Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
135/21.6JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ADELAIDE MAGALHÃES SEQUEIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
ERRO DE ESCRITA
ATENUAÇÃO ESPECIAL
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO E JULGADO.
Sumário :
I - A matéria de facto dada como assente comprova que o arguido efectuou um transporte intercontinental (do Brasil para Portugal), por via aérea, de estupefaciente proveniente da América do Sul, viajando com 6.649,400 gr. de cocaína, distribuída e dissimulada por duas malas de porão, que dariam no total para 13.137 doses que, caso fosse entregue, e posteriormente comercializada, revestiria impacto já significativo no mercado onde viesse a ser consumida e iria gerar elevados proventos a quem a viesse a distribuir e a vender.
II - O estupefaciente transportado pelo arguido, cocaína, apresenta um acentuado grau de perigosidade para a saúde, dado o seu elevado poder aditivo, e para a sociedade, por gerar uma premência nos consumidores em angariar meios para a sua aquisição, induzindo-os à prática de outros tipos de crimes para esse efeito.
III - O arguido agiu com dolo directo e intenso, com plena consciência da ilicitude e da censurabilidade da sua conduta, tendo a sua actividade delituosa sido comandada pela única intenção de obter uma compensação monetária, não podendo desvalorizar-se a sua responsabilidade criminal, no sentido de merecer um tratamento penal de favor, dado o papel desempenhado pelos chamados “correios de droga”, que constituem uma peça fundamental na execução do tráfico de estupefacientes e na respectiva cadeia delitiva.
IV - Num quadro em que as necessidades de prevenção geral são elevadas e as necessidades de prevenção especial de socialização são medianas, tendo presente as finalidades da pena, o funcionamento dos factores atinentes à ilicitude e à culpa, a moldura do crime de tráfico de estupefacientes cometido (entre os 4 a os 12 anos de prisão), e os padrões sancionatórios utilizados neste STJ, entende-se justa e adequada às finalidades de prevenção, e proporcional à culpa e à personalidade do arguido, a pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão aplicada em 1.ª instância, a qual não afronta os princípios da necessidade, da proibição do excesso, e da proporcionalidade das penas, do art. 18.º, n.º 2, da CRP, nem ultrapassa a medida da sua culpa, revelando-se adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, ficando explicitamente prejudicada a análise da sua suspensão, face ao limite fixado no art. 50.º do CP.
Decisão Texto Integral:


Proc. nº 135/21.6JELSB.L1.S1
5ª Secção Criminal
Supremo Tribunal Justiça

Recurso Penal de Acórdão da 1ª Instância
(crime de tráfico de estupefacientes, atenuação especial da pena; medida da pena, suspensão execução da pena)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

1. O arguido AA, foi submetido a julgamento, em 02/12/2021, no Proc. Comum Colectivo nº 135/21.6JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 5, da Comarca de Lisboa, tendo sido condenado pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21°, n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-B, anexa a este diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, e na pena acessória de expulsão do território nacional, prevista no art. 151° da Lei n.° 23/2007, de 4/07, e no art. 34°, n° 1, do Dec. Lei nº 15/93, pelo período de 5 (cinco) anos.

2. O arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal, no qual pugna pela aplicação da atenuação especial da pena e/ou pela redução da medida da pena e pela suspensão da respectiva execução, apresentando as seguintes conclusões (transcrição)[1]:
“1. O Recurso, ora interposto, tem por Objecto a Matéria de Direito circunscrevendo-se à Atenuação Especial da Pena e à Medida Concreta da Pena, aplicada ao Recorrente pelo Distinto Colectivo que compôs o Tribunal a quo e ad cautelum à (eventual) Suspensão da Execução da Pena que os Colendos Juízes Conselheiros venham, in concreto, a considerar Justa.
2. O Recorrente chegou a Julgamento acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de Um (01) Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes, previsto e punido pelo Artigo 21.º, N.º 1 do Decreto-Lei N.º 15/93 de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-B do mesmo Diploma.
3. Efectuado o Julgamento e produzida a Prova que suportava a querela do Ministério Público, e também a que abonava o seu carácter, optou o Recorrente por - manifesta vergonha e arrependimento do que havia perpetrado – dar palavra ao que de mal fez e que o Acusador lhe imputava, confessando a totalidade das factualidades.
4. Com essa postura deu sinais objectivos de forte e sincero arrependimento de tudo o que fez e o levou a Julgamento.
5. Em sede de Acórdão veio o Recorrente a ser Condenado - pela prática de Um Crime de Tráfico de Estupefacientes previsto e punido pelo Artigo 21.º, N.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B – na Pena de Cinco anos e Oito meses de prisão.
6. Ora acontece que, salvaguardado o devido respeito o Tribunal a quo ao aplicar Cinco anos e Oito meses de Prisão ao Recorrente como Pena deu mostras de, nesse Juízo, ter descurado o critério de determinação da Pena.
7. Advindo desse Douto Juízo uma manifesta desconformidade com a Prova produzida em Audiência de Julgamento e com as próprias Regras da Experiência, em bom rigor e no caso concreto, o Tribunal a quo decidiu, em parte, contra o que se provou e não provou, dando, por conseguinte, como provados factos cuja ressonância permitem uma valoração bem mais favorável à Pena que foi aplicada ao Recorrente.
8. Escrutinado o teor do Douto Acórdão Recorrido e a Prova produzida em Audiência, junta aos Autos e vertida nos factos dados por provados, constata-se, com elevado e respeitoso reparo, existirem elementos especialmente Atenuadores da Pena aplicada ao Recorrente que não foram levados em conta na Decisão final.
9. Efectivamente, existiram circunstâncias Prévias, Contemporâneas e Posteriores que, com o merecido respeito, não se vislumbram terem sido consideradas.
10. Desde logo resulta, quer das Declarações do Recorrente (em sede de Julgamento e junto da técnica de reinserção social), quer do teor do Relatório Social para Determinação da Sanção, que a força motriz da decisão criminosa do Recorrente, um individuo com 42 anos de idade, pai de uma menor de idade e casado, adveio das carências económicas que atravessava fruto da pandemia do Covid 19 que vimos atravessando e que o impediam de levar o pão à boca da sua prole e de lhes provir nas necessidades básicas.
11. De igual modo, não pode deixar de ser atendido o facto de a quantidade de produto estupefaciente ser exíguo - quando comparado com outros Autos em que se julgam dezenas, centenas e até toneladas - não atingir sequer os 6,5kg.
12. Resulta também que, posteriormente à prática daqueles ilícitos, o arrependimento lhe inundou o espírito. Bastará, para o feito, atentar nas declarações prestadas em sede de Julgamento e junto da Técnica de Reinserção Social que elaborou o Relatório Social para efeitos de determinação da sanção.
13. Deste modo, bem vistas e consideradas estas circunstâncias, não será difícil a V/Ex.ªs alcançarem, no Vosso Douto entendimento, que o Recorrente, praticou o Crime pelo qual foi condenado, não por mero capricho criminoso, mas para, fruto da sua circunstância a que não é alheia a época pandémica que se atravessa, poder prover às suas necessidades básicas e da sua filha, esposa e progenitora.
14. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena deveria o Colectivo, em sede de Sentença, ter atenuado o quantum condenatório do Crime em que o condenou.
15. Assim, considerando que decorre do N.º 1 do Artigo 21.º do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de Janeiro que “1.Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”, deveria a conduta do Recorrente no Crime de Tráfico de Estupefacientes ter sido censurada em pena de prisão perto do mínimo legal, isto é, dos quatro anos.
16. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena, deveria o Colectivo, em sede de Sentença, ter atenuado o quantum condenatório desse Crime, ao não o fazer violou, entre outros normativos que V/Ex.ªs doutamente suprirão, o preceituado nos Artigos 72.º, 73.º do Código Penal e Artigo 21.º, N.º 1 do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de Janeiro.
17. No que respeita à Medida Concreta da Pena, Cinco anos e Oito meses de prisão, aplicada pelo Distinto Tribunal a quo, o Recorrente, mui respeitosamente, preconiza-a como excessiva, peticionando outra mais benévola, sem, todavia, ter a pretensão de Vos indicar em rigor qual.
18. Deste modo, pese embora a Prova produzida em Julgamento permita consubstanciar o juízo de condenação, por parte da factualidade dada por provada, formulado pelo Tribunal a quo, ainda assim atento o supra exposto, pronunciamo-nos pela aplicação de uma Pena mais reduzida ao Recorrente.
19. Com efeito, quanto a este ponto, impõe-se afirmar que a Pena infligida ao Recorrente (Cinco anos e Oito meses de Prisão) é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama, atentas quer a quantidade de produto estupefaciente (6,5kg) e
sua pureza (entre os 36% e os 41%, isto é, perto dos 40% de pureza), quer os valores e objectos apreendidos, quer ainda o modo e incipiência em que o mesmo foi praticado. Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos, em que as Penas aplicadas não raras vezes, por produtos estupefacientes de natureza mais nefasta (Heroína, Metanfetaminas e derivados) e quantidades exponencialmente superiores e de grau de pureza perto dos 100%, senão suspensas na sua execução, são inferiores àquela que lhe foi aplicada.
20. O Direito não é matemática nem ciência exacta, é certo, porém a Justiça impõe e a Sociedade reclama que casos idênticos, senão iguais, sejam censurados em sede de Culpa e Medida da Pena em quantuns senão iguais pelo menos aproximados. O que bem vistas as coisas não ocorreu no Acórdão Recorrido, para mais quando são conhecidos - e V/Ex.ªs sabê-lo-ão melhor que o Recorrente - outros Autos em que as Penas aplicadas em iguais circunstâncias por produtos estupefacientes mais danosos á saúde pública e quantidades e graus de pureza manifestamente superiores foram, e ainda que não se compreenda e aceite hão-de continuar a ser, inferiores à que foi aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo.
21. É pois este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente: Será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Pena tão elevada a este homem de trinta e nove anos de idade, com uma família ao encargo e suporte familiar de ajuda à sua reintegração, aqui Recorrente da Vossa Justiça, quando em outros Autos de iguais circunstâncias - por maiores quantidades de Produto Estupefaciente e grau de pureza manifestamente bem mais elevado – são aplicadas Penas de Prisão inferiores àquela que lhe foi aplicada?
22. Entre muitos outros do conhecimento de V/Ex.ªs, serão os casos dos Arestos dos Pares de V/Ex.ªs no Supremo Tribunal de Justiça prolatados a:
- 07 de Dezembro de 2006 no Processo N.º 06P1711 quando se decidiu que “É suficiente a pena especialmente atenuada - DL 401/82, de 23- 09 -, de 5 anos de prisão (e não a de 6 anos e 6 meses, aplicada na 1.ª instância), pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, a um arguido de nacionalidade ..., sem qualquer ligação a Portugal, nem passado criminal, que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto ..., procedente de ... e em trânsito para ..., transportando no fundo falso das mochilas e no seu organismo, embalagens com cocaína, com os pesos líquidos de 7395,090 g e 993,600 g, respectivamente.”;
- 23 de Janeiro de 2008 no processo n.º 4567/07-... Secção em que um cidadão BB desembarca no Aeroporto ..., proveniente de ..., trazendo consigo, impregnada em 44 peças de roupa, cocaína, com grau de pureza de 14,6 e com o peso total bruto de 13.940 gramas e lhe foi aplicada uma Pena de 5 anos de prisão;
- 10 de Julho de 2008 no processo n.º 1217/08-... Secção referente a Transporte aéreo de droga proveniente de ..., em que o arguido desembarca no Aeroporto ..., trazendo cocaína com o peso global de 8.364,400 kg, dissimulada em 3 latas de conserva e a Pena aplicada em 1.ª Instância (5 anos e 6 meses) lhe foi reduzida para 04 anos de Prisão;
- 20 de Outubro de 2011 no processo n.º 35/11…-5.ª Secção referente a Transporte por cidadã ..., com antecedentes criminais pela prática de idêntica infracção, de ... para ...,
trazendo impregnada na estrutura da mala de porão, 16.813,100 gramas de cocaína (peso líquido) com um grau de pureza de 27,4/% em que lhe foi aplicada pela 1.ª Instância e mantida pelo STJ a Pena de 5 anos e 9 meses de prisão;
- 24 de Outubro de 2012 no processo n.º 298/11…-... Secção relativo a cidadão CC, proveniente da ..., vivendo em Portugal, transportando de ..., ..., para a ..., passando por ..., 10.082,144 gramas de cocaína em que lhe foi aplicada pela 1.ª Instância e mantida pelo STJ a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
- 20 de Dezembro de 2012 no processo n.º 390/11....-5.ª Secção onde se verteu que “Segue os critérios jurisprudenciais, observa as regras da experiência e atende às necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, sem ultrapassar os limites da culpa, a pena de 5 anos e 3 meses de prisão, aplicada em 1.ª instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, a um arguido que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto ..., proveniente de ..., ..., transportando consigo cocaína, no interior de uma mala de viagem, com o peso líquido global de 7 358,630 g.”;
- 17 de Janeiro de 2013 no processo n.º 57/12…-... Secção referente a Arguido que vive em ... com companheira, da qual teve dois filhos, menores de idade, desempregado desde 2011, efectua transporte, a troco de remuneração no montante de € 6.000 de 7.480 gramas de cocaína, de ... para ..., via... condenado em 1.ª Instância e mantido no STJ a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
- 24 de Abril de 2014 no processo n.º 266/13…-5.ª Secção relativo a dois Arguidos que efectuam transporte de ..., ..., e desembarcam no Aeroporto ..., com cocaína (cloridrato), com o peso líquido, respectivamente, de 5.971,258 e 5.967,475 gramas e as penas aplicadas em 1.º Instância foram reduzidas de 5 anos e 10 meses para 4 anos e 6 meses de prisão;
- 19 de Dezembro de 2019 no processo n.º 3/19…–5.ª Secção referente a Transporte de 5.231,800 gramas de cocaína proveniente de ..., com destino a ... em que foi aplicada pela 1.ª Instância e mantido pelo STJ a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
- Etc…
23. Diferenças que fazem ressaltar a gritante injustiça da Pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo ao Recorrente, porquanto este, além de haver sido condenado por factos respeitantes a uma quantidade de produto estupefaciente próxima ou até mais reduzida (6,5kg) e de qualidade bem menos gravosa (entre 36% e 41% de grau de pureza), julgadas na maioria dos referidos Processos, viu a axiologia da sua conduta ser censurada de forma mais grave que aqueloutros em circunstâncias semelhantes e outras exponencialmente mais Ilícitas e Culposas que a sua.
24. Que lhe perdoem V/Ex.ªs a singeleza da questão, mas não lhe é de todo possível coloca-la de outro modo.
25. Deste modo acredita-se que outra Pena em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!
26. Razão pela qual o Recorrente discorda da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente uma Pena perto do mínimo legalmente estabelecido e suspensa na sua execução.
27. Colendos Conselheiros, a terem por bons os argumentos acima aduzidos e relevando V/Ex.ªs a possibilidade de aplicarem uma Pena de Prisão ao Recorrente perto do limite minino legal, toma o aqui Subscritor a liberdade de aduzir uns (quiçá im)pertinentes parágrafos rogando-vos a Suspensão da Execução da Pena de Prisão que venham a considerar justa, por conta da culpa na prática das factualidades perpetradas, aplicar a este homem de quase 40 anos de idade.
28. Como V/Ex.ªs melhor sabem, apurado que esteja o quantum da Pena a aplicar há, necessariamente, que reflectir, em consonância com o que se encontra legalmente estipulado, se in casu se mostra viável, ou não, a Suspensão da Execução da Pena.
29. Acreditando na Boa e Justa Decisão que V/Ex.ªs virão a prolatar em Douto Aresto, que se augura não muita afastada do limite mínimo legal para este Ilícito, é entendimento do Recorrente que - a ser como espera - as exigências legais para a Suspensão de Execução da Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada, ex vi do disposto no N.º 1 do Artigo 51.º do Código Penal, verificar-se-ão in totum nos presentes Autos.
30. Isto porque, é consabido que existem dois pressupostos para a aplicação deste Instituto Jurídico, a saber:
- Um de ordem formal, que consiste em que a Pena de Prisão aplicada não seja superior a 5 anos (o que se augura da Serena, Boa e Justa Decisão de V/Ex.ªs); e,
- Outro de ordem material, que consiste no facto de o Tribunal concluir, que face à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias que o envolvem, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.
31. Por conseguinte, sendo o Recorrente condenado, por V/Ex.ªs, numa Pena de Prisão perto do limite mínimo legal previsto no Artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, como augura, ter-se-á por preenchido o pressuposto de natureza formal exigido pela Lei.
32. Acresce que face às circunstâncias já descritas do caso, a simples ameaça da aplicação da Pena e a correspectiva advertência são suficientes para que o Recorrente, no futuro não cometa mais crimes e, inevitavelmente, assuma um comportamento consonante com os valores do Sistema Penal. Estando, desta forma, igualmente preenchido o requisito de ordem material e, consequentemente, afastado o efeito estigmatizante da Pena de Prisão Efectiva, para mais na idade e com as responsabilidades familiares que este homem tem.
33. O Recorrente, conforme decorre do Acórdão Recorrido, nunca foi condenado em quaisquer processos judiciais, nem tão pouco contra-ordenacionais aquém e além-fronteiras.
34. Pressupostos formais que, como já referido ao longo desta Motivação, se encontram, manifestamente, preenchidos. No que respeita à “personalidade do agente” - não olvidando que a personalidade é um processo gradual, complexo e único de cada indivíduo mas que, ainda assim, se poderá resumir ao conjunto das características marcantes de uma pessoa e, como termo abstracto que é, utiliza-se para descrever e dar uma explicação teórica do conjunto de peculiaridades de cada um de nós a fim de nos caracterizar e diferenciar do outro - tenham V/Ex.ªs presente, Colendos Conselheiros, que o Recorrente, conforme decorre da Prova junta aos Autos e da que foi produzida em Audiência de Julgamento:
- Tem 42 anos de idade;
- É uma pessoa calma e conscienciosa;
- É casado, tem mãe, uma filha e família que estão dispostas a acolhê-lo e prestar-lhe toda a ajuda que necessite na sua reintegração;
- É urbano no trato e comportamento;
- É respeitador dos valores éticos, culturais e morais;
- É uma pessoa de imensos afectos e imbrincadas relações sociais e familiares; e,
- Tem toda a comunidade onde reside disposta a acolhê-lo.
35. Relativamente às “condições da sua vida”, igualmente, como se extrai da Prova junta aos Autos e daquela que se produziu em Julgamento e, em parte, vertida no teor do Douto Acórdão Recorrido, impõe-se não descurar que o Recorrente, tendo tido uma vivência sofrida é, ainda assim, um individuo
familiar e socialmente integrado.
36. Derradeiramente exige a Lei que se atenda às “circunstâncias do crime”, factualidade quanto à qual é susceptível de se retirar da Prova junta aos Autos e daquela que se produziu em Julgamento e, também em parte, vertida no teor do Douto Acórdão Recorrido que o Recorrente: Praticou os factos pelos quais acabou condenado, mas fê-lo num período existencial de grandes dificuldades económicas que lhe obstavam de poder ajudar economicamente a família.
37. Daqui decorre que, a ser como augura, se encontram preenchidos os pressupostos formais e materiais necessários à Suspensão da Execução da Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs., mesmo que por questões de conveniência e adequação à realização das finalidades da punição subordinada à observância de alguma(s) regra(s) de conduta(s).
38. O que, em entendimento do Recorrente, se apresenta como uma possibilidade, assim V/Ex.ªs o venham a entender no vosso Douto escrutínio por julgarem insuficiente a suspensão tout court, e quanto ao que este, para tanto e de forma esclarecida, aqui, pela pena do seu Mandatário, dá o seu consentimento. O que se vislumbra ser, na pior das hipóteses, a Sanção mais correcta e justa a aplicar
nestes Autos.
39. Por tudo o que se expôs entende o Recorrente que a Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs deve ser Suspensa na sua Execução, isto porque, o cumprimento efectivo de uma pena de prisão, in casu, ao invés de contribuir para a Reintegração deste, terá graves efeitos dessocializantes.
40. A ser como augura da Decisão de V/Ex.ªs, as finalidades da Punição, no caso concreto, serão melhor alcançadas mediante a aplicação, ao Recorrente, de Pena de Substituição Não Privativa da Liberdade, do que através do cumprimento de prisão efectiva porque o tempo já sofrido preventivamente preso, quase um ano, a censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e a suspensão da execução da pena de prisão revela-se eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.
41. Caso tal não se mostre viável no Douto escrutínio dos Colendos Conselheiros, é entendimento do Recorrente que, em alternativa deverá a Pena aplicada ser suspensa, mais que não seja, mediante subordinação, nomeadamente, à observância de alguma(s) regra(s) de conduta(s), como a de cumprir
determinadas obrigações e conexo Regime de Prova.
Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente praticou o Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes em que foi condenado, como foi demonstrado que a circunstância em que o praticou, não sendo jamais nobre, comporta factos que lhe permitem atenuar e alterar a Pena que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs para perto do limite mínimo legalmente estabelecido para a prática desse Ilícito e a sua Execução Suspensa.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Colendos Juízes Conselheiros suprirão, deve o presente Recurso do Recorrente AA e, em consequência, ser Atenuada Especialmente a Pena que lhe foi aplicada diminuindo-se o limite da mesma, para valores
mais comedidos, nomeadamente para perto do limite mínimo legal estipulado para esse Ilícito e a sua Execução Suspensa”

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo – arts 401º, nº 1, al. b), 406º, nº 1, 407º, nº 2, al. a), 408º, nº 1, al. a), 411º, nº 1, al. b), e nº 3, todos do Cod. Proc. Penal (despacho judicial de 11/01/2022), mas foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa.[2]

4. O Ministério Público em 1ª Instância respondeu ao recurso, considerando que o mesmo deveria ser julgado improcedente.

5. O Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação suscitou a questão prévia da competência daquele Tribunal para a apreciação do recurso, promovendo que se declarasse a sua incompetência para o efeito face ao disposto no art. 432º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal.

6. A 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão sumária, em 08/04/2022, na qual se declarou incompetente para o conhecimento do recurso, nos termos das disposições combinadas dos arts. 32º e 33º, nº 1, ambos do Cod. Proc. Penal, e determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal por ser o competente para a apreciação do recurso, nos termos dos arts. 432º, nº 1, al. c), e 434º, ambos do Cod. Proc. Penal.

7. A Sra. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer nos termos do art. 416º, nº 1, do Cod. Proc. Penal, e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, entendendo que, perante o quadro factual e jurídico descrito pela decisão recorrida, não é excessiva nem desproporcional a pena aplicada em concreto ao crime cometido.

8. O arguido AA foi notificado nos termos do art. 417º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, e nada disse.

9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, para a emissão de decisão.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A – Da matéria de facto apurada

Com interesse para a decisão da causa foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 02 de Maio de 20215 pelas 07h40m, o arguido desembarcou no Aeroporto ..., em ..., proveniente de ... - ..., ..., no voo ...50, da companhia aérea Azul;
2. De seguida, pelas 09h25, o arguido apresentou-se nos serviços da Alfândega, no corredor verde "nada a declarar", tendo sido seleccionado para controlo de bagagem e revista pessoal;
3. Submetido a esse controlo aduaneiro, foram detectadas, dissimuladas no forro e na estrutura lateral das duas malas de porão que o arguido transportava (de marca ..., com as etiquetas ...56 e ...46), um total de quatro embalagens, com o peso bruto total de 5718 gramas (cinco quilos setecentos e dezoito gramas), duas em cada mala, contendo produto suspeito de ser estupefaciente, que veio a revelar-se ser cocaína;
4. Sujeito a exame pericial toxicológico, tal produto veio a revelar-se ser cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4318,200 gramas em duas das embalagens, com pureza de 41,2% e suficiente para a preparação de 8895 doses individuais daquele produto e 2331,200 gramas nas outras duas embalagens, com pureza de 36,4%, suficiente para a preparação de 4242 doses individuais daquele produto;
5. Naquelas circunstâncias, foram ainda apreendidos ao arguido os seguintes objectos e quantias:
- Uma mochila de marca ...;
- Diversas peças de vestuário e de calçado;
- As quantias monetárias de €105,00 (cento e cinco euros), BRL 252,00 (duzentos e cinquenta e dois reais), USD 2,00 (dois dólares americanos), BS 460,00 (quatrocentos e sessenta pesos bolivianos), CLP 1000,00 (mil pesos chilenos);
- Um telemóvel de marca ..., com um cartão telefónico e micro SD;
- 2 boarding passes; e
- 2 etiquetas de bagagem;
6. O arguido conhecia perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido;
7. Produto esse que aceitara transportar, por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada;
8. O telemóvel apreendido foi utilizado pelo arguido nos contactos que estabeleceu para concretizar o transporte da cocaína apreendida;
9. Os documentos, quantias monetárias e objectos apreendidos ao arguido e acima indicados destinavam-se a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefacientes e eram fruto da mesma;
10. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei;
11. O arguido nasceu na República ... e tem dupla nacionalidade, boliviana e espanhola, não sendo residente em Portugal;
12. O arguido não tem quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocou para praticar a factualidade acima descrita;
Mais se apurou que:
13. O arguido é oriundo da ..., tendo nascido no seio de uma família pobre e humilde de agricultores;
14. É o mais novo de uma fratria de oito irmãos, tendo abandonado a escola aos 15 anos de idade para trabalhar na apanha de milho e na construção civil;
15. Aos 23 anos emigrou para ... com um amigo, tendo-se mantido a trabalhar como carregador ... até 2009, ano em que regressou ao país natal;
16. Na ... adquiriu um táxi e uma casa de habitação e passou a trabalhar como taxista, viajando com frequência para ... para trabalhar;
17. Iniciou há 4 anos um relacionamento afectivo do qual tem uma filha; a sua companheira dedica-se ao fabrico e venda ambulante de refeições;
18. A família do arguido desconhece a sua actual situação de reclusão;
19. No Estabelecimento Prisional o arguido não tem visitas, mantém comportamento adequado e encontra-se a aguardar colocação laboral; •
20. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais”.

A.1. – Da motivação da decisão de facto

Para fundar a sua convicção o tribunal recorrido fez constar que:[3] (transcrição)
“Para fundar a sua convicção, o tribunal teve em conta, desde logo, as declarações prestadas pelo arguido, em audiência de julgamento. Assim, pelo mesmo foi declarado, em síntese, encontrar-se arrependido dos factos que praticou, pese embora, logo de seguida, tenha acrescentado que desconhecia que transportava consigo qualquer produto estupefaciente. Ora, a este respeito, afirmou ter viajado da ... para ..., no ..., a fim de daí viajar para ..., onde iria trabalhar por algum tempo, regressando depois à .... Porém, segundo declarou, ao chegar ao aeroporto ... constatou não ter consigo o bilhete de avião que lhe possibilitaria o embarque para ..., pelo que permaneceu a chorar, nas instalações do aeroporto, aguardando a caridade de terceiros. A certa altura, conforme relatou, foi abordado, em castelhano, por uma mulher, que, manifestando pena pelo choro convulsivo em que se encontrava, lhe pediu que transportasse, para ..., duas malas de viagem contendo brinquedos, tendo-lhe ainda oferecido uma outra mala por ter constatado que a sua se encontrava rasgada e em mau estado. Mais afirmou o arguido que, com o telemóvel que trazia consigo, receberia contactos telefónicos da referida mulher, a fim de obter destas instruções precisas quanto a entrega, em ..., das malas que lhe entregara. Quanto ao modo como se deslocaria para ... após o desembarque em ..., não avançou o arguido qualquer explicação coerente e lógica.
Ora, as declarações do arguido, parcialmente confessórias dos factos de que vem acusado (na medida em que confirmou ter efectuado, a partir do ... e com destino a ..., o transporte das duas malas contendo a cocaína que lhe foi apreendida, embora com o esclarecimento de que desconhecia o conteúdo dessas malas, tendo resultado evidente, face ao "arrependimento" que afirmou sentir, que tal transporte correspondeu a um acto de livre de vontade sua e não a qualquer obra do acaso ou infortúnio sucedido contra o seu conhecimento), foram devidamente conjugadas, desde logo, com as regras normais da experiência, segundo as quais, de modo manifesto e inequívoco, nenhum sentido faz a versão incoerente, ilógica, inconsistente e contrária à normalidade social que sustentou em audiência, e que apenas constituiu um modo desprovido de bom senso de se apresentar arrependido, tal como começou por afirmar. Na verdade, nenhuma dúvida se suscitou no espírito do tribunal de que o arguido, de modo livre, voluntário e consciente aceitou transportar, a troco de quantia monetária de montante exacto desconhecido, a cocaína que lhe foi apreendida, conhecendo exactamente a característica estupefaciente desse produto. Tal conclusão, alcançada do teor das aludidas declarações incoerentes do arguido, foi reforçada pelo teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, respectivamente, inspector da Polícia Judiciária e verificadora aduaneira do Aeroporto ..., que, de modo imparcial e sereno, confirmaram a revisão efectuada à sua bagagem e a apreensão do produto supra referido, contido no interior das malas, na sequência de alerta emitido pelo SEF quanto à suspeita de actividade ilícita por parte do arguido. Tais meios de prova foram ainda conjugados com o teor do auto de notícia, de fls. 2 a 5 e 8 a 10, dos autos de apreensão de fls. 7 e 22, dos documentos de fls. 7 a 21 e 27 e 28, da reportagem fotográfica de fls. 23 a 26, e do relatório do exame pericial toxicológico efectuado a fls. 149, tendo permitido fundar a convicção do Tribunal nos moldes supra descritos nos pontos 1. a 10. do elenco de factos provados, tendo ainda em conta que, segundo as normais regras da experiência, os contactos que o arguido teria que fazer com vista à entrega do estupefaciente seriam, necessariamente, processados através do telemóvel que lhe foi apreendido, e que a totalidade das quantias monetárias que tinha na sua posse se destinavam a custear a viagem de transporte da cocaína e constituíam parte do lucro que iria obter, pois tal é a dinâmica corrente de actuação dos vulgarmente designados "correios de droga".
Baseou-se o Tribunal, porém, nas declarações do arguido para dar como provados os factos relativos a sua situação pessoal, familiar e profissional, atenta a espontaneidade que, nessa parte, ressaltou do que declarou, devidamente conjugadas, de forma preponderante, com o teor do relatório social constante dos autos. No concernente à ausência de antecedentes criminais, teve-se em conta o teor do certificado de registo criminal que igualmente consta dos autos”.

B – Do Direito

B.1 – Da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

O objecto do recurso e os limites cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça são delimitados pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido, e resume o pedido por si formulado (art. 412º, nº 1, do Cod. Proc. Penal)[4] , sem prejuízo da pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso.

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se ao reexame da matéria de direito (art. 434º do Cod. Proc. Penal), sem prejuízo do conhecimento dos vícios enunciados no art. 410º, nº 2, e nº 3, do Cod. Proc. Penal, face à redacção da Lei nº 94/2021, de 21/12[5] .

Contudo, e previamente ao conhecimento do objecto do recurso, entende-se pertinente proceder a uma breve consideração sobre a competência deste Supremo Tribunal face à decisão sumária proferida pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art. 417º, nº 6, al. a), do Cod. Proc. Penal, e na qual se declarou incompetente para o conhecer.

O art. 432º do Cod. Proc. Penal estabelece taxativamente os casos em que tem lugar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, aí se referindo que:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…)

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; (…)

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º” 

Assim, o art. 432º, nº 2, do Cod. Proc. Penal determina a obrigatoriedade do recurso per saltum, para este Supremo Tribunal desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão, e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

Com efeito, o Tribunal da Relação só tem competência para o conhecimento do recurso de uma decisão condenatória, no caso em que tenha sido aplicada uma pena superior a 5 anos de prisão, quando o recorrente ao requerer a reapreciação do respectivo caso penal quiser abranger também a reapreciação da própria matéria de facto.

No caso, o objecto do recurso apresentado pelo arguido AA é um acórdão condenatório, proferido em 1ª Instância por um tribunal colectivo, em que lhe foi aplicada uma pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-B, anexa a este diploma, sendo esta a dimensão que se deve atender para definir a competência material já que o recurso só se circunscreve à apreciação de matéria de direito como iremos de seguida enunciar, pelo que é efectivamente competente este Supremo Tribunal para o conhecer.

Conclui-se, assim, que o recurso interposto pelo arguido AA é directo, per saltum, para este Supremo Tribunal é o competente para o conhecer, face ao disposto no art. do art. 432º, nº 1, al. c), e nº 2 do Cod. Proc. Penal.

B. 2. Da correcção do lapso de escrita do acórdão recorrido


Antes de nos debruçarmos sobre o enquadramento do recurso apresentado pelo arguido AA cumpre proceder a uma correcção do acórdão recorrido relativamente a um lapso de escrita constante do ponto 3, dos factos dados como provados, relativamente ao peso do produto estupefaciente encontrado nas duas malas de porão que o arguido AA transportava, referindo o citado ponto 3, que: ”Submetido a esse controlo aduaneiro, foram detectadas, dissimuladas no forro e na estrutura lateral das duas malas de porão que o arguido transportava (de marca ..., com as etiquetas ...56 e ...46), um total de quatro embalagens, com o peso bruto total de 5718 gramas (cinco quilos setecentos e dezoito gramas), duas em cada mala, contendo produto suspeito de ser estupefaciente, que veio a revelar-se ser cocaína”;


Contudo, o ponto 4 dos factos dados como provados refere que: “Sujeito a exame pericial toxicológico, tal produto veio a revelar-se ser cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4318,200 gramas em duas das embalagens, com pureza de 41,2% e suficiente para a preparação de 8895 doses individuais daquele produto e 2331,200 gramas nas outras duas embalagens, com pureza de 36,4%, suficiente para a preparação de 4242 doses individuais daquele produto”, conforme resulta do Relatório de Exame Pericial nº ...88-..., realizado em 17/08/2021, pelo Laboratório de Polícia Cientifica da PJ.[6]

Ora, resulta muito claro da matéria de facto dada como provada, bem como da motivação da decisão de facto, que a convicção do tribunal para dar como provados os factos descritos nos pontos 1 a 10, teve por base os depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, respectivamente, Inspector da PJ e verificadora aduaneira do Aeroporto ..., que foram conjugados com o teor do auto de notícia, de fls. 2 a 5 e 8 a 10, dos autos de apreensão de fls. 7 e 22, dos documentos de fls. 7 a 21 e 27 e 28, da reportagem fotográfica de fls. 23 a 26, e do relatório do exame pericial toxicológico efectuado a fls. 149.[7]

Assim, a soma do peso líquido de cocaína encontrada em duas embalagens numa das malas e encontrada noutra duas embalagens na outra mala é de 6.649,400 gr. (4.318,200 gr. + 2.331,200 gr.), conforme resulta do citado Relatório de Exame Pericial nº ...88-..., nunca podendo perfazer um peso bruto total de 5.718 gr. conforme consta da matéria de facto dada como provada no ponto 3.

O art. 380º do Cod. Proc. Penal, sob a epígrafe “Correcção de sentença”, dispõe que: 

1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando (…)

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

Estamos perante um lapso de escrita quanto ao peso do produto estupefaciente encontrado nas duas malas de porão que o arguido AA transportava, e que ora cumpre corrigir, nos termos do citado art. 380º, nº 2, do Cod. Proc. Penal.

Consequentemente, procede-se à correcção deste lapso de escrita, e determina-se que a menção constante do ponto 3, dos factos dados como provados:com o peso bruto total de 5718 gramas (cinco quilos setecentos e dezoito gramas), duas em cada maladeixará de constar, passando a constar a menção:“com o peso líquido total de 6.649,400 gramas (seis mil, seiscentos e quarenta e nove gramas e quatrocentas miligramas)”.

Feita esta correcção, vejamos o enquadramento do recurso apresentado pelo arguido AA, no qual o mesmo pugna pela atenuação especial da pena de prisão que lhe foi aplicada, ou pela sua redução para o limite mínimo e a suspensão da sua execução.

B.4 – Da atenuação especial da pena de prisão aplicada.

O arguido AA alega para beneficiar da atenuação especial da pena de prisão terem-se verificado circunstâncias anteriores, contemporâneas, e posteriores à prática dos factos que não foram atendidas no acórdão recorrido, designadamente: (i) as suas declarações em audiência de julgamento e perante a técnica de reinserção social; (ii) o teor do Relatório Social para Determinação da Sanção; (iii) a força motriz da decisão criminosa; (iv) ter 42 anos de idade, ser casado e pai de uma menor de idade; (v) ter tido uma vida estável que se alterou para uma situação de carência económica devido à pandemia; (vi), a quantidade de produto estupefaciente apreendido ter sido exíguo (dado não atingir sequer os 6,5kg); (vii) ter-se arrependido após a prática dos factos; (viii) não ter antecedentes criminais; (ix) estar preocupado com a família que vive na ... e que desconhece a sua reclusão em Portugal; (x) ter praticado o crime para poder prover às suas necessidades básicas e às da sua família.

Refira-se desde já que se entende que esta fundamentação não pode de modo algum amparar a pretensão atenuativa especial da pena reclamada pelo arguido AA[8]

Com efeito, a atenuação especial da moldura penal de um crime só funciona em situações muito especiais, ou seja, naquelas situações em que se verifica a existência de circunstâncias que diminuem de forma acentuada as exigências de punição dos factos, nas quais a imagem global dos factos aparece especialmente atenuada e que justifica uma diminuição da moldura penal que o legislador considerou para a punição desses mesmos factos[9].

Assim, estabelece o art. 72º, nº 1, do Cód. Penal que a substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada só pode dar-se, fora dos casos especialmente previstos, quando face ao caso concreto se verificar existirem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.

Desta forma, a aplicação do regime da atenuação especial da pena tem como fundamento uma diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto e/ou da culpa do agente, mas também uma diminuição acentuada da necessidade da aplicação de uma pena de acordo com a moldura penal aplicável ao crime, por se verificarem diminuídas as respectivas exigências de prevenção.

No Ac. do STJ de 07/09/2016, sustenta-se que o aditamento[10] da necessidade da pena, constante da parte final do nº 1, do art. 72º do Cod. Penal “veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção”[11][

E, no Ac. STJ de 09/12/2020 diz-se que: “Doutrina e jurisprudência coincidem em que não é suficiente a verificação das circunstâncias indicativamente enunciadas pelo legislador ou outras de igual densidade para que o tribunal deva atenuar especialmente a pena. Decisiva é “a imagem global do facto, a gravidade do crime como um todo”[12] ou a desnecessidade da pena pela acentuada diminuição das exigências de prevenção geral de integração[13].

Como acentua J. Figueiredo Dias “o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção[14].

Assim, o critério decisivo para a aplicação da atenuação especial da pena terá de aferir-se através da verificação de circunstâncias concorrentes que, pela sua especial intensidade, configurem ao caso uma gravidade acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude, seja ao nível da culpa, seja ao nível da desnecessidade de aplicação de uma pena, circunstâncias estas que escapam à previsão da punição do tipo de ilícito tal como o legislador o definiu e que levam a considerar que seria injusto punir de acordo com a moldura penal aplicável ao crime.

O art.º 72º, nº 2, do Cód. Penal indica exemplificativamente a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas deste que, concorrendo num determinado caso, podem diminuir por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do agente ou a necessidade da pena, e que são:
a) Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

Como já vimos, tanto a doutrina como a jurisprudência coincidem ao considerar não ser suficiente a verificação num determinado caso das circunstâncias indicativamente enunciadas pelo legislador para que o tribunal deva atenuar especialmente a pena estabelecida no citado art. 72º do Cod. Penal, sendo que o que importa é “a imagem global do facto, a gravidade do crime como um todo[15] ou a desnecessidade da aplicação de uma pena, dada a acentuada diminuição das exigências de prevenção geral e de integração.

Dito isto, temos que a atenuação especial da pena só se aplica quando se verifica a existência de circunstâncias concorrentes que configurem, face ao caso concreto e com especial intensidade, a existência de uma situação de gravidade tão diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da sua já prevenidamente ampla moldura penal.

No caso, e como começámos desde logo por referir, não se verificam quaisquer circunstâncias que possam acentuadamente diminuir a gravidade dos factos cometidos pelo arguido AA, seja ao nível da sua ilicitude, uma vez que estamos perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes consubstanciado no transporte de 6,649,400 gr. de cocaína do ... para Portugal, seja ao nível da culpa, já que agiu com dolo directo e com um único propósito de introdução do produto estupefaciente no circuito comercial e desta forma realizar dinheiro, seja ao nível da desnecessidade de aplicação de uma pena, dada a gravidade deste tipo de ilícito criminal que demanda elevadas necessidades de prevenção geral.

Desta forma, não se pode entender como desproporcionada a punição do arguido AA pela prática do crime de tráfico de estupefaciente p. p. pelo art. 21°, n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-B, anexa a este diploma, fora da sua moldura penal normal.

Com efeito, da factualidade dada como provada, e do que consta da decisão recorrida sobre a motivação atinente à escolha e à determinação da pena, não se encontram circunstâncias “extraordinárias” que pudessem configurar os pressupostos exigidos na lei para que pudesse operar a peticionada atenuação especial da moldura penal do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido AA foi condenado, dada a inexistência de uma acentuada diminuição da ilicitude dos factos, da sua culpa, e dada a necessidade da aplicação de uma pena dentro da respectiva moldura penal. Ao invés, temos como altamente reprovável a sua concreta conduta tendo agido com dolo directo e intenso e com plena consciência da elevada ilicitude dos factos por si cometidos.

Por outro lado, tem-se por muito difícil que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, possa atenuar-se especialmente a pena fora do circunstancialismo especial tipificado no regime jurídico dos estupefacientes enunciado no art. 31º do Dec. Lei nº 15/93, 22/01, que, sob a epígrafe “Atenuação ou dispensa de pena”, refere que: “Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”

Assim, o crime definido no tipo base qualifica-se pela verificação de factos que exponenciam a ilicitude do facto e desqualifica-se quando a ilicitude da “actividade global” se apresenta consideravelmente diminuída, designadamente pela verificação das circunstâncias anunciadas no citado art. 31º do Dec. Lei nº 15/93, 22/01, contudo, no caso nenhuma delas se verificou, tendo o arguido AA apenas admitido parte dos factos por si praticados na sequência do que resultou da operação e da subsequente apreensão que lhe foi efectuada.

Improcede, pois, por manifesta falta de fundamento factual e jurídico, a pretendida atenuação especial da pena, por não se verificarem nem os pressupostos da atenuação especial previstos no art. 72º do Cod. Penal, nem os previstos no art. 31º do Dec. Lei nº 15/93.

B.5. Da redução da pena de prisão e da suspensão da sua execução.

O arguido AA alega para a redução da pena concreta aplicada: ter 42 anos de idade, ser uma pessoa calma e conscienciosa, ser casado, ter mãe, uma filha e família que estão dispostas a acolhê-lo e a prestar-lhe toda a ajuda que necessite na sua reintegração, ser urbano no trato e no comportamento, ser respeitador dos valores éticos, culturais e morais, ter imensos afectos e imbrincadas relações sociais e familiares, toda a comunidade onde reside está disposta a acolhê-lo, ter tido uma vivência sofrida, e ter praticado os factos pelos quais foi condenado num período existencial de grandes dificuldades económicas que lhe obstavam de poder ajudar economicamente a família.

O arguido AA alega também que este Supremo Tribunal tem vindo a decidir, de forma uniforme, que as penas a aplicar a “correios de droga” de cocaína se situam nos 5 anos de prisão, identificando vários acórdãos que puniram “correios de droga” de cocaína da ... para Portugal em penas inferiores àquela que lhe foi aplicada, e que envolveram quantidades de transporte de cocaína superior àquela que transportava (num total de 6,649,400 gr.)[16]

Vejamos:


Para a determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido AA, o acórdão recorrido fez constar que:
O crime praticado pelo arguido é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Nos termos do artigo 71°, n° 1, do CP., a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Ora, atendendo ao disposto no art. 40° do CP., que estabelece como fins das penas criminais a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o escopo da lei será prosseguido na medida em que o restabelecimento da paz jurídica, afectada pela prática do crime, se concilie com as necessidades de prevenção geral e especial que o caso impõe.
Na vertente da pena como instrumento de prevenção geral, a sanção criminal destina-se, por um lado, a actuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal, estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efectividade da sua execução, falando-se a este propósito de prevenção geral negativa ou de intimidação (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral. Questões Fundamentais - A doutrina geral do crime, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, págs. 48 e segs.).
Por outro lado, a prevenção geral positiva, ou de integração, visada pelas sanções penais, servirá para reforçar a confiança da comunidade na validade e força de vigência das normas que compõem o ordenamento jurídico-penal e que tutelam bens jurídicos.
Na sua vertente de prevenção especial, a pena constituirá um instrumento de intimidação do agente no cometimento de novos crimes (prevenção especial negativa ou de neutralização), devendo assumir ainda como propósitos a ressocialização do delinquente e a prevenção da sua reincidência (prevenção especial positiva ou de integração).
Tendo em conta estes aspectos, há ainda a considerar que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71°, n°2, do CP.), não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art. 40°, n° 2),
No caso em apreço, verificam-se elevadas as necessidades de prevenção geral, na sua vertente negativa, dada a perigosidade de condutas semelhantes, em atenção à gravidade das consequências que se podem produzir na saúde de quem acede a substâncias estupefacientes.
Quanto às necessidades de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir, as mesmas afiguram-se medianas, tendo em conta que o arguido não apresenta antecedentes criminais.
Importa considerar, por outro lado, que a culpa do arguido se apresenta elevada, posto que actuou com dolo directo e, por conseguinte, intenso.
A culpa do arguido, que é limite inultrapassável da pena que lhe caberá, configura-se elevada, tal como as já mencionadas necessidades de prevenção geral.
Por isso, deve o ordenamento jurídico, através da presente condenação, dissuadir o mesmo de levar a cabo as suas propensões criminosas.
Quanto a determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende:
-           Ao grau da ilicitude do facto, o qual assumiu dimensão necessariamente elevada, atento o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e o perigo inerente à proliferação de substâncias estupefacientes;
-           Ao dolo com que o arguido actuou, na modalidade de dolo directo, porquanto agiu de acordo com o conhecimento da ilicitude que possuía;
-           À quantidade e natureza do produto estupefaciente que detinha, sendo certo que transportava consigo quantidade suficiente para compor 13.137 doses individuais;
-           Ao seu contexto de vida, à data da prática dos factos; e
-           Ao facto de não possuir antecedentes criminais.
E. ponderadas todas estas considerações, julga-se adequada a aplicação, ao arguido da pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão”

Da matéria de facto dada como provada resulta que o arguido AA:

- Efectuava um transporte de quatro embalagens, com o peso total liquido de 6.649,400 grs. de um produto distribuído por duas malas de porão, que se encontrava dissimulado no forro e na estrutura lateral destas malas, que sujeito a exame pericial toxicológico veio a revelar ser cocaína (cloridrato), com o peso de 4.318,200 gr. em duas das embalagens (com pureza de 41,2% e suficiente para a preparação de 8895 doses individuais), e de 2.331,200 gr. nas outras duas embalagens, (com pureza de 36,4%, suficiente para a preparação de 4242 doses individuais), que dariam no total 13.137 doses, com total indiferença para os malefícios que iria causar directamente para a vida e para a saúde dos futuros consumidores, caso todas estas doses viessem a entrar no circuito comercial;

- Trazia consigo quantias monetárias em moedas de vários países [de € 105,00 (cento e cinco euros), BRL 252,00 (duzentos e cinquenta e dois reais), USD 2,00 (dois dólares americanos), BS 460,00 (quatrocentos e sessenta pesos bolivianos), CLP 1000,00 (mil pesos chilenos)], quantias que se destinavam a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefacientes e eram fruto da mesma[17].

- Não era a primeira vez que vinha à Europa tendo emigrado aos 23 anos para ... com um amigo aí se mantendo a trabalhar como carregador ... até 2009, ano em que regressou ao país natal[18];

- Não era uma pessoa inexperiente que deixou pela primeira vez o seu país, tendo optado desta vez por obter uma compensação monetária através do tráfico de estupefaciente com total indiferença para os malefícios que iria causar directamente para a vida e para a saúde dos futuros consumidores, caso este produto estupefaciente viesse a entrar no circuito comercial e que daria para 13.137 doses.
- Confessou só parcialmente os factos[19] e alegou arrependimento, contudo esta confissão e este seu arrependimento não assumem qualquer relevância dadas as circunstâncias em que foi detido em flagrante delito no Aeroporto ..., tendo apenas admitido o que resultou da operação e da subsequente apreensão efectuada, em nada tendo contribuído para a identificação dos elementos da organização dedicada ao tráfico internacional de produtos estupefacientes que lhe entregaram o estupefaciente para o transportar, de forma a obstar à continuação desta actividade e a contribuir para que os mesmos viessem a ser punidos;

- Sabia que o produto que detinha era uma substância estupefaciente, cocaína, e que a sua detenção e o seu transporte lhe estavam vedado, tendo agido com dolo directo;

- O seu comportamento prisional é o adequado sem registo de sanções disciplinares e é o que se espera de quem se mantém privado de liberdade em Estabelecimento Prisional.
- Tem boas condições pessoais, beneficia de adequado enquadramento familiar, e não tem antecedentes criminais.

Apreciemos então se perante todo este circunstancialismo se poderá concluir por uma redução da pena de prisão e suspender a sua execução.

O crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo arguido AA, é punido nos termos do art. 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, com pena de prisão de 4 a 12 anos, sancionando-se aqui um acto de introdução no circuito comercial de 13.137 doses de cocaína, sendo este o factor determinante na imagem global dos factos, e se bem que o mesmo não tenha questionado a qualificação jurídica dos factos por si cometidos, sempre se dirá que não se verifica uma diminuição considerável da ilicitude dos mesmos, designadamente através dos meios utilizados, da modalidade ou das circunstâncias da sua acção, da quantidade ou da qualidade do produto traficado, que pudesse enquadrar a sua conduta na previsão do art. 25º desta norma legal.

Estamos perante um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados (a saúde pública e o bem-estar dos cidadãos), sendo que o sentimento jurídico expressado pela comunidade apela ao combate do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por causar danos à saúde mental e física dos consumidores, por degradar a dignidade humana destes, por destruir a vivência socialmente útil dos dependentes, por muitas das vezes destruir as respectivas famílias bem como o seu património, e por fomentar fortemente a criminalidade que lhe está associada (furto, roubo, receptação, burla), e também por fomentar uma economia paralela que escapa ao sistema normativo, através do “branqueamento” das vantagens ilicitamente obtidas.

Com efeito, o tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, havendo que proteger não só a saúde pública, como também os bens jurídicos pessoais, tais como a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores e a vida em sociedade dados os comprovados efeitos criminógenos e a dificuldade de inserção social dos respectivos consumidores e dificulta a inserção social dos consumidores.[20]

O direito penal interno qualifica o tráfico de estupefacientes como criminalidade altamente organizada, ao mesmo nível do terrorismo, do tráfico de pessoas, do tráfico de armas, da associação criminosa, do branqueamento de capitais e da corrupção.

A protecção dos bens jurídicos e a e a reintegração do agente na sociedade são os fins visados pela aplicação das penas (art. 40º, nº 1, do Cod. Penal), as quais servindo finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, têm por escopo, com a prevenção geral positiva ou de integração assegurar a tutela dos bens jurídicos, o que vale por dizer restabelecer a confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica, e a paz jurídica afectada com a prática do crime, e com a prevenção especial ressocializar o agente, isto é, prepará-lo para no futuro não cometer outros crimes.

A determinação da medida da pena, realizada em função das exigências de prevenção geral de integração, e da prevenção especial de socialização (arts. 71º, nº 1, e nº 2, e 40º do Cod. Penal), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa, e atender a todas as circunstâncias, no caso, que depõem a favor e contra o arguido AA.

Assim, a dosimetria da pena deverá ser encontrada através da actuação conjugada de factores atinentes ao conteúdo da ilicitude dos factos cometidos (grau de ilicitude, modo de execução, gravidade do resultado, grau de violação dos deveres) e à personalidade do agente revelada no conteúdo do seu grau de culpa (modalidade da censura, antecedentes criminais, condições socio-pessoais, finalidade, sentimentos, postura perante os factos e personalidade sociocomunitária revelada).

No caso, destacam-se:
- Os factores relativos à execução dos factos e que elevam a sua ilicitude, tendo em conta que a conduta do arguido AA se traduziu no transporte intercontinental (do ... para Portugal), por via aérea, de estupefaciente proveniente da ..., viajando com 6.649,400 gr. de cocaína distribuída por duas malas de porão, dissimuladas no forro e na estrutura lateral destas malas, que dariam no total para 13.137 doses que, caso fosse entregue, e posteriormente comercializada, revestiria impacto já significativo no mercado onde viesse a ser consumida e iria gerar elevados proventos a quem a viesse a distribuir e a vender;
- A natureza da substância estupefaciente transportada, cocaína, com elevado grau de perigosidade para a saúde e para a sociedade, uma vez que se trata e um produto com elevado poder aditivo[21], que pela premência em angariar meios para a sua aquisição, induz à prática de outros tipos de crimes;
- O dolo que foi intenso, porque directo, tendo o arguido AA plena consciência da ilicitude e da censurabilidade da sua conduta, sublinhando-se que a sua actividade delituosa foi comandada pela única intenção de obter uma compensação monetária, assumindo uma postura indiferente às consequências que adviessem para a saúde dos potenciais consumidores;
- Os factores relativos à personalidade do arguido AA nos quais se destacam ser oriundo da ..., ter nascido no seio de uma família pobre e humilde de agricultores, ter emigrado para ... aos 23 anos de idade para onde foi trabalhar até 2009 como carregador de camiões, ter regressado à ... onde adquiriu um táxi e passou a trabalhar como taxista continuando a viajar para ... para trabalhar, ter uma filha fruto de um relacionamento que iniciou há 4 anos, a sua companheira dedicar-se ao fabrico e à venda ambulante de refeições, não ter antecedentes criminais, e ter praticado os factos para poder ajudar economicamente a família[22].

Ora, não podemos aqui esquecer o papel desempenhado pelos chamados “correios de droga”[23], que constituem uma peça fundamental na execução do tráfico de estupefacientes e na respectiva cadeia delitiva, não podendo de forma alguma desvalorizar-se a sua responsabilidade criminal.

Efectivamente, como este Supremo Tribunal vem afirmando, os “correios de droga” são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, daí que não possam merecer um tratamento penal de favor.

Veja-se, o Ac. STJ de 11/04/2012, onde se lê no respectivo sumário que: III “(…) Porém não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos «correios» na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos, os mesmos «correios» têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.”[24]

Também, não podemos esquecer as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente ao tráfico de estupefacientes, em especial ao tráfico de cocaína, estando-se perante um dos crimes que mais preocupa a sociedade pelos seus efeitos nefastos e que mais repulsa causa por ser praticado como um meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e da liberdade dos respectivos consumidores, com reflexos directos na coesão familiar.

No caso, as necessidades de prevenção especial de socialização são medianas (face a todo o percurso de vida do arguido AA até ter sido detido), contudo a sua culpa é elevada face às circunstâncias em que o tráfico foi executado (um acto de tráfico intercontinental), e agiu com dolo directo e intenso e com uma total indiferença para os malefícios que adviriam para a vida e para a saúde dos futuros consumidores, caso a cocaína tivesse sido inserida no mercado.

O arguido AA indica jurisprudência deste Supremo Tribunal[25] que tem condenado os chamados “correios de droga” de cocaína com penas de prisão que se situam nos 5 anos e que envolveram quantidades de transporte de cocaína superior àquela que transportava.


Contudo, atendendo a que a moldura penal do crime de tráfico de estupefacientes cometido varia entre 4 a 12 anos de prisão, e tendo também em atenção os actuais padrões sancionatórios utilizados neste Supremo Tribunal[26], entende-se justa e adequada às finalidades de prevenção, e proporcional à culpa e à personalidade do arguido AA, a pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão que lhe foi aplicada em 1ª Instância, a qual não afronta nenhum princípio constitucional, designadamente os princípios da necessidade, da proibição do excesso, e da proporcionalidade das penas, a que alude o art. 18º, nº 2, da CRP, nem ultrapassa a medida da sua culpa, revelando-se adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, ficando explicitamente prejudicada a análise da sua suspensão, face ao limite fixado no art. 50º do Cod. Penal.

Cabe tributação, nos termos prevenidos no art. 513º, do Cod. Proc. Penal, e no art. 8º e Tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais.


III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido;
b) Corrigir o erro de escrita do acórdão recorrido, e determinar a substituição da menção constante do ponto 3, dos factos dados como provados: “com o peso bruto total de 5718 gramas (cinco quilos setecentos e dezoito gramas), duas em cada malapela menção: “com o peso líquido total de 6.649,400 gramas (seis mil, seiscentos e quarenta e nove gramas e quatrocentas miligramas)”, mantendo-se no demais o acórdão recorrido;
c) Condenar o arguido em taxa de justiça no montante de 5 UC´s.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Junho de 2022
[Processado em computador, revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do Cod. Proc. Penal)

Adelaide Sequeira (Relatora)

Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente)

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[1] Texto transcrito sem negritos nem sublinhados.
[2] Cfr. remessa expedida em 03/03/2022, pelo Juízo Central Criminal de ... - Juiz 5, da Comarca de ....
[3] Transcrição pags. 6, 7 e 8.
[4] Cfr. Ac. STJ de 09/10/2019, in Proc. nº 3145/17.4JAPRT.S1, Relator Cons. Raúl Borges.
[5] Não contendo esta Lei nº 94/2021, qualquer norma transitória que contemple a sua aplicação no tempo, as questões relativas às regras de interposição de recurso interposto de decisão proferida pelo tribunal colectivo em 1.ª Instância para o STJ, devem ser resolvidas à luz do disposto no art. 5º do Cod. Proc. Penal, que regula a aplicação da lei processual penal no tempo, e que refere que a nova lei não é de aplicação imediata nos processos iniciados anteriormente à sua vigência se daí resultar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou uma quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
[6] Cfr. Ofício nº 71495 junto aos autos em 18/08/2021 (referência citius …) p
[7] Cfr. Ponto A.1. de fls. 13.
[8] Com efeito, e caso esta pretensão formulada pelo arguido tivesse fundamento, haveria necessariamente que se proceder à reapreciação da espécie e da medida concreta da pena que lhe foi aplicada (art. 73º, nº 1, al. a), e al. b), do Cod. Penal), por constituir um “prius” em relação à sua subsequente pretensão relativa à medida concreta da pena pois, caso esta sua pretensão procedesse, estar-se-ia perante uma “modificação in mellius” da moldura abstracta punitiva para um regime de punição mais atenuada com a subsequente aplicação dos critérios enunciados no art. 71º do Cod. Penal, estando-se já perante uma outra moldura punitiva com limites mais baixos, quer no limite máximo, quer no limite mínimo, determinados por essa atenuação.
[9] Neste sentido cfr. J. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag. 302.
[10] Em relação à versão originária do então art. 73º, nº 1, do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23/09.
[11] In Proc. nº 232/14.4JABRG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[12] Cfr. J. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag. 312.
[13] Cfr. Ac. STJ de 09/12/2020, in Proc. nº 1289/08.2PHLRS.L2.S1, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 02-12-2021, in Proc. nº 13/20.6GALLE.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. obra citada, pag. 305.
[15] Cfr. Ac. STJ de 18/02/2016, in Proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, acessível, em www.dgsi.pt.
[16] Citou: o Ac. STJ de 07/12/2006, Proc. nº 06P1711 (7395,090 gr e 993,600 gr. de cocaína), 5 anos de prisão; o Ac. STJ de 23/01/2008, Proc. nº 4567/07 (13.940 gr. de cocaína), 5 anos de prisão; o Ac. STJ de 10/07/2008, Proc. nº 1217/08, (8.364,400 gr, de cocaína), 4 anos de prisão; o Ac. STJ de 20/10/2011, Proc. nº 35/11.8JELSB, (16.813,100 gr.de cocaína), 5 anos e 9 meses de prisão; o Ac. STJ de 24/10/2012, Proc. nº 298/11.9JELSB.S1 (10.082,144 de cocaína), 5 anos e 3 meses de prisão; o Ac. STJ de 20/12/2012, Proc. nº 390/11.0JELSB.S1 (7.358,630 gr. de cocaína) 5 anos e 3 meses de prisão; o Ac. STJ de 17/01/2013, Proc. nº 57/12.1JELSB.L1.S1, (7.480 gr. de cocaína), 5 anos e 3 meses de prisão; o Ac. STJ de 24/04/2014, Proc. nº 266/13.6JELSB.S1, (5.971,258 e 5.967,475 gr. de cocaína), 4 anos e 6 meses de prisão; o Ac. STJ de 19/12/2019, Proc. nº 3/19.1JELSB.S1 (5.231,800 gr. de cocaína), 5 anos e 3 meses de prisão.
[17] Cfr. pontos 5 e 9 da matéria de facto provada.
[18] Cfr. ponto 15 da matéria de facto provada.
[19] Consta do acórdão recorrido na respectiva fundamentação de facto relativamente às declarações prestadas em audiência que: Afirmou ter viajado da ... para ..., no ..., para depois viajar para ... onde pretendia trabalhar por algum tempo, regressando depois à ... mas ao chegar ao Aeroporto de ... verificou não ter consigo o bilhete de avião que lhe possibilitaria o embarque para ..., permaneceu a chorar nas instalações do aeroporto, aguardando a caridade de terceiros tendo então sido abordado, em castelhano, por uma mulher, que teve pena dele e pediu-lhe que transportasse duas malas de viagem contendo brinquedos, oferecendo-lhe uma outra mala já que a sua se encontrava rasgada referindo-lhe que seria contactado pelo telemóvel que trazia com instruções desta quanto à entrega das malas em ..., não tendo esclarecido como se deslocaria para ... após o desembarque em .... Mas, na medida em que confirmou ter efectuado, a partir do ... e com destino a ..., o transporte das duas malas contendo a cocaína que lhe foi apreendida, embora esclarecendo desconhecer o conteúdo das malas, resultou evidente, face ao "arrependimento" que afirmou sentir, que tal transporte correspondeu a um acto de livre de vontade sua e não a qualquer obra do acaso ou infortúnio sucedido contra o seu conhecimento, aqui se socorrendo das regras normais da experiência comum, segundo as quais, de modo manifesto e inequívoco, nenhum sentido faz a versão incoerente, ilógica, inconsistente e contrária à normalidade social, e que apenas constituiu um modo desprovido de bom senso de se apresentar arrependido, tal como começou por afirmar.
[20] Cfr. entre outros, o Ac. STJ de 10/10/2018, in Proc.º nº 5/16.0GAAMT.S1 e o Ac. STJ de 07/07/2021, in Proc. nº 57/20.8SWLSB.S1, acessíveis em www.dgsi.pt
[21] Considerada pela Jurisprudência deste STJ como  uma “droga dura”, de elevado grau de danosidade – cfr. entre outros, o Ac. STJ de 23/03/2022, Proc. nº 4/17.4SFPRT.P1.S1, Ac. STJ de 08/04/2021, Proc. nº 1/19.5PBPTM.S1, Ac. STJ de 17/02/2021, Proc. nº 1144/19.0T9PTM.E1.S1, e Ac. STJ 25/02/2021, Proc. nº 943/18.5T9LLE.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. ponto 10 das conclusões do recurso por si apresentado, onde refere que a força motriz da sua decisão criminosa adveio das carências económicas que atravessava fruto da pandemia do Covid 19, que o impediam de provir às necessidades básicas da sua família.
[23] Cfr. neste sentido, entre outros, o Ac. STJ de 09/04/2015, Proc. nº 147/14.6JELSB.L1.S1, o Ac. STJ de 06/02/2013, Proc. nº 181/12.0JELSB.L1.S1 e o Ac. STJ de 15/01/2014, Proc. nº 10/13.8JELSB.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[24] In Proc. nº 21/11.8JELSB. S1, acessível em www.dgsi.pt.
[25] Enunciada na nota de rodapé 14, onde indica Acs. STJ de 2006, 2208, 2011, 2012, 2013 e 2014.
[26] Cfr. Ac. STJ de 21/04/2021, Proc. nº 269/20.4JELSB.L1, (duas embalagens com o peso de 2007,000gr., e uma embalagem com o peso de 452,000 grs., de cocaína apreendida), pena aplicada de 5 anos prisão, Ac. STJ de 21/04/2021, Proc. nº 510/19.6JELSB.L1(4.495gr., de cocaína apreendida), pena aplicada de 5 anos de prisão, Ac. STJ de 08/04/2021, Proc. nº 89/20.6JELSB.S1 (2.480,700gr., de cocaína apreendida), pena aplicada de 5 anos e 3 meses de prisão, Ac. STJ de 10/09/2020, Proc. nº 46/19.5SULBS.S1 (986,100 gr., de cocaína apreendida (uma placa), e como fenacetina (produto de "corte"), com o peso líquido total de 1.2978,00 grs., (cinco sacos), pena aplicada de 4 anos e 6 meses de prisão, Ac. STJ de 18/06/2020, Proc. nº 243/19.3JELSB.L1.S1, (8.009,800 gr., de cocaína apreendida (num total de 4 placas).pena aplicada de 5 (cinco), todos acessíveis acessível em www.dgsi.pt. .