Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
620/14.6T8LSB.B.L1-A.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 831.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 0950318;
- DE 13-07-2010, PROCESSO N.º 480/03;
- DE 14­07-2016, PROCESSO N.º 241/10;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 241/10;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 181/09.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 06-07-2017, PROCESSOS N.º 178/04.
Sumário :

I - A circunstância do teor da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido não coincidirem ponto por ponto na sua linha de argumentação não significa que haja qualquer fundamentação diferente, e muito menos fundamentação essencialmente diferente.

II - A circunstância do acórdão recorrido fundamentar a sua decisão em mais que uma razão, não significa que haja outros tantos segmentos decisórios. Segmento decisório é a parte conclusiva ou dispositiva da decisão, não é o seu substrato fundamentador ou preparatório.

III - Os segmentos dispositivos relevantes para efeitos de formação de uma dupla conforme têm que ser distintos, independentes, autónomos, sem conexão normativa entre si.

IV - O conceito de dupla conforme pressupõe a reapreciação sucessiva da mesma questão.

V - Quando uma nulidade da sentença da 1ª instância é apreciada e julgada improcedente em recurso de apelação perante a Relação tal equivale para todos os efeitos a uma reapreciação sucessiva da mesma questão, estando assim formada uma dupla conformidade decisória que sempre seria impeditiva do recurso de revista.

VI – Acresce que o assim decidido quanto á nulidade da sentença da 1ª instância, vista a nulidade enquanto questão autónoma (de natureza processual), não é sequer recorrível de revista, por não se subsumir à previsão do n.º 1 do art. 671.º do CPCivil.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

AA reclamou (art. 643.º do CPCivil) contra o despacho do Exmo. Relator que, na Relação de Lisboa, não admitiu o recurso de revista que ali interpôs contra o acórdão que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença da 1ª instância.

                                                           +

Neste Supremo o relator julgou improcedente a reclamação e manteve o despacho reclamado.

                                                           +

Vem agora o Recorrente, invocando o n.º 3 do art. 652.º do CPCivil, requerer que sobre a matéria do despacho recaia acórdão.

                                                           +

Não se mostra oferecida resposta.

                                                           +

Cumpre decidir.

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A decisão do relator é do seguinte teor:

«A sentença da 1ª instância julgou improcedente o recurso de revisão que o ora Reclamante apresentara relativamente a decisão que julgara procedente a ação instaurada por Massa Insolvente de BB, S.A. contra o mesmo ora Reclamante. Tal decisão declarou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Insolvente e o Reclamante, determinando a desocupação do imóvel e sua entrega à Massa.

A sentença decidiu que não se verificavam os fundamentos de revisão indicados nas alíneas b) e c) do art. 696.º do CPCivil, que eram os precisos fundamentos que foram invocados pelo ora Reclamante.

Contra tal se insurgiu o ora Reclamante no seu recurso de apelação, contestando a decisão de mérito que foi tomada e sustentando que a sentença havia de ser revogada e o processo ter seguimento.

E, invocando a alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPCivil, arguiu também a nulidade da sentença da 1ª instância, com fundamento em ter o juiz apreciado e conhecido questões de que não podia tomar conhecimento.

O acórdão recorrido decidiu que improcedia a nulidade da sentença e que não se verificavam os fundamentos de revisão invocados pelo Apelante.

Isto posto, vejamos:

Quanto ao decidido sobre o mérito da causa

O acórdão recorrido, após sintomaticamente ter começado por expressar que “desde já se adianta que a decisão do tribunal a quo não merece reparo”, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

E para tanto, e tal como sucedera com a sentença, o acórdão entendeu que não se verificavam os fundamentos da revisão invocados pelo Apelante.

E fê-lo sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa daquela que fora empregada na sentença. A circunstância do teor da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido não coincidirem ponto por ponto na sua linha de argumentação não significa que haja qualquer fundamentação diferente, e muito menos fundamentação essencialmente diferente.

De outro lado, e contrariamente ao que pretende o Reclamante, não há que falar aqui em segmentos decisórios distintos. Mas sim num único segmento decisório. A circunstância do acórdão recorrido fundamentar a sua decisão em mais que uma razão, não significa que haja outros tantos segmentos decisórios. Segmento decisório é a parte conclusiva ou dispositiva da decisão, não é o seu substrato fundamentador.

Donde, o que se afirma, nomeadamente, nas conclusões C) (com exceção da parte que se refere à questão da nulidade) e seguintes da reclamação - onde manifestamente se confunde entre fundamentação e segmento decisório - carece de qualquer cabimento.

E para se ver que a fundamentação da sentença da 1ª instância e a do acórdão recorrido não são essencialmente diferentes, nada melhor que reproduzir aqui uma e outra.

Da sentença pode ler-se o seguinte:

«Relativamente aos fundamentos previstos na alínea b), do artigo 696º, do Código do Processo Civil:

No caso, o recorrente juntou certidão de douta sentença proferida pelo 2.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 23.04.2012, aludida nos factos provados na douta sentença; certidão do registo predial da fração; bem como e-mail incompleto e não datado, do qual se retirará que não estava preparada a venda da fração por não ter sido indicado o valor e a modalidade da venda; email de 05.05.2016 (posterior ao encerramento da audiência), referindo que se aguarda a promoção da venda da fração; proposta de compra da fração de 08.06.2016; resposta do administrador de insolvência de 22.06.2016, em que justifica a não aceitação da proposta; contra proposta de 02.11.2016, 05.12.2016, 23.01.2017, no seguimento de carta de 04.07.2016.

Relativamente aos emails, tratam-se de propostas feitas para aquisição da fração, em momento posterior ao encerramento da discussão. Todavia, tal não é passível de contrariar os factos 5. e 6. e 7. da douta sentença (embora no artigo 2.0 o recorrente apenas referia os dois primeiros):

“5. Determinada, pelo Exmo. Administrador de Insolvência, a venda por propostas em carta fechada da fracção referida em 4º, com data de abertura de 21.04.2014, não foi recolhida qualquer proposta para aquisição da mesma.

6. Não tendo sido recolhida qualquer proposta, o credor hipotecário (CC) manifestou junto do Exmo. Administrador de Insolvência a intenção de lhe ser adjudicado o referido imóvel pelo valor mínimo de venda anunciado.

7. Tal adjudicação foi aceite pelo Exmo. Administrador de Insolvência.”

Na verdade, os emails referem-se a datas muito posteriores a 2014 (5.) e não infirmam a intenção de adjudicação do imóvel ao credor hipotecário (6.).

Assim, apesar de preencher o requisito da novidade, estes documentos não preenchem o requisito da suficiência.

Acresce que “Não preenche o fundamento do recurso de revisão do art. 771.º, alínea c), do Cód Proc. Civil (696° NCPC) a apresentação de documento com relevância para a causa e que, apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos em juízo, poderia modificar a decisão em sentido mais favorável à parte. “ cf. douto acórdão citado.

Quanto ao facto 7.

Alega o recorrente que consultada a certidão de registo predial, verifica-se que não foi registada qualquer aquisição a favor do credor hipotecário.

Todavia, a situação registrai mantém-se inalterada desde o encerramento da discussão.

Neste aspeto, a certidão atualizada não é diferente daquela que existia nos autos, a fls. 192 e ss., pelo não apresenta o requisito da novidade, nem da suficiência.

“Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção) e o recorrente conhecia a sua existência (ainda que dele se tivesse, como invoca, olvidado, por mero acidente mnésico, objecto de "recuperação" de memória ulterior).”

 Por outro lado, relativamente aos fundamentos previstos na alínea c), do artigo 696.°, do Código do Processo Civil.

Salvo o devido respeito, ainda que se provasse o contrário do constante da factual idade em causa, tal não implicaria qualquer alteração da decisão de fundo quanto à nulidade do arrendamento por simulação, cf. alínea c).

Não se encontram pois preenchidos os requisitos previstos no artigo 696.°, alínea b) e c) do Código do Processo Civil.»

E do acórdão recorrido pode ler-se que:

«REAPRECIAÇÃO DE MÉRITO.

Desde já se adianta que a decisão do tribunal a quo não merece reparo.

Conforme se refere em GERALDES, Abrantes/PIMENTA, Paulo/SOUSA, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 831,

«Na al. b) prevêem-se fundamentos ligados à falsidade dos meios de prova em geral, exigindo-se que a matéria não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e que a sua valoração tenha sido causal da decisão a rever (STJ 7-4-11, 1242-L/1998). A falsidade, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que, a montante, terá de ter existido um processo cível ou criminal em que aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito (STJ 14­7-16, 241/10). No que concerne aos documentos, a impugnação da sua genuinidade ou da sua força probatória está prevista nos arts. 444Q e 446Q, de modo que, conhecendo os vícios, a parte contra quem os documentos são apresentados tem o ónus de suscitar tais incidentes, sob pena de preclusão. O mesmo se diga em relação à falsidade de ato judicial (art. 451º).

O acesso ao recurso de revisão ao abrigo da al. c) apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objetiva ou subjetivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda. O documento legitimador da revisão não poderá apenas ter a virtualidade de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, devendo ser de tal modo antagónico, no seu alcance probatório, com aquela que justifique, apreciado de uma forma isolada e sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário (requisito da suficiência) (STJ 17-9-09, 0950318, STJ 13-7-10, 480/03, STJ 19-10-17, 181/09 e RL 6-7-17,2178/04).»

Em primeiro lugar, argumenta o apelante com a falsidade dos depoimentos prestados pelo Administrador da Insolvência e funcionária do mesmo, os quais terão determinado os factos provados sob 5 a 7.

Todavia, o apelante não logrou juntar certidão judicial demonstrativa da existência de processo judicial adrede intentado, do qual conste como dispositivo da sentença a falsidade dos depoimentos em causa (d. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.7.2016,241/10).

Mesmo que não ocorresse esta exigência, certo é que os factos em causa provados na sentença sob 5 a 7 são puramente contextuais, não essenciais na sentença proferida em 18.4.2016, de tal modo que a sentença seria a mesma se tais factos fossem suprimidos. Com efeito, o contrato de arrendamento foi considerado simulado porque, nos termos da própria sentença: o contrato de arrendamento não foi outorgado por ninguém com poderes para representar a alegada senhoria (fls. 290); o réu não provou que passou a habitar a casa, provando-se que mudou de domicílio para outra morada; o réu não logrou provar o pagamento de qualquer renda (factos 17 e 18); o contrato de arrendamento apenas foi participado para efeitos fiscais em outubro de 2011, ano em que deu entrada o processo de insolvência, apesar de ter aposta a data de 30.10.2007 (facto 15; fls. 290); à data do contrato, o réu tinha 18 anos e 10 dias (facto 18); o administrador da sociedade locadora era pai do Réu (facto 9).

Neste contexto, mesmo a demonstrar-se a falsidade dos depoimentos que sedimentaram a prova dos factos 5 a 7, o sentido final da decisão permaneceria o mesmo, inexistindo uma relação de causa e efeito entre os depoimentos e o sentido final da decisão.

O que fica dito vale, mutatis mutandis, para os documentos juntos pelo apelante.

Dito de outra forma, mesmo a admitir-se - em tese - a suscetibilidade dos documentos em causa infirmarem o sentido dos factos provados sob 5 a 7, sempre permaneceriam incólumes os demais factos que, de per si, são suficientes para a procedência da ação. Sucumbe o requisito da suficiência dos documentos.»

Como resulta claro deste dois excertos, e no essencial, a sentença da 1ª instância e o acórdão recorrido estão em sintonia quanto à irrelevância dos fundamentos invocados pelo Recorrente (falsidade de meios de prova e apresentação de novos documentos) em ordem a fazer rever a sentença que foi produzida a seu tempo. Não tendo as decisões trilhado um percurso jurídico substancialmente diverso (ou seja, apelado a um quadro normativo substancialmente diverso) para decidirem como decidiram, não há que falar em fundamentação essencialmente diferente.

O que significa que, quanto ao mérito da causa, está formada a mais lídima conformidade decisória das instâncias, impeditiva da intervenção de mais um grau de jurisdição (art. 671.º, n.º 3 do CPCivil).

Quanto ao decidido sobre a nulidade da sentença

Nas conclusões B) e C) (em parte) o Reclamante reporta-se à inexistência de dupla conforme quanto à questão da nulidade da sentença que arguiu na apelação.

A arguição da nulidade da sentença da 1ª instância corresponde a uma questão distinta da questão do mérito.

Aqui sim, podemos dizer que estamos perante um segmento decisório diferente, autónomo ou destacável do segmento decisório correspondente á decisão de mérito.

A nulidade foi julgada improcedente.

Argumenta o Reclamante que nesta parte não se formou uma dupla conforme, e daqui que o recurso de revista seria admissível.

Mas está equivocado.

É certo que, tal como anuncia o Reclamante, o conceito de dupla conforme pressupõe a reapreciação sucessiva da mesma questão.

Simplesmente, quando uma nulidade da sentença da 1ª instância é apreciada pelo Tribunal da Relação tal equivale para todos os efeitos a uma reapreciação sucessiva da mesma questão. O que o Tribunal da Relação está a fazer quando julga improcedente uma nulidade da sentença da 1ª instância é confirmar a regularidade processual implicitamente assumida na própria sentença. Ou seja, está a decidir concordantemente com a decisão da 1ª instância sobre a sua não nulidade.

Isto, repare-se, é da própria natureza das coisas, pois que não se concebe que a sentença vá decidir expressa e antecipadamente que não é nula. Obviamente que ao ser proferida, a sentença está ela própria a reputar-se de não nula (ou seja, está a decidir implicitamente que não é nula).

Logo, também neste domínio estamos perante uma dupla conformidade do juízo decisório da 1ª instância e da Relação sobre a nulidade que foi apontada à sentença, o que é impeditivo da intervenção de mais um grau de jurisdição.

Diferente de tudo isto - caso, aqui sim, em que não pode realmente falar-se em dupla conforme - é aquela situação em que é a Relação a criar ex novo uma decisão, que lhe é exclusivamente imputável, por não ter qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com o decidido na 1ª instância. Nessa hipótese a decisão da Relação é autónoma, no sentido de que é estranha à apreciação do decidido na 1ª instância. Em tal hipótese não se pode configurar, também pela própria natureza das coisas, qualquer dupla conforme. Mas não é desta hipótese que aqui estamos a tratar.

Segue-se, pois, que o despacho reclamado decidiu adequadamente ao não ter admitido a revista.

O mais que se lê da reclamação (conclusões H) I), J), K), L), M), O) e R) - tudo numa certa confusão entre os fundamentos da reclamação e o imaginado erro de decisão do tribunal recorrido - não exige qualquer pronunciamento, por ser totalmente estranho ao objeto de uma reclamação por não admissão do recurso. Aqui o que importa saber é se a revista é admissível, e não saber se a decisão recorrida é ilegal, assunto este cuja adução conhecimento só teriam razão de ser se acaso a revista fosse admissível.

Improcede pois a reclamação.»

O entendimento vertido na decisão do relator apresenta-se inteiramente correto, pelo que não pode deixar de ser mantido.

E dado que, no essencial, o Reclamante se limita a reiterar os fundamentos que havia apresentado, também aqui, no essencial, nos limitaremos a convocar os fundamentos constantes do despacho sob reclamação.

E assim:

No que respeita ao mérito da causa:

Tal como sucedera com a sentença, o acórdão entendeu que não se verificavam os fundamentos da revisão invocados pelo Apelante.

E fê-lo sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa daquela que fora empregada na sentença. A circunstância do teor da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido não coincidirem ponto por ponto na sua linha de argumentação não significa que haja qualquer fundamentação diferente, e muito menos fundamentação essencialmente diferente.

De outro lado, e contrariamente ao que pretende o Reclamante, não há que falar aqui em segmentos decisórios distintos.

Mas sim num único segmento decisório.

A circunstância do acórdão recorrido fundamentar a sua decisão em mais que uma razão, não significa que haja outros tantos segmentos decisórios.

Segmento decisório é a parte conclusiva ou dispositiva da decisão, não é o seu substrato fundamentador ou preparatório.

E, de resto, nunca se estaria aqui perante segmentos dispositivos que fossem distintos, independentes, autónomos, sem qualquer conexão normativa entre si, e estas condições teriam que estar verificadas para que, nos termos e para os efeitos da dupla conforme, se pudesse levar a cabo uma aferição separada de qualquer deles.

Donde, não podem ser subscritas as considerações do Reclamante em sentido contrário.

E para se ver que a fundamentação da sentença da 1ª instância e a do acórdão recorrido não são essencialmente diferentes, e que as decisões tomadas não comportam qualquer segmentação, nada melhor que reproduzir aqui uma e outra.

Da sentença pode ler-se o seguinte:

«Relativamente aos fundamentos previstos na alínea b), do artigo 696º, do Código do Processo Civil:

No caso, o recorrente juntou certidão de douta sentença proferida pelo 2.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 23.04.2012, aludida nos factos provados na douta sentença; certidão do registo predial da fração; bem como email incompleto e não datado, do qual se retirará que não estava preparada a venda da fração por não ter sido indicado o valor e a modalidade da venda; email de 05.05.2016 (posterior ao encerramento da audiência), referindo que se aguarda a promoção da venda da fração; proposta de compra da fração de 08.06.2016; resposta do administrador de insolvência de 22.06.2016, em que justifica a não aceitação da proposta; contra proposta de 02.11.2016, 05.12.2016, 23.01.2017, no seguimento de carta de 04.07.2016.

Relativamente aos emails, tratam-se de propostas feitas para aquisição da fração, em momento posterior ao encerramento da discussão. Todavia, tal não é passível de contrariar os factos 5. e 6. e 7. da douta sentença (embora no artigo 2.0 o recorrente apenas referia os dois primeiros):

“5. Determinada, pelo Exmo. Administrador de Insolvência, a venda por propostas em carta fechada da fracção referida em 4º, com data de abertura de 21.04.2014, não foi recolhida qualquer proposta para aquisição da mesma.

6. Não tendo sido recolhida qualquer proposta, o credor hipotecário (CC) manifestou junto do Exmo. Administrador de Insolvência a intenção de lhe ser adjudicado o referido imóvel pelo valor mínimo de venda anunciado.

7. Tal adjudicação foi aceite pelo Exmo. Administrador de Insolvência.”

Na verdade, os emails referem-se a datas muito posteriores a 2014 (5.) e não infirmam a intenção de adjudicação do imóvel ao credor hipotecário (6.).

Assim, apesar de preencher o requisito da novidade, estes documentos não preenchem o requisito da suficiência.

Acresce que “Não preenche o fundamento do recurso de revisão do art. 771.º, alínea c), do Cód Proc. Civil (696° NCPC) a apresentação de documento com relevância para a causa e que, apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos em juízo, poderia modificar a decisão em sentido mais favorável à parte. “ cf. douto acórdão citado.

Quanto ao facto 7.

Alega o recorrente que consultada a certidão de registo predial, verifica-se que não foi registada qualquer aquisição a favor do credor hipotecário.

Todavia, a situação registrai mantém-se inalterada desde o encerramento da discussão.

Neste aspeto, a certidão atualizada não é diferente daquela que existia nos autos, a fls. 192 e ss., pelo não apresenta o requisito da novidade, nem da suficiência.

“Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção) e o recorrente conhecia a sua existência (ainda que dele se tivesse, como invoca, olvidado, por mero acidente mnésico, objecto de "recuperação" de memória ulterior).”

 Por outro lado, relativamente aos fundamentos previstos na alínea c), do artigo 696.°, do Código do Processo Civil.

Salvo o devido respeito, ainda que se provasse o contrário do constante da factual idade em causa, tal não implicaria qualquer alteração da decisão de fundo quanto à nulidade do arrendamento por simulação, cf. alínea c).

Não se encontram pois preenchidos os requisitos previstos no artigo 696.°, alínea b) e c) do Código do Processo Civil.»

E do acórdão recorrido pode ler-se que:

«REAPRECIAÇÃO DE MÉRITO.

Desde já se adianta que a decisão do tribunal a quo não merece reparo.

Conforme se refere em GERALDES, Abrantes/PIMENTA, Paulo/SOUSA, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 831,

«Na al. b) prevêem-se fundamentos ligados à falsidade dos meios de prova em geral, exigindo-se que a matéria não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e que a sua valoração tenha sido causal da decisão a rever (STJ 7-4-11, 1242-L/1998). A falsidade, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que, a montante, terá de ter existido um processo cível ou criminal em que aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito (STJ 14­7-16, 241/10). No que concerne aos documentos, a impugnação da sua genuinidade ou da sua força probatória está prevista nos arts. 444Q e 446Q, de modo que, conhecendo os vícios, a parte contra quem os documentos são apresentados tem o ónus de suscitar tais incidentes, sob pena de preclusão. O mesmo se diga em relação à falsidade de ato judicial (art. 451º).

O acesso ao recurso de revisão ao abrigo da al. c) apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objetiva ou subjetivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda. O documento legitimador da revisão não poderá apenas ter a virtualidade de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, devendo ser de tal modo antagónico, no seu alcance probatório, com aquela que justifique, apreciado de uma forma isolada e sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário (requisito da suficiência) (STJ 17-9-09, 0950318, STJ 13-7-10, 480/03, STJ 19-10-17, 181/09 e RL 6-7-17,2178/04).»

Em primeiro lugar, argumenta o apelante com a falsidade dos depoimentos prestados pelo Administrador da Insolvência e funcionária do mesmo, os quais terão determinado os factos provados sob 5 a 7.

Todavia, o apelante não logrou juntar certidão judicial demonstrativa da existência de processo judicial adrede intentado, do qual conste como dispositivo da sentença a falsidade dos depoimentos em causa (d. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.7.2016,241/10).

Mesmo que não ocorresse esta exigência, certo é que os factos em causa provados na sentença sob 5 a 7 são puramente contextuais, não essenciais na sentença proferida em 18.4.2016, de tal modo que a sentença seria a mesma se tais factos fossem suprimidos. Com efeito, o contrato de arrendamento foi considerado simulado porque, nos termos da própria sentença: o contrato de arrendamento não foi outorgado por ninguém com poderes para representar a alegada senhoria (fls. 290); o réu não provou que passou a habitar a casa, provando-se que mudou de domicílio para outra morada; o réu não logrou provar o pagamento de qualquer renda (factos 17 e 18); o contrato de arrendamento apenas foi participado para efeitos fiscais em outubro de 2011, ano em que deu entrada o processo de insolvência, apesar de ter aposta a data de 30.10.2007 (facto 15; fls. 290); à data do contrato, o réu tinha 18 anos e 10 dias (facto 18); o administrador da sociedade locadora era pai do Réu (facto 9).

Neste contexto, mesmo a demonstrar-se a falsidade dos depoimentos que sedimentaram a prova dos factos 5 a 7, o sentido final da decisão permaneceria o mesmo, inexistindo uma relação de causa e efeito entre os depoimentos e o sentido final da decisão.

O que fica dito vale, mutatis mutandis, para os documentos juntos pelo apelante.

Dito de outra forma, mesmo a admitir-se - em tese - a suscetibilidade dos documentos em causa infirmarem o sentido dos factos provados sob 5 a 7, sempre permaneceriam incólumes os demais factos que, de per si, são suficientes para a procedência da ação. Sucumbe o requisito da suficiência dos documentos.»

Como resulta claro deste dois excertos, e no essencial, a sentença da 1ª instância e o acórdão recorrido estão em sintonia quanto à irrelevância dos fundamentos invocados pelo Recorrente (falsidade de meios de prova e apresentação de novos documentos) em ordem a fazer rever a sentença que foi produzida a seu tempo. Não tendo as decisões trilhado um percurso jurídico substancialmente diverso (ou seja, apelado a um quadro normativo substancialmente diverso) para decidirem como decidiram, não há que falar em fundamentação essencialmente diferente.

O que significa que, quanto ao mérito da causa, está formada a mais lídima conformidade decisória das instâncias, impeditiva da intervenção de mais um grau de jurisdição (art. 671.º, n.º 3 do CPCivil).

No que se refere à nulidade da sentença:

O Reclamante reporta-se à inexistência de dupla conforme quanto à questão da nulidade da sentença que arguiu na apelação.

A arguição da nulidade da sentença da 1ª instância corresponde a uma questão distinta da questão do mérito.

Aqui sim, podemos dizer que estamos perante um segmento decisório diferente, autónomo ou destacável do segmento decisório correspondente á decisão de mérito.

A nulidade foi julgada improcedente.

Argumenta o Reclamante que nesta parte não se formou uma dupla conforme, e daqui que o recurso de revista seria admissível.

Mas não é assim.

É certo que, tal como anuncia o Reclamante, o conceito de dupla conforme pressupõe a reapreciação sucessiva da mesma questão.

Simplesmente, quando uma nulidade da sentença da 1ª instância é apreciada pelo Tribunal da Relação tal equivale para todos os efeitos a uma reapreciação sucessiva da mesma questão. O que o Tribunal da Relação está a fazer quando julga improcedente uma nulidade da sentença da 1ª instância é confirmar a regularidade processual implicitamente assumida na própria sentença. Ou seja, está a decidir concordantemente com a decisão da 1ª instância sobre a sua não nulidade.

Isto, repare-se, é da própria natureza das coisas, pois que não se concebe que a sentença vá decidir expressa e antecipadamente que não é nula. Obviamente que ao ser proferida, a sentença está ela própria a reputar-se de não nula (ou seja, está a decidir implicitamente que não é nula).

Logo, também neste domínio estamos perante uma dupla conformidade do juízo decisório da 1ª instância e da Relação sobre a nulidade que foi apontada à sentença, o que é impeditivo da intervenção de mais um grau de jurisdição.

De resto, e para sermos rigorosos, o decidido pelo acórdão recorrido quanto à nulidade da sentença da 1ª instância, vista a nulidade enquanto questão autónoma (de natureza processual), nem sequer é recorrível de revista, por não se subsumir à previsão do n.º 1 do art. 671.º do CPCivil. Neste segmento o acórdão recorrido nem conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo, absolvendo da instância.

Diferente de tudo isto - caso, aqui sim, em que não pode realmente falar-se em dupla conforme - é aquela situação em que é a Relação a criar ex novo uma decisão, que lhe é exclusivamente imputável, no sentido de que não tem qualquer paralelo, afinidade ou contiguidade com o decidido na 1ª instância. Nessa hipótese a decisão da Relação é autónoma, é estranha à apreciação do decidido na 1ª instância. Em tal hipótese não se pode configurar, também pela própria natureza das coisas, qualquer dupla conforme. Mas não é desta hipótese que aqui estamos a tratar.

O mais que o Reclamante aduz - tudo aliás numa certa confusão entre os fundamentos da reclamação e um suposto erro de decisão do tribunal recorrido - não exige qualquer pronunciamento, por se tratar de matéria estranha ao objeto de uma reclamação por não admissão do recurso. Aqui o que importa saber é se a revista é admissível, e não saber se a decisão recorrida é ilegal. Essa suposta ilegalidade só poderia ser escrutinada se a revista fosse admissível e houvesse que conhecer do respetivo objeto, o que não é o caso.

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Decisão

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação.

Regime de custas

O Reclamante é condenado nas custas do presente incidente de reclamação para a conferência.

Taxa de justiça: 3 Uc’s.

Lisboa, 1 de outubro de 2019


José Rainho (Relator)
Graça Amaral
Henrique Araújo