESAS DE DESLOCAÇÃO
RESTITUIÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Ao procedimento oficioso para reposição de quantias pecuniárias indevidamente recebidas por agentes públicos, aplica-se o prazo de caducidade de cinco anos previsto no art. 40.º, n.º 3, do RAFE, e não o prazo estabelecido no art. 128.º, n.º 6, do CPA.
II – Não ocorre violação do direito de audiência prévia, baseada em nova fundamentação jurídica, quando a fundamentação da deliberação subsequente a acórdão anulatório incorpora preceito legal orientado para a decisão da concreta questão previamente colocada pelo interessado.
III - No âmbito da atividade administrativa são pressupostos da tutela da confiança: a) um comportamento gerador de confiança; b) a existência de uma situação de confiança; c) a efetivação de um investimento de confiança; d) o nexo causal entre a situação de confiança e o investimento de confiança; e) a frustração da confiança por parte de quem a gerou.
IV - Para que uma situação de tutela de confiança releve juridicamente é necessário que se esteja perante uma confiança "legítima", o que pressupõe a sua adequação ao direito, não podendo invocar-se a violação do referido princípio quando o mesmo radique num ato anterior ilegal, e essa ilegalidade seja percetível e não contestada por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio.
V - A ação impugnatória de uma deliberação do Plenário do CSM é de mera legalidade, e não de jurisdição plena, o que implica que o recorrente apenas pode peticionar ao STJ a sua declaração de nulidade ou anulação, ficando, por isso, excluída a possibilidade de ser peticionado direito a indemnização baseado no art. 168.º, n.º 6, do CPA.
Decisão Texto Integral:

PROC. N.º 17/20.9YFLSB

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ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO DO

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

AA propôs ação administrativa de impugnação da deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 02.06.2020, que considerou improcedente a reclamação que apresentara e, em consequência, manteve o despacho de 06.09.2017 do Ex.º Senhor Vice-Presidente do CSM, no qual se determinava a reposição da quantia de 13.461,97 € referente a ajudas de custo e transportes.

Pede que seja declarada a caducidade do procedimento administrativo, sobre o qual recaiu a deliberação impugnada, e, caso assim não se entenda, que a deliberação do CSM seja declarada nula ou anulada, nos termos dos artigos 161º e 163º do CPA, por falta de audiência prévia, por vício na fundamentação, por violação do princípio da confiança, e por violação do disposto no artigo 40º, n.º 1, do Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) quanto à prescrição parcial das quantias a devolver.

Para o caso de assim não se entender, pede o demandante que lhe seja atribuído o direito a uma indemnização nunca inferior a 5.000 €, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 168º do CPA, pelos danos anormais sofridos em consequência da anulação do ato da DGAJ que lhe havia atribuído e reconhecido o direito a ajudas de custo e transporte em causa.

Na resposta, o Conselho Superior da Magistratura defendeu a improcedência da ação.

Foi proferido despacho a dispensar a audiência prévia.

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II.     FUNDAMENTAÇÃO

Mostram-se provados os seguintes factos:

1. O demandante foi nomeado para o exercício de funções de Juiz Presidente da Comarca ….., em comissão de serviço, mediante deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada na sessão extraordinária de 27.05.2014 (doc. 1 da contestação)

2. Em 09.06.2014 o demandante tomou posse no cargo de Juiz Presidente (doc. 2 da contestação)

3. Posteriormente, por requerimento dirigido ao CSM, o demandante solicitou autorização, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), para residir na comarca ….., com efeitos à data da tomada de posse, mais informando que dista cerca de 40 km entre o Tribunal onde exerce funções e a sua residência, efetuando o respetivo percurso quase exclusivamente por autoestrada, com a duração média de 30 minutos (doc. 3 da contestação).

4. Tal requerimento mereceu autorização, em 27.02.2015, mediante despacho do então Vice-Presidente do CSM (doc. 4 da contestação)

5. Por deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 04.04.2017, foi renovada a comissão de serviço do demandante, como Juiz Presidente do Tribunal da Comarca …. (doc. 5. da contestação).

6. Em 16.09.2015, foi celebrado um Protocolo entre o Ministério da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura e os Tribunais da Relação, com vista a regular a competência para o processamento das remunerações e outros suplementos remuneratórios aos magistrados judiciais de 1.ª instância no decurso do ano de 2015 e até à data da entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2016, bem como a transferência dessas competências do Ministério da Justiça e dos Tribunais da Relação para o Conselho Superior da Magistratura. (doc. 6 da contestação)

7. Nos termos desse protocolo, o CSM exerceria as competências que lhe estão conferidas pela Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, relativas ao processamento e pagamento das remunerações dos magistrados judiciais afetos aos tribunais de 1.ª Instância a partir da data da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2016 (doc. 6 da contestação)

8. Em 18.11.2016 foi celebrado um Protocolo entre o Conselho Superior da Magistratura, o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais da Relação, com vista a determinar as tarefas administrativas a executar pelos vários Tribunais da Relação, no que concerne ao processamento das remunerações e outros abonos relativos aos juízes de 1.ª instância que exerçam funções nas comarcas da área de jurisdição do respetivo Tribunal da Relação, e a regular a forma de processamento do pagamento do subsídio de compensação aos juízes dos tribunais superiores da ordem judicial (doc. 6 da contestação)

9. Na decorrência desse Protocolo ficou delineado que, na primeira fase de implementação do pagamento das remunerações dos magistrados judiciais de 1.ª instância por parte do Conselho Superior da Magistratura, visava-se, essencialmente, que este assumisse as tarefas que ainda estavam cometidas à Direcção-Geral da Administração da Justiça (doc. 6 da contestação).

10. Por via do referido Protocolo de 18.11.2016, consignou-se que, a partir de 1 de Janeiro de 2017, o Conselho Superior da Magistratura assumiria o pagamento das remunerações e outros abonos aos magistrados judiciais de 1.ª instância, mantendo para o efeito a colaboração dos Tribunais da Relação na preparação e envio da informação necessária a tal finalidade (doc. 6 da contestação)

11. Ao demandante foram pagas, entre outras, a quantia global de 13.461,97 € referentes a ajudas de custo, no valor de 3.886,26 €, e de transporte, no valor de 9.575,71 €, correspondentes ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016.

12. Tais pagamentos foram realizados na sequência do envio, pelo demandante, dos correspondentes boletins itinerários ao Tribunal da Relação …… que os validava e remetia à Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), que efetuou o respetivo pagamento.

13. Por ofício de 05.01.2017, o Tribunal da Relação ….. remeteu ao Conselho Superior da Magistratura, que os recebeu, os boletins itinerários relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2016 apresentados pelo ora demandante, em que este solicitava o pagamento de ajudas de custo diárias de deslocação entre o seu local de residência e Setúbal, local onde exercia funções como Juiz Presidente de Comarca (domicílio necessário), para além de outras deslocações em serviço na área da respetiva comarca e fora dela. Mais solicitava o pagamento dos quilómetros efetuados em viatura própria e portagens subjacentes a essas deslocações (doc. 7 da contestação).

14. A propósito daqueles boletins pronunciou-se o CSM através da Informação DSQMJ/2015, de 09.01.2017:

(…) Ora, a maioria das deslocações apresentadas nos referidos boletins itinerários são deslocações entre a residência do referido magistrado e o respetivo domicílio necessário e não deste para outro local em serviço.

Nestes casos entendemos que não há direito a ajudas de custo uma vez que não existe previsão legal para pagar ajudas de custo entre a residência e o local de trabalho ou domicílio necessário, mas tão somente para pagar deslocações em serviço entre o local de trabalho ou domicílio necessário e outro local que diste 20 ou 50 km conforme seja pagamento diário ou por dias sucessivos.

Quanto ao pagamento solicitado de despesas de transporte em viatura própria entre a residência e o domicílio necessário, também entendemos não ser devido porque a autorização concedida aos senhores juízes presidentes de comarca para utilizarem viatura própria – Despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 03 de maio de 2016, publicado no DR n.º 98, de 20 de maio de 2016 – refere-se a deslocações em serviço do respetivo domicílio necessário para outro local e não para suportar as despesas de deslocação diária da residência para o local de trabalho.

A autorização para residir fora da comarca concedida por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura confere esse direito, ou seja, o direito a residir noutra comarca diferente, bem como o direito a utilizar transporte público regular entre a residência e o local de trabalho nos termos do art.º 17.º n.º 1 alínea c) do EMJ e não a utilizar viatura própria para o efeito.

Sugerimos a devolução dos boletins ao Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca …… para a devida correcção, dando-se conhecimento ao Tribunal da Relação ….. para efeitos de orientação no que respeita a procedimentos futuros e para eventuais reposições de montantes pagos indevidamente, com o mesmo fundamento, pelo Direção-Geral da Administração da Justiça.” (doc. 7 da contestação).

15. A referida Informação (DSQMJ/2015) mereceu despacho superior de concordância, de 09.01.2017, do Ex.º Juiz Secretário do CSM, nos seguintes termos: "Concordo com a informação infra, considerando que, de facto, nos termos do DL n.º 106/98, de 24/4, o elemento relevante para a consideração do eventual direito a ajudas de custo é o domicílio necessário (cfr. artigos 1.°, n.º 1, 2.º, 6.º e 7.º). Para apreciação e decisão apresente a sua Excelência, o Senhor Vice-Presidente". (doc. 7 da contestação)

16. Em 09.01.2017 o Ex.º Senhor Vice-Presidente do CSM proferiu o despacho "Concordo", de que o demandante foi notificado.

17. Posteriormente foi elaborada pelo CSM a Informação DSQMJ/2017, datada de 04.07.2017, com o seguinte teor:

De acordo com a informação do Conselho Superior da Magistratura n° DSQMJ/2015, datada de 2017-01-09 (Anexo A1), no seguimento da resposta da DGAJ (Anexo B1), e na sequência do mapa com o cálculo montantes indevidamente abonados respeitantes a Ajudas de Custo e Transporte efetuado pelo Tribunal da Relação ...., conforme melhor se constata na informação anexa com os cálculos efetuados, verifica-se existir uma reposição a ser efetuada pelo Exmo Sr. Juiz Presidente da Comarca …… Dr. AA, a efetuar no montante de €: 3.886,26 relativa a Ajudas de Custo, e €: 9.575,71, relativa a transporte, perfazendo um total de €: 13.461,97 a repor.

Importa assim regularizar o pagamento indevido dos abonos referidos, sendo de solicitar ao Sr. Magistrado o pagamento do valor de 13.461,97 euros, através de transferência bancária, devendo para o efeito informar-se o respetivo IBAN/NIB do Conselho Superior da Magistratura.

Face ao exposto, e tendo presente o preceituado nos artigos 36º e 42º, do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, propõe-se superiormente:

A notificação do interessado, nos termos e para os efeitos do art.° 122º do CPA para no prazo de 10 dias se pronunciar. Caso não haja oposição decorrido aquele prazo, será de emitir guia, no montante de 13.461,97 euros, a ser liquidada no prazo de 30 dias, ou em alternativa, ser solicitado pelo interessado o pagamento em prestações.” (doc. 8 da contestação)

18. Notificado, pronunciou-se o ora demandante, em 27.07.2017, alegando, além do mais:

Notificado para se pronunciar sobre o assunto a que a presente respeita, cumpre sobretudo esclarecer V.Exa. acerca da factualidade que proporcionou a correspondente situação. (…)

Recebeu então informação (via DGAJ ou Tribunal da Relação, entidades competentes) de que teria direito ao reembolso de tais despesas, por meio dos boletins itinerários em questão, ao abrigo de interpretação do artº 27º do EMJ que a tanto autorizaria no caso e porque estando colocado na comarca ….. (anteriormente no Círculo …..) residia em ……. Ademais, recebeu ainda a informação de que existiriam situações idênticas, ou análogas.

É neste circunstancialismo que efectua o preenchimento e remessa dos boletins, que, harmonicamente, são validados pela Relação …… e DGAJ.

Nesta conformidade, foi com pleno e crê que lícito convencimento da legalidade da pretensão, que agiu.

Não tivesse sido prestada a informação, ou sendo depois negada a pretensão por quem de direito (como mais tarde veio a suceder, frontal e claramente com o CSM) e totalmente diferentes seriam as expectativas e opções do dia a dia do signatário (como actualmente acontece), dentro do muito que é possível, sem qualquer prejuízo para o serviço

19. Na sequência da resposta apresentada pelo demandante, o Ex.º Juiz Secretário do CSM proferiu em 05.09.2017 o seguinte despacho "Apresente-se a Sua Excelência, o Senhor Vice-Presidente para apreciação e decisão, propondo seja proferida decisão de notificação do Exmo. Requerente para proceder à reposição do valor apurado, considerando que o ora referido, conformando embora a posição do Exmo. Requerente não obsta ou afecta os pressupostos em que assenta a validade e legalidade da exigibilidade da reposição consignada na informação antecedente".

20. Em 06.09.2017 o Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM proferiu o seguinte despacho "Concordo, procedendo-se em conformidade".

21. Em cumprimento do despacho de concordância do Ex.º Senhor Vice-Presidente do CSM, de 06.09.2017, foi o demandante notificado, por ofício de 11.09.2017, para “proceder à reposição da quantia de 13.461,97 euros (treze mil quatrocentos e sessenta e um euros e noventa e sete cêntimos), ou solicitar o pagamento da reposição em prestações - art.° 38.º do Decreto-Lei n° 155/92 de 28 de Julho” (docs. 9-A e 9-B da contestação).

22. Notificado do despacho do Ex.º Senhor Vice-Presidente do CSM, de 06.09.2017, que ordenava a reposição da quantia global de 13.461,97 €, respeitante a Ajudas de Custo e Transporte, o demandante apresentou reclamação para o Plenário do CSM, alegando, além do mais:

(…)

8.Ou seja, não foi considerado relevante que o ora Reclamante (i) tivesse solicitado e obtido o pagamento porque a DGAJ ou o Tribunal da Relação…. lhe disseram que a ele tinha direito - e por isso validaram os pedidos e pagaram-nos - e que, por isso, (ii) tivesse agido de inteira boa-fé e plena confiança nos órgãos competentes da Administração Pública.

9.Acresce que, caso não lhe tivesse sido dito que tinha direito, porventura teria gerido de forma diferente a forma de se deslocar e eventualmente o seu local de residência; em qualquer caso, não teria realizado as despesas em causa e, pelo menos, teria utilizado o passe a que tem direito por virtude da autorização de residência fora da comarca e que custa 155,006 mensais.

10.Ou seja, a ordenada reposição ora reclamada viola o princípio constitucional da proteção da confiança,

11. Por outro lado, a ordenada reposição consubstancia uma anulação das decisões subjacentes aos referidos pagamentos; ora, ao ser-lhe atribuída eficácia retroativa, tal anulação desrespeita o disposto na alínea b) do n.º 4. do artigo 168° do CPA; ou, noutra perspetiva e na sua quase totalidade, o prazo previsto no nº 2 do mesmo artigo.” (doc. 10 da contestação).

23.       Na sequência da reclamação para o Conselho Plenário do CSM do referido despacho do Ex.º Senhor Vice-Presidente de 06.09.2017, foi proferida a deliberação do Plenário do CSM de 06.03.2018, tendo sido decidido:

(…)

2.2- Fundamentos de Direito.

Resulta da presente reclamação que não está em causa a apreciação do direito às ajudas de custo nem a competência do Conselho Superior da Magistratura para exigir a reposição. Efetivamente o Ex.mo reclamante insurge-se, unicamente, contra o facto de, ao ser solicitada a reposição das referidas quantias, não se ter tido em consideração que " agiu de boa fé"; que teria agido de outro modo, caso tivesse sido informado de que não tinha direito às referidas ajudas de custo e que a decisão reclamada viola o princípio da tutela da confiança.

Apesar dos pagamentos terem sido efetuados, a solicitação oportuna do reclamante, tal não significa que sejam efetivamente devidos. Sem necessidade de explicitar a forma como se processa o pagamento de quantias reclamadas a título de ajudas de custo e de transporte, podemos afirmar, em síntese, que dependem, basicamente, de duas operações por parte da administração: uma refere-se à apreciação, meramente formal, das quantias inscritas no boletim itinerário, os montantes legalmente previstos e a sua correspondência com a atividade do servidor do Estado. Outra, de definição de direitos, já se refere à análise do direito às quantias reclamadas por efeito das atividades inscritas nos boletins e a função do servidor do Estado. Cabendo, ainda, nesta segunda operação a deteção dos casos de fraude (ou seja, aos casos em que as atividades inscritas no boletim não têm correspondência com a realidade).

Pela diferente natureza destas duas ordens de operação, os artigos 35.° e seguintes do Decreto-Lei 155/92, de 28 de julho (Regime de Administração Financeira do Estado) regulam a "reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado...". Sendo que o artigo 40.°, n. 1, do referido Decreto-Lei, estabelece que "A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento".

É, hoje, maioritária a corrente jurisprudencial que vai no sentido de assumir que cada ato de processamento constitui, em princípio, um verdadeiro ato administrativo, e não uma simples operação material, e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objeto de oportuna impugnação ou revogação (v. por todos o acórdão STA de uniformização de jurisprudência n.° 4/2009, de 5 de junho de 2008).

No caso concreto, estamos perante anulação de atos anteriores (de pagamento).

Anulação essa que ocorreu dentro do prazo permitido pelo artigo 168°, n. 4, al. b), do Código do Procedimento Administrativo, como reconhecido pelo Acórdão STA de 30.11.2017: "quando os créditos laborais correspondem à reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente abonadas, a título de remuneração, aos trabalhadores em funções públicas, estão sujeitos ao prazo de prescrição previsto na norma especial do art.º 40.°, n.º 1, do DL n° 155/92 que, neste âmbito, prevalece sobre o art.º 245.º, n.° 1, do RCTFP, aplicável aos créditos laborais que não se traduzam na reposição de dinheiros públicos."

Revertendo, agora, para a presente reclamação, sem esquecer que o Ex.mo reclamante não questionou a anulação dos concretos atos de pagamento, podemos concluir que com o pedido de reposição de dinheiros públicos, indevidamente recebidos, não está em causa a violação do invocado princípio da tutela da confiança. É decorrência do regime legal. Razões de boa gestão da coisa pública levaram a que se estabelecesse um prazo de 5 anos de prescrição para os pedidos de reposição. O que pode originar situações como as da presente reclamação.

É certo que, como alegado pelo reclamante, podem ocorrer situações em que os particulares adequam o seu modo de vida ao reconhecimento de que teriam direito às referidas quantias. No entanto, atendendo ao regime legal referido, tais particulares têm sempre que admitir a possibilidade de ser pedido o reembolso destas quantias. Em especial quando respeitam ao reembolso de ajudas de custo e transporte, designadamente pelos motivos supra referidos. Ou seja, pela existência de duas operações por parte da administração, sendo a primeira - que normalmente determina o pagamento - de apreciação meramente formal do boletim remetido pelo particular.

No entanto, ciente das dificuldades que este regime de reposição de dinheiros públicos pode criar para os particulares, o legislador previu no artigo 39° do DL 155/92, de 28 de julho que "Em casos excepcionais, devidamente justificados, o Ministro das Finanças poderá determinar a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas".

Em resumo, a reclamação do Exmo. Sr. Dr. AA não merece provimento.

3. Decisão:

Em conformidade, com os fundamentos antes enunciados, delibera o Conselho Superior da Magistratura em considerar improcedente a reclamação apresentada e, em consequência, manter o despacho de 6 de setembro de 2017 do Ex.mo senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que determina a reposição da quantia de € 13.461,97 referentes a ajudas de custo e transportes” (doc. 11 da contestação)

24. O demandante interpôs recurso daquela deliberação de 06.03.2018 para a Secção do contencioso do STJ, que veio a correr termos sob o processo n.º 46/18....... (doc. 12 da contestação).

25. Por Acórdão do STJ, Secção do contencioso, de 10.12.2019, proferido no processo n.º 46/18......., foi anulada a deliberação impugnada, de 06.03.2018, por insuficiência da sua fundamentação, nos seguintes termos:

(…)

Conforme acima referimos e aqui voltamos a reiterar, o CSM não invoca, de forma clara e suficiente, os motivos que levaram à anulação com eficácia rectroactiva dos actos (anteriores) de pagamento, tendo apenas chamado à colação o prazo de 5 anos referido no artigo 168.º, n.º 4, alínea b), do CPA e o artigo 40.º, n.° 1, do RAFE. Não foi avançada pelo CSM, de forma clara, consistente e suficiente uma valoração jurídica possível para justificar o pedido de anulação com eficácia retroactiva das quantias (indevidamente recebidas). Sendo que o recorrente desde a reclamação do despacho do Vice-Presidente do CSM que fez conhecer ao CSM que considerava que tal decisão de anulação não podia ter eficácia retroactiva, por violação do artigo 168.º, n.° 4 alínea b), do CPA.

Por tudo o que atrás se expôs, a deliberação do CSM padece de insuficiência de fundamentação, na medida em que da mesma não se consegue perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo CSM para proferir a decisão de anulação com eficácia retroactiva dos actos (anteriores) de pagamento (relativos a ajudas de custo e de transporte referentes ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016).(…)

Pelo exposto, conclui-se que a deliberação do Plenário do CSM de 06-03-2018, está insuficientemente fundamentada quanto à atribuição de eficácia retroactiva da anulação dos actos (anteriores) de pagamento, relativos a ajudas de custo e de transporte referentes ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016.(…)”

Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso quanto à impugnação da deliberação de 6 de Março de 2018, proferida pelo Plenário do CSM, que se anula por insuficiência da sua fundamentação”.

26. Na sequência do referido Acórdão proferido em 10.12.2019, por deliberação do Plenário do CSM de 02.06.2020 (processo n.º 2018 – DSQMT), foi proferida a seguinte decisão:

2.2- Fundamentos de Direito.

Resulta da presente reclamação que não está em causa a apreciação do direito às ajudas de custo nem a competência do Conselho Superior da Magistratura para exigir a reposição. Efetivamente o Ex.mo reclamante insurge-se, unicamente, contra o facto de, ao ser solicitada a reposição das referidas quantias, não se ter tido em consideração que “ agiu de boa fé”; que teria agido de outro modo, caso tivesse sido informado de que não tinha direito às referidas ajudas de custo e que a decisão reclamada viola o princípio da tutela da confiança.

Apesar dos pagamentos terem sido efectuados, a solicitação oportuna do reclamante, tal não significa que sejam efectivamente devidos.

Sem necessidade de explicitar a forma como se processa o pagamento de quantias reclamadas a título de ajudas de custo e de transporte, podemos afirmar, em síntese, que dependem, basicamente, de duas operações por parte da administração: uma refere-se à apreciação, meramente formal, das quantias inscritas no boletim itinerário, os montantes legalmente previstos e a sua correspondência com a actividade do servidor do Estado. Outra, de definição de direitos, já se refere à análise do direito às quantias reclamadas por efeito das actividades inscritas nos boletins e a função do servidor do Estado. Cabendo, ainda, nesta segunda operação a detecção dos casos de fraude (ou seja, aos casos em que as actividades inscritas no boletim não têm correspondência com a realidade).

Pela diferente natureza destas duas ordens de operação, os artigos 35.º e seguintes do Decreto-Lei 155/92, de 28 de julho (Regime de Administração Financeira do Estado) regulam a “reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado…”. Sendo que o artigo 40.º, nº. 1, do referido Decreto Lei, estabelece que “A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento”.

É, hoje, maioritária a corrente jurisprudencial que vai no sentido de assumir que cada acto de processamento constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não uma simples operação material, e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objecto de oportuna impugnação ou revogação (v. por todos o acórdão STA de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, de 5 de junho de 2008 ).

No caso concreto, estamos perante anulação de actos anteriores (de pagamento).

Anulação essa que ocorreu dentro do prazo permitido pelo artigo 168º, n. 4, al. b), do Código do Procedimento Administrativo, como reconhecido pelo Acórdão STA de 30.11.2017 : “quando os créditos laborais correspondem à reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente abonadas, a título de remuneração, aos trabalhadores em funções públicas, estão sujeitos ao prazo de prescrição previsto na norma especial do art.º 40.º, n.º 1, do DL n.º 155/92 que, neste âmbito, prevalece sobre o art.º 245.º, n.º 1, do RCTFP, aplicável aos créditos laborais que não se traduzam na reposição de dinheiros públicos.”

Revertendo, agora, para a presente reclamação, sem esquecer que o Ex.mo reclamante não questionou a anulação dos concretos actos de pagamento, podemos concluir que com o pedido de reposição de dinheiros públicos, indevidamente recebidos, não está em causa a violação do invocado princípio da tutela da confiança. É decorrência do regime legal. Razões de boa gestão da coisa pública levaram a que se estabelecesse um prazo de 5 anos de prescrição para os pedidos de reposição. O que pode originar situações como as da presente reclamação.

É certo que, como alegado pelo reclamante, podem ocorrer situações em que os particulares adequam o seu modo de vida ao reconhecimento de que teriam direito às referidas quantias. No entanto, atendendo ao regime legal referido, tais particulares têm sempre que admitir a possibilidade de ser pedido o reembolso destas quantias. Em especial quando respeitam ao reembolso de ajudas de custo e transporte, designadamente pelos motivos supra referidos. Ou seja, pela existência de duas operações por parte da administração, sendo a primeira – que normalmente determina o pagamento - de apreciação meramente formal do boletim remetido pelo particular.

Na sequência do acórdão anulatório, acrescenta-se o seguinte:

Como referido supra, alega ainda o Exmº Senhor Dr. que a ordenada reposição consubstancia uma anulação das decisões subjacentes aos referidos pagamentos, pelo que, atribuindo-se eficácia retroactiva, tal anulação desrespeita o disposto na alínea b) do nº 4 do artº 168º do CPA, ou noutra perspectiva e na sua quase totalidade, o prazo previsto no nº 2 do mesmo artigo.

A este respeito há que chamar à colação o regime especial de administração financeira do estado (RAFE), previsto no Decreto-Lei 155/92 (com as alterações do Decreto-Lei 275-A/93, Decreto-Lei  113/95, Lei 10-B/96, Decreto-Lei 190/96, Lei 55-B/2004, Decreto-Lei 29-A/2011, Lei 83-C/2013 e Decreto-Lei 85/2016) e que estabelece um regime jurídico e financeiro, em regra de autonomia administrativa, dos serviços e organismos da Administração Pública, concretizando a arquitectura da reforma orçamental e contabilidade pública .

Preceitua o artº 40º nº 3 deste regime que os actos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respectiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do nº 4 do artigo 168º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec.Lei 4/2015.

A norma citada foi aditada pelo Dec.Lei 85/2016, o qual no seu artº 6º confere natureza interpretativa a esta alteração, a significar, em consonância com o artº 13º nº 1 do Código Civil, que os seus efeitos retroagem ao início da vigência desta.

Ora, ao contrário da anulação administrativa de actos constitutivos de direitos à obtenção de prestação periódicas, em que a mesma apenas tem eficácia para o futuro, situações previstas no artº 168º nº 4 alínea b), tal não ocorre quando se trate de uma anulação administrativa de actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, situação a que se reporta o artº 168º nº 4 alínea c) e para a qual remete expressamente o citado artº 40º nº 3 do RAFE.

Com efeito, preceitua esta norma que salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os actos constitutivos de direitos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respectiva emissão, nas seguintes circunstâncias:

c) Quando se trate de actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objecto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.

Assim, em face desta norma legal, impõe-se ao Exmº Senhor Dr. a restituição das quantias recebidas a título de ajudas de custo e transporte, no montante global de € 13.461,97.

De todo o modo, ciente das dificuldades que este regime de reposição de dinheiros públicos pode criar para os particulares, o legislador previu no artigo 39º do DL 155/92, de 28 de julho que “Em casos excepcionais, devidamente justificados, o Ministro das Finanças poderá determinar a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas”.

Em resumo, a reclamação do Exmo. Senhor Dr. AA não merece provimento.

3. Decisão:

Em conformidade, com os fundamentos antes enunciados, delibera o Conselho Superior da Magistratura em considerar improcedente a reclamação apresentada e, em consequência, manter o despacho de 6 de Setembro de 2017 do Ex.mo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que determina a reposição da quantia de € 13.461,97 referentes a ajudas de custo e transportes”.

O DIREITO

a) Caducidade do procedimento [artigos 19º a 25º da petição]

Defende o demandante que o procedimento oficioso que esteve na origem da deliberação impugnada, de 02.06.2020, se encontra caducado, pois que, sendo a deliberação impugnada de 02.06.2020, já há muito decorrera o prazo de 180 dias aludido no n.º 6 do artigo 128º do CPA.

Não nos parece que lhe assista razão.

Dispõe-se naquela norma que os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias[1].

Considerando o que vem provado no ponto 16., o procedimento para reposição foi iniciado em 09.01.2017 e a deliberação impugnada foi tomada em 02.06.2020.

No entanto, existe norma especial que prevalece sobre a do n.º 6 do artigo 128º, afastando a aplicação desta. Referimo-nos, concretamente, à disposição do n.º 3 do artigo 40º do Regime da Administração Financeira do Estado (Lei 155/92, de 28 de Julho), na qual se dispõe:

Os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.

Sobre esta temática da reposição de dinheiros públicos, pronunciou-se o Acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 09.04.2019, no processo n.º 75/18.6YFLSB[2], concluindo que “a existência de um regime especialmente aplicável à reposição de dinheiros públicos exclui a aplicabilidade de qualquer outro procedimento, seja o decorrente do art. 168.º, n.º 2, do CPA, seja o regime previsto no art. 128.º, n.º 6, do CPA (“lex specialis derogat legi generali).”

Em concreto, pode ler-se na fundamentação daquele acórdão:

Estamos, assim, no âmbito do procedimento administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho [RAFE] que estabelece o regime financeiro da Administração Pública.

Dispõe o artigo 40º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07 [RAFE], com a alteração introduzida pelo artigo 2º, do Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21.12.2016, que ‘os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.’

Por sua vez dispõe o artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21.12, que a alteração ao n.º 3 do artigo 40.º do RAFE, com a redação que, por ele, lhe é dada tem caráter interpretativo.

Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta, ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.

Ora, o legislador ao alterar a redação do n.º 3, do artigo 40º, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07, e que, de seguida, lhe atribuiu “natureza interpretativa” [artigo 6º, do mesmo decreto-lei], pretendeu dar-lhe uma interpretação autêntica, a sua própria interpretação, fixando, deste modo, vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.

E fê-lo, porque antes da sua vigência, havia divergências de interpretação, doutrinária e jurisprudencial, quanto ao prazo de cinco anos consagrado no artigo 40.º, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07.

Com efeito, havia doutrina e jurisprudência que entendiam que o artigo 40.º, n.º 1, do referido diploma [para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado], se reportava, exclusivamente, à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, sendo que tal prazo não contendia com a prévia definição jurídica da obrigação de repor e com o prazo de 1 ano para anular os atos constitutivos de direitos, como referido no artigo 168.º, n.º 2, do CPA.

Neste sentido, das divergências interpretativas, se pronunciou o Exmo. Senhor Provedor de Justiça, na exposição que, em 22 de janeiro de 2015, dirigiu à Ministra de Estado e das Finanças [12], quando reportando-se à aprovação do novo CPA (Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01), refere que “(…) deverá entender-se que é no CPA que se encontram previstos os pressupostos da anulação dos atos constitutivos de direito à obtenção de prestações pecuniárias, limitando-se o RAFE a disciplinar alguns aspetos da execução dessa decisões, bem como a retificação de erros materiais ou de cálculo. Será, não obstante, aconselhável que o controverso n.º 3 do artigo 40.º seja expressamente revogado, para afastar qualquer dúvida de que o RAFE não é, nem pretende ser, um regime especial de anulação de atos administrativos – e assim contribuir para evitar que esta continue a ser uma questão que divide a jurisprudência administrativa e ameaça a desejável igualdade de tratamento destes casos pelos órgãos competentes”.

E, ainda, quando se dirigiu ao Ministro das Finanças, na sua exposição de 22 de janeiro de 2015 [13], recomendando-lhe “que adote as medidas necessárias para clarificar que o regime de anulação de atos administrativos constitutivos de direitos, consagrado no novo CPA, prevalece sobre as normas do RAFE, sempre que esteja em causa a anulação de atos constitutivos de direitos, para o que se afigura recomendável a revogação expressa do n.º 3 do artigo 40.º do RAFE e a promoção de uma interpretação adequada e uniforme das normas do novo CPA.

Porém, a partir da redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21.12, ao n.º 3, do artigo 40º, do Decreto-Lei n.º 155/92, e ao atribuir-lhe uma interpretação autêntica, o prazo de 5 anos, “se confunde”, seja para a exigibilidade ou possibilidade de cobrança do crédito, seja para a anulação do ato administrativo, constitutivos do direito.

Ou seja, o legislador com o Decreto-Lei n.º 85/2016 – para além do prazo de prescrição de 5 anos para a exigibilidade do crédito – quis, também, assumir um prazo mais longo de 5 anos para a anulação dos atos administrativos constitutivos de direitos [reposição de quantias recebidas por trabalhadores que exercem funções públicas], conforme resulta do artigo 168.º, n.º 4, al. c), do CPA, e artigo 40.º, n.º 3, do RAFE [inclusive dando carácter interpretativo a este n.º 3].

Na verdade, o legislador ciente das questões inerentes a esta alteração legislativa, quis assumir esse entendimento, ou seja, fixar um prazo mais longo para reposição de quantias ao Estado recebidas indevidamente, prazo esse que fixou em 5 anos.

Cumpre, ainda, salientar que é orientação jurisprudencial consolidada que os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos», se não forem objeto de atempada impugnação.

Pelo exposto, a existência de um regime especialmente aplicável à reposição de dinheiros públicos exclui a aplicabilidade de qualquer outro procedimento, seja o decorrente do artigo 168.º, n.º 2, do CPA, seja o regime previsto no artigo 128.º, n.º 6, do CPA.

(…)

Sendo, no caso em apreço, aplicável o regime e prazo especiais previstos no artigo 40.º, n.º 3, do RAFE, na sua atual redação, em conjugação com o disposto no artigo 168.º, n.º 4, alínea c), do CPA, para a reposição pelo Autor das quantias que recebeu indevidamente, este regime especial afasta o regime geral decorrente do procedimento administrativo oficioso, previsto no artigo 128.º, n.º 6 do CPA”.

Como se refere no acórdão vindo de citar, ao n.º 3 do artigo 40º do RAFE foi atribuída, pelo DL 85/2016 (que o introduziu)  natureza interpretativa, isto é, de uma interpretação autêntica do próprio legislador. E. como também ali se diz, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (artigo 13.º, n.º 1, do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª Ed., anotação ao artigo 13.º).

Acolhendo, portanto, o entendimento constante do mencionado Acórdão do STJ, proferido no processo n.º 75/18.6YFLSB, que se afigura pacífico, conclui-se que o procedimento oficioso do CSM respeitou o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 40º, improcedendo a alegada caducidade do procedimento.

b)      Falta de audiência prévia [artigos 26º a 32º da petição]

Alega o demandante que, apesar de a deliberação impugnada ter mantido toda a fundamentação de direito constante da anterior (anulada pelo acórdão do STJ de 10.12.2019 - processo n.º 46/18.......), invoca nova disposição legal para sustentar a reposição da quantia de 13.461,97 €, o que consubstancia nova decisão final.

Conclui que a deliberação impugnada desrespeita o princípio da audiência prévia por ter sido tomada sem que tenha sido notificado para se pronunciar sobre a assinalada alteração da fundamentação.

Na resposta, o CSM refere que “tal deliberação foi tomada em execução do Acórdão anulatório, inexistindo, pois, qualquer dever de acrescida audiência do Autor, prévia à sua prolação”.

Vejamos:

O n.º 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio constitucional da participação dos cidadãos, dispondo que “O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

Tal princípio encontra também consagração no artigo 12.º do CPA, que, sob a epígrafe “Princípio da participação”, estipula que “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código”.

Na decorrência daquela consagração constitucional e em consonância com o mencionado artigo 12.º, o artigo 121.º do CPA consagra o direito de audiência prévia nos seguintes termos:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.

O direito de audiência prévia consubstancia-se, em síntese, em dar a conhecer ao interessado o sentido provável da decisão que irá ser tomada, de modo a que possa sobre ele expor o seu ponto de vista, sendo, para tal, indispensável que lhe sejam facultados os elementos de facto e de direito relevantes para a decisão.

Sobre a dispensa da audiência prévia, refere Luís S. Cabral de Moncada[3]: “Agora a audiência existe sempre, salvo nos casos em que a lei dá a administração o poder discricionário de a dispensar. Daqui resulta que a omissão da audiência é sempre violação de uma formalidade essencial do acto, a não ser que tenha sido dispensada mediante uma decisão administrativa que deve ser obviamente fundamentada e notificada e está sujeita a impugnação graciosa e contenciosa”.

A violação do mencionado artigo 121.º do CPA reconduz-se a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial.

Se isto é assim, em tese, no caso vertente há particularidades que conduzem à conclusão de que não foi preterida essa formalidade.

Na verdade, o demandante invoca o direito a ser previamente ouvido com base na circunstância de ter sido utilizada na fundamentação da ‘nova’ deliberação uma norma jurídica que não constava da anterior: a da alínea c) do n.º 4 do artigo 168º do CPA.   

Ocorre, porém, que, ao reclamar da decisão de 06.09.2017 do Ex.º Vice-Presidente do CSM que determinava a reposição da quantia de 13.461,97 €, o demandante alegou, entre o mais, que a ordenada reposição consubstanciava a anulação das decisões subjacentes aos pagamentos, e que a atribuição de efeitos retroativos violava o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 168º do CPA, ou, noutra perspetiva e na sua quase totalidade, o prazo previsto no nº 2 do mesmo artigo – cfr. ponto 22. da matéria de facto.

Ou seja, ao reclamar dessa decisão o demandante exerceu o seu direito de audição prévia, motivo pelo qual não havia que observar qualquer outra formalidade do mesmo género antes da deliberação, uma vez que – repetimos – o demandante exercera já o seu direito ao arguir na reclamação todas as razões que se lhe ofereciam para infirmar o despacho reclamado por forma a obter decisão diversa.

Acresce que a deliberação ora impugnada foi tomada na sequência do acórdão do STJ de 10.12.2019, proferido no processo n.º 46/18......., que decidiu pela anulação da deliberação do Plenário do CSM de 06.03.2018, precisamente por insuficiência de fundamentação quanto à atribuição de eficácia retroativa da anulação dos atos (anteriores) de pagamento, relativos a ajudas de custo e de transporte referentes ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016 – cfr. pontos 23. a 26. da matéria de facto.

A ‘nova’ deliberação que o demandante impugna, mais não fez do que completar a fundamentação jurídica da anterior deliberação, na medida em que esta havia sido julgada insuficiente quanto a essa específica matéria.

Improcede, também neste ponto, a ação

c) Vício de fundamentação [artigos 33º a 40º da petição]

Afirma o demandante que a deliberação impugnada não permite a um homem médio vislumbrar o iter cognoscitivo percorrido pelo CSM para determinar a reposição da referida quantia.

Esta afirmação é totalmente contrariada pelo demandado.

Parece-nos que é do lado deste que se encontra a razão.

A fundamentação de um ato administrativo consiste, como se sabe, na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo[4].

O dever de fundamentação encontra consagração constitucional no artigo 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa e encontra-se regulado nos artigos 152º a 154º do Código do Procedimento Administrativo, constituindo uma das mais relevantes garantias dos particulares para controlo da legalidade dos atos[5].

A este propósito referiram Gomes Canotilho e Vital Moreira[6] que “os cidadãos têm direito à fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses protegidos (n.º 3, 2ª parte). A fundamentação é aqui entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.

Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a atividade administrativa (princípio da transparência da ação administrativa) e a sua correção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do ato administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder. Em relação aos atos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos”.

A fundamentação deve, antes de mais, ser clara, isto é, deve permitir que, através dos seus termos, se possa ter um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão.

Luiz S. Cabral de Moncada[7] refere que “o que se pretende com a fundamentação é levar ao conhecimento do destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que o autor do ato percorreu para decidir de modo a permitir que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato, possa compreender por que razão o autor do ato decidiu assim. O critério é o da compreensibilidade por um destinatário normal do ato colocado na posição do destinatário real”.

Veja-se o que se doutrinou a este propósito no acórdão do STJ de 30.03.2017, desta secção do contencioso, proferido no processo n.º 62/16.9YFLSB[8]:

A fundamentação consiste assim na expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento e, como emerge do nº 2 do artº 153º do CPA, deve ser clara, suficiente e coerente.

Sendo, em consequência, ilegal a fundamentação «obscura» - que não permite apurar o sentido das razões apresentadas -, «contraditória» - que não se harmoniza os fundamentos logicamente entre si ou não se conforma aqueles com a decisão final -, ou «insuficiente» - que não explica por completo a decisão tomada”.

O artigo 152º, n.º 1, do CPA enuncia os casos em que existe dever de fundamentar, mais concretamente (para além daqueles em que a lei especialmente o exija), os que: neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções; decidam reclamação ou recurso; decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior. Ou seja, em suma, os atos dominados “pela matriz dos atos gravame, ou lesivos dos interesses de terceiros[9]”.

Por seu turno, o artigo 153º, n.º 1, do CPA dispõe que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

E, estatui o nº 2 do mesmo normativo, que equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

Ora, compulsada a deliberação impugnada, verifica-se que dela consta, a propósito da atribuição de eficácia retroativa da anulação dos atos (anteriores) de pagamento, o seguinte:

Na sequência do acórdão anulatório, acrescenta-se o seguinte:

Como referido supra, alega ainda o Exmº Senhor Dr. que a ordenada reposição consubstancia uma anulação das decisões subjacentes aos referidos pagamentos, pelo que, atribuindo-se eficácia retroactiva, tal anulação desrespeita o disposto na alínea b) do nº 4 do artº 168º do CPA, ou noutra perspectiva e na sua quase totalidade, o prazo previsto nº 2 do mesmo artigo.

A este respeito há que chamar à colação o regime especial de administração financeira do estado (RAFE), previsto no Decreto-Lei 155/92 (com as alterações do Decreto-Lei 275-A/93, Decreto-Lei 113/95, Lei 10-B/96, Decreto-Lei 190/96, Lei 55-B/2004, Decreto-Lei 29-A/2011, Lei 83-C/2013 e Decreto-Lei 85/2016) e que estabelece um regime jurídico e financeiro, em regra de autonomia administrativa, dos serviços e organismos da Administração Pública, concretizando a arquitectura da reforma orçamental e contabilidade pública .

Preceitua o artº 40º nº 3 deste regime que os actos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respectiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do nº 4 do artigo 168º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec.Lei 4/2015.

A norma citada foi aditada pelo Dec.Lei 85/2016, o qual no seu artº 6º confere natureza interpretativa a esta alteração, a significar, em consonância com o artº 13º nº 1 do Código Civil, que os seus efeitos retroagem ao início da vigência desta.

Ora, ao contrário da anulação administrativa de actos constitutivos de direitos à obtenção de prestação periódicas, em que a mesma apenas tem eficácia para o futuro, situações previstas no artº 168º nº 4 alínea b), tal não ocorre quando se trate de uma anulação administrativa de actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, situação a que se reporta o artº 168º nº 4 alínea c) e para a qual remete expressamente o citado artº 40º nº 3 do RAFE.

Com efeito, preceitua esta norma que salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os actos constitutivos de direitos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respectiva emissão, nas seguintes circunstâncias:

c) Quando se trate de actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objecto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.

Assim, em face desta norma legal, impõe-se ao Exmº Senhor Dr. a restituição das quantias recebidas a título de ajudas de custo e transporte, no montante global de € 13.461,97.

De todo o modo, ciente das dificuldades que este regime de reposição de dinheiros públicos pode criar para os particulares, o legislador previu no artigo 39º do DL 155/92, de 28 de julho que “Em casos excepcionais, devidamente justificados, o Ministro das Finanças poderá determinar a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas”.

Resulta do excerto transcrito que a deliberação impugnada é perfeitamente clara e inteligível, quer quanto aos fundamentos, quer quanto ao seu encadeamento lógico e à consequência jurídica extraída. De facto, a aplicação da eficácia retroativa é aí justificada com a circunstância de não estarmos perante a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestação periódicas prevista no artigo 168º, n.º 4, alínea b) (que tem apenas eficácia para o futuro), mas, antes, perante uma anulação administrativa de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, prevista no artigo 168º, n.º 4, alínea c), para o qual remete expressamente o artigo 40º, n.º 3 do RAFE.

A exposição dos fundamentos da deliberação impugnada permite, assim, apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo CSM para proferir a decisão de anulação com eficácia retroativa dos atos (anteriores) de pagamento.

Improcede, pelo exposto, a arguição do vício de fundamentação, por obscuridade.

d) Violação do princípio da tutela da confiança [artigos 41º a 51º]

Alega, ainda, o demandante ter recebido as quantias em causa com pleno e lícito convencimento da legalidade de tais recebimentos.

Sustenta que o seu convencimento resulta da circunstância de em momento anterior ter solicitado e obtido da DGAJ (entidade então competente para o ato) o pagamento de ajudas de custo e despesas de deslocação.

Acrescenta que “caso não lhe tivesse sido dito que tinha direito, porventura teria gerido de forma diferente a forma de se deslocar e eventualmente o seu local de residência” e “não teria realizado as despesas em causa e pelo menos, teria utilizado o passe a que tem direito por virtude da autorização de residência fora da comarca e que custa 155,00€ mensais”.

Refere também que o facto de o pagamento ter deixado de ser da competência da DGAJ para passar a ser do CSM não basta para alterar a proteção jurídica e a tutela da confiança que lhe são devidas.

Tudo para concluir que a decisão de reposição da quantia ordenada viola o princípio da proteção da confiança por não ter sido considerado, nem descontado, o valor total dos passes mensais a que sempre teria direito e “as quantias suportadas e pagas pelo o A. a título de portagens respeitantes a deslocações de serviço, que tanto a DGAJ como depois o CSM tiveram como feitas em serviço e no uso de viatura própria, para as quais o A. tinha autorização, e, inclusivamente, todas as quantias respeitantes a deslocações de serviço que o A. efetuou ao Depósito Público do Ministério da Justiça, sito no Carregado, para, entre outras, requisição de material vário destinado à comarca, as quais o A. tem também direito de reembolso”.

Respondeu, em síntese, o CSM que “dúvidas inexistem de que o ora Autor, em face do regime legal aplicável, não tinha direito às ajudas de custo e despesas de transporte, que indevidamente lhe foram sendo pagas”, tanto assim que “a factualidade e a quantia apurada, a devolver, não são postas em causa.”

Dispõe o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”.

A inscrição formal do princípio da boa-fé na lei fundamental tem seguimento em diversas leis ordinárias, de que é também exemplo o artigo 10º do CPA:

1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.

2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”.

Em anotação a este preceito escreve Luiz S. Cabral de Moncada[10]:

“A boa-fé distingue-se do princípio geral da tutela da confiança. A protecção que esta merece da ordem jurídica resulta do dever de respeitar a estabilidade de situações favoráveis consolidadas pelo decurso do tempo e não por corresponderem a uma conduta de boa-fé. O facto objectivo do decurso do tempo pode gerar a confiança na perenidade das situações vantajosas independentemente da disposição subjectiva do respectivo beneficiário.

A tutela da confiança é um princípio geral do direito administrativo previsto pelo direito administrativo europeu e que, por ser assim, integra também o património administrativo português. Dá vazão aos muito respeitáveis valores da segurança no trato jurídico. O alcance normativo da boa-fé e da tutela da confiança pode ser, todavia, avesso. Efectivamente a má-fé pode sobrepor-se à tutela da confiança e justificar assim, p. ex., que situações aparentemente consolidadas pelo decurso do tempo possam ser postas em causa mediante a prova da má-fé do beneficiário”.

No âmbito da atividade administrativa são pressupostos da tutela da confiança: a) um comportamento gerador de confiança; b) a existência de uma situação de confiança; c) a efetivação de um investimento de confiança; d) o nexo causal entre a situação de confiança e o investimento de confiança; e) a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

No entender do demandante, a homologação a consequente autorização de pagamento pela DGAJ das ajudas de custo e despesas de deslocação, conferiram-lhe o legítimo convencimento da legalidade desse pagamento.

Não podemos concordar.

A tutela da confiança tem como finalidade proteger o particular de eventuais modificações de critério ou da prática de condutas imprevisíveis, eventualmente geradoras de danos, depois de o órgão ou agente administrativo ter exprimido um comportamento criador de uma expetativa futura. A confiança legítima confere, assim, amparo a todas as situações já previamente consolidadas no âmbito administrativo, uma vez que uma conduta prévia gera a confiança de que toda a atuação que se segue manterá uma determinada lógica.

No entanto, como esclarece Baptista Machado, a autovinculação geradora das expectativas de facto que o direito tutela (tutela da confiança) tem para o direito uma mera relevância de facto, não podendo ser incorporada pelo direito com o valor de uma vinculação ou ‘norma’[11].

Quer isto dizer que, no quadro de uma situação de tutela de confiança, é necessário que se esteja perante uma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao direito, dado não poder invocar-se a violação do referido princípio quando o mesmo radique num ato anterior ilegal, sendo tal ilegalidade percetível e não contestada por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio.

Na concreta situação dos autos, o CSM considerou que as ajudas de custo apenas são devidas quando o magistrado se desloque “em serviço” para fora da comarca onde se encontre sediado o respetivo tribunal ou serviço (domicílio necessário), o que não contempla as deslocações de e para o local da residência. E concluiu que o pagamento realizado ao demandante feria os preceitos legais atinentes a essa matéria (designadamente, o disposto no DL 106/98, de 24 de Abril), tendo sido por esse motivo que determinou a reposição das verbas autorizadas e anteriormente pagas pelo DGAJ – cfr. pontos 14., 15. e 16. da matéria de facto.

O demandante foi notificado do despacho do Ex.º Vice-Presidente do CSM que homologou, em decisão concordante, a informação prestada pelos serviços desse órgão, nada tendo dito, sendo também certo que, nas reclamações que se seguiram (pontos 18. e 22 da matéria de facto) apenas colocou em causa a violação do princípio da tutela da confiança e a eficácia retroativa dos atos anteriores de pagamento. Ou seja, o demandante nunca questionou a conformidade com a lei da ordem de reposição das quantias que recebera, nem os respetivos montantes.

Deste modo, não se pode considerar que o simples facto de a DGAJ ter autorizado e realizado o pagamento das ajudas de custo e despesas de deslocação implique, sem mais, a criação de uma situação de confiança legítima de que tivesse direito a esses montantes.

Neste mesmo sentido, veja-se o que se escreveu no acórdão desta secção do contencioso, de 18.09.2018, processo n.º 101/17.6YFLSB[12]:

A conformidade legal da posição do CSM exclui, necessariamente, a violação dos princípios da confiança e boa-fé, próprios de um Estado de Direito democrático, porquanto aquela posição, nos termos sucessivamente assumidos, não podia criar uma justificada expetativa nas Recorrentes de que o abono das ajudas de custas seria pago enquanto o tribunal se mantivesse deslocalizado. (…)

Para além disso, não impressiona a circunstância de outra entidade administrativa ter procedido ao pagamento do abono das ajudas de custo por um período de tempo mais alargado, uma vez que tal procedimento não vinculava o CSM, para além da sua posição, como se viu, estar em conformidade com a lei aplicável.”

Percorrida a deliberação impugnada, afigura-se-me que tal como ali é dito “(…) com o pedido de reposição de dinheiros públicos, indevidamente recebidos, não está em causa a violação do invocado princípio da tutela da confiança. É decorrência do regime legal”.

Em conformidade, improcede a alegada violação do princípio da tutela da confiança.

e) Prescrição das quantias [artigos 52º a 55º da petição]

Defende, ainda, o demandante que, considerando o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 40.º, n.º 1, do Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE), e o facto de apenas ter sido notificado da deliberação impugnada em Julho de 2020, somente lhe poderia ser solicitada a devolução de quantias referentes ao período de Julho de 2015 a Outubro de 2016.

Respondeu o CSM que “estando em causa valores recebidos pelo Autor no período decorrido entre junho de 2014 a outubro de 2016, bem como as causas de suspensão/interrupção do prazo de prescrição advenientes do recurso aos meios impugnatórios administrativos e contenciosos, é indiscutível que não se encontra prescrito o direito de o ora Réu reclamar a reposição de tais valores indevidamente recebidos”.

Vejamos:

Os nºs 1 e 2 do artigo 40.º do RAFE, com a alteração introduzida pelo artigo 2º, do DL n.º 85/2016, de 21 de Dezembro, dispõem do seguinte modo:

1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.

2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-             -se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

O prazo de prescrição estabelecido no n.º 1 do mencionado artigo interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil prevista no artigo 323º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente[13].

Sob a epígrafe “Efeitos da interrupção”, estabelece o artigo 326.º do Código Civil:

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º”.

A propósito do artigo 323º, n.º 1, do Código Civil, escreveu-se na fundamentação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.03.2020, processo n.º 00032/17BEVIS, que, por sua vez, cita o acórdão do mesmo tribunal de 14.12.2012, tirado no processo nº. 0178/06.0BECBR[14]:

Esta norma do Código Civil, destinada a regular relações jurídicas entre privados deve ser interpretada em termos adequados a uma relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição de quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos tribunais, a reposição, e não em termos estritamente literais que seriam, no caso, inadequados.

Isto sendo certo que a Administração não recorre aos tribunais para obter a reposição de quantias que pagou, o particular é que tem de ir a Tribunal impugnar o ato que ordenou a reposição quer estejamos no domínio de um contrato, (…), quer não exista contrato.

Daí que, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 9º, do Código Civil, a norma em apreço deva ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas o conhecimento por parte do destinatário de qualquer ato da Administração que exprima direta ou indiretamente a intenção de obter a reposição (…)”.

Decidiu-se também no acórdão do STA de 20.04.2020, processo n.º 0592/07.3BESNT[15]:

II - O prazo prescricional de 5 (cinco) anos, postulado pelo art. 40.º n.º 1 do DL. 155/92 de 28 de julho, conta-se a partir da data do recebimento das quantias recebidas e a repor, interrompendo-se e/ou suspendendo-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição, ou seja, das que, com as necessárias adaptações, se encontram positivadas nos arts. 318.º a 323.º do Código Civil (CC) e supõe a exigibilidade ou possibilidade de cobrança de crédito preexistente, mas nada terá a ver com a definição dessa exigibilidade”.

Verifique-se, por outro lado, o que constava da fundamentação do acórdão do STJ de 10.12.2019, citado no ponto 25. da matéria de facto, que anulou a anterior deliberação do CSM:

Verificamos assim que o CSM fundamentou o seu pedido de reposição de dinheiros públicos, indevidamente recebidos, na anulação dos actos administrativos de processamento das ajudas de custo e de transporte referentes ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016, por considerar que está verificado o prazo de 5 anos para reclamar tais valores nos termos do artigo 168º, n.º 4, alínea b), do CPA e artigo 40.º, n.º 1, do Regime da Administração Financeira do Estado.

(…)

Podemos concluir que, efectivamente, seja ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do RAFE, seja ao abrigo do artigo 168.º, n.º 4, alínea b), do CPA, o prazo para reposição e/ou anulação dos actos, é de 5 anos a contar da sua emissão e que in casu na data em que o recorrente foi notificado - ofício datado de 11-09-2017 - da anulação de tais actos e para repor tais quantias (ajudas de custo e de transporte referente ao período de Junho de 2014 a Outubro de 2016) o prazo de 5 anos (a contar de cada processamento) ainda não tinha decorrido”.

A aplicação da regra contida no artigo 323.º do CC terá, portanto, de ser realizada com as “necessárias adaptações”, levando em conta as especificidades da relação jurídica administrativa.

Ora, decorre da matéria de facto assente que as quantias em causa respeitam ao período de Junho  de 2014 a Outubro de 2016.

Por outro lado, verifica-se que o despacho do Ex.º Senhor Vice-Presidente do CSM de 06.09.2017, que ordenava a reposição da quantia global de 13.461,97 €, respeitante às ajudas de custo e transporte, foi notificado ao demandante por ofício de 11.09.2017 – cfr. ponto 21. da matéria de facto. Foi, ainda, o demandante notificado da deliberação do Plenário do CSM de 06.03.2018, da qual veio a interpor recurso para o STJ e do acórdão que o decidiu, proferido em 10.12.2019, no processo 46/18........

Temos, desta forma, que a notificação (ainda que não judicial), operada pelo ofício de 11.09.2017, consubstancia uma atuação inequívoca que, indo para além da intenção, constituiu o próprio exercício do direito de reclamar a devolução das quantias em causa, sendo, por isso, causa de interrupção da prescrição.

Deste entendimento resulta a não verificação da alegada prescrição.

f) Direito a indemnização [artigos 56º a 64º da petição]

O demandante concluiu o articulado inicial pedindo, subsidiariamente, que lhe seja reconhecido o direito à atribuição de uma indemnização nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 168.º do CPA, “pelos danos anormais que sofre em consequência da anulação do ato da DGAJ que lhe havia atribuído e reconhecido o direito a ajudas de custo e transporte em causa, em quantia nunca inferior a 5000,00€”.

Para tanto alegou, em suma, que sempre esteve de boa-fé, convencido da legalidade do ato que lhe atribuiu o direito a ajudas de custo e despesas de deslocação, até porque o mesmo foi tomado pela entidade então competente para o efeito, a DGAJ, nada fazendo prever que um dia seria anulado, como sucedeu.

Acrescenta que “perante a possibilidade de lhe não serem pagas as deslocações em causa, são danos anormais, a utilização do seu automóvel, que jamais teria utilizado como fez, impondo-lhe o correspondente desgaste, praticamente diário, suportando os valores de revisões, pneus e outros consumíveis (…) Nem teria feito as jornadas com os horários que fez (…) suportando preço de almoços e jantares”. Por fim, se “soubesse que as portagens em deslocações de serviço não seriam pagas e inclusivamente algumas dessas deslocações, como alegado, jamais teria usado o seu automóvel em serviço. Ordenava, como nesse caso poderia fazer, que lhe fosse fornecido transporte de táxi, pago adiantadamente pelo Tribunal”.

O CSM pronunciou-se pela improcedência desta pretensão, referindo que “parece haver alguma confusão na formulação do pretenso pedido de indemnização, porquanto os pretensos danos são anteriores ao pedido de reposição das quantias indevidamente pagas, pelo que não são, de modo algum, consequência da anulação da deliberação precedente.” Acrescenta que não se verificam os pressupostos que justificam a obrigação de ressarcimento de danos, como sejam o nexo de causalidade entre a ação ou omissão da administração e os danos verificados.

O artigo 168.º, n.º 6, do CPA estabelece o seguinte:

 “A anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e tenham auferido, tirado partido ou feito uso da posição de vantagem em que o ato os colocava, no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em consequência da anulação.”.

Sobre este normativo escreveu Carlos Alberto Fernandes Cadilha[16]:

Por outro lado, o Código impõe certas condicionantes à anulação administrativa em termos algo equivalentes ao previsto para a execução de sentença anulatória, ao conferir aos beneficiários de atos constitutivos de direitos que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade o direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em consequência da anulação, mediante a remissão para o regime de indemnização pelo sacrifício (artigo 168.º, n.º 6).

(…)

A licitude do ato anulatório não afasta, em todo o caso, o dever de indemnização em função do grau de afetação do direito que foi ilegalmente constituído na esfera jurídica do destinatário, quando este tenha agido de boa fé”.

Ainda sobre a citada norma, diz Luiz S. Cabral de Moncada[17]:

Há pressupostos do direito de indemnização dos beneficiários do acto anulado. São dois, cumulativos; em primeiro lugar, devem desconhecer sem culpa a existência da invalidade ou seja, devem estar de boa-fé tal como no caso da indemnização a atribuir em consequência da revogação de acordo com o n.º 5 do art. 167.º e em segundo lugar, devem ter auferido vantagens, tirado partido ou feito uso da posição e vantagem em que o acto anulado os colocava. Significa isto que a vantagem decorrente do acto anulado deve ter entrado a fazer parte dos planos de vida do beneficiário respectivo, o que quer dizer que a sua anulação gerou um prejuízo ou dano ao beneficiário.

A indemnização calcula-se pelos danos anormais que o beneficiário sofreu em consequência da anulação. A referência é apenas a danos anormais(…)”.

Feito este enquadramento doutrinário do direito a indemnização tem, contudo, de dizer-se que o correspondente pedido não é comportável neste tipo de ação, dada a sua vocação estritamente anulatória (da deliberação do CSM de 02.06.2020).

Com efeito, a ação impugnatória de uma deliberação do Plenário do CSM é de mera legalidade, e não de jurisdição plena, o que implica que o recorrente apenas pode peticionar ao Supremo Tribunal de Justiça a sua declaração de nulidade ou anulação, com base na violação de normas e princípios jurídicos a que aquele órgão está sujeito (artigos 3.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1C:\Users\m.sofia.trindade_st\AppData\Local\Microsoft\Windows\Temporary Internet Files\Content.Outlook\QTP9OOH2\2018006-Contencioso-Inspe├º├úo Extraordin├íria- Proc  67-18 5YFLSB.doc - _ftn8, ambos do CPTA, ex vi artigo 166.º, n.º 2, do EMJ)[18], ficando, por isso, excluída a possibilidade de ser peticionado direito a indemnização baseado no artigo 168º, n.º 6, do CPA.

*

III.        DECISÃO

Em conformidade com o que ficou exposto, julga-se improcedente a presente ação.

*

Custas pelo demandante.

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LISBOA, 29 de Abril de 2021

 

(uma vez que a sessão se realizou por vídeo conferência, atesta-se, nos termos do artigo 15º-A do DL 10-A/2020, que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Ilídio Sacarrão Martins, Maria de Fátima Gomes, Maria Rosa Oliveira Tching, Conceição Gomes, Paula Sá Fernandes, Margarida Blasco e Maria dos Prazeres Beleza)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Com a nova redação do n.º 6 do artigo 128º esse prazo passou para 120 dias – Lei 72/2020, de 16 de Novembro.
[2] Consultável em www.dgsi.pt.https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2019:75.18.6YFLSB.B6/
[3] “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 3.ª edição, Quid Iuris, 2019, pág. 397.
[4] Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3ª edição, 2016, pág. 314.
[5] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo Pedro Siza Vieira, Vasco Pereira da Silva, “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, Almedina, 1992, pág. 194.
[6] “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume II, 4ª edição revista, Coimbra Editora, anotação ao artigo 268º, páginas 825 e 826.
[7] “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 3ª edição revista e atualizada. Quid Iuris, 2019, Obra citada, págs. 497 e 498.
[8] Sumários de Acórdãos do STJ, Secção do Contencioso, Boletim Anual de 2017.
[9] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 2ª edição, Almedina, fls. 592.
[10] “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 3ª edição, Quid Juris Sociedade Editora, 2019, pág. 106.
[11] Baptista Machado, “Obra Dispersa”, Volume I, página 358.

[12] Em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. acórdão do STA, de 06.06.2018, no processo n.º 01614/15, em dgsi.pt.

[14] Ambos consultáveis em www.dgsi,.pt.
[15] Disponível em www.dgsi.pt.
[16] “Implicações do Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo no direito processual administrativo”, Revista Julgar n.º 26, 2015, em http://julgar.pt.
[17] “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 3.ª edição Revista e atualizada, Quid Juris Sociedade Editora, 2019, pág. 568.
[18] Conforme decidido no acórdão desta Secção de 24.10.2019, no processo n.º 67/18.5YFLSB, em www.dgsi.pt.


Crê por isso que em causa está uma actuação de boa-fé e de plena confiança «os órgãos competentes da Administração, não constituindo a circunstância de não serem os mesmos quem agora exige a reposição que vai alterar a protecção da segurança jurídica que pensa ser devida no caso, particularmente, na tutela do princípio da confiança.” (doc. 9-A da contestação).