Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1574/13.1TBFIG.C2.S1
Nº Convencional: 2º SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONDIÇÃO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
MODO
RESOLUÇÃO
EFICÁCIA
TERCEIRO
REGISTO PREDIAL
SIMULAÇÃO
Data do Acordão: 10/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE / CONDIÇÃO E TERMO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / CONTRATOS EM ESPECIAL / DOAÇÃO / EFEITOS DA DOACÇÃO.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 437.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, 270.º, 276.º, 432.º, 435.º, 963.º E 966.º.
Sumário :
I. Ao distinguir entre a condição e o modo, é de adoptar o critério enunciado pela doutrina segundo o qual ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’; aplicando-o ao caso dos autos temos que a cláusula aposta ao contrato de doação celebrado entre a autora e o 1º réu, seu filho, ao impor a este o encargo de cuidar da doadora, configura uma cláusula modal e não uma condição resolutiva.

II. Deste modo, não é aplicável o regime das condições, consagrado nos arts. 270º e ss do CC, em particular o regime da retroactividade automática da condição previsto no art. 276º, mas antes o regime das cláusulas modais previsto nos arts. 963º ss do CC.

III. Em resultado da aplicação deste regime, num caso como o dos autos em que o contrato de doação reconhecia à doadora o direito de, ocorrendo incumprimento do encargo modal, resolver o contrato (art. 966º do CC), os efeitos da resolução operada pela autora encontram-se disciplinados pelas regras gerais da resolução dos arts. 432º e ss do CC.

IV. No que concerne aos efeitos relativamente a terceiros, valem as normas aplicadas pela Relação e previstas no art. 435º do CC, sendo a regra a inoponibilidade da resolução a terceiros, sem distinção entre terceiros de boa fé e terceiros de má fé; e a excepção a oponibilidade da resolução a terceiros se estiver em causa acção de resolução respeitante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo e se a acção tiver sido registada antes do registo do direito do terceiro ou terceiros.

V. No caso dos autos não se encontra preenchido o requisito da anterioridade do registo da acção em relação ao registo do direito do terceiro adquirente (o aqui 2º réu) nem dos terceiros credores hipotecários (os aqui intervenientes) pelo que lhes é inoponível a resolução do contrato de doação celebrado entre a autora e o 1º réu.

VI. Quanto à questão subsidiária da alegada verificação dos pressupostos da simulação absoluta quanto ao negócio de compra e venda celebrado entre o 1º e o 2º réus, não foi feita prova de factos que integrem os pressupostos da simulação absoluta (cfr. art. 240º do CC). 

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo (além do mais, já objecto de sentença de parcial extinção da instância por ilegitimidade activa, decidida em sede de audiência prévia – cfr. fls. 378v-379):

a) A declaração de resolução, por não cumprimento de encargo, da doação feita pela A. ao 1º R. na escritura de partilha e doações outorgada em 9 de Fevereiro de 1989 e lavrada a fls. 39v. a 42v., do livro 12-F, na Secretaria Notarial de …, relativa aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de ..., e decretado o cancelamento dos registos e inscrições relativos àqueles prédios efectuados a partir daquela escritura; e,

b) A condenação do 1º R. a indemnizar a A., em quantia a fixar judicialmente

[…]

d) A condenação dos RR. a restituir-lhe, livres de ónus ou encargos, os prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de …, bem como em sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento;

[…]

Subsidiariamente:

g) A anulação, por existência de uma condição resolutiva a favor da A., da compra e venda dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de …, efectuada através de escritura de compra e venda outorgada em 28 de Março de 2006 e lavrada a fls. 12, 12v., 13, 13v. e 14, do livro 25-A, no Cartório Notarial de DD, na comarca em que foi proposta a acção, e decretado o cancelamento de todos os registos e inscrições efectuados a partir daquela escritura e relativos àqueles prédios, e ordenada a sua restituição à A.  

Alegou para tanto que: em Fevereiro de 1989, na sequência do óbito do marido, EE, e da respectiva habilitação de herdeiros, foi outorgada escritura de partilha e doações nos termos da qual a A. doou ao 1º R., seu filho, duas verbas, que lhe tinham sido previamente adjudicadas, correspondentes aos dois identificados imóveis; que tal doação foi feita com a condição de o donatário cuidar da doadora na saúde e na doença, com todos os cuidados próprios à sua idade, designadamente no que dissesse respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares, reservando a faculdade de considerar resolvida a doação feita ao donatário faltoso; o donatário aceitou aquela doação sujeita àquele encargo e com aquela faculdade de resolução; o 1º R. não cumpriu o seu dever de prestar, pois não cuida da doadora nem quando esta está de boa saúde nem quando está doente, nem lhe presta os cuidados próprios da sua idade, não lhe fornece nem a auxilia na alimentação, e não acompanha nem financia os tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares de que a A. vai tendo necessidade; o donatário foi instado pela doadora a cumprir, sabendo que, se se mantivesse em tal situação de incumprimento, a A. lançaria mão da faculdade de resolução da doação; aqueles cuidados têm sido assegurados por terceiros e, sem eles, a A. há muito teria perecido, pelo que perdeu o interesse que tinha na prestação; entretanto, aqueles imóveis foram registados a favor do 2º R. porque o 1º R. foi responsável por um acidente de viação e a seguradora propôs contra o mesmo uma acção para exercitar o seu direito de regresso, a que se seguiu o respectivo processo executivo para o pagamento coercivo da quantia exequenda de cerca de € 36.000, e o 1º R., com o intuito de evitar a efectivação daquela responsabilidade, acordou com o 2º R. a transferência daqueles prédios para este, apesar de, na realidade, nenhum negócio terem querido realizar, tratando-se de uma simulação, continuando o 1º R., de facto, a ser proprietário e possuidor daqueles seus bens; com aqueles negócios pretendia também o 1º R. obstar a que o seu património fosse afectado pelos efeitos da resolução da doação que a A. muito provavelmente iria peticionar, dado o incumprimento em que vinha incorrendo; o 2º R. teve perfeita consciência do prejuízo que causaria à A. com aqueles negócios simulados; pelo facto de o 1º R. não cumprir o encargo em que ficou constituído, a A. teve que se socorrer da ajuda de terceiros para se alimentar, vestir e assegurar os tratamentos médicos de que foi necessitando, o que, além do mais, provocou nela tristeza e angústia.

O 2º R. contestou, tendo, além do mais, impugnado toda a factualidade e afirmado que a venda foi real; assiste-lhe a tutela de terceiro de boa fé, pois sendo adquirente oneroso, no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável, sendo que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico não prejudica os direitos adquiridos, sendo o registo da aquisição anterior ao registo da acção de nulidade.  

A A. replicou, mantendo a sua posição  

Houve intervenção principal provocada de terceiros, FF e GG, como credores hipotecários, na veste de associados dos RR., tendo aqueles feito seus os articulados do 2º R.  

Foi depois HH, filha da A., nomeada sua curadora provisória, nos termos e ao abrigo do art. 17º do Código de Processo Civil.  

A fls. 581 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo os RR do pedido.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por morte da A. foi deduzido incidente de habilitação; por decisão de fls. 688 foram habilitadas para ocuparem o seu lugar na presente acção as herdeiras II e HH.

Por acórdão de fls. 698 foi alterada a redacção do facto provado B) e, a final, foi proferida – com um voto de vencido e com fundamentação essencialmente diferente a respeito do regime de tutela dos terceiros adquirentes – a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, assim se revogando parcialmente a sentença recorrida, e, em consequência:

a) decreta-se a resolução da doação dos dois prédios ao 1º R, e ordena-se o cancelamento dos registos de inscrição de aquisição da propriedade sobre tais prédios a favor do 1º R.;      

b) no demais se mantendo a sentença apelada.”


2. Vem a A. habilitada HH interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“1. À condição resolutiva a que se sujeita uma doação são aplicáveis os artigos 270.º, 272.º, 274.º, 275.º e 276.º, todos do Código Civil.

2. Os efeitos da verificação da condição operam retroactivamente, à data da doação, pelo que os bens doados revertem para a doadora livres de quaisquer ónus ou encargos que o donatário tenha entretanto constituído sobre os mesmos, já que todos os actos de disposição se consideram ineficazes.

3. E esta ineficácia opera automaticamente com a resolução da doação, sendo oponível a terceiros ainda que estes tenham o seu direito previamente registado, na medida em que o que esses terceiros adquiriram foi um direito condicional.

4. Sabendo o “comprador” da existência do encargo de um dos prédios, ditam as regras da experiência que sabia também da existência desse mesmo encargo sobre o outro prédio, objecto da mesma escritura, até porque foi ele que forneceu os documentos ao Cartório Notarial e tratou de todas as formalidades, ao que era essencial deter a escritura de doação onde consta a cláusula resolutiva.

5. Sem prescindir: se o donatário, aquando da transmissão dos bens doados a terceiro, eventualmente não o informou da existência de tal cláusula resolutiva, trata-se de uma questão que se cinge à relação entre o vendedor e o comprador, ao nível da boa fé na negociação dos contratos com a consequente obrigação de transmissão de elementos essenciais ao negócio e que podem influir na vontade de contratar.

6. A doadora é terceira relativamente a este negócio, estando sempre a sua situação acautelada pela escritura de doação com a aposição da cláusula resolutiva.

7. Seja como for, a questão dos terceiros (relativamente à doadora e ao donatário) só releva para apuramento da responsabilidade por perda ou deterioração dos bens.

8. Ou seja, a restituição dos bens pelos terceiros, é um efeito automático da resolução da doação, mesmo que aqueles estejam de boa fé.

9. Pelo que tendo decidido de forma diferente, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 1269.º do Código Civil por remissão expressa do n.º 2 do artigo 274.º do mesmo Código.

10. Acresce que, a eficácia retroativa da resolução da doação não afeta unicamente o registo de aquisição a favor do donatário, mas também os registos posteriores, de forma a poder cumprir-se o, digamos assim, “trato regressivo”.

11. Decidindo de forma diversa, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 272.º, 274.º, 275.º e 276.º, todos do Código Civil.

12. Além da resolução, ainda foi objecto do litígio a simulação absoluta, já que os réus entre si nenhum negócio quiseram celebrar.

13. E existe o intuito de enganar terceiros (in casu, uma seguradora), intuito esse que até é fraudulento pois pretende prejudicar aquela entidade, existe um acordo simulatório e uma divergência intencional entre a vontade real e a declaração negocial.

14. Na sentença nenhuma referência é feita às declarações prestadas pelos réus e pelas testemunhas deste processo no processo n.º 185/08GAFIG que correu termos no Tribunal Judicial da …, conforme requerimento da autora de 25/10/2016, sobre o qual recaiu despacho de deferimento de 25/11/2016 e autorização do acompanhamento electrónico comunicado por ofício de 30/11/2016.

15. Pelo que o Tribunal a quo ignorou por completo prova importante para aferir da credibilidade das declarações prestadas pelas testemunhas, sendo certo que a autora chamou a atenção para a discrepância.

19. Na análise crítica da prova, o Tribunal de primeira instância não levou em consideração, como devia, as regras da experiência comum, tendo-se detido na mera análise da prova testemunhal, deslumbrado que ficou a sua quantidade, violando, por isso, o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.”


     Não houve contra-alegações.


      Também o 2º R. e os intervenientes interpuseram recurso. Por despacho de fls. 758, e após notificação das partes nos termos do art. 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, foi decidido não conhecer de tal recurso por falta de legitimidade e de interesse em recorrer.

        

         Cumpre apreciar e decidir do recurso da A. habilitada.


3. Vem provado o seguinte (incluem-se também factos que apenas relevariam para a apreciação de pedidos quanto aos quais foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa e, consequentemente, decretada a extinção parcial da instância – cfr. fls. 378v-379):

A) Em 9 de Fevereiro de 1989, na sequência do óbito de EE e da respectiva habilitação de herdeiros foi outorgada escritura de partilha e doações nos termos da qual, nomeadamente, a autora doou ao aqui primeiro réu as verbas seis e onze correspondentes a dois imóveis [sendo DOIS -Terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 3…4 e descrito sob a ficha n.º 1…3 e QUATRO - Terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 3…88 e descrito sob a ficha n.º 3…8] que tinham sido previamente adjudicadas à autora através do mesmo instrumento, por partilha dos bens pertencentes ao casal da mesma, dissolvido por morte do seu marido, sendo a tal doação atribuído o valor tributável das respectivas verbas, à data “dezassete mil duzentos e doze escudos”;

B) Tal doação foi feita pela autora com a condição (cláusula modal) de o donatário, aqui primeiro réu, cuidar da doadora “na saúde e na doença, com todos os cuidados próprios à sua idade, designadamente no que disser respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares” e [se] reservava-se a faculdade de considerar resolvida a doação feita ao donatário faltoso - condição esta que não foi levada a registo em relação ao prédio correspondente ao art. 3…88º, descrito sob o nº 3…8.

[redacção da sentença: B) Tal doação foi feita pela autora com a condição (cláusula modal) de o donatário, aqui primeiro réu, cuidar da doadora “na saúde e na doença, com todos os cuidados próprios à sua idade, designadamente no que disser respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares” e se reservava-se a faculdade de considerar resolvida a doação feita ao donatário faltoso - condição esta que não foi levada a registo]

C) O donatário, aqui primeiro réu, aceitou aquela doação sujeita àquele encargo e com aquela faculdade de resolução, condição essa que igualmente vigora relativamente às liberalidades feitas às duas filhas da autora, HH e II;

D) A mulher do 1º réu, casada sob o regime de comunhão de bens adquiridos com o mesmo, prestou ao cônjuge o consentimento para a inteira validade daquela doação, nos termos exarados;

E) Em 17 de Agosto de 2004, a seguradora JJ dirigiu ao primeiro réu um pedido de reembolso do valor de 44.467,82 €, a título de direito de regresso, porquanto este tinha conduzido sob o efeito do álcool veículo seguro interveniente em acidente de 21 de Janeiro de 2003; em 23 de Dezembro de 2004, e porque o primeiro réu não procedeu ao pagamento do valor do reembolso pedido por aquela companhia de seguros, foi-lhe remetida uma nova missiva, desta feita por parte de um advogado da JJ, insistindo pelo cumprimento voluntário do pedido, sob pena de ser intentada a competente acção judicial; e perante o não pagamento, a JJ propôs contra o primeiro réu acção declarativa de condenação, que correu trâmites sob o n.º 858/06.0TBFIG no … Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a que se seguiu o respectivo processo executivo, sob o n.º 858/06.0TBFIG-A, para o pagamento coercivo da quantia exequenda de 35785,44€;

F) Por escritura pública outorgada em 28 de Março de 2006, o primeiro réu declarou vender ao segundo, que declarou aceitar, pelo preço global de 57.630,00€ os seguintes prédios, sitos na freguesia de … e descritos na Segunda Conservatória do Registo Predial da …: UM - Casa de habitação, dependências e quintal, sitos em …, correspondente ao artigo 358 e descrito sob a ficha n.º 4…45; DOIS -Terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 3…4 e descrito sob a ficha n.º 1…3; TRÊS - Terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 3…27 e descrito sob a ficha n.º 4…46; QUATRO - Terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 3…88 e descrito sob a ficha n.º 3…8; CINCO - Vinha e terra de cultura, sita em …, correspondente ao artigo 4…64 e descrito sob a ficha n.º 4…47;

G) Entre os mesmos réus uma outra escritura pública foi outorgada, em 20 de Abril de 2006, lavrada no Cartório Notarial de DD, nesta comarca, na qual o primeiro declarou vender ao segundo, que declarou aceitar, pelo preço de 3.000,00€, metade indivisa de uma terra de cultura com uma fruteira, sita em …, freguesia de …, correspondente ao artigo 3…97 e descrita sob a ficha n.º 4…48 da Segunda Conservatória do Registo Predial da …- terra que corresponde ao quintal da casa de morada do primeiro;

H) Todos estes imóveis advieram ao património do primeiro através da escritura de partilha e doações, referida, da seguinte forma: por partilha subsequente ao óbito do pai do primeiro R., foram adjudicados a este os imóveis identificados em UM, TRÊS e CINCO e ainda a metade indivisa referida; por doação da cônjuge sobreviva, mãe do primeiro R., foram doados a este, que aceitou, os imóveis identificados em DOIS e QUATRO;

I) O primeiro réu continua a morar na sua casa de habitação, referida em UM supra, onde nasceu e sempre viveu, e também vive, em plena comunhão, a sua mulher desde a data do casamento entre ambos, não pagando qualquer valor ao segundo, seja a que título for, nomeadamente de renda; o primeiro continua, bem assim, a titular o contrato de fornecimento de energia eléctrica àquela habitação e a pagar as respectivas facturas; a água que abastece a casa é proveniente de um poço e o gás utilizado é comprado em botijas,- pelo que não há outros contratos de fornecimento de serviços essenciais relativos àquela habitação;

J) E continua a ser a morada daquela habitação a mesma que corresponde ao domicílio fiscal do primeiro réu;

K) Relativamente aos restantes imóveis, o primeiro réu continuou a usufruir o prédio constituído por metade indivisa (quintal), e continua a cultivá-lo e a colher os respectivos frutos, a extrair o mato e a proceder à sua limpeza, por si e por intermédio de outrem, tal como fazia antes daquelas escrituras;

L) De igual modo, também a propriedade do veículo automóvel do primeiro réu - de matrícula ...-...-AB, por si adquirido em 22 de Junho de 2002 - foi transmitida para o segundo réu em 8 de Maio de 2006;

M) O primeiro réu continua na posse de todos os documentos do referido veículo e foi também na titularidade do primeiro réu que continuou o respectivo seguro automóvel, tendo sido sempre ele a pagar as respectivas facturas; assim como foi o primeiro réu que continuou a liquidar os respectivos impostos (cfr. doc. 63 a 67); a levar o veículo às inspecções técnicas periódicas, liquidando os respectivos valores (cfr. doc. 68 a 75), o mesmo acontecendo com os episódios de manutenção (cfr. doc. 76 a 78);

N) Mantendo o primeiro réu em sua posse os originais de todos aqueles documentos, e não o segundo réu,

O) O 2º réu pagou os impostos dos imóveis objecto das escrituras de compra e venda, conforme documentos de liquidação de IMI respeitante aos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012.

P) Uma parcela do imóvel inscrito na matriz sob o artigo n.º 4…66 (o qual não foi objecto de venda ao 2º réu) estava em posse administrativa pela KK, S.A, posse administrativa aquela efectuada no âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública que acabou por culminar num contrato-promessa entre a KK e o primeiro réu em 15-01-2007 e na subsequente expropriação amigável em 07-08-2008, resultando de declaração de utilidade pública urgente de 22 de Abril de 2008.

Q) À data da audiência de julgamento, a autora encontra-se completamente dependente de terceiros para satisfazer todas as suas necessidades básicas; sozinha não consegue higienizar-se e vestir-se; para se alimentar, precisa da ajuda de terceiros; não consegue efectuar as mais elementares lides domésticas, como sejam limpar, tratar das roupas e cozinhar; não consegue administrar a si própria a medicação diária que lhe tem vindo a ser receitada pelos médicos; nem consegue, pelos seus próprios meios, deslocar-se ao centro de saúde, ao hospital ou à mercearia; não se aguenta muito tempo em pé, caminhando com muita dificuldade; perdeu totalmente a visão de um dos olhos, vendo mal do outro, reconhecendo as pessoas pela respectiva voz.

R) A autora é uma octogenária viúva que, além da debilidade própria da sua idade, sofre de doenças relacionadas com ansiedade, situação clínica que irá agravar-se progressivamente.

S) Se os medicamentos para a ansiedade não forem tomados pela autora da forma prescrita, a mesma fica desorientada, chegando a perder noção do sítio onde se encontra;

T) A situação de saúde da autora, já octogenária, agravou-se cerca de um ano antes da propositura, altura em que a irmã do primeiro réu, HH, filha da autora, a acolheu em sua casa, situada na mesma localidade da casa daquele.

U) Para poder prestar os devidos cuidados à sua mãe, aqui autora, a sua filha HH optou por trabalhar somente três horas por dia, entre a hora do almoço e a hora do lanche, pois a autora não reúne os requisitos mínimos de autonomia para poder frequentar o centro de dia da área da sua residência.

V) É a filha HH, coadjuvada pelo seu marido, e apoiada pela irmã II - que cuida da autora, provendo à satisfação de todas as suas necessidades básicas.

W) De facto, é aquela filha da autora que lhe dá banho, lhe trata das roupas, a veste e despe, confecciona as refeições e a auxilia na sua ingestão, a deita na cama e lhe coloca a fralda para dormir, a leva aos médicos e lhe administra os medicamentos e trata de toda a lide doméstica para que a mesma viva com limpeza e conforto.

X) Apesar de viver muito perto, o primeiro réu não presta qualquer cuidado à autora nem lhe entrega qualquer quantia monetária para a ajudar nas despesas.

Y) A autora recebe uma reforma mensal de 420,00€, onde se incluem já os duodécimos, rendimento que se esgota mensalmente com o pagamento dos medicamentos, das fraldas, dos resguardos de cama e dos cremes hidratantes para prevenir feridas, todos para a autora.

Z) Todas as outras despesas – alimentação e vestuário – da autora têm sido suportadas exclusivamente pela filha HH e outra irmã.

AA) Desde há cerca de um ano à data da propositura- cerca de 2012/13 que o primeiro réu não cuida da doadora, aqui autora, nem lhe presta os cuidados próprios da sua idade- não lhe fornece nem a auxilia na alimentação, não acompanha nem financia os tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares de que a autora vai tendo necessidade;

BB) Não assegurou a prestação daquela assistência, nem por si nem através de terceiro - o réu também nunca delegou tal assistência noutrem, nomeadamente na sua mulher, a qual também nunca prestou nenhum daqueles cuidados;

CC) Alienou-se da autora, não a auxiliando nas deslocações aos médicos, apesar de dispor de um carro, nem entregando qualquer quantia monetária para que vg. se pudesse contratar uma pessoa para cuidar da autora em casa ou então se internar a autora numa lar de terceira idade.

DD) O facto de o 1º réu haver alienado os bens doados, provocou na autora alguma perturbação, no contexto de um quadro mental de deterioração senil.

EE) Relativamente aos prédios identificados em A), o 2º R. registou a sua aquisição em 2.6.2006 e os terceiros intervenientes, credores hipotecários, registaram a hipoteca em 24.4.2008. [aditado pela Relação]

FF) A presente acção foi registada em 16.7.2015. [aditado pela Relação]


Factos dados como não provados:

1) As referidas vendas ao 2º réu foram feitas com o intuito de evitar a efectivação da responsabilidade da actuação de regresso da seguradora,- o que importaria a quase total delapidação do seu património, o primeiro réu acordou com o segundo a transferência de todo o património daquele para este - em “venda fantástica”, pois apesar de formalmente todo o património passar a ser titulado pelo segundo na realidade nenhum negócio queriam realizar, continuando o primeiro, de facto, a ser proprietário e possuidor daqueles seus bens; e assim, a seguradora exequente não lograria obter o pagamento do seu crédito por inexistência de bens penhoráveis;

2) Foi em execução de tal acordo simulatório que foram outorgadas as escrituras públicas de 28 de Março de 2006 e 20 de Abril de 2006; e apesar do que foi declarado naquelas escrituras, o comprador, aqui segundo réu, nada pagou ao vendedor, aqui primeiro réu, o qual nada recebeu, tendo a escritura sido outorgada em execução do mencionado acordo simulatório entre ambos;

3) De igual modo, ainda em execução do acordo simulatório, também a propriedade do veículo automóvel do primeiro réu - de matrícula ...-...-AB, por si adquirido em 22 de Junho de 2002 - foi transmitida para o segundo réu em 8 de Maio de 2006;

4) O 1º réu foi instado pela doadora a cumprir.

5) O 1º réu sabia que, se se mantivesse em tal situação de incumprimento, a autora lançaria mão da faculdade de resolução da doação, pois esta só lhe tinha sido feita em vista unicamente do cumprimento daquele encargo,

6) Sendo aqueles cuidados assegurados por terceiros, sendo que, sem eles, a autora há muito teria perecido;

7) Apesar das declaradas transmissões, o primeiro réu continuou a usufruir, ininterruptamente, de todo aquele seu património tal como fazia antes delas, sempre com a consciência de ser seu proprietário e legítimo possuidor.

8) Aquando da compra da metade indivisa do artigo rústico, inscrito na matriz predial da freguesia da …, sob o nº 3….97, foi primeiro avisada pelo 1º réu a filha da Autora (II) para comprar tal prédio, visto que já era dona de metade; porém, aquela filha II, não quis comprar tal prédio; e daí ter sido comprado pelo 2º réu após negociações para o efeito.

9) Relativamente aos rústicos objecto da doação - o primeiro ré continuou a deles usufruir, com a consciência de ser seu proprietário e legítimo possuidor - sendo prédios rústicos, continua a cultivá-los e a colher os respectivos frutos, a extrair o mato e a proceder à sua limpeza, por si e por intermédio de outrem, tal como fazia antes daquelas escrituras;

10) A HH sofre de uma depressão há já 25 anos, tomando desde então medicação para o seu tratamento; esta filha HH tem vindo a acusar algum cansaço pelo tratamento da autora recair exclusivamente sobre si; por causa disso, a filha HH só com alguma dificuldade consegue realizar todos os seus afazeres; deparando-se com esta situação, que reputa de injusta, a autora decidiu então propor a presente acção, já que a doação a que procedeu em benefício do primeiro réu só foi feita para que este dela cuidasse.

11) A autora sofre da tiróide e coração, e para controlo da tiróide, a autora tem que se submeter a análises ao sangue mensalmente; com cada vez mais frequência, precisa de cuidados médicos urgentes, tendo de se deslocar entre casa e o hospital, no que é sempre acompanhada pela filha HH, mas nunca pelo primeiro réu; dorme com fralda por já não conseguir controlar os esfíncteres.

12) O emolumento devido pelo ato de registo do veículo foi pago pela mulher do primeiro réu e não pelo adquirente, aqui segundo réu como seria normal;

13) Só após Julho de 2009 o primeiro réu deixou de utilizar o veículo, por incapacidade económica de suportar o custo da reparação dos danos que sofreu na sequência de um acidente de viação em que interveio na Gala naquela data;

14) Desde então, aquele veículo está guardado num anexo da casa de habitação do primeiro réu;

15) Com aqueles negócios pretendia também o primeiro réu obstar a que o seu património fosse afetado pelos efeitos da resolução da doação que a autora muito provavelmente iria peticionar, dado o incumprimento em que vinha incorrendo, sabendo o 1º réu que ao transmitir o seu património para terceiro, a autora não conseguiria obter a satisfação integral do seu crédito,

16) Sendo também do conhecimento do segundo réu, que tinha perfeita consciência do prejuízo que causaria à A. com aqueles negócios simulados.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Oponibilidade a terceiros da eficácia retroactiva da resolução do contrato de doação celebrado entre a A. e o 1º R., devendo os dois prédios reverter para a doadora livres de ónus ou encargos;

Subsidiariamente:

- Verificação dos pressupostos da simulação absoluta quanto ao negócio de compra e venda celebrado entre o 1º e o 2º RR.


6. Relativamente à questão de saber se, como alega a A. habilitada, aqui Recorrente, a eficácia retroactiva da resolução do contrato de doação celebrado entre a A. e o 1º R. é oponível a terceiros, devendo os dois prédios reverter para a doadora livres de ónus ou encargos, importa começar por esclarecer que vem dado como assente (e não pode ser já posto em causa sem se incorrer em reformatio in pejus em relação à Recorrente) que o 1º R. incumpriu o encargo modal a que se encontrava adstrito e que, através da presente acção, a falecida A., em cujo lugar a Recorrente foi habilitada, exerceu o direito, contratualmente previsto, de resolver o contrato de doação entre si e o 1º R.

Com efeito, a apelação da A. foi julgada parcialmente procedente, tendo o acórdão recorrido decretado “a resolução da doação dos dois prédios ao 1º R.” e ordenado “o cancelamento dos registos de inscrição de aquisição da propriedade sobre tais prédios a favor do 1º R.”.      

    Assim, aquilo que está em discussão no presente recurso é tão-só determinar se a resolução do contrato de doação produz ou não efeitos em relação a terceiros, no caso, em relação ao terceiro (o aqui 2º R.) que adquiriu os imóveis ao donatário (o aqui 1º R.) assim como em relação aos terceiros credores hipotecários (os aqui intervenientes).

Consideremos os termos em que as instâncias apreciaram esta questão.

A 1ª instância entendeu que – ainda que a resolução tenha eficácia retroactiva equiparável aos efeitos da nulidade e da anulabilidade – no caso dos autos, não tendo o encargo modal sido registado (cfr. facto B) na redacção dada pela sentença), não podia a resolução ser invocada perante o donatário nem tampouco podia ser oposta ao terceiro adquirente, o aqui 2º R. Além do mais, este encontra-se protegido pelo regime do art. 291º do CC (inoponibilidade da invalidade a terceiro de boa fé), regime aplicável à resolução com efeitos retroactivos.

Tendo a A. interposto recurso de apelação, impugnando a matéria de facto e pedindo a reapreciação da decisão de direito, a Relação veio alterar a redacção do facto B), dando como provado que “a condição (cláusula modal)” “não foi levada a registo em relação ao prédio correspondente ao art. 3688º, descrito sob o nº 308”; pelo que, a contrario, tal cláusula foi registada quanto ao outro imóvel identificado no facto A).

Contudo, no entender da Relação, esta diferença no registo de um e outro imóvel não implica consequências diferenciadas no tratamento das questões dos autos.

No que respeita às relações entre a A. e o 1º R., partes do contrato de doação no qual a cláusula modal foi aposta, o acórdão recorrido entendeu ser irrelevante que tal cláusula tenha sido registada quanto a um imóvel e não registada quanto a outro. Estando em causa a relação entre as partes, a falta de cumprimento do encargo pelo donatário (o aqui 1º R.) permitia à doadora (a falecida A.) resolver o contrato.

Já quanto à questão – objecto do presente recurso – da oponibilidade a terceiros dos efeitos retroactivos da resolução, pronunciou-se a Relação nos termos seguintes:

“(…) importa saber se a resolução da doação operada em relação ao 1º R. afecta o 2º R.

A regra é a de que a resolução não prejudica os direitos adquiridos por terceiros (art. 435º, nº 1, do CC).

Efectivamente, como explica A. Varela (no CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao mencionado artigo, pág. 386), a eficácia retroactiva da resolução do contrato, admitida no artigo anterior, não atinge terceiros que tenham, entretanto, constituído direitos opostos aos efeitos da resolução. E quer se trate de direitos adquiridos a título oneroso, quer a título gratuito. E não distingue também a lei, ao contrário do que sucede em matéria de nulidade e anulabilidade (art. 291º), entre terceiros de boa e má fé. É que não há, rigorosamente, na resolução má fé de terceiros. Estes, embora, conheçam a possibilidade legal ou contratual do exercício do direito de resolver o negócio, não têm de agir em harmonia com o exercício ou não exercício de tal direito.

Todavia, no caso do nº 2 de tal dispositivo já não é assim. Se a acção de resolução for registada anteriormente ao registo do direito de terceiro sobre bens imóveis, o direito de resolução já é oponível a este terceiro.

No caso, tratando-se de bens imóveis isso não sucedeu, pois o registo da acção é posterior à aquisição pelo 2º R. dos dois referidos imóveis, como da inscrição hipotecária a favor dos terceiros intervenientes principais. Inclusive a data da própria propositura da acção (1.7.2013), data a que a apelante atribuía advenientes efeitos resolutórios da doação, é posterior a tais registos.

Como assim, os direitos do 2º R. e dos intervenientes principais não são afectados.

Não procede, por isso, o recurso nesta parte.”    


A Recorrente contesta esta decisão, invocando que a cláusula aposta ao contrato de doação reveste a natureza de condição resolutiva pelo que, de acordo com o regime dos arts. 270º e segs. do CC, “Os efeitos da verificação da condição [o incumprimento do contrato pelo 1º R.]operam retroactivamente, à data da doação, pelo que os bens doados revertem para a doadora livres de quaisquer ónus ou encargos que o donatário tenha entretanto constituído sobre os mesmos, já que todos os actos de disposição se consideram ineficazes”, devendo entender-se que a ineficácia da doação é oponível a terceiros, uma vez que o direito por estes adquirido é condicional e, consequentemente, devendo considerar-se afectados não apenas o registo dos bens a favor do donatário mas também os registos posteriores a favor do adquirente (o aqui 2º R.) e dos credores hipotecários (os aqui intervenientes). Acrescenta que a tutela dos terceiros, na medida em que se encontrem de boa fé (a respeito da constituição ou transmissão de direito sobre o imóvel relativamente ao qual o encargo foi inscrito no registo) se reconduz ao regime do possuidor de boa fé por remissão do art. 274º, nº 2 do CC.

Quid iuris?

O cerne da questão decidenda assenta na distinção entre a figura do modo e a figura da condição, distinção clássica na dogmática civilística. Nas palavras de Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II – Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 437):

“Se a condição for resolutiva (e é o caso mais significativo de proximidade entre os institutos), a diferença de regime entre a condição e o modo pode sintetizar-se numa fórmula equivalente à anterior [relativa à distinção entre condição suspensiva e modo]: ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’. O alcance da distinção é o seguinte. Se há uma condição resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, mas o negócio resolve-se – ‘automaticamente’, «ipso facto» -, se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que, contudo, não está obrigado. Pelo que respeita ao modo, ele obriga; mas se não for cumprida a obrigação, como atrás exposto, mesmo quando a resolução possa ter lugar, ela não opera automaticamente: ‘o não cumprimento apenas confere o direito potestativo à resolução’.”


Aplicando o enunciado critério distintivo – ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’ – temos que, no caso dos autos, a cláusula aposta ao contrato de doação celebrado entre a falecida A. e o 1º R., seu filho, ao impor a este o encargo de cuidar da doadora, configura uma cláusula modal e não uma condição resolutiva.

Deste modo, não é aplicável o regime das condições, invocado pela Recorrente e consagrado nos arts. 270º e segs. do Código Civil, em particular o regime da retroactividade automática da condição previsto no art. 276º do mesmo Código, mas antes o regime das cláusulas modais previsto nos arts. 963º segs. do CC. Em resultado da aplicação deste regime, e tal como entendeu o acórdão recorrido, num caso como o dos autos em que o contrato de doação reconhecia à doadora o direito de, ocorrendo incumprimento do encargo modal, resolver o contrato (art. 966º do CC), os efeitos da resolução operada pela A. encontram-se disciplinados pelas regras gerais da resolução dos arts. 432º e segs. do CC. No que concerne aos efeitos relativamente a terceiros, valem as normas aplicadas pela Relação e previstas no art. 435º do mesmo Código, a saber:

“1. A resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro.

2. Porém, o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção.”


A regra é, pois, a da inoponibilidade da resolução a terceiros, sem distinção entre terceiros de boa fé e terceiros de má fé. A excepção é a da oponibilidade da resolução a terceiros, se se verificarem os pressupostos do nº 2: estar em causa acção de resolução respeitante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo; ter a acção sido registada antes do registo do direito do terceiro ou terceiros.

No caso dos autos, relevam os seguintes factos provados:

EE) Relativamente aos prédios identificados em A), o 2º R. registou a sua aquisição em 2.6.2006 e os terceiros intervenientes, credores hipotecários, registaram a hipoteca em 24.4.2008. [aditado pela Relação]

FF) A presente acção foi registada em 16.7.2015. [aditado pela Relação]


Assim, e como ajuizou o acórdão recorrido, ainda que se trate de acção de resolução respeitante a bens imóveis, não se encontra preenchido o requisito da anterioridade do registo da acção em relação ao registo do direito do terceiro adquirente (o aqui 2º R.) nem dos terceiros credores hipotecários (os aqui intervenientes).

Confirma-se assim o entendimento do acórdão recorrido quanto à inoponibilidade, ao 2º R. e aos intervenientes, da resolução do contrato de doação celebrado entre a falecida A. e o 1º R.


7. A respeito da questão subsidiária da alegada verificação dos pressupostos da simulação absoluta quanto ao negócio de compra e venda celebrado entre o 1º e o 2º RR., limita-se a Recorrente a reproduzir, nas conclusões 12 a 19 do recurso de revista as conclusões 24 a 28 do recurso de apelação, sem atender a que, ao apreciar este recurso, a Relação não lhe deu razão quanto à prova dos factos alegados susceptíveis de integrar os pressupostos da simulação absoluta (art. 240º do CC).  

Tendo a Relação mantido tais factos alegados como não provados (pontos 1), 2), 7), 9), 15) e 16)), é manifestamente improcedente a pretensão da Recorrente de, quanto ao negócio celebrado entre o 1º e o 2º RR., se encontrarem verificados os pressupostos da simulação absoluta


8. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso da A. habilitada, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente, sem prejuízo da protecção judiciária de que beneficia.


Lisboa, 3 de Outubro de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho