Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
385/18.2T8LMG-A.C1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
BENFEITORIAS
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES / OBSTÁCULOS À COLIGAÇÃO – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA / ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processos Especiais, II Volume, p. 24 a 27.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 37.º, N.ºS 2 E 3 E 266.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 21-10-2003, PROCESSO N.º 1460/03, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 04-03-2010, PROCESSO N.º 1392/08.9TCSNT.L1-6;
- DE 24-09-2015, PROCESSO N.º 2510/14.3T8OER-A.L1.2, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TIRUBNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 25-09-2014, PROCESSO N.º 260/12.4TBMNC-A.G1;
- DE 25-07-2017, PROCESSO N.º 1242/09.9TJVNF-B.G1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º 151/17.2T8ODM.E1;
- DE 17-01-2019, PROCESSO N.º 764/18.5T8STB.E1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos art.s 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.

II - Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção tendente a obter indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser autorizada, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA intentou, pelo Juízo Local Cível de Lamego, ação de divisão de coisa comum contra BB, alegando que Autora e Ré são comproprietárias, em partes iguais, do prédio urbano que descreve, que é indivisível em substância, e pretendendo que se ponha termo à indivisão.

Mais alegou que pretende que o prédio lhe seja adjudicado.

Ainda, alegou que o prédio é ocupado pela Ré.

                                                           +

A Ré apresentou contestação, mas onde não pôs em causa os fundamentos do pedido.

Mais deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Autora o pagamento da quantia de €11.900,00 a título de benfeitorias, que alegou ter realizado no prédio e que aumentaram o seu valor em igual medida.

Alegou para o efeito, em síntese, que as benfeitorias valorizaram o prédio em tal medida, e que essa valorização tem de ser levada em linha de conta nos interesses das partes inerentes às operações de divisão.

                                                           +

Foi proferida decisão a considerar inadmissível a reconvenção.

                                                           +

Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Coimbra julgou o recurso improcedente e manteve a decisão recorrida.

                                                           +

Ainda inconformada, pede a Ré revista, que introduziu como revista excecional, fundada em oposição de julgados.

A competente formação de juízes admitiu a revista assim interposta.

                                                           +

São as seguintes as conclusões que a Ré extrai da sua alegação (suprimem-se as quatro primeiras, que se reportam exclusivamente à admissibilidade excecional da revista, assunto já ultrapassado):

5. A decisão recorrida deve ser revogada e consequentemente o despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, considerando que a reconvenção apresentada é legal e admissível em ações de divisão de coisa comum, como aliás tem sido o entendimento maioritário da jurisprudência.

6. A reconvenção encontra-se prevista e regulada no art. 266.° do CPC, estando ali explícitos os casos em que é admissível e a sua tramitação, sendo referido no n. ° 1 o seguinte: “O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. “

7. A Ré, porque dispõe de um contra crédito com a Autora referente a obras realizadas no imóvel dividendo, apresentou reconvenção, formulando um pedido contra a Autora tendo por base todas despesas suportadas pelas benfeitorias realizadas e pagas exclusivamente pela requerida na habitação em causa, que constitui a sua casa de morada de família.

8. A Ré não se opôs à divisão de coisa comum da casa em questão, contudo entende ser nesta ação que têm de ser acautelados os seus direitos nomeadamente ser ressarcida das despesas que teve que valorizaram em muito o prédio, a Ré entende ter o direito de tornar efetivo o seu direito às benfeitorias, sendo este o meio processual legal para o fazer.

9. Pelo que, não pôde a Ré conformar-se e concordar com o despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Juízo Local Cível de Lamego, que não admitiu a reconvenção, apenas e só por entender que não se verificam as condições das alíneas a) a d) d n.º 2 do art. 266.° do CPC, e ainda que tais alíneas não se aplicam ao caso em concreto, por o objecto da ação ser a divisão do prédio e não a sua entrega.

10. Como igualmente não pode concordar com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão recorrida, já que, como referido não é esse o entendimento maioritário que surge na esteira dos Tribunais, existindo dezenas de decisões diferentes.

11. O presente processo foi mal decidido, porquanto, como vem sido dito a Ré peticiona que lhe seja reconhecido o direito de crédito das benfeitorias feitas pela mesma na casa, e isto porque havendo adjudicação do imóvel, o seu valor base para licitação, será sempre o seu valor atual, ou seja, a sua avaliação dependerá das condições em que se encontra no momento da avaliação, e não como se encontrava antes de 2011.

12. Logo, ao não lhe ser permitido reconhecer o direito ao crédito das benfeitorias feitas na casa, a Ré sairia sempre prejudicada, porquanto havendo lugar a licitações, e ainda que a mesma lhe seja adjudicada, a verdade é que ao não ser admitida a reconvenção, a Ré iria estar a pagar um valor inflacionado, na medida em que estaria a pagar parte da casa duas vezes, pois a mesma apenas tem o valor e condições que ali se apresentam após a Ré ter feito as ditas obras.

13. A decisão legal passaria pelo recebimento da reconvenção e consequentemente a conversão na forma de processo comum, para fixação dos montantes devidos à Ré a título de benfeitorias, montantes estes a considerar para efeitos de tornas no âmbito da referida ação de divisão de coisa comum.

14. Sendo este o entendimento praticamente unânime em vários Acórdãos - que decidiram pela admissão da reconvenção nas ações de divisão de coisa comum quando o pedido em causa seja a indemnização por benfeitorias no prédio dividendo - cujos ACÓRDÃOS-FUNDAMENTO se anexaram e que aqui se enumeram bem como os respetivos sumários que vão no sentido pugnado pela recorrente:

Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 25/09/2014, no âmbito do processo 260/12.4TBMNC-A.Gl “Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266°, n. ° 3 e 37º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. “

Acórdão proferido Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 25/05/2017, no âmbito do processo 1242/09.9TJVNF -B.Gl "1 - Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266~ n. ° 3 e 37.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. 2 - Tal está ao alcance do juiz, incumbindo-lhe adaptar o processo, ao abrigo dos princípios da gestão processual e adequação formal - artigos 6. ° e 547. ° do CPC - considerando, além do mais, que o processo especial de divisão de coisa comum comporta, ele mesmo, a possibilidade, na sua fase não executiva, de se seguirem os termos do processo comum. 3 - O interveniente principal, se intervier em prazo igual ao fixado para a contestação na forma processual em causa, pode oferecer articulado próprio (petição ou contestação), seguindo-se entre as partes os demais articulados admissíveis.”

Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 24/09/2015, no âmbito do processo 2510/14.3T80ER-A.LI-2 “Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º n. ° 3 e 37.º n. ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.”

Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 15/03/2018, no âmbito do processo 2886/15.5T8CSC.Ll.LI-8 “- Em acção de divisão de coisa comum, impugna a requerida na contestação o valor atribuído ao prédio pelo requerente, suscitando em sede de reconvenção os créditos que tem sobre o requerente por ter efectuadas despesas quer no pagamento do empréstimo bancário para aquisição do prédio, quer de impostos, que em seu entender incumbiam em partes iguais a ambos. - Suscitando assim a compensação do seu crédito com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente. - Perante isso, e para assegurar a justa composição do litígio, a acção deverá seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados.”

I5. Ora dos sumários destes Acórdãos-fundamento resulta assim que é entendimento dos referidos Tribunais da Relação que na ação de divisão de coisa comum se for formulado um pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida à luz do disposto nos artigos 266° n.º 3 e 37° n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

16. Nos presentes autos, a Ré/reconvinte formulou o pedido reconvencional, tendo em vista a indemnização pelas benfeitorias que realizou no prédio dividendo à igualmente do disposto no art° 266° n.º 3 e 37° n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ou seja, numa situação idêntica é a que foi retratada em todos os autos referentes aos Acórdãos- fundamento supra anexados.

17. Pelo que deve ser decidida a presente revista excecional na medida em que o Acórdão proferido nos presentes autos pela Relação de Coimbra se encontra em contradição expressa com os Acórdãos-fundamento referidos, devendo à luz destes ser revogada a decisão de que se recorre considerando-se assim e também nos presentes autos de divisão de coisa comum: Admissível a reconvenção deduzida pela Ré na medida em que a mesma formulou um pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, à luz do disposto nos artigos 266°, n. ° 3 e 37°, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos subsequentes à contestação, do processo comum.”

                                                           +

Não se mostra oferecida contra-alegação.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão a conhecer:

- Admissibilidade da reconvenção.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

Sendo certo que ao pedido formulado pela Autora tendente à divisão de coisa comum cabe o processo especial estabelecido no art. 925.º e seguintes do CPCivil e que ao pedido reconvencional formulado pela Ré tendente à condenação no pagamento do valor de benfeitorias cabe processo comum, a questão que aqui se coloca é apenas a de saber se a reconvenção da Ré tem cabimento processual na ação de divisão de coisa comum em causa. Não está sob discussão no recurso saber se a reconvenção é enquadrável no n.º 2 do art. 266.º do CPCivil, mais propriamente na respetiva alínea b)), razão pela qual não há que emitir pronunciamento sobre esse particular.

Rege para o caso o n.º 3 do art. 266.º do CPCivil, que estabelece que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 37.º, com as necessárias adaptações.

Nos termos adaptados dos n.ºs 2 e 3 do art. 37.º, a diversidade de formas de processo não impede a reconvenção, desde que se verifiquem os seguintes pressupostos:

- a tramitação das duas formas de processo não seja manifestamente incompatível;

- haja interesse relevante ou a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.

No caso sujeito não se pode duvidar que este último pressuposto se verifica. Pois que as alegadas benfeitorias têm impacto sobre o valor do prédio objeto do pedido de divisão, e isto, por sua vez, prende-se diretamente com a justa composição do litígio. O que é dizer, a justa composição do litígio demanda que se equacione previamente a questão das benfeitorias.

Mas não seguirão as formas de processo em confronto uma tramitação manifestamente incompatível?

O acórdão recorrido responde que sim, observando (em síntese) que não foi apresentada nenhuma oposição ao pedido de divisão, de modo que, tratando-se de prédio que é indivisível, o passo processual seguinte é a conferência de interessados com vista à adjudicação do prédio a uma das consortes (com o preenchimento em dinheiro da quota da outra consorte) ou então a sua venda. Nada disto, ainda segundo o acórdão, é compatível com a tramitação adicional que a admissão da reconvenção irá introduzir, sendo que, a admitir a reconvenção nas circunstâncias do caso vertente, teríamos afinal, não uma adaptação da tramitação, mas dois processos, um a seguir ao outro. Conclui o acórdão: não se trataria de fazer uma qualquer adaptação na tramitação processual da forma de processo prevista para o pedido de divisão de coisa comum deduzido pela Autora, mas sim de introduzir no processo uma segunda forma processual, a declarativa comum, destinada a apreciar o pedido relativo a indemnização por benfeitorias deduzido pela Ré.

Que dizer?

Quando o tribunal determine que o processo de divisão de coisa comum passe a seguir os termos do processo comum (hipótese prevista no n.º 3 do art. 926.º do CPCivil), a questão aqui em discussão não chega a colocar-se verdadeiramente, pois que neste caso tudo se passa até certo ponto como se houvesse identidade de forma de processo. Por isso, já desde longa data se vinha entendendo que nesta hipótese, apesar de se estar formalmente perante um processo que visa a divisão de coisa comum, nada impede a reconvenção tendente a exigir o valor das benfeitorias (assim, Alberto dos Reis, Processos Especiais, II Volume, pp. 24 a 27).

Fora desta hipótese, que se antolha como mais ou menos óbvia, começam as dúvidas.

Alguma jurisprudência tem enveredado por uma visão restritiva da admissibilidade da reconvenção por pedido a que corresponda processo comum na ação de divisão de coisa comum. Assim, no acórdão da Relação de Coimbra de 21 de outubro de 2003 (processo n.º 1460/03, disponível em www.dgsi.pt) defende-se que, em princípio, é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação; se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser decidida. Igual entendimento é adotado no acórdão da Relação de Lisboa de 4 de março de 2010 (processo n.º 1392/08.9TCSNT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).

Outra jurisprudência é menos formalista. Assim, nos acórdãos da Relação de Guimarães de 25 de setembro de 2014 (processo n.º 260/12.4TBMNC-A.G1), da Relação de Guimarães de 25 de julho de 2017 (processo n.º 1242/09.9TJVNF-B.G1) e da Relação de Lisboa de 24 de setembro de 2015 (processo n.º 2510/14.3T8OER-A.L1.2 (todos disponíveis em www.dgsi.pt), entende-se que na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum. No acórdão da Relação de Évora de 22 de março de 2018 (processo n.º 151/17.2T8ODM.E1, disponível em www.dgsi.pt) também se aceita que é admissível a dedução de reconvenção na ação de divisão de coisa comum, esclarecendo apenas que (como é óbvio) tal apenas poderá suceder nos casos taxativamente fixados nas als. a) a d) do n.º 2 do art. 266.º do Código de Processo Civil. Ainda, no acórdão da Relação de Évora de 17 de janeiro de 2019 (processo n.º 764/18.5T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt) entende-se (sumário) que: “I- Sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio. II - Quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fração autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide. III – Esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efetiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda.”

Cremos que é de subscrever o ponto de vista deste último conjunto jurisprudencial, que se ajusta no essencial ao caso vertente.

É certo que, como se aponta no acórdão recorrido, não foi oferecida qualquer oposição ao pedido da Autora, de sorte que a tramitação processual imediata que competiria ser seguida seria basicamente a estabelecida no n.º 2 do art. 929.º do CPCivil.

É certo de igual forma que essa tramitação não se adequa em si mesma à tramitação inerente ao pedido reconvencional.

É ainda certo que a tramitação de processo comum a seguir em atenção ao pedido reconvencional altera a tramitação prevista para o processo de divisão de coisa comum.

Todavia, importa compreender que toda essa perturbação na tramitação processual é conatural à junção num só processo de pedidos que sigam uma tramitação diversa.

E o que é facto é que a lei não enjeita a possibilidade dessa junção.

Na perspetiva da lei, o inconveniente inerente à perturbação processual que é introduzida resolve-se através da adaptação do processado aos fins da reconvenção (n.º 3 do art. 37.º do CPCivil).

Isto só não deverá ser assim quando a ação e a reconvenção devam seguir tramitação “manifestamente incompatível”.

Procurando densificar um pouco o conceito de tramitação “manifestamente incompatível”, afigura-se-nos que incompatibilidade manifesta (intolerável, gritante) só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.

No caso vertente, cremos que essa situação radical não ocorre. A tramitação a implementar (adaptativamente) com vista a processar o pedido reconvencional será a do processo comum, e tal tramitação não é fonte de contradição (não leva á prática de atos contraditórios) ou é inconciliável com a tramitação do pedido de divisão da coisa comum. Inclusivamente, a própria lei (n.º 3 do art. 926.º do CPCivil) prevê com toda a naturalidade a introdução (fase declarativa do procedimento) da tramitação do processo comum no processo de divisão de coisa comum, a que se seguirá depois a fase executiva. No fundo, a situação em discussão não sai muito desse critério ou esfera.

O que se passa simplesmente é que a introdução da reconvenção em causa é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspetiva da lei, não é suficiente para impedir a reconvenção. De resto, e se se atentar bem nas coisas, são menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em ação própria, discutir a questão das benfeitorias.

Vistas assim as coisas, como nos parece que devem ser vistas, a reconvenção em questão pode ser admitida e processada de acordo com as normas adaptadas do processo comum que ao caso convierem, sobrestando-se entretanto na fase executiva da divisão da coisa comum. Repetindo, não vemos que isto constitua qualquer tramitação manifestamente incompatível, nem tão pouco que daí resultem duas ações (uma a seguir à outra), tudo não passando senão de uma adaptação do processado à reconvenção. E se essa adaptação tem os seus custos processuais, isso não é senão a consequência lógica da circunstância da lei a impor (a adaptação).

Procede pois o recurso.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando a decisão das instâncias e autorizando a reconvenção.

Regime de custas:

Custas da presente revista pela parte recorrida.

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Sumário (art.s 663.º, nº. 7 e 679.º do CPCivil):

                                                           ++

Lisboa, 1 de outubro de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo