Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5712/17.7T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PEDIDO PRINCIPAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
ABUSO DO DIREITO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER ACESSÓRIO
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Quanto à função negativa do caso julgado, ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

II - Quanto aos pressupostos da autoridade do caso julgado, a jurisprudência do STJ vem admitindo que se dispense a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da excepção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva; significa isto que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira.

III - Nas circunstâncias particulares do caso sub judice, entende-se que - ao pretender a 2.ª autora que, ao menos quanto a si, a acção prossiga os seus termos, podendo vir a produzir-se decisão de mérito que, sendo-lhe favorável, será substantivamente contrária às decisões proferidas em anteriores acções judiciais, nas quais a 1.ª autora, enquanto “chefe do consórcio” de que a 2.ª autora faz parte, actuou de facto em “representação” dos interesses de ambos os membros do consórcio, o que é reconhecido pela 2.ª autora - incorre em exercício abusivo do direito de acção.

IV - Pelo afirmado em III., não pode admitir-se que a 2.ª autora exerça o direito de acção dissociado da posição da 1.ª autora pelo que, se se concluir pela verificação dos demais pressupostos da ofensa de caso julgado, não poderá a falta de identidade subjectiva permitir o prosseguimento da acção apenas quanto à 2.ª autora.

V - No caso dos autos, estando em causa essencialmente a identidade da causa de pedir, verifica-se, a partir da análise da factualidade alegada pelas autoras que, ainda que invocando a violação de pretensos deveres acessórios de conduta e de informação, pretendem as mesmas que se discuta novamente a interpretação e o funcionamento da cláusula contratual cum potuerit, com base na qual as decisões judiciais proferidas nas anteriores acções judiciais entenderam não existir mora da ré no cumprimento do dever primário de prestação a que se encontrava adstrita.

VI - Não é admissível que, recorrendo à classificação dogmática que distingue entre deveres de prestação e deveres acessórios, e alegando a violação de pretensos deveres acessórios de conduta, venham as autoras pretender reabrir a discussão acerca do cumprimento do dever primário de prestação a que a ré se encontrava adstrita.

VII - Estando reunidos, em relação à 1.ª autora e à ré, os pressupostos da tríplice identidade - dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir - entre a presente acção e as anteriores acções judiciais, nos termos do art. 581.º, n.º 1, do CPC, ocorre ofensa de caso julgado na vertente negativa, i.e., procede em relação àquela autora a excepção dilatória de caso julgado; o que, com fundamento no exercício abusivo do direito de acção (cfr. pontos III. e IV. do sumário), conduz a não se reconhecer à 2.ª autora um direito autónomo de acção.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. Terriminas - Sociedade Industrial de Carvões, S.A. e Vilarei – Promoção Imobiliária, S.A. interpuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Baía do Tejo, S.A. (na qual a Urbindústria, S.A. foi incorporada).

1.1. As AA. alegam, em síntese, o seguinte:

- A 1.ª A., em consórcio com a 2.ª A., celebrou contrato escrito, datado de 22/05/2001, com a Urbindústria - Empresa de Urbanização e Infra-estruturação de Imóveis, S.A., obrigando-se, no prazo de seis meses, contados do seu início (1 de Junho de 2001), a retirar, transportar e depositar no local aprovado e nas condições aprovadas, pela Urbindústria - Empresa de Urbanização e Infra-estruturação de Imóveis, S.A. os resíduos dos denominados pós de despoeiramento, do forno eléctrico, acumulados na fábrica da ...... da S......, S.A., e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa.;

- A Urbindústria, S.A. foi incorporada na R., por via da fusão;

- Em virtude dessa operação de fusão, a R. adquiriu todos os direitos que à sociedade Urbindústria, S.A. competiam e assumiu todas as responsabilidades que sobre a mesma impendiam, daqui decorrendo a sua legitimidade para ser demandada nestes autos;

- O destino do material removido era o previsto no projecto de recuperação ambiental e paisagístico da escombreira das antigas minas de ... (cláusula 2.ª do contrato), projecto esse que foi desenvolvido pelo consórcio liderado pela A., com base em análises, planta topográfica delimitando a área e localização do depósito, e informações disponibilizadas pela R., relativamente às características do material a remover (resíduos) das antigas instalações da fábrica da ...... da S.....;

- Esse projecto foi submetido à apreciação das entidades oficiais, e objecto das aprovações da Câmara Municipal de .......... e da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte;

- O valor dos trabalhos realizados pelas AA. deveria ser pago no prazo de 30 dias a contar da data de emissão do auto de medição que lhe está subjacente;

- As partes contratantes salvaguardaram ainda a possibilidade de o programa de trabalhos poder ser distribuído por mais de um período, podendo os mesmos trabalhos ser interrompidos em qualquer altura pela Urbindústria, em caso de não disponibilização pelo Estado Português dos meios financeiros necessários à realização da operação;

- Foi assim que, em execução do contrato celebrado e no que ao caso importa, as AA., no período temporal decorrido entre 01/01/2002 e 31/01/2002, retiraram, transportaram e depositaram no local aprovado e nas condições aprovadas os resíduos dos denominados pós de despoeiramento históricos do forno eléctrico acumulados na fábrica da ...... da S....., correspondentes ao período temporal anterior à reprivatização da empresa. Esses trabalhos mostram-se titulados por autos de medição elaborados em 15/01/2002 e 31/01/2002, respectivamente;

- Todavia, os trabalhos constantes dos autos de medição n.ºs 1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, titulados pelas facturas n.ºs 2 de 18/06/2001, 3 de 27/06/2001, 4 de 16/07/2001, 6 de 16/08/2001, 8 de 20/08/2001, 9 de 23/10/2001, 10 de 19/11/2001, 11 de 07/12/2001, 1 de 29/01/2002, 2 de 21/02/2002, 3 de 28/03/2002, 4 de 17/07/2002, 5 de 27/05/2002, 06 de 28/06/2002, 7 de 11/12/2002, 2 de 13/05/2003 e 3 de 24/07/2003, foram pagos pela R., decorridos mais de 30 dias sobre a data da sua emissão;

- Ora, apesar de o contrato conter na forma de pagamento a cláusula cum potuerit (art. 778.º do Código Civil), a R. violou deveres acessórios de conduta no cumprimento das suas obrigações contratuais, perante as AA.;

- Não obstante esta cláusula, impendia sobre a R. a obrigação de informar as AA. de que só teve possibilidade de efectuar o pagamento das aludidas facturas nas datas em que o fez;

- Com efeito, a R. deveria ter informado as AA. dos factos que demonstrassem que só teve possibilidade de pagar a dívida nessas datas, pois que essa obrigação é inerente a tal cláusula de pagamento cum potuerit;

- Deste modo, porque a R. não cumpriu esse dever legal, é responsável pelos danos causados às AA.;

- Essa obrigação legal é acompanhada, ainda, dos deveres acessórios de conduta que a R. tem para com as AA. Tais deveres acessórios de conduta são postulados pelo agir de boa-fé, que deve existir no relacionamento contratual;

- Ora, relativamente a essas facturas e até ao respectivo pagamento, a Urbindústria e a R., nada fizeram, nada diligenciaram, para que a Direcção Geral do Tesouro as abonasse com as verbas necessárias para o pagamento das mesmas, assim incumprindo o clausulado contratual, com o propósito e intenção de não cumprir as condições contratuais de pagamento às AA.;

- Esta conduta da R. e sua antecessora viola, por isso, os princípios gerais de direito, consubstanciando uma conduta típica de má-fé;

- Na verdade, decorridos que se mostram vários anos sobre a data de execução dos trabalhos subjacentes àquelas facturas e sobre a data de emissão das mesmas e, aprovados que foram vários Orçamentos Gerais do Estado, nem a R., ou a sua antecessora, se preocuparam em diligenciar junto da Direcção Geral do Tesouro visando a obtenção dos fundos necessários ao pagamento dos referidos trabalhos;

- Sendo certo que, quer a R., quer a sua antecessora, têm orçamentos anuais, pelo que todos os anos têm a aprovação da tutela para esses orçamentos. E o valor desses orçamentos era suficiente para o seu cumprimento;

- Nesta conformidade, as opções de investimento foram da responsabilidade das administrações da R. e sua antecessora.

- Consubstanciando o pagamento ou não pagamento dos trabalhos realizados pelas AA. uma mera opção de gestão da R.; e, por se tratar de mera opção de gestão, é que os deveres acessórios de conduta no cumprimento do contrato devem ser considerados como violados pela R. e sua antecessora. Pois que a opção de despesa foi, sucessiva e reiteradamente, a de não pagar às AA., ano após ano;

- Acresce que, nesse período temporal, quer a Urbindústria, quer a R. foram citadas para acções propostas pelas AA., com vista ao pagamento dos trabalhos contratados;

- A A. instaurou contra a Urbindústria, S.A. a acção que correu termos no .... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ........... sob o n.º 7627/06....;

- Nessa acção, a 1.ª A. peticionava a condenação da sociedade Urbindústria, no pagamento da quantia de € 1.192.761,16, a título de juros, por mora no pagamento de um conjunto de facturas também elas relativas à remoção, transporte e aterro dos denominados pós de despoeiramento em depósito na fábrica da ......, sempre em execução do citado contrato de 22/05/2001;

- Essa acção veio a ser julgada improcedente por acórdão do STJ, proferido em 11/06/2013;

- Decidiu o Tribunal que, o pagamento pontual daquelas facturas, (todas emitidas em data anterior à data aposta nas que estão em causa nestes autos e que a R. não pagou) ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria R. Urbindústria. A 2.ª A. não teve intervenção nessa acção judicial, pelo que a sentença aí proferida, não a vincula nem faz caso julgado. Naqueles autos, o Tribunal considerou que a Direcção Geral do Tesouro disponibilizou, em 2005, à Urbindústria as verbas necessárias ao cumprimento da sua obrigação contratual de pagamento do preço à A.. Está assim demonstrada a possibilidade de cumprimento da prestação da R. desde 2005, e, até à data;

- Pelo que o não pagamento dos trabalhos em crise, decorridos 30 dias sobre a data de emissão das facturas que os titulam e até hoje, não decorreu de qualquer impossibilidade, mas de um mero acto de vontade de não cumprir, sem qualquer justificação válida, isto não obstante as inúmeras interpelações das AA., ao longo dos últimos anos, visando o pagamento do seu crédito;

- Isto é, a Urbindústria e, depois a R., ao longo destes anos, não pagaram, não porque não puderam, mas, simplesmente porque nunca o quiseram fazer;

- O valor das facturas ascende ao total de € 10.541.434,82;

- A R. efectuou o pagamento da última das facturas em 2004;

- Se a R. tivesse cumprido as suas obrigações legais e contratuais, as AA. teriam a disponibilidade dessa quantia, desde, pelo menos, 24.07.2003, data da última factura;

- Deste modo, a indemnização que a R. está obrigada a pagar às AA. corresponde aos juros à taxa comercial que incidem sobre o valor de cada factura e que perfaz o montante de € 1.672.038,85.

Subsidiariamente:

- Se assim não se entender, então as AA. têm direito a serem indemnizadas através da reconstituição da sua situação financeira caso a R. tivesse pago as facturas nos prazos que delas constam e que haviam sido ajustados pelas partes. Deste modo, a indemnização que a R. está obrigada a pagar às AA. corresponde à reconstituição da sua situação financeira caso a R. tivesse pago as facturas nos prazos que delas constam e que haviam sido ajustados pelas partes. Essa reconstituição é calculada pela aplicação da taxa de juros legais actualização monetária dessa quantia, deduzindo a quantia paga. Essa actualização faz corresponder essa quantia até hoje em € 337.804,49.

Terminam pedindo, com a procedência da acção, que a R. seja condenada a indemnizar e a pagar às AA. a quantia global de € 1.672.038,85, correspondente aos juros à taxa comercial que incidem sobre o valor de cada factura e que perfaz esse montante, quantia esta acrescida de juros legais de mora à taxa comercial, desde a citação e até integral pagamento.

Subsidiariamente, pedem a condenação da R. a indemnizar e a pagar às AA. a quantia global de € 337.804,49, correspondente à actualização monetária das quantias já pagas, acrescida de juros legais de mora à taxa comercial, desde a citação e até integral pagamento.

1.2. Citada, a R. contestou a acção, por via de excepção e por via de impugnação invocando as excepções do caso julgado, da ilegitimidade da Autora Vila Rei, a falta de interesse em agir por parte da Ré Vila Rei e da autoridade do caso julgado. Invoca a má-fé processual das AA..

Em qualquer caso, a existir a dívida de juros, estes estariam prescritos.    

Mais alega que os créditos titulados pelas facturas emitidas pela A. Terriminas n.ºs 5, 6, 9, 10 e 11 de 2001, pelas facturas n.ºs 2, 3,4, 6, e 7 de 2002 e pela fatcura n.º 2 de 13-05-2003, foram cedidos pela A. Terriminas à E.......... S.A., actualmente denominada B......., S.A., no âmbito de um contrato de factoring celebrado entre aquelas empresas. A Urbindústria aceitou aquelas cessões de créditos, a pedido da ora A. Terriminas.

Assim, ao abrigo dessa cessão de créditos, nunca teria a R. de pagar quaisquer juros à Terriminas, referentes aos créditos cedidos por esta à E....., seja porque qualquer eventual crédito por juros já não lhe pertence, uma vez que foi transmitido à E....., quer porque a Ré pagou atempadamente estes créditos à E......

Invoca ainda a excepção da litispendência, relativamente ao processo n.º 1518/14...., que corre termos na Comarca de ..., ..., Juízo Central Cível, J..., intentada pela Terriminas contra a ora R., em 1 de fevereiro de 2010.

Em sede de impugnação, a R. invoca a falsidade e inexactidão dos factos alegados, concluindo pela improcedência da acção.

Em suma e a final, pedem que sejam julgadas procedentes as invocadas excepções de: caso julgado; ilegitimidade activa da A. Vila Rei, S.A..

Subsidiariamente, em relação à excepção de caso julgado, considerar ilegítima, em virtude de abuso de direito, a propositura desta acção (cfr. art. 334.º do Código Civil), devendo a R. ser absolvida da instância.

Subsidiariamente, se assim também não se entender, deve a presente instância suspender-se até trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida no processo-crime n.º 4551/10, referido no corpo da contestação.

Deve considerar-se que a cessão à E..... dos créditos titulados pelas facturas acima referidas importou a transmissão a esta última de quaisquer eventuais juros de mora.

Caso se entenda que as AA. estão também aqui a reclamar juros de mora relativamente às facturas 1 e 2 de 2005, deve julgar-se procedente a invocada excepção de litispendência.

Deve a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, considerando, designadamente, a autoridade de caso julgado dos acórdãos, já transitados em julgado, juntos como docs. 10 e 23;

Ainda que assim não se entenda, devem considerar-se prescritos quaisquer juros de mora vencidos há mais de cinco anos.

1.3. Com data de 20 de Dezembro de 2019, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da A. Vilarei, S.A. e procedente «a excepção dilatória de autoridade do caso julgado, declarando extinta a instância».


1.4. Inconformadas com a decisão, as AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ..., pedindo a revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da acção.

Em sede de contra-alegações a R. pugnou pela improcedência do recurso e, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de procedência do recurso, pediu a ampliação do recurso, nos termos do disposto no art. 636.º n.º 1 do Código de Processo Civil relativamente às excepções de caso julgado e de má-fé processual que alegou e em que decaiu.

Por acórdão de 22 de Outubro de 2020, a Relação julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.


2. Novamente inconformadas, interpuseram as AA. recurso de revista, por via excepcional, o qual foi admitido, em 27 de Abril de 2021, por acórdão da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC.


3. Formularam as Recorrentes as seguintes conclusões:

«1. No Acórdão do STJ datado de 11.06.2013, proferido na acção nº 7627/06...., foi decidido que a Ré não era obrigada a pagar juros de mora à autora Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, SA pelo facto de não ter incorrido em mora.

2. Decidiu esse acórdão do STJ que as partes, ao incluírem na cláusula 5ª do acordo a expressão “sempre que possível” pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção-Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

3. O acervo factual alegado na presente acção e na acção nº 7627/06...., não é o mesmo, nem a pretensão deduzida numa e noutra emergem do mesmo facto jurídico.

4. Como decorre da petição inicial da presente acção, a complexa causa de pedir formulada emerge da violação de deveres acessórios de conduta decorrentes de contrato de prestação de serviços celebrado em 22/05/2001 e bem assim do incumprimento da obrigação de pagamento pontual do preço de trabalhos realizados pela Ré no âmbito desse contrato.

5. Ao contrário do referido no Acórdão recorrido nas duas referidas acções não se discutem direitos exercidos sobre idênticos objectos.

6. Já que o pedido formulado na primeira acção residia no incumprimento da obrigação de pagamento do preço e prestações pecuniárias de contrato celebrado, por ocorrer a exigibilidade dessa dívida da Ré perante a Autora Terriminas.

7. Enquanto que na presente acção, o pedido formulado assenta e respeita a violação de deveres acessórios de conduta e dever de informação por parte da Ré.

8. Esses deveres acessórios de conduta consistem na obrigação de a Ré informar as Autoras da data em que que teve possibilidade de proceder ao pagamento das facturas e, não em momento anterior.

9. Essa obrigação de informação é inerente ao cumprimento de uma cláusula cum potuerit.

10. Porque a Ré e sua antecessora não cumpriram com esse dever de informação, são responsáveis pelos danos que, em razão dessa omissão de conduta provocaram às Autoras.

11. Esse dever de informação é inerente a essa cláusula de pagamento cum potuerit.

12. A conduta da Ré ao violar esse dever de informação transfigura a cláusula contratual de cum potuerit em cláusula contratual cum voluerit.

13. Uma vez que a Ré ao não dar qualquer justificação às Autoras para o facto de só ter pago as facturas em apreço nas datas em que o fez, na prática, utilizou unilateralmente a cláusula bilateral cum voluerit, prevista no artº 778º nº 2 do Cód. Civil.

14. Cláusula esta que prevê que o devedor pode pagar no prazo que arbitrariamente escolher e que não consta do contrato.

15. A invocação na presente acção de deveres acessórios de conduta e dever de informação não constitui uma pretensa diferença da causa de pedir como o refere o Acórdão recorrido.

16. O abuso de direito é do conhecimento oficioso – pode ser invocado ex-novo perante o S.T.J. em sede de recurso da revista.

17. A Ré incorreu em abuso de direito - ao omitir o dever de informação à Autora sobre a possibilidade de pagamento da sua dívida apenas em determinada data e não antes e ao persistir em recusar cumprir esse dever de informação.

18. Pois está exceda a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito de apenas cumprir a obrigação quando puder.

19. O Acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e aplicação dos artºs 334º 580º e 581º CPC, 762º nº 2 e artº 778º nº 1 Cód. Civil, violando-os.»

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido com a consequente determinação da tramitação da acção para conhecimento de mérito.

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso]

«3. As Recorrentes pedem unicamente a condenação da Recorrida no pagamento à Terriminas de juros de mora contados a partir do termo do prazo de 30 dias a contar da emissão das faturas melhor identificadas na petição inicial;

4. A Recorrente Terriminas havia formulado o mesmo pedido de pagamento de juros de mora, sobre as mesmas faturas, nos Processos 7627/06.... e 6018/05....;

5. Nesses processos, o pedido foi julgado improcedente, uma vez que se entendeu que a cláusula 5.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre as Recorrentes e a Urbindústria (que veio a ser incorporada, por fusão, na Recorrida), que versava sobre as condições de pagamento do preço, estabelecia que as faturas deveriam ser pagas no prazo de 30 dias, mas apenas se a Direção-Geral do Tesouro disponibilizasse, em tempo, as verbas necessárias para esse efeito, o que não ocorreu, pelo que nunca chegou a verificar-se qualquer mora da Urbindústria ou da aqui Recorrida;

6. Na tentativa de obter uma decisão contraditória à proferida naqueles processos e, assim, a Terriminas receber os juros de mora que aí lhe foram negados, as Recorrentes utilizaram aqui a dois subterfúgios inadmissíveis: por um lado, a Terriminas fez intervir no processo a Vila Rei – Promoção Imobiliária, S.A., com o único intuito de obviar à verificação da exceção de caso julgado e, por outro, alegaram fundar o pedido de pagamento de juros de mora numa causa de pedir supostamente complexa composta, por um lado, pelo incumprimento da referida cláusula 5.ª e, por outro, pelo putativo incumprimento de deveres de informação na execução do contrato;

7. É a partir do pedido formulado nos autos que se poderá determinar quais são os factos essenciais que constituem a causa de pedir (cfr. Ac. TRL de 09.10.2018, Proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt) e, no caso concreto, as Recorrentes pedem apenas o pagamento de juros de mora;

8. Os juros de mora são devidos apenas em caso de mora no cumprimento de obrigações pecuniárias (cfr. artigos 804.º e 806.º do CC);

9. O dever de informação constitui um dever acessório decorrente da boa fé na execução dos contratos, mas não tem natureza pecuniária, nem prazo, pelo que não é indemnizável através de juros de mora;

10. A causa de pedir nos presentes autos não é, por isso, o incumprimento de um qualquer dever de informação (relativamente ao qual também não se alega um único facto que consubstancie dano indemnizável), porquanto esse incumprimento, de per se, não poderia constituir o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor pela mora no cumprimento da obrigação principal de pagar as faturas emitidas, que é o único que constitui o pedido;

11. Como ficou decidido nos Processos 7627/06.... e 6018/05...., o cumprimento do dever de pagar o preço estava dependente da disponibilização de verbas para o efeito por parte do Tesouro (e não do cumprimento de qualquer dever acessório de informação);

12. Não há qualquer dever de informação inerente à cláusula 5.ª do contrato celebrado entre as partes de cuja violação resulte o pagamento de juros de mora;

13. Nem a violação desse dever de informação poderia transformar aquela cláusula 5.ª em cláusula cum voluerit;

14. As Recorrentes não indicam sequer os danos decorrentes da alegada violação do dever acessório de informação, porque essa alegação é apenas um subterfúgio para fazer crer que apresentam agora diferente causa de pedir;

15. A verdadeira causa de pedir encontra-se nos factos alegados na petição inicial e consiste, muito claramente, no alegado incumprimento da cláusula 5.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, na interpretação feita pelas Recorrentes, no sentido de que a mesma impunha o pagamento das faturas no prazo de 30 dias, uma vez que, na versão de factos apresentada pelas Recorrentes, a Recorrida supostamente dispôs, nesse prazo, de meios para pagar;

16. Em todas as ações acima assinaladas se discute a interpretação e o cumprimento da cláusula 5.ª do mesmo contrato, por forma a concluir pela existência ou não de um crédito de juros, sendo que os factos constitutivos do direito (enquadramento contratual e faturas emitidas) que sustentam a petição inicial apresentada nos presentes autos correspondem à soma dos que haviam sido alegados e discutidos nos processos acima indicados;

17. As ações distinguem-se apenas pelo facto de a Recorrente Vila Rei ter decidido intervir no presente processo, com único propósito de tentar obviar à força do caso julgado;

18. Sendo a interpretação e o cumprimento da cláusula 5.ª uma questão preliminar em face das decisões proferidas naqueles processos, como neste, constitui a sua verdadeira causa de decidir, estando abrangida pela força de caso julgado;

19. Uma vez que a decisão do STJ sobre o tema dos autos, incluindo os seus fundamentos lógicos, se encontra abrangida pela força positiva do caso julgado e que, nos presentes autos nada mais se pede senão juros de mora pelo incumprimento da referida cláusula contratual, questão essa que já se encontra ali decidida, então nada mais há a decidir neste momento, devendo respeitar-se aquela decisão anterior;

20. A Recorrente Vila Rei – que não se arroga sequer a qualidade de credora da Recorrida - não fica prejudicada no seu direito de ação por via da autoridade de caso jugado, pois àquela foi assegurada a possibilidade de deduzir incidente de intervenção espontânea naqueles processos, o que não fez porque não quis;

21. As Recorrentes também não podem obter através da presente ação, como afirmam pretender, o cumprimento da decisão anterior, pois tal só pode ser conseguido através de ação executiva;

22. Tudo visto, a sentença recorrida deve ser mantida, sob pena de violação do disposto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC e da autoridade de caso julgado;

23. A questão do abuso do direito é totalmente nova, pelo que o recurso deve ser liminarmente rejeitado nesta parte;

24. Em todo o caso, as Recorrentes não invocam factos suscetíveis de constituir abuso do direito, nem identificam o direito que a Recorrida exerceu de forma abusiva (imputando-lhe simplesmente o incumprimento de um dever), pelo que a exceção de abuso do direito sempre teria de ser julgada improcedente;

25. Sem prejuízo da solução defendida supra, prevenindo a hipótese – meramente académica – de procedência do presente recurso, a Recorrida pretende, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, a apreciação, a título subsidiário, das exceções de caso julgado e má-fé processual que alegou e em que decaiu em 1.ª instância e que só não foram apreciadas pela Relação porque a ampliação do recurso ali requerida ficou prejudicada pela respetiva decisão;

26. Assim, estando assente a identidade do pedido e da causa de pedir entre os presentes autos e os Processos 7627/06.... e 6018/05...., não deixará de se verificar a exceção de caso julgado pelo simples facto de, num claro exercício de má-fé por parte das Recorrentes, não se verificar a coincidência física entre sujeitos processuais;

27. Há que entender que as partes são as mesmas, porque, embora não haja coincidência física entre elas – sendo que estão em causa pessoas coletivas – os sujeitos, neste e naqueles processos, são portadores do mesmo interesse substancial;

28. Assim a título subsidiário, deverá julgar-se verificada a exceção de caso julgado;

29. Se também assim não se entender, atendendo a que a intervenção da Recorrente Vila Rei na presente ação é totalmente desnecessária, por não ser esta a emitente das faturas e a titular ou mesmo a contitular do crédito alegado, e uma vez que tal intervenção tem, assim, como única finalidade, tornear a aplicação da exceção de caso julgado, deverá julgar-se verificada a exceção de abuso do direito, por exercício do direito de ação para além dos limites impostos pela boa-fé e, nessa medida, determinar-se a absolvição da Recorrida da instância (cfr. artigo 334.º do Código Civil).»

Terminam pugnando, no que ora importa, pela improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.


4.  Considerando as conclusões do recurso de revista (cfr. art. 635.º, n.º 4, do CPC) e o pedido de ampliação do objecto do recurso, apresentado pela Recorrida (cfr. art. 636.º, n.º 1, do CPC), que se admite, as partes pretendem ver apreciadas as seguintes questões recursórias:

- Saber se estão reunidos os pressupostos da ofensa de caso julgado [recurso das AA.];

- Saber se a R. incorre em abuso de direito por ter violado, de forma persistente, o dever de informar a A. sobre a possibilidade de pagamento da sua dívida apenas em determinada data e não antes [recurso das AA.];

- Saber se as AA. Recorrentes incorrem em abuso de direito por exercício do direito de acção para além dos limites impostos pela boa-fé, atendendo a que a intervenção da A. Vilarei, S.A. na presente acção é totalmente desnecessária, por não ser esta a emitente das facturas e a titular ou mesmo a contitular do crédito alegado, e uma vez que tal intervenção tem, assim, como única finalidade, tornear a aplicação da ofensa de caso julgado [ampliação do objecto do recurso requerida pela R.].

Perante esta enunciação, importa proceder a duas clarificações e a uma correcção.

A primeira clarificação, relativamente à questão da ofensa de caso julgado, para dizer que, ainda que as instâncias tenham julgado improcedente a excepção de caso julgado e procedente a de autoridade de caso julgado, no presente recurso – por estar em causa matéria de conhecimento oficioso, assim como pela dificuldade na delimitação das fronteiras entre uma e outra figura – reapreciaremos a questão da ofensa de caso julgado sob ambos os prismas, excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado.

A segunda clarificação para afirmar que, ainda que as AA. tenham formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, como as instâncias apenas apreciaram da ofensa de caso julgado a respeito do pedido principal, sem que as AA. tenham impugnado, nesta parte, tal decisão, se encontra fora do objecto do presente recurso de revista conhecer da ofensa de caso julgado em relação ao pedido subsidiário.

A correcção respeita à segunda questão suscitada pelas AA., que, numa formulação fiel ao alegado, se enunciou deste modo: saber se a R. incorre em abuso de direito por ter violado de forma persistente o dever de informar as AA. sobre a possibilidade de pagamento da sua dívida apenas em determinada data e não antes.

Sob a aparência de um verdadeiro problema técnico-jurídico, a dita questão – ao alegar-se que actua em abuso de direito aquele que viola um dever (no caso, um dever de informação) – é destituída de qualquer sentido. Apenas pode actuar em abuso de direito aquele que exerce um direito (ou posição activa equivalente) e não quem incumpre um dever.

Na verdade, sob a capa de um pretenso exercício abusivo de um direito – suscitado pela primeira vez em sede de recurso de revista, mas que seria de conhecimento oficioso pelo tribunal – mais não pretendem as AA. do que obter, afinal, uma decisão de mérito acerca do incumprimento do dever acessório no qual assenta a presente acção.

Assim, as questões recursórias a apreciar são apenas as seguintes:

- Saber se estão reunidos os pressupostos da excepção de caso julgado ou de autoridade de caso julgado;

- Saber se as AA. incorrem em abuso de direito por exercício do direito de acção para além dos limites impostos pela boa-fé.


5. Com interesse para a decisão, foram dados como assentes, pela 1.ª instância, os seguintes factos, com base na prova documental constante dos autos (cfr. certidões das decisões transitadas em julgado proferidas nos processos n.º 7627/06.... e n.º 6018/05...., juntas, respectivamente, a fls. 1203/1262v e 1304/1420):

1 - A 1ª A. Terriminas, em consórcio com a Sociedade Vilarei – Promoção Imobiliária, S.A., e na qualidade de chefe do mesmo, celebrou contrato através de documento escrito datado de 22/05/2001, com a “URBINDÚSTRIA - Empresa de Urbanização e Infra-estruturação de Imóveis, S. A.”, obrigando-se a retirar, no prazo de seis meses, contados do seu início (1 de Junho de 2001) transportar e depositar no local aprovado e nas condições aprovadas, pela “URBINDÚSTRIA - Empresa de Urbanização e Infra-estruturação de Imóveis, S. A. ” os resíduos dos denominados pós de despoeiramento, do forno eléctrico, acumulados na fábrica da ...... da S......, S.A., e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa.

2 - Entre o mais foi convencionado nos termos do mesmo contrato vindo de referir que o pagamento dos trabalhos a executar, seria efectuado com base nas situações periódicas quinzenais das quantidades de material removido, sendo emitidas as facturas correspondentes aos trabalhos realizados, os quais após a verificação das situações seriam pagos, sempre que possível, no prazo de 30 dias.

3 - A autora Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A. instaurou acção com processo ordinário que correu termos sob o n.º 7627/06...., em que peticionou contra a Urbindústria, o pagamento da importância de € 1.192.761,16, a título de juros, por mora no pagamento de um conjunto de facturas relativas à remoção transporte e aterro dos denominados pós de despoeiramento em depósito na fábrica da ......, em execução do citado contrato de 22/05/2001.

4 - Por decisão transitada em julgado nesses autos foi a pretensão da 1.ª Autora (Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A.) julgada improcedente por acórdão do STJ proferido em 11 de Junho de 2013.

5 - Tendo sido nessa acção julgados provados os seguintes factos [no presente recurso de revista, reproduzem-se os factos tal como constam da sentença, mas numerando-os para mais fácil identificação]:

5.1. Entre o Consórcio Terriminas Sociedade Industrial de Carvões S.A. e Vilarei – Promoção Imobiliária S.A. e a ré Urbindústria - Sociedade de Urbanização e Infraestruturação de Imóveis S.A. foi ajustado, em 22/05/2001, o acordo cuja cópia consta de fls. 9 a 11 (cujo teor dou por integralmente reproduzido), no qual o consórcio se compromete a retirar, transportar e depositar em local aprovado os resíduos de pós de despoeiramento do forno eléctrico acumulados na Fábrica da ..... da S....., mediante os preços ajustados na cláusula 3ª e com destino para a escombreira das antigas minas de ..., e que, com base nas situações periódicas (quinzenais) das quantidades de material removido, as facturas relativas aos trabalhos realizados seriam pagas, sempre que possível e após verificação das situações, dentro do prazo de trinta dias, com início em 01/06/2001, e prevendo-se a realização num prazo de seis meses - al. A);

5.2. Em 18/0612001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 2 correspondente ao auto de medição número um, no montante de € 485.503,94 (quatrocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e três euros e noventa e quatro cêntimos) - al. B);

5.3. E em 27/06/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 3 (cuja cópia consta de fls. 38) contendo a descrição "aterro carregamento e transporte" no montante de € 169.955,51 (cento e sessenta e nove mil novecentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) - al. C);

5.4. E, em 16/07/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 4 (cuja cópia consta de fls. 39) contendo a descrição "aterro carregamento e transporte" no montante de € 348.104,21 (trezentos e quarenta e oito mil cento e quatro euros e vinte e um cêntimos) - al. D);

5.5. E em 16/08/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 6 (cuja cópia consta de fls. 40) contendo a descrição "aterro carregamento e transporte" no montante de € 1.140.840, 75 (um milhão cento e quarenta mil oitocentos e quarenta euros e setenta e cinco cêntimos) - al. E);

5.6. E em 20/09/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 8 (cuja cópia consta de fls. 41) contendo a descrição "carregamento 7º a 10º mapa e transporte 7° e parte do 8° mapa" no montante de€365.618,87 (trezentos e sessenta e cinco mil seiscentos e dezoito euros e oitenta e sete cêntimos) - Al. F);

5.7. E em 23/10/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 9 (cuja cópia consta de fls. 42) contendo a descrição "transporte parte do 8° a 10º mapa" no montante de € 349.261,83 (trezentos e quarenta e nove mil duzentos e sessenta um euros e oitenta e três cêntimos) - al. G);

5.8. E, em 19/11/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 10 (cuja cópia consta de fls. 43) contendo a descrição "carregamento, situação onze e doze, e transporte, situação onze e doze", no montante de € 298.850,30 (duzentos e noventa e oito mil oitocentos e cinquenta euros e trinta cêntimos) - al. H);

5.9. E, em 07/12/2001, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 11 (cuja cópia consta de fls. 44) contendo a descrição "carregamento, situação treze, e transporte, situação treze" no montante de €229.929,61 (duzentos e vinte e nove mil novecentos e vinte e nove euros e sessenta um cêntimos) -al. I);

5.10. E, em 29/0112002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 1 (cuja cópia consta de fls. 45) contendo a descrição "carregamento, situação treze, e transporte, situação treze", no montante de €970.777,57(novecentos e setenta mil setecentos e setenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos) - al J);

5.11. Em 21/02/2002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 2 (cuja cópia consta de fls. 46) contendo a descrição "aterro situação oito" no montante de € 632.320,54 (seiscentos e trinta e dois mil trezentos e vinte euros e cinquenta e quatro cêntimos) - al. K);

5.12. E, em 28/03/2002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 3 (cuja cópia consta de fls. 47) contendo a descrição "aterro situação nove" no montante de € 839.901,41 (oitocentos e trinta e nove mil novecentos e um euros e quarenta e um cêntimos) - al. L);

5.13. E, em 17/04/2002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 4 (cuja cópia consta de fls. 48) contendo a descrição "aterro situação dez" no montante de € 691.477,39 (seiscentos e noventa um mil quatrocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) - al. M);

5.14. E, em 27/05/2002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 5 (cuja cópia consta de fls. 49) contendo a descrição "aterro situação onze" no montante de € 570.995,16 (quinhentos e setenta mil novecentos e noventa e cinco euros e dezasseis cêntimos) – al. N);

5.15. E, em 28/0612002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 6 (cuja cópia consta de fls. 50) contendo a descrição "aterro situação doze" no montante de € 751.986,91 (setecentos e cinquenta e um mil novecentos e oitenta e seis euros e noventa e um cêntimos) - al. O);

5.16. E, em 11/12/2002, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 7 (cuja cópia consta de fls. 51) contendo a descrição "aterro situação treze" no montante de € 1.025.386,31 (um milhão e vinte e cinco mil trezentos e oitenta e seis euros e trinta e um cêntimos) - al. P);

5.17. E, em 13/05/2003, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 2 (cuja cópia consta de fls. 52) contendo a descrição "carregamento, situação quinze, e transporte, situação quinze", no montante de €144.894,22 (cento e quarenta e quatro mil oitocentos e noventa e quatro euros e vinte e dois cêntimos) - al. Q);

5.18. E, em 24/07/2003, a autora emitiu em nome da ré a factura nº 3 (cuja cópia consta de fls. 53) contendo a descrição "aterro, parte da situação catorze, carregamento e transporte, situação catorze", no montante de € 280.075,52 (duzentos e oitenta mil e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) - al. R);

5.19. A ré efectuou o pagamento da factura referida em C) em 22/08/2001 - al. S);

5.20. A ré efectuou o pagamento da factura referida em D) em 10/09/2001- al. T);

5.21. A ré efectuou o pagamento de parte do valor constante da factura referida em F), (no montante de € 164.972,47), em 14/12/2001 - al. U);

5.22. Em 15/10/2001, a autora cedeu à E.......... S.A. o crédito relativo à factura referida em E), com vencimento ajustado para 28/02/2002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 179, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. V);

5.23. E, em 20/12/2001, cedeu o crédito relativo à factura referida em G), com vencimento ajustado para 30/0412002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 180, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. W);

5.24. E, em 20/12/2001, cedeu o crédito relativo à factura referida em H), com vencimento ajustado para 31/05/2002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 180, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. X);

5.25. E, em 20/12/2001, cedeu o crédito relativo à factura referida em I), com vencimento ajustado para 30/06/2002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 180, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. V);

5.26. E, em 06/03/2002, cedeu o crédito relativo à factura referida em K), com vencimento ajustado para 31/08/2002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 181, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. Z);

5.27. E, em 12/04/2002, cedeu o crédito relativo à factura referida em L), com vencimento ajustado para 30/1112002, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 182, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. AA);

5.28. E, em 30/04/2002, cedeu o crédito relativo à factura referida em M), com vencimento ajustado para 31/0112003, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 183, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. AB);

5.29. E, em 26/12/2002, cedeu o crédito relativo à factura referida em O), com vencimento ajustado para 30/06/2003, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 184, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. AC);

5.30. E, em 26/12/2002, cedeu o crédito relativo à factura referida em P), com vencimento ajustado para 31/07/2003, o que foi aceite pela ré (documento de fls. 184, cujo teor dou por integralmente reproduzido) - al. AD);

5.31. A data de vencimento da factura referida na al. C) era em conformidade com o contrato mencionado em A) - art. 7º;

5.32. A data de vencimento da factura mencionada em D), era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 10º;

5.33. A data de vencimento da factura mencionada em E) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 14º;

5.34. A data de vencimento da factura nº 8 era em conformidade com o contrato indicado em A) - arts.18º, 21 º, 25º, 29º, 33 º, 37° 48° 52° 56° 60º 64º;

5.35. A data de vencimento da factura mencionada em F) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 44º;

5.36. A data de vencimento da factura nº 9 era em conformidade com o contrato indicado em A) - arts. 68º, 72º, 76º, 80°, 84º; 37°;

5.37. A data de vencimento da factura nº 10 era em conformidade com o contrato indicado em A) - arts. 88º, 92º, 96º, 100º;

5.38. A data de vencimento da factura referida em I) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 104º;

5.39. A data de vencimento da factura nº 11 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 108º;

5.40. A data de vencimento da factura referida em J) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 112º;

5.41. A data de vencimento da factura nº 2002 era em conformidade com o contrato mencionado em A) - arts. 116º, 124º;

5.42. A data de vencimento da factura mencionada em K) era em conformidade com o contrato mencionado em A) - art. 120º;

5.43. A data de vencimento da factura mencionada em L) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 128º;

5.44. A data de vencimento da factura nº 3/2002 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 132º;

5.45. A data de vencimento da factura referida em M) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 136º;

5.46. A data de vencimento da factura nº 4/2002 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 140º;

5.47. A data de vencimento da factura mencionada em N) era em conformidade com o contrato indicado em A) - arts. 144º, 148º, 152º;

5.48. A data de vencimento da factura nº 5/2002 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 156º;

5.49. A data de vencimento da factura referida em O) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 160º;

5.50. A data de vencimento da factura nº 6102 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 164º;

5.51. A data de vencimento da factura referida em P) era em conformidade com o contrato indicado em A) -arts. 168º, 172º, 176º;

5.52. A data de vencimento da factura nº 7102 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 180º;

5.53. A data de vencimento da factura referida em Q) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 184º;

5.54. A data de vencimento da factura nº 2/03 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 188º;

5.55. A data de vencimento da factura referida em R) era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 184º;

5.56. A data de vencimento da factura nº 3/03 era em conformidade com o contrato indicado em A) - art. 196º;

5.57. Entre a autora e a ré foi ajustada a cláusula quinta do acordo referido em A) com vista a prevenir a não disponibilização dos encargos financeiros por parte da Direcção-Geral do Tesouro (documentos de fls. 340 a 356, cujo teor dou por integralmente reproduzidos) - art. 199º;

5.58. E era do conhecimento da autora que a ré apenas celebraria o acordo referido em A), com a menção dessa cláusula - art. 200º;

5.59. A Direcção-Geral do Tesouro, após o início dos trabalhos, apenas disponibilizou as verbas necessárias para que a ré efectuasse o pagamento dos trabalhos prestados pela autora no ano de 2005 - art. 203º;

5.60. A ré informou a autora que não poderia assumir os pagamentos com recurso a disponibilidades financeiras próprias (documento de fls. 161) - art. 204º;

5.61. Por via disso, a autora resolveu ceder os seus créditos com vista a que os trabalhos referidos em A) prosseguissem - art. 204º;

5.62. O acordo de cessão de créditos descrito em V) a AD) abrangeu os juros de mora, a partir das datas convencionadas como sendo de vencimento (à data da celebração do contrato de cessão), a cargo da R - art. 205º;

5.63. Por via do mesmo acordo, a ré efectuou o pagamento de juros à E........, os quais foram, posteriormente, pagos pela A. à R.- arts. 206º 207º 208º 209º 210º 211º 212º 213º;

5.64. E foram ajustadas as datas de pagamento dos créditos cedidos relativos às facturas descritas em K) e L) para o dia 10/02/2004 - art. 214º;

5.65. E foram ajustadas as datas de pagamento dos créditos cedidos relativos às facturas descritas em M) e O) para o dia 10/03/2004 - art. 215º;

5.66. E foram ajustadas as datas de pagamento dos créditos cedidos relativos às facturas descritas em P) e Q) para o dia 10/04/2004 - art. 216º;

5.67. A R solicitou à E........ a anulação dos avisos de débito nºs ......, ....... e ....., o que foi aceite por esta - art. 217;

5.68. A R procedeu aos pagamentos dos créditos relativos às facturas mencionadas em K), L), M), O), E), G),H), I) - arts. 218° a 227º;

5.69. A pedido da autora e na sequência de acordo entre esta e a ré quanto ao pagamento das mesmas, a E........ não aceitou a cessão dos créditos relativos às facturas referidas em P) e Q) - art. 228º;

5.70. E, no âmbito desse acordo, a autora emitiu em 19/02/2004 a favor da Ré a nota de crédito nº 1 no montante de €50.000,00 relativo ao desconto financeiro devido pela antecipação de pagamento (documento de fls. 193) - art. 229º;

5.71. A R pagou à A as quantias relativas às facturas mencionadas em P) e Q) - arts. 230º, 231º e 232º;

5.72. A autora assumiu o pagamento dos juros referidos em 206) a 213), que foram considerados pela ré através da nota de débito nº … (documentos de fls. 194 e 195) - art. 233°.

6 - No acórdão do STJ, datado de 11-06-2013, proferido na acção vinda de referir, foi decidido que a Ré não era obrigada a pagar juros de mora à autora Terriminas pelo facto de não ter incorrido em mora.

7 - Decidiu o STJ que as partes, ao incluírem na cláusula 5.ª do acordo a expressão “sempre que possível” pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

8 - Nesse aresto ficou decidido que o pagamento pontual das facturas ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção-Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria Ré.

9 - A parte decisória desse acórdão do STJ é a seguinte:

«O que está em causa nos autos é a questão de saber se a recorrida deve indemnizar a A. pela mora no pagamento das facturas por esta emitidas. Tudo tem a ver com a interpretação da expressão incluída na cláusula 5.ª do contrato “sempre que possível”. Ficou assim, provado que a Ré pagaria as facturas emitidas pela Autora, no prazo de 30 dias a contar da respectiva emissão, sempre que possível.

A formulação da condição pela positiva, “sempre que possível”, em lugar de pela negativa “a não ser que lhe não seja possível”, aproxima-a da cláusula “cum potuerit”, lançando sobre a A. o ónus de provar a disponibilidade financeira da Ré para pagar nos prazos fixados».

10 - Naquele acórdão foi dado ainda como provado o seguinte:

«57 - Entre a A. e a Ré foi ajustada a cláusula quinta do acordo referido, com vista a prevenir a não disponibilização dos encargos financeiros por parte da Direcção-Geral do Tesouro.

58 - E era do conhecimento da Autora que a Ré apenas celebraria o acordo referido, com a menção dessa cláusula.

59 - A Direcção-Geral do Tesouro, após o início dos trabalhos, apenas disponibilizou as verbas necessárias para que a Ré efectuasse o pagamento dos trabalhos prestados pela Autora no ano de 2005.

60 - A Ré informou a Autora que não poderia assumir os pagamentos com recurso a disponibilidades financeiras próprias.

61- Por via disso, a Autora resolveu ceder os seus créditos com vista a que os trabalhos referidos prosseguissem.»

11 - Do acórdão do STJ resulta ainda o seguinte:

«Resulta inequivocamente destes factos que as partes, ao incluírem na cláusula 5.ª do acordo a expressão “sempre que possível” pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

O pagamento pontual das facturas ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção – Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria Ré.

Fica assim, claramente prejudicada a impugnação que a recorrente faz do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal da Relação ..., na medida em que a sua pretensão era que o Tribunal considerasse provado que a Ré dispunha de meios financeiros para pagar pontualmente as facturas por si emitidas.

Está por outro lado provado que a Direcção –Geral do Tesouro só disponibilizou as verbas necessárias ao pagamento das facturas no ano de 2005.

Não houve violação do acordo por parte da Ré, não existe ilícito contratual e não há lugar a indemnização pela mora nos pagamentos, pedida pela Autora.»

12 - Na acção que correu termos sob o n.º 6018/05...., a que deu lugar o procedimento de injunção apresentado pela Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A., face à dedução de oposição pela Urbindústria – Sociedade de Urbanização e Infraestruturas de Imóveis, S.A., a pretensão da autora de obter o pagamento da quantia de juros de mora relativamente à factura n.º 5, por entender que tinha sido fixado prazo de 30 dias para cumprimento da obrigação principal, veio a ser denegada conforme se alcança do teor do Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 03.05.2012.

13 - Ali ficou provada a seguinte factualidade:

«Por contrato celebrado com a Ré, em 22-05-2001, a Autora em consórcio com a Vilarei – Promoção Imobiliária, S.A. e na qualidade de chefe do mesmo, obrigou-se a retirar, transportar e depositar no local aprovado e nas condições aprovadas, os resíduos denominados pós de despoeiramento, do forno eléctrico, acumulados na fábrica da ...... da S......, S.A., e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa. A responsabilidade pela remoção daqueles resíduos foi assumida pelo Estado Português e está actuamente cometida à ré; Com base nas situações periódicas (quinzenais) das quantidades de material removido serão emitidas as facturas relativas aos trabalhos realizados, as quais após verificação das situações serão pagas, sempre que possível, dentro do prazo de 30 dias; A autora emitiu e enviou a factura nº 5, datada de 01/08/2001, no valor de € 907.750,40; A autora cedeu à E.......... S.A., pelo menos, o valor do capital titulado pela factura objecto destes autos; Em 31/01/2002 a ré pagou à E.......... S.A., o valor de € 907.750,40, valor esse titulado pela factura mencionada (factura nº 5); A ré tomou conhecimento da cessão de créditos efectuada pela autora à E.......... S.A.; A pedido da autora a ré enviou à E.......... S.A. uma carta datada de 15/10/2001, na qual se pode ler, além do mais, o seguinte: “A pedido do nosso fornecedor Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A., com sede na Rua das Minas, 4420, S. Pedro da Cova, vimos confirmar ser do nosso conhecimento que os créditos representados pelas facturas a seguir indicadas foram, por ele transmitidas, à E.....”.»


6. Consideremos a questão de saber se estão reunidos os pressupostos da excepção de caso julgado ou da autoridade de caso julgado.

Entendeu-se no acórdão recorrido que:

 «Da análise da presente acção e daquelas que correram termos sob o n.º 6018/05.... e 7627/06...., verifica-se uma identidade da causa de pedir.».

 Citando a sentença proferida pela 1.ª instância, constatou-se que:

 «Nas três acções, a causa de pedir radica no incumprimento do contrato celebrado entre o consórcio constituído pelas duas Autoras e a Ré, firmado em 22-05-2001, mais especificamente na interpretação da cláusula 5.ª desse acordo, da qual decorre conforme se decidiu no acórdão do STJ de 11.06.2013, recair sobre a autora o ónus de alegar a provar a disponibilidade financeira da Ré para pagar nos prazos fixados, concluindo pela inexistência de violação do acordo que constitui a causa de pedir». [negrito nosso]

Sobre os factos alegados pelas AA., aqui Recorrentes, no sentido de o pedido principal de condenação no pagamento dos juros de mora se fundar na omissão de deveres acessórios de conduta que impendiam sobre a R. e que lhe imporiam o dever de desenvolver diligências junto da Direcção-Geral do Tesouro, a fim de que esta disponibilizasse os meios para que a R. procedesse ao pagamento, afirma-se no acórdão recorrido que:

«Como resulta à saciedade da leitura da petição inicial das Autoras, a pretensa diferença da causa de pedir não é mais que uma forma artificial de construir uma “nova” causa de pedir. Com efeito, da análise da petição inicial resulta evidente que a causa de pedir se centra na interpretação da cláusula 5.ª do contrato celebrado entre as partes e na sua alegada violação, concretizada na mora no pagamento das facturas emitidas pela Autora. Ora, é precisamente a causa de pedir subjacente às outras duas acções.». [negrito nosso]

Quanto à identidade de pedido, entendeu-se também que:

«Em todas as acções se formula idêntico pedido de pagamento de juros pela mora no pagamento das facturas emitidas ao abrigo do contrato mencionado celebrado entre as partes.».

Devido à inexistência de identidade de sujeitos, uma vez que a aqui 2.ª A., Vilarei – Promoção Imobiliária, S.A., não interveio nas acções judiciais acima indicadas, concluiu a Relação pela falta de verificação da excepção do caso julgado.

Mas, com base na identidade do pedido e da causa de pedir, e desconsiderando aquela falta de identidade subjectiva quanto à 2.ª R., concluiu que as questões sobre as quais assenta a causa de pedir da presente acção se encontram abrangidas pela autoridade do caso julgado formado pelas decisões proferidas naqueles processos, motivo pelo qual deve improceder a acção. Afirma-se ainda no acórdão recorrido que:

 «Nada existe de novo a apreciar nestes autos que não tenha sido apreciado, nas referidas acções, cujas sentenças já transitaram em julgado. Ou seja, não é indicado outro fundamento para o peticionado pagamento de juros que não seja o incumprimento do citado contrato à luz da interpretação da cláusula que fixou o prazo de cumprimento da obrigação de pagamento da retribuição por parte da Ré. E esse fundamento já foi decidido em ambas as citadas acções, pelo Supremo Tribunal de Justiça e de forma coincidente.».

Insurgem-se as Recorrentes contra esta decisão, invocando, essencialmente, não ocorrer identidade da causa de pedir entre a presente acção e as acções anteriores pelo que, consequentemente, não existe ofensa de caso julgado.

Vejamos.

Sem prejuízo da apreciação que, em seguida se fará, constata-se que, efectivamente, após fundamentação teórica essencialmente correcta, o acórdão recorrido:

(i) Não apresenta uma base clara e rigorosa para, no que se refere à aqui 2.ª R. Vilarei, S.A., desconsiderar a falta de identidade subjectiva em relação às acções anteriores;

(ii) Não fundamenta, de forma precisa, o juízo – ainda que porventura correcto – acerca da afirmada identidade da causa de pedir;

Assim, não apenas estas dimensões da questão em causa terão de ser ponderadas, como terão de o ser – pelas razões supra indicadas – tanto em função da aferição da excepção de caso julgado como da autoridade de caso julgado.


7. De acordo com a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Junho de 2017 (proc. n.º 2226/14.0TBSTB.E1.S1)[1], disponível em www.dgsi.pt:

«Importa ter presente que, no que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito que tanto a doutrina [1] como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:

a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;

b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

 Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

(...)». [negritos nossos]

Quanto aos pressupostos da autoridade do caso julgado importa ter presente que a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem admitindo – na linha da doutrina tradicional (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/l, 1968, págs. 38 e segs., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 304 e segs., Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 572 e segs.) – que nela se dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da excepção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significa isto que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira. Cfr., entre outros, os acórdãos de 19/06/2018 (proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2), cujo sumário está disponível em www.stj.pt, de 13/09/2018 (proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1), de 06/11/2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1.S1), de 28/03/2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), de 30/04/2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1) e de 11/11/2020 (proc. n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

Nas palavras do acórdão de 28 de Março de 2019[2]:

«(…) A autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.

Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede nas situação[ões] de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.

Com efeito, ao devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor com fundamento não respeitante pessoalmente a este (art.º 522.º, 2.ª parte, do CC), como também aproveitará ao credor solidário o caso julgado favorável a um seu co-credor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles (art.º 531.º, 2.ª parte, do CC). E no âmbito de pluralidade de credores de prestação indivisível, o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos demais co-credores, se o devedor não tiver, contra estes, meios específicos de defesa (art.º 538.º, n.º 2, do CC).». [negritos nossos]

Com base nestas considerações de ordem teórica, podemos concluir, para o que ora importa, que, enquanto para a verificação da excepção de caso julgado se exige a tríplice identidade, para a verificação da autoridade de caso julgado se pode dispensar a identidade objectiva (do pedido e/ou da causa de pedir) mas não a identidade subjectiva.

A terminar estas considerações, assinale-se ainda que – diversamente daquilo que, no caso sub judice, foi decidido pelas instâncias – o efeito jurídico correspondente à ofensa da autoridade de caso julgado (vertente positiva do caso julgado) é a absolvição do pedido e não a absolvição da instância, a qual é, sim, o efeito da excepção de caso julgado (vertente negativa do caso julgado).

Tendo presentes estes parâmetros, passemos a apreciar o caso dos autos.

8. No que se refere ao pressuposto da identidade subjectiva, comum à excepção de caso julgado e à autoridade de caso julgado, confirma-se que, confrontando a presente acção com as anteriores acções n.o 6018/05.... e n.º 7627/06...., tal identidade se verifica a respeito da 1.ª A. Terraminas, S.A. e da R. Baía do Tejo, S.A.  (na qual foi incorporada, por fusão, a sociedade Urbindústria, S.A.), mas não a respeito da 2.ª A. Vilarei, S.A..

Assim, no que se refere à 2.ª A. – não sendo ela parte nas acções anteriores nem se verificando qualquer das situações em que o caso julgado produz efeitos reflexos em relação a terceiros  –  não poderia, em princípio, ocorrer ofensa de caso julgado, seja na vertente negativa de excepção de caso julgado, seja na vertente positiva de autoridade de caso julgado, na medida em que, como se explicitou supra, a identidade subjectiva é pressuposto necessário de ambas as figuras.

Só assim não será se, como invoca a R. em sede de ampliação do objecto do recurso – suscitando questão que se entende dever ser apreciada neste momento – as AA. incorrerem (ou, mais rigorosamente, incorrer a 2.ª A.) em exercício abusivo do direito de acção.

Alega a R. que, ao interporem conjuntamente a presente acção, actuam as AA. em desrespeito dos imperativos da boa-fé, atendendo a que a intervenção da 2.ª A. Vilarei, S.A. é totalmente desnecessária, por não ser esta nem a emitente das facturas que suportam o pedido indemnizatório nem a titular ou contitular do crédito alegado, sendo que tal intervenção tem, como única finalidade, tornear a aplicação do regime da ofensa de caso julgado.

Quid iuris?

Da factualidade dada como provada (cfr. facto 5.) resulta, efectivamente, que, embora a 2.ª A. integre o consórcio que celebrou o contrato de prestação de serviços com a antecessora da R., entretanto nela incorporada (cfr. facto 1), todas as facturas que suportam o direito invocado pelas AA. foram emitidas apenas em nome da 1.ª A.. Verifica-se também que – para além daquilo que possa extrair-se do regime jurídico do consórcio, que em seguida se considerará – não foram alegados nem provados quaisquer factos que sustentem ser a 2.ª A. titular ou cotitular do direito invocado.

Aqui chegados, e ainda que estes dados indiciem que, a prosseguir apenas quanto à 2.ª A., a presente acção sempre estaria condenada ao insucesso, afigura-se serem tais dados, por si sós, insuficientes para configurar um exercício abusivo do direito de acção, considerando-se que a apreciação da questão não dispensa a ponderação do regime jurídico próprio do contrato de consórcio, consagrado no Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho.

De acordo com o art. 1.º deste diploma:

«Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte.».

Não sendo dotado de personalidade jurídica, o consórcio dispõe, contudo, de um “chefe de consórcio” designado no próprio contrato de consórcio (art. 12.º), ao qual cabe tanto o exercício de funções internas (art. 13.º) como de funções externas em representação dos membros do consórcio, desde que lhe sejam atribuídos poderes representativos para o efeito (art. 14.º).

Estes dados legais são da maior relevância para a apreciação da questão que ora nos ocupa. Na verdade, se a 1.ª A., ao emitir as facturas relativas ao contrato de prestação de serviços celebrado entre as AA. (na qualidade de membros do consórcio) e a antecessora da R., assim como ao interpor contra esta as anteriores acções judiciais, tivesse actuado ao abrigo de poderes representativos que lhe tivessem sido concedidos pelos membros do consórcio, teríamos de concluir que a 2.ª A. teria, afinal, sido parte nas ditas acções, ocorrendo identidade subjectiva em relação à presente acção.

Não sendo, porém, possível formular tal conclusão, uma vez que a concessão de poderes representativos à 1.ª A. não vem alegada nem provada, não pode deixar de se atribuir relevância ao reconhecimento, por parte da 2.ª A., de que a 1.ª A. – seja na emissão das facturas, seja nas relações extrajudiciais com a contraparte do contrato de prestação, seja ainda na interposição das acções judiciais anteriores – actuou, de facto, em “representação” dos membros do consórcio. Com efeito, a factualidade alegada em sede de petição inicial revela que a 2.ª A. reconhece tacitamente que a 1.ª A., ao longo de todo o desenrolar das relações extrajudiciais e judiciais estabelecidas entre a 1.ª A. e a R. (ou a sua antecessora), actuou também em “representação” fáctica dos seus (da 2.ª A.) próprios interesses.

Assim sendo, e sem pôr em causa a decisão da 1.ª instância acerca da legitimidade processual da 2.ª A., entende-se que – ao pretender a 2.ª A. que, ao menos quanto a si, a acção prossiga os seus termos, podendo vir a produzir-se decisão de mérito que, sendo-lhe favorável, será substantivamente contrária às decisões proferidas nas anteriores acções judiciais, nas quais a 1.ª A., enquanto “chefe do consórcio” de que a 2.ª A. faz parte, actuou de facto em “representação” dos interesses de ambos os membros do consórcio – incorre em exercício abusivo do direito de acção.

Pelo exposto, não pode admitir-se que a 2.ª A. exerça o direito de acção dissociado da posição da 1.ª A.. Se se vier a concluir pela verificação dos demais pressupostos da ofensa de caso julgado, não poderá a falta de identidade subjectiva permitir o prosseguimento da acção apenas quanto à 2.ª A..


9. Passemos então a apreciar do preenchimento dos demais pressupostos da excepção de caso julgado (identidade do pedido e da causa de pedir), tendo em conta que, como se explicou supra, ponto 4., no presente recurso está em causa apenas o pedido principal.

Da ponderação dos dados referentes às acções anteriores (cfr. certidões das peças processuais das acções n.º 6018/05.... e n.º 7627/06...., juntas a estes autos, respectivamente, pelo requerimento electrónico de 21/12/2017, e pelo ofício de 22/03/2018) é possível concluir que, em ambas, é peticionado o pagamento de juros pela mora no pagamento das facturas emitidas ao abrigo do contrato de prestação de serviços em causa.

Ora, verifica-se que o pedido, formulado a título principal, na presente acção, é precisamente o mesmo.

Maior dificuldade suscita a apreciação da existência ou não de identidade da causa de pedir, uma vez que é a este propósito que se centram as alegações recursórias das AA..

Das peças processuais das acções n.º 6018/05.... e n.º 7627/06.... resulta que, nelas, a causa de pedir são os factos que consubstanciam a mora da R. no pagamento das facturas em causa, isto é, a mora no cumprimento de um dever primário de prestação. As decisões que puseram termo a ambas as acções entenderam ser essa mora inexistente, atendendo a que ficou provado que as partes acordaram uma cláusula de pagamento cum potuerit.

Alegam as Recorrentes que, na presente acção, a causa de pedir não corresponde ao incumprimento de um dever de prestação, mas antes ao incumprimento de deveres acessórios de conduta, deveres que descreve, sem os qualificar, excepto quando invocma a violação de um dever acessório de informação.

Antes de prosseguir, convém recordar a tipologia dos deveres que integram o conceito de relação obrigacional complexa. Na síntese do acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Outubro de 2016 (proc. n.º 967/14.1TBACB.C1.S1)[3], disponível em www.dgsi.pt:

«Por um lado, temos os deveres de prestação, que correspondem a condutas desenvolvidas pelo devedor em favor do credor (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VI – Direito das Obrigações, 2012, pág. 477), os quais, por sua vez, se distinguem entre deveres principais ou primários de prestação (aqueles que operam como núcleo da relação obrigacional considerada – cfr. Menezes Cordeiro, cit., pág. 489) e deveres secundários de prestação (“atuações de tipo instrumental que complementam a prestação principal, de modo a afeiçoar, no sentido pretendido, o interesse do credor” – cit., pág. 496). Os deveres de prestação secundária “são comuns deveres de prestar, que seguem o regime da prestação principal ou, mais latamente, dos deveres de prestar. As prestações secundárias dão azo a pretensões de cumprimento, podendo ser objeto de execução específica” (cit., pág. 497). Por outro lado, existem deveres acessórios (por vezes também designados deveres laterais) cujo conteúdo não é uma prestação e que emergem do princípio da boa-fé, consagrado na lei. São habitualmente agrupados em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de protecção ou segurança. A sua violação apenas pode dar origem à obrigação de indemnizar pelos danos causados ao credor e não a uma acção de cumprimento (cfr. Menezes Cordeiro, cit., págs. 498 e segs.)».

Tendo presente este enquadramento dogmático, consideremos, detalhadamente, o teor da petição inicial, a partir da qual é possível concluir que a causa de pedir assenta nos seguintes fundamentos:

a) A R. teve possibilidade de efectuar o pagamento das facturas no prazo de 30 dias após as respectivas datas nelas apostas porque, quer a mesma, quer a sua antecessora (Urbindústria, S.A.), tinham a obrigação legal, a título de dever acessório de conduta, de proceder à solicitação junto da Direcção-Geral do Tesouro, dos fundos financeiros que se mostrassem necessários ao cumprimento das suas obrigações pecuniárias perante a autora (artigos 110.º a 112.º, 114.º da PI);

b) No entanto, especificamente, quanto às facturas aqui em causa, nem a autora, nem a sua antecessora, o fizeram desde 2001 até 14.12.2001[sic] (artigo 115.º da PI);

c) Impendia também, quer sobre a R., quer sobre a sua antecessora, a obrigação legal de informar as AA., dos actos e condutas que pretendia encetar e prosseguir para obter os fundos necessários ao cumprimento das respectivas obrigações pecuniárias junto desta (art. 113.º da PI);

d) O Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Orçamento n.º .../2008, datado de 2 de Outubro de 2008 determinou o abono de verbas à R. a fim de que esta pudesse pagar as facturas às AA. (artigo 119.º da PI);

e) Quer a R., quer a sua antecessora, têm orçamentos anuais, pelo que todos os anos têm a aprovação da tutela para esses orçamentos cujo valor era suficiente para o cumprimento das referidas obrigações pecuniárias (arts. 127.º e 128.º da PI);

f) Nesta conformidade, as opções de investimento foram da responsabilidade das administrações da R. e sua antecessora, consubstanciando o pagamento ou não pagamento dos trabalhos realizados pelas AA., uma mera opção de gestão da R. (artigos 129.º e 130.º);

g) E, por se tratar de mera opção de gestão é que os deveres acessórios de conduta no cumprimento do contrato devem ser considerados como violados pela R. e sua antecessora, pois que a opção de despesa foi sucessiva e reiteradamente outra, que não a de pagar às AA., ano após ano. E, se não fosse possível cumprir com a sua obrigação de pagamento no primeiro orçamento anual, sê-lo ia no segundo, ou no terceiro, mas nunca ao fim de treze anos. (arts. 131.º a 133.º da PI);

h) Acresce que, nesse período temporal, quer a Urbindústria, S.A., quer a R. foram citadas para acções propostas pelas AA., com vista ao pagamento dos trabalhos contratados e executados. E, nunca cuidaram de solicitar nem à Direcção-Geral do Orçamento, nem à Direcção-Geral do Tesouro, o abono para pagamento dessas verbas, nem, alternativamente, procederam a qualquer pedido de financiamento bancário para o efeito. Além de que, tiveram ao longo de vários anos, disponibilidades para pagar ou, fazer acordos de pagamento e nunca o fizeram. (artigos 134.º a 137.º da PI);

i) No processo n.º 7627/06...., que correu termos no .... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ..........., o Tribunal considerou que a Direcção-Geral do Tesouro disponibilizou em 2005 à Urbindústria, S.A. as verbas necessárias ao cumprimento da sua obrigação contratual de pagamento do preço às AA. (arts. 140.º e 145.º da PI);

j) Independentemente de a R. ter violado deveres acessórios de conduta nos termos atrás referidos, o facto é que pelo menos desde 2005 (data de emissão das facturas) e, até hoje, sempre teve possibilidades de pagar o preço dos trabalhos realizados pelas AA., com recurso a meios próprios e, sem que tal pagamento afectasse o normal curso da sua gestão (arts. 148.º e 149.º da PI);

k) Nesta conformidade, quer a Urbindústria, S.A. quer a R., se não pagaram ainda o preço daqueles trabalhos, não foi porque não lhes era possível fazê-lo, mas, simplesmente porque nunca o quiseram fazer (art. 150.º da PI);

l) Concretamente, dentro do prazo de 30 dias, contado da data de emissão de cada uma das facturas datadas de 2005, e posteriormente desde o decurso desse prazo e até hoje, a Urbindústria, S.A. e, depois a R., sempre tiveram disponibilidades e meios financeiros suficientes, para liquidar cada uma das facturas, designadamente depósitos bancários à ordem e a prazo, aplicações financeiras, títulos negociáveis, investimentos financeiros e créditos de curto prazo sobre terceiros, que lhes permitia proceder ao pagamento daqueles trabalhos, sem afectação da sua gestão corrente e, dos seus activos líquidos de curto prazo (art. 152.º da PI);

m) Igualmente, dentro do mesmo período temporal, a Urbindústria, S.A. e depois a R., sempre dispuseram de património imobiliário livre e desonerado, avaliado em dezenas de milhões de euros, que lhes permitia financiarem-se (se precisassem e não precisavam), em ordem à regularização do crédito da autora (art. 153.º da PI);

n) Ainda no mesmo prazo, a Urbindústria, S.A. e depois a R., fizeram investimentos vultuosos com fundos próprios e, num critério de gestão perfeitamente aleatório, optaram por pagar dívidas a outros credores em detrimento das AA., sem prejuízo de se tratar de créditos de vencimento posterior ao crédito das AA. (arts. 154.º e 155 da PI);

o) Desde logo, pagaram a terceiro, a remoção dos resíduos sobrantes no parque da fábrica da ...... (2.ª fase da operação) prestação de serviços executada cerca de 10 anos após a prestação das AA., sem terem tido o cuidado de pagar previamente os serviços por esta executados. (art. 156.º).

A partir da análise da factualidade alegada pelas AA., verifica-se que, ainda que invocando pretensos deveres acessórios de conduta e de informação, pretendem as mesmas que se discuta novamente a interpretação e o funcionamento da cláusula contratual cum potuerit, com base na qual as decisões judiciais proferidas nas anteriores acções judiciais entenderam não existir mora da antecessora da R. (entretanto nela incorporada) no cumprimento do dever primário de prestação a que se encontrava adstrita: o pagamento da contrapartida pecuniária pelos serviços prestados. Com efeito, na presente acção, foram dados como provados os seguintes factos respeitantes às acções que correram termos sob o n.o 7627/06.... e o n.º 6018/05...., instauradas pela aqui 1.ª A. contra a Urbindústria (incorporada na aqui R.):

6- No acórdão do STJ, datado de 11-06-2013, proferido na acção vinda de referir, foi decidido que a Ré não era obrigada a pagar juros de mora à autora Terriminas pelo facto de não ter incorrido em mora.

7- Decidiu o STJ que as partes, ao incluírem na cláusula 5.ª do acordo a expressão “sempre que possível” pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

8- Nesse aresto ficou decidido que o pagamento pontual das facturas ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção-Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria Ré.

9 - A parte decisória desse acórdão do STJ é a seguinte:

«O que está em causa nos autos é a questão de saber se a recorrida deve indemnizar a A. pela mora no pagamento das facturas por esta emitidas. Tudo tem a ver com a interpretação da expressão incluída na cláusula 5.ª do contrato “sempre que possível”. Ficou assim, provado que a Ré pagaria as facturas emitidas pela Autora, no prazo de 30 dias a contar da respectiva emissão, sempre que possível.

A formulação da condição pela positiva, “sempre que possível”, em lugar de pela negativa “a não ser que lhe não seja possível”, aproxima-a da cláusula “cum potuerit”, lançando sobre a A. o ónus de provar a disponibilidade financeira da Ré para pagar nos prazos fixados».

10 - Naquele acórdão foi dado ainda como provado o seguinte:

«57 - Entre a A. e a Ré foi ajustada a cláusula quinta do acordo referido, com vista a prevenir a não disponibilização dos encargos financeiros por parte da Direcção-Geral do Tesouro.

58 - E era do conhecimento da Autora que a Ré apenas celebraria o acordo referido, com a menção dessa cláusula.

59 - A Direcção-Geral do Tesouro, após o início dos trabalhos, apenas disponibilizou as verbas necessárias para que a Ré efectuasse o pagamento dos trabalhos prestados pela Autora no ano de 2005.

60 - A Ré informou a Autora que não poderia assumir os pagamentos com recurso a disponibilidades financeiras próprias.

61 - Por via disso, a Autora resolveu ceder os seus créditos com vista a que os trabalhos referidos prosseguissem.»

11 - Do acórdão do STJ resulta ainda o seguinte:

«Resulta inequivocamente destes factos que as partes, ao incluírem na cláusula 5.ª do acordo a expressão “sempre que possível” pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

O pagamento pontual das facturas ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção – Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria Ré.

Fica assim, claramente prejudicada a impugnação que a recorrente faz do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal da Relação ..., na medida em que a sua pretensão era que o Tribunal considerasse provado que a Ré dispunha de meios financeiros para pagar pontualmente as facturas por si emitidas.

Está por outro lado provado que a Direcção–Geral do Tesouro só disponibilizou as verbas necessárias ao pagamento das facturas no ano de 2005.

Não houve violação do acordo por parte da Ré, não existe ilícito contratual e não há lugar a indemnização pela mora nos pagamentos, pedida pela Autora.»

12 - Na acção que correu termos sob o n.º 6018/05...., a que deu lugar o procedimento de injunção apresentado pela Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A., face à dedução de oposição pela Urbindústria – Sociedade de Urbanização e Infraestruturas de Imóveis, S.A., a pretensão da autora de obter o pagamento da quantia de juros de mora relativamente à factura n.º 5, por entender que tinha sido fixado prazo de 30 dias para cumprimento da obrigação principal, veio a ser denegada conforme se alcança do teor do Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 03.05.2012.

13 - Ali ficou provada a seguinte factualidade:

«Por contrato celebrado com a Ré, em 22-05-2001, a Autora em consórcio com a Vilarei – Promoção Imobiliária, S.A. e na qualidade de chefe do mesmo, obrigou-se a retirar, transportar e depositar no local aprovado e nas condições aprovadas, os resíduos denominados pós de despoeiramento, do forno eléctrico, acumulados na fábrica da ...... da S......, S.A., e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa. A responsabilidade pela remoção daqueles resíduos foi assumida pelo Estado Português e está actuamente cometida à ré; Com base nas situações periódicas (quinzenais) das quantidades de material removido serão emitidas as facturas relativas aos trabalhos realizados, as quais após verificação das situações serão pagas, sempre que possível, dentro do prazo de 30 dias; A autora emitiu e enviou a factura nº 5, datada de 01/08/2001, no valor de € 907.750,40; A autora cedeu à E.......... S.A., pelo menos, o valor do capital titulado pela factura objecto destes autos; Em 31/01/2002 a ré pagou à E.......... S.A., o valor de € 907.750,40, valor esse titulado pela factura mencionada (factura nº 5); A ré tomou conhecimento da cessão de créditos efectuada pela autora à E.......... S.A.; A pedido da autora a ré enviou à E.......... S.A. uma carta datada de 15/10/2001, na qual se pode ler, além do mais, o seguinte: “A pedido do nosso fornecedor Terriminas – Sociedade Industrial de Carvões, S.A., com sede na Rua das Minas, 4420, S. Pedro da Cova, vimos confirmar ser do nosso conhecimento que os créditos representados pelas facturas a seguir indicadas foram, por ele transmitidas, à E.....”.». [negrito nosso]

Entende-se não ser admissível que, recorrendo à classificação dogmática que distingue entre deveres de prestação e deveres acessórios, e alegando a violação de pretensos deveres acessórios de conduta, venham as AA. pretender reabrir a discussão acerca do cumprimento do dever primário de prestação a que a ali R. (incorporada na aqui R.) se encontrava adstrita. Na verdade, ao alegarem, em síntese: (i) que a R. teve possibilidade de efectuar o pagamento das facturas no prazo de 30 dias após as respectivas datas nelas apostas porque, quer a mesma, quer a sua antecessora, tinham a obrigação legal, a título de dever acessório de conduta, de proceder à solicitação, junto da Direcção-Geral do Tesouro, dos fundos financeiros que se mostrassem necessários ao cumprimento das suas obrigações pecuniárias perante a A.; (ii) que nem a Urbindústria nem a R. cuidaram de solicitar, seja à Direcção-Geral do Orçamento, seja à Direcção-Geral do Tesouro, o abono para pagamento dessas verbas, nem, alternativamente, procederam a qualquer pedido de financiamento bancário para o efeito; (iii) que a R. e a sua antecessora tiveram, ao longo de vários anos, disponibilidades para pagar ou fazer acordos de pagamento e nunca os realizaram; (iv) forçoso é concluir que aquilo que as AA. visam é, afinal, que seja reapreciada, num enquadramento mais alargado, a interpretação e o funcionamento da própria cláusula contratual cum potuerit, de forma a concluir-se pela existência de mora no pagamento das facturas emitidas pela aqui 1.ª A.. O que mais não é do que pretender que se contradigam frontalmente as decisões das acções judiciais anteriores que declararam não ter existido mora no pagamento das facturas em causa.

Se alguma dúvida subsistisse a respeito desta conclusão, seria resolvida pelo facto de o pedido formulado pelas AA. consistir numa indemnização (juros de mora) pelo incumprimento do dever primário de prestação e não numa indemnização aferida pelos específicos danos (não alegados) causados pela pretensa violação de deveres acessórios de conduta. Incongruência esta que, assinale-se, não poderia, em todo o caso, deixar de relevar para efeitos do próprio juízo de mérito.

No que ora importa, temos, pois, que se confirma o juízo do acórdão recorrido segundo o qual ocorre identidade de causa de pedir entre a presente acção e as anteriores acções judiciais.


10. Em conclusão, verificando-se, em relação à 1.ª A., Terraminas, S.A., e à R. os pressupostos da tríplice identidade – dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir – entre a presente acção e as acções anteriores, nos termos do art. 581.º, n.º 1 do CPC, ocorre ofensa de caso julgado na vertente negativa, i.e., procede em relação àquela A. a excepção dilatória de caso julgado; o que, com fundamento em exercício abusivo do direito de acção (cfr. supra, ponto 8 do presente acórdão), conduz a não reconhecer à 2.ª A. Vilarei, S.A. um direito autónomo de acção.


11. Fica assim prejudicada a apreciação dos pressupostos da autoridade de caso julgado.


12. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se, ainda que com fundamento não inteiramente coincidente, a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 9 de Dezembro de 2021


Maria da Graça Trigo (relatora)

Maria Rosa Tching

Catarina Serra

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[1] Relatado pelo Sr. Cons. Tomé Gomes e votado pela aqui relatora.
[2] Relatado pelo Sr. Cons. Tomé Gomes e votado pelas aqui relatora e 1.ª Ajunta.
[3] Relatado pela aqui relatora