Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5762/13.2TBVFX-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
ABUSO DO DIREITO
EMBARGOS DE EXECUTADO
PROVA DOCUMENTAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
ACTO INÚTIL
ATO INÚTIL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONVALIDAÇÃO
EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO.
Doutrina:
- José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 7.ª edição, p. 201.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3 E 729.º, ALÍNEA G).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-01-2002, IN CJSTJ, 2002, TOMO I, P. 53 E 54.
Sumário :

I - Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento. As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria jurídico-conclusiva (direito).

II - Apesar de ter sido julgada improcedente a impugnação da matéria de facto, tal não significa que a Relação não possa, dentro do poder-dever que lhe assiste nos termos do n.º 3 do art. 5.º do CPCivil, alterar os factos por efeito de violação de regras imperativas do direito probatório material.

III - O facto extintivo ou modificativo da obrigação a que se reporta a alínea g) do art. 729.º do C.P.C. só pode ser atendido nos embargos à execução se estiver provado por documento (ou por confissão do exequente).

IV - Deste modo, a invocação de um pretenso abuso do direito por parte do exequente não pode levar à extinção da execução sob o argumento de se tratar de facto extintivo ou modificativo da obrigação.

V - O executado que não tenha documento que lhe permita opor-se à execução e, no entanto, não deva, terá que propor uma ação declarativa para restituição daquilo que indevidamente pague em consequência do processo executivo.

VI - Não basta, para se falar em abuso do direito, nos termos e para os efeitos do art. 334.º do CCivil, que o titular do direito, ao exercer o direito, se exceda. É necessário que se esteja perante uma situação gritante, ofensiva do sentimento ético-jurídico dominante, clamorosamente contrária aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais.

VII - Se o recorrente:

- Estruturou o seu recurso de revista de forma a forçar o Supremo a conhecer em primeiro lugar da existência de abuso do direito e da possibilidade dessa figura fundamentar os embargos à execução baseada em sentença;

- Só subsidiariamente (para o caso de improcederem essas outras questões) arguiu a nulidade do acórdão da Relação por omissão do contraditório;

- O Supremo decide que a Relação ajuizou adequadamente ao julgar improcedentes os embargos pelo facto de não se provar por documento a extinção da obrigação exequenda, confirmando assim o acórdão,

- Então, mesmo que se reconheça que se verificou efetivamente a omissão do contraditório, não se concebe a anulação do acórdão da Relação para cumprir o contraditório omitido.

VIII – É que nesta hipótese a anulação do acórdão da Relação seria absolutamente inconsequente, visto que nunca poderia vir a ser produzida decisão que invertesse o desfecho da causa, considerando-se por isso arrumada a decisão dos embargos e convalidada a nulidade.

                            

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA veio deduzir embargos à execução com processo especial por alimentos que contra ele foi instaurada pela ex-mulher BB

Alegou para o efeito, em síntese, que, contrariamente ao alegado na execução, pagou as prestações de alimentos devidas até dezembro de 2008.

Quanto às prestações subsequentes a essa data, Embargante e Embargada chegaram a acordo em que a pensão deixasse de ser paga, comprometendo-se a Embargada a diligenciar pela formalização desse acordo.

Quando o Embargante questionou a Embargada sobre a falta de tal formalização, a Embargada foi justificando a sua omissão dizendo sempre ao Embargante que não se preocupasse, porque não lhe iria pedir mais nada, que já não precisava.

Comportamento este que tranquilizou o Embargante, que se convenceu de que nada mais devia de alimentos e que o assunto estaria definitivamente resolvido.

E em contactos posteriores que existiram entre as partes, a Embargada nunca manifestou qualquer necessidade de dinheiro.

Pelo que, ao instaurar a execução, a Embargada está a litigar de má-fé e em claro abuso do direito.

Mais invocou a prescrição das prestações de alimentos vencidas entre junho de 2003 e novembro de 2010.

                                                           +

A Embargada contestou, concluindo pela improcedência dos embargos.

                                                           +

Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada procedente a exceção de prescrição em relação aos alimentos anteriores a 05 de novembro de 2008.

Foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

                                                           +

Seguindo o processo seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença (Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira) que declarou procedente a oposição e extinta a instância executiva.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Embargada.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação de Lisboa, embora com voto de vencido, determinou o prosseguimento da execução para pagamento das prestações de alimentos vencidas nos meses de novembro de 2008 e seguintes e até à cessação da pensão de alimentos, que foi entretanto declarada no apenso B.

                                                           +

É agora a vez de o Embargante dissentir do que foi decidido, pedindo revista.

                                                           +

Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

A. No presente recurso são suscitadas as seguintes questões: 1) da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia (ao ter sido modificada oficiosamente a decisão quanto à matéria de facto) e da nulidade do acórdão por se verificar ambiguidade naquela parte da decisão que a torna ininteligível; 2) do erro de julgamento ao não aplicar ao caso o instituto do "abuso de direito"; 3) do erro de julgamento ao não considerar procedente a oposição à execução quanto às pensões vencidas em novembro e dezembro de 2008, 4) subsidiariamente, do erro de julgamento ao aplicar ao caso a norma ínsita na alínea g), do artigo 729.° do código de processo civil; 5) e, subsidiariamente, da nulidade do acórdão por violação do princípio do contraditório;

B. No que respeita à primeira questão suscitada (que na verdade são duas (nulidades) distintas, que se abordam no mesmo ponto atendendo à conexão das temáticas e dos efeitos da sua procedência), o Tribunal a quo decidiu alterar, oficiosamente, e sem ouvir as partes, a decisão proferida pelo Tribunal da lª instância quanto à matéria de facto, o que fez de forma ininteligível atento o confronto entre a fundamentação de tal parte da decisão com a matéria de facto que, de seguida, decide ser a considerar, ficando-se, sem perceber, com exactidão quais os factos efectivamente a considerar como provados, sendo que tal ambiguidade/obscuridade naquela parte da decisão torna-a ininteligível e, consequentemente, nula, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.°, por força do artigo 666.°, n." 1, ambos do Código de Processo Civil, nulidade essa que se invoca para todos os efeitos legais;

C. A acrescer, tal alteração da decisão quanto à matéria de facto, foi efectuada ao arrepio da Lei, já que, fora das situações previstas no n.º 2, do artigo 662.°, do Código de Processo Civil, em que o Tribunal da Relação pode, independentemente de tal ter sido invocado e/ou requerido pelo Apelante no seu recurso de apelação, oficiosamente, fazer aplicar o disposto naquele n.º 2, apenas pode (e deve) alterar a decisão da matéria de facto, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem uma decisão diversa, mas sempre dentro dos limites do recurso de apelação e atento o modo como o Apelante cumpriu o ónus de alegação regulado no artigo 640.°, quando interpôs aquele recurso;

D. Tal conclusão é, aliás, decorrência, conforme tem sido repetidamente afirmado, de que são as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior;

E. Verifica-se, assim, excesso de pronúncia face ao tema a decidir, com a conformação que lhe havia sido dada pela ora Recorrida, extravasando o Acórdão recorrido os limites da vinculação temática, do concreto objecto de recurso submetido a reapreciação, do quadro temático submetido à cognição proposta pela ora Recorrida e que era o único apresentado ao ora Recorrente;

F. Tal excesso de pronúncia consubstancia nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 615.°, n.º I, alínea d), segmento final, por força do artigo 666.°, n.º I, ambos do Código de Processo Civil;

G. Em consequência, deve o Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no n." 1, do artigo 684.° do Código de Processo Civil, suprir a nulidade, declarar em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos restantes fundamentos do recurso, sendo certo que, salvo melhor opinião, a decisão recorrida deve ser modificada no sentido de ser mantida a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da 1ª Instância;

H. Quanto à segunda questão suscitada no presente recurso, decidiu mal o Tribunal a quo ao não aplicar ao caso em discussão nos autos, a figura do abuso de direito, prevista no artigo 334.° do Código Civil, uma vez que resulta da matéria de facto dada como provada (pelo Tribunal de lª instância e que deverá ser mantida como tal por via do presente recurso) que estão reunidos, in casu, os pressupostos de aplicação daquele instituto;

I. Entendimento esse que se sempre seria de se manter, mesmo que se entendesse que a alteração da decisão quanto à matéria de facto preconizada pelo Tribunal a quo seria de manter, por estarem, ainda assim, verificados os pressupostos de aplicação daquele instituto;

J. Assim, ao não aplicar ao caso o disposto no artigo 334.°, do Código Civil, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, violando aquela norma;

K. Quanto à terceira questão levantada no presente recurso, no que respeita às pensões vencidas em Novembro e Dezembro de 2008, mantendo-se a decisão da lª instância quanto à matéria de facto (conforme preconizado no presente recurso), forçoso é concluir, pela procedência da oposição no que respeita às pensões vencidas em Novembro e Dezembro de 2008, em virtude de ter sido dado como provado que as mesmas foram pagas pelo Recorrente à Recorrida (factos provados n.º 2 e 3), pelo que se extingue a obrigação do pagamento das mesmas, por efeito do cumprimento de tal obrigação.

L. Quanto à quarta questão, levantada a título subsidiário, o Tribunal recorrido, para fundamentar a sua decisão sobre a alteração oficiosa da matéria de facto, sustentou, em síntese, que sendo os fundamentos invocados na oposição à execução pelo ora Recorrente factos extintivos da obrigação de alimentos (pagamento e abuso de direito), a prova dos mesmos, nos termos do disposto no artigo 729.°, alínea g), do Código de Processo Civil, só poderia ser feita por documento, não sendo admissível prova testemunhal, por declarações (e, acrescentamos nós, por presunções judiciais).

M. No que respeita ao abuso de direito, não se pode, no entanto, acompanhar tal entendimento, uma vez que, e na senda do referido na declaração do voto de vencido, “tal como sucede com a prescrição do direito, cuja verificação determina a extinção do processo executivo, sem extinguir o respectivo direito, também no caso de verificação do abuso de direito, o direito continua a existir, mas não pode ser exigido, ocorrendo uma situação impeditiva do exercício do direito a execução”.

N. Assim, estaremos no âmbito de aplicação da norma constante na alínea b), do artigo 729.°, do Código de Processo Civil, segundo a qual a oposição à execução fundada em sentença pode ter como fundamento a “incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução” (sublinhado e negrito nossos), para cuja prova daquela inexigibilidade pode ser feita por qualquer meio em Direito admissível.

O. Alternativamente, caso assim não se entenda, e na senda do defendido naquela declaração de voto, deve ser aplicado “ao caso dos autos o disposto no artigo 729.º, g), última parte do CPC, por analogia, ou seja, o invocado abuso de direito como fundamento dos embargos pode ser provado por qualquer meio e não apenas por documentos”.

P. Posto isto, e entendendo-se que o abuso de direito pode ser provado por qualquer meio de prova, deve ser decretada a anulação do Acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que seja alterada a decisão quanto à matéria de facto com observância das normas supra invocadas (ou seja, admitindo-se que os factos que fundamentam o invocado abuso de direito possam ser provados por qualquer meio de prova e não apenas por documentos), de modo a viabilizar a prolação de uma decisão jurídica correcta do pleito;

Q. No que respeita à quinta e última questão suscitada no presente recurso, a título subsidiário, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo é nulo por violação do princípio do contraditório, uma vez que decidiu modificar a decisão de facto, oficiosamente, sem ter dado às Partes, nomeadamente, ao ora Recorrente, a oportunidade de se pronunciar previamente sobre tal modificação e seus fundamentos, e, manifestamente, não se verifica qualquer situação de manifesta desnecessidade na audição do ora Recorrente antes de se decidir sobre aquela alteração oficiosa da decisão quanto à matéria de facto, desde logo, porque até à prolação daquele Acórdão, a questão levantada pelo Tribunal da Relação (admissibilidade exclusiva de prova documental para prova dos fundamentos de oposição à execução), não tinha sido levantada, nem pelo Tribunal de lª Instância, nem pelas Partes (a ora Recorrida não levantou sequer essa questão no Recurso que apresentou).

R. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, não há dúvida que o Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu quanto àquela questão, constitui para o ora Recorrente uma decisão surpresa, tendo violado o princípio do contraditório, plasmado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3.°, n.º 3 e 4.° do Código de Processo Civil (o n.º 3, do artigo 3.°, do Código de Processo Civil, estatui expressamente que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”);

S. Constitui, como tal, aquela decisão, uma violação da lei processual, consubstanciada na omissão de um acto que a Lei prescreve, que pode influir (ou influiu) no exame ou na decisão da causa, pelo que constitui nulidade processual secundária, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 195.°, do Código de Processo Civil, pelo que há que declarar a nulidade decorrente da falta de cumprimento do contraditório ora invocada, o que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 195.°, do Código de Processo Civil, implica também a anulação dos actos ulteriores, ou seja, em concreto, a anulação do Acórdão recorrido.

Termina dizendo que “Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o douto Acórdão recorrido, e, em consequência, nos termos do alegado e requerido supra nos pontos III, IV e V, ser julgada procedente a oposição à execução e, nesse seguimento, determinada a extinção da acção executiva.

Caso assim não se entenda, deverá, ainda assim, ser dado provimento ao presente recurso nos termos do alegado e requerido, subsidiariamente, supra no ponto VI, e, em consequência, ser decretada a anulação do Acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que seja alterada a decisão quanto à matéria de facto com observância das normas supra invocadas (ou seja, admitindo-se que os factos que fundamentam o invocado abuso de direito possam ser provados por qualquer meio de prova e não apenas por documentos), de modo a viabilizar a prolação de uma decisão jurídica correcta do pleito.

Para o caso de ainda assim não se entender em nenhum dos sentidos defendidos, deverá, ainda assim, ser dado provimento ao presente recurso nos termos do alegado e requerido, subsidiariamente, supra no ponto VII, e, em consequência, declarada a nulidade decorrente da falta de cumprimento do contraditório invocada naquele ponto, o que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 195.°, do Código de Processo Civil, implica também a anulação dos actos ulteriores, ou seja, em concreto, a anulação do Acórdão recorrido.”

                                                          +

A Embargada contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                         +

O tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades imputadas ao acórdão, considerando-as inverificadas.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                       +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade do acórdão recorrido por ininteligibilidade;

- Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia quanto à alteração dos factos;

- Ilegalidade do acórdão recorrido por não ter decidido a favor da procedência dos embargos, em função da figura do abuso do direito;

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão do contraditório.

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

O acórdão recorrido elenca como factos provados os seguintes:

1- No dia 28 de Maio de 2003, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Vila Franca de Xira, foi convencionado por embargante e embargada o pagamento por parte daquele a esta da quantia mensal de 250 euros, a título de prestação de alimentos, a liquidar até ao dia 25 de cada mês, através de depósito bancário, numa conta bancária de que a mesma seja titular. (artigo 4º da petição inicial).

2- O embargante/executado pagou as prestações respeitantes ao ano de 2006.

3-(…)

4- Em 2006 a exequente foi notificada pela Autoridade Tributária para proceder ao pagamento de coima fiscal em virtude de ter omitido o recebimento de tais rendimentos na respectiva declaração fiscal de IRS. (artigo 10º) da petição inicial).

5- Nos anos seguintes o embargante declarou o pagamento das pensões devidas. (artigo 12º da petição inicial).

6 – (…)

7- No ano de 2007 a embargada assinou um documento em que declarava que tinha recebido todas as pensões referentes ao ano de 2006. (artigo 15º da petição inicial).

8- O embargante solicitou à embargada a possibilidade de fazer cessar o pagamento da pensão de alimentos. (artigo 17º da petição inicial).

9- Tal solicitação não mereceu acolhimento imediato da embargada com a justificação de ter de pagar os estudos da filha de ambos, CC que se encontrava a frequentar o ensino universitário. (artigo 19º da petição inicial).

10- Em Outubro de 2008, após solicitação do embargante a embargada assentiu que aquele deixasse de lhe pagar a pensão de alimentos, solicitando apenas que lhe pagasse até final daquele ano. (artigo 21º da petição inicial).

11- Em 14 de Outubro de 2008 a embargada enviou ao embargado uma SMS em que refere que apenas pretendia pensão de alimentos enquanto se encontrasse a ajudar a filha nos estudos e que depois não queria dinheiro. (artigo 21º da petição inicial)

12- (…)

13- O embargado ficou convencido de que nada mais devia à embargante. (artigo 40º da petição inicial).

14- O embargante tem como rendimento único a sua pensão no valor de 999, 64 euros, acrescido de 328, 72 euros de diuturnidades. (artigo 87º da petição inicial).

15- Com a penhora da sua pensão resultante da acção executiva a que os presentes autos estão apensos, fica a receber cerca de 620 euros líquidos. (artigo 88º da petição inicial).

16- O embargante paga cerca de 514 euros relativos a prestação mensal de empréstimo para compra de habitação contraído em Outubro de 2003 (artigo 89º da petição inicial).

17- Á data do divórcio a embargada já trabalhava. (artigo 14º da contestação).”

De direito

Quanto à matéria da conclusão B.:

Nesta conclusão o Recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido, sob a alegação de que é ininteligível na parte em que alterou a matéria de facto, “atento o confronto entre a fundamentação de tal parte da decisão com a matéria de facto que, de seguida, decide ser a considerar, ficando-se, sem perceber, com exatidão quais os factos efetivamente a considerar como provados”.

Mas carece de razão.

Desde logo, o recorrente contradiz-se, na medida em que, percorrendo a sua alegação de recurso, se vê à saciedade que entendeu na sua plenitude a decisão tomada em matéria de facto e os seus fundamentos, tanto que impugna o acórdão precisamente à luz da modificação factual nele feita operar e dos fundamentos aduzidos para o efeito.

O que se passa é que não concorda com a decisão.

Mas essa discordância nada tem a ver com a temática das nulidades de decisão, neste caso por ininteligibilidade. Como tem sido reiteradamente afirmado na doutrina e na jurisprudência, não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento. As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria jurídico-conclusiva (direito). As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao direito aplicável aos factos (destituída de mérito jurídico).

Donde, e só pelo que fica dito, improcede imediatamente a arguição em causa.

Mas, à parte isso, é de acrescentar que o acórdão recorrido é bastante claro quer quanto aos factos que se devem ter por provados (e que são os acima descritos, que são expressamente elencados no acórdão) quer quanto aos fundamentos que levaram à modificação da matéria de facto. Esses fundamentos estão devidamente anunciados a fls. 8 e 9 do acórdão.

Improcede pois a conclusão em destaque.

Quanto à matéria das conclusões C. a G.:

Argui-se aqui a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, isto por ter alterado a matéria de facto na forma como o fez.

Mas também neste particular falha razão ao Recorrente.

A questão que fora colocada à decisão do tribunal ora recorrido na apelação consistia na neutralização dos factos dos pontos 2, 3 e 6 a 16 dos factos dados como provados na sentença. A Apelante pretendia que tais factos não podiam ser havidos como provados, isto por não estarem suportados pela prova produzida.

Ora, o acórdão recorrido não se desviou minimamente desta questão, tanto que julgou improcedente (rejeitou) a impugnação da matéria de facto que foi apresentada.

Mas tal não significava que o tribunal recorrido não pudesse, dentro do poder-dever que lhe assiste nos termos do n.º 3 do art. 5.º do CPCivil, alterar os factos, agora por efeito de violação de regras imperativas do direito probatório material. E foi nesse âmbito de legítima intervenção oficiosa que se moveu o tribunal. Apenas sucede que a alteração visada pelo tribunal demandaria a atuação de um prévio contraditório junto das partes (o que não ocorreu), mas não é disso que aqui estamos a tratar.

Ora, a alteração oficiosa da matéria de facto a que procedeu o acórdão recorrido teve por base a inadmissibilidade da prova testemunhal e por declarações em que se apoiara a decisão da 1ª instância. Assunto este (que se resolve numa pura questão de direito, embora com reflexo nos factos) que nada tem a ver, pois, com a improcedência do recurso da apelante em matéria de facto. E tanto assim é que o tribunal sempre poderia ter-se ocupado desse assunto mesmo que não tivesse sido suscitada pela apelante a questão da impugnação da matéria de facto.

Donde, não faz aqui sentido a invocação (conclusão E.) da “vinculação temática, do concreto objecto de recurso submetido a reapreciação, do quadro temático submetido á cognição proposta pela ora Recorrida”. Uma tal vinculação temática faz sentido, isso sim, é naquela situação em que o tribunal de apelação reaprecia a prova de livre apreciação, pois que neste caso a alteração dos factos (art. 662.º, n.º 1 do CPCivil) deve ser vista como estando condicionada pelo cumprimento dos ónus estabelecidos no art.º 640.º do CPCivil. Não no caso, como é precisamente o caso vertente, em que o tribunal intervém fora desse contexto, alterando os factos por efeito estrito de violação de regras imperativas do direito probatório material.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões H. a P.:

Sustenta-se nestas conclusões que havia de se ter decidido em função da figura do abuso do direito, o que é dizer, que a sentença da 1ª instância havia de ter sido mantida.

Embora parte destas conclusões se reportem a uma questão apresentada a título subsidiário, conhece-se delas em conjunto dado que estão interligadas.

Carece de razão o Recorrente no que defende nas conclusões em epígrafe.

Vejamos:

Estamos perante uma oposição a uma execução fundada em sentença.

Neste caso, a oposição pode ter por fundamento alguma das situações elencadas no art. 729.º do CPCivil.

Dentro do que foi alegado pelo Embargante, só se conceberia a aplicação ao caso da alínea g) desse art. 729.º. E não há que recorrer a qualquer analogia, visto que o art. 729.º do CPCivil é uma norma fechada, no sentido de que circunscreve os fundamentos em que a oposição pode assentar (“… a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes…”), o que implica a inexistência de lacunas e, deste modo, nunca se poderá atender a outros fundamentos por analogia.

E não se concebe, contrariamente ao que pretende o Recorrente na conclusão N., a aplicação ao caso da alínea e) (inexigibilidade da obrigação) do mesmo art. 729.º. É que a inexigibilidade de que aí se fala tem a ver exclusivamente com o vencimento da obrigação, e não é isso que está aqui em causa.

Ora, o facto extintivo ou modificativo da obrigação a que se reporta a citada alínea g) só pode ser atendido nos embargos se for provado por documento (a que se deve acrescentar a confissão do exequente, por força do n.º 2 do art. 364.º do CCivil). Mas acontece que o Embargante não apresentou nenhum documento que prove a extinção ou a modificação da obrigação exequenda, sendo certo que ele próprio reconhece que não se chegou a formalizar qualquer acordo tendente à cessação dos alimentos.

É verdade que o Embargante não sustenta que o direito da Exequente não existe. O que sustenta, na realidade, é que o exercício do direito por parte da Exequente é ilegítimo, por abusivo. E, pela própria natureza das coisas, o abuso do direito não pode ser provado em si mesmo por documento.

Simplesmente, mesmo que estivéssemos perante uma situação de abuso do direito (e já vamos ver que nem sequer é o caso), nem por isso esse abuso poderia fazer extinguir a execução.

É que é preciso compreender que quando o título executivo seja uma sentença a lei é radical: não aceita discussões que ponham em causa a subsistência da obrigação judicialmente fixada, a menos que se prove a sua extinção ou modificação por documento (ou, repete-se, por confissão).

Sintomático deste rigor legal é o que diz José Lebre de Freitas (A Ação Executiva, 7ª ed., p. 201), e que aqui pode ser invocado com proveito: “… pode, por exemplo, uma obrigação estar extinta por contrato de remissão realizado verbalmente e, no entanto, esta extinção não ser invocável em oposição à execução, prosseguindo esta com base no título constitutivo dum direito insubsistente”.

E na nota 18 da referida página o mesmo autor observa: “A presunção estabelecida pelo título judicial quanto à existência da obrigação só pode ser destruída, na oposição à execução, por prova documental”.

E a seguir esclarece o seguinte: “… que pode fazer o executado que não tenha documento que lhe permita opor-se à execução e, no entanto, não deva? A solução está em propor uma ação declarativa para restituição daquilo que indevidamente pague em consequência do processo executivo”.

Sendo assim, como se afigura que não pode deixar de ser face à letra da lei, carece de razão o Recorrente quando sustenta que o acórdão recorrido decidiu mal ao não ter acolhido o abuso do direito em que o Embargante fundou a sua oposição.

Mais afirma o Recorrente que estão verificados os pressupostos da aplicação da figura do abuso do direito.

Embora se trate de questão cuja apreciação fica prejudicada face ao que vem de ser dito, sempre se acrescentará que o Recorrente não tem razão.

É que, como resulta do art. 334.º do CCivil, o abuso do direito só releva quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumem ou pelo fim social ou económico do direito. Como decorre de toda uma (quase inabarcável) produção jurisprudencial e doutrinária, o abuso de direito só existe em casos verdadeiramente excecionais, em casos de todo em todo gritantes, ofensivos do sentimento ético-jurídico dominante, clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais. Por isso, não basta, para se falar em abuso do direito nos termos e para os efeitos do art. 334.º do CCivil, que o titular do direito, ao exercer o direito, se exceda.

Como nos diz, por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2002 (Col Jur - Ac do STJ, 2002, tomo I, p. 53 e 54), o exercício de um direito só poderá ser havido como ilegítimo quando houver manifesto abuso, isto é, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante. E acrescenta o mesmo acórdão que “a utilização do abuso do direito não deve constituir panaceia fácil de toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respectivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo (…)”.

Ora, não vemos onde, no caso vertente, esta sempre exigível “grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante” possa residir.

Não se duvida que a circunstância de se saber (pontos 10 e 11 dos factos provados) que a Exequente se manifestou no sentido de exigir os alimentos apenas até ao final de 2008 e de, mesmo assim, ter vindo depois reclamar alimentos para além dessa data, possa ser vista objetivamente como revelando um comportamento leviano, incoerente, contraditório e frustrador de possíveis expetativas do Embargante.

Mas não se trata de um comportamento que traduza uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante, tanto mais que, inclusivamente (como alegado pelo Embargante), a cessação dos alimentos ficou sujeita a uma futura formalização que afinal nunca aconteceu. Esta conclusão de que o comportamento da Exequente não pode ser visto como traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante deve, entretanto, ser aproximada de um outro pormenor. É que, como bem se aponta no acórdão recorrido, os alimentos futuros não podem ser renunciados (art. 2008.º, n.º 1 do CCivil), e daqui que as declarações da credora no sentido de vir a abdicar de alimentos futuros são juridicamente inconsequentes (nulas). Repare-se até que essas declarações não significam necessariamente que a credora dos alimentos deixou de precisar deles (caso em que cessaria a obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 2013.º, n.º 1 alínea b) do CCivil), mas apenas que estava disposta a abdicar do direito a alimentos futuros. Trata-se de coisas muito diferentes no plano jurídico.

Donde, mesmo que o invocado abuso do direito pudesse ser atendido nos presentes embargos como fundamento válido à execução, sempre seria de concluir por um abuso irrelevante, no sentido de que não preenche a exigência nuclear do art. 334.º do CCivil. Ou seja e repetindo, não se mostra a existência de um excesso gritante, ofensivo do sentimento ético-jurídico dominante, clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais.

O que significa que nunca o direito que a Exequente veio exercer poderia ser paralisado á luz do instituto do abuso do direito.

Resta dizer, isto agora relativamente ao que consta da conclusão K., que não está provado por documento que as pensões vencidas em novembro e dezembro de 2008 foram pagas. Foi por essa razão que o tribunal recorrido expurgou do acervo dos factos provados (tal como constava inicialmente do ponto 2 dos factos provados) a menção a tal pagamento. E pelo que acima se expôs, esse expurgo teve inteiro fundamento legal, precisamente porque não fora apresentada prova por documento (nem existiu confissão da Exequente, espontânea ou provocada) no sentido da extinção pelo cumprimento da obrigação nessa concreta parte.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões Q. a S.:

Sustenta-se nestas conclusões que o acórdão recorrido é nulo, na medida em que decidiu oficiosamente modificar a decisão de facto sem ter dado oportunidade às partes de se pronunciarem e, como assim, de influenciarem a decisão de modificação.

É um facto objetivo que o tribunal recorrido não conferiu tal oportunidade às partes, afigurando-se- nos que assim não podia ter procedido.

Efetivamente, o art. 3.º, n.º 3 do CPCivil impunha que se tivesse dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre o assunto, sendo a todos os títulos evidente que não era caso de manifesta desnecessidade (basta até ver que a alteração oficiosa dos factos acabou por constituir a base essencial para a procedência da apelação).

Também a circunstância do tribunal se ter limitado a observar regras imperativas – argumento este invocado o acórdão subsequente que se pronunciou sobre as nulidades – não justificava por certo a não audiência das partes. Pelo contrário, era a circunstância de se estar perante regras imperativas legitimadoras da atuação oficiosa do tribunal que, precisamente, impunha essa audiência.

Portanto, cremos que se cometeu efetivamente a nulidade que o Recorrente aponta.

O problema, porém, é que a nulidade em causa vem invocada expressamente pelo Recorrente a título subsidiário, como derradeira questão aprecianda. A conclusão Q. é muito clara quanto a isso, reportando-se o Recorrente a uma “quinta e última questão suscitada no presente recurso, a título subsidiário”. O mesmo se diga do ponto VII do corpo da alegação e da parte final da alegação (recorde-se esta parte final: “Para o caso de ainda assim não se entender em nenhum dos sentidos defendidos, deverá, ainda assim, ser dado provimento ao presente recurso nos termos do alegado e requerido, subsidiariamente, supra no ponto VII, e, em consequência, declarada a nulidade decorrente da falta de cumprimento do contraditório invocada naquele ponto, o que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 195.°, do Código de Processo Civil, implica também a anulação dos actos ulteriores, ou seja, em concreto, a anulação do Acórdão recorrido”). E é precisamente por se estar perante uma questão suscitada a título subsidiário às demais que, tendo improcedido essas demais questões colocadas no recurso, é este o momento apropriado para apreciar a questão da nulidade por omissão do contraditório.

Ora, a forma como o Recorrente decidiu estruturar o seu recurso, subalternizando a nulidade em causa (contrariamente ao que fez com as demais nulidade que arguiu) à improcedência das outras questões que suscitou no recurso tinha as suas vantagens e os seus riscos para o Recorrente, e tem agora o seu preço. É que o Recorrente forçou este Tribunal a pronunciar-se previamente sobre a questão da procedência dos embargos, tanto na perspetiva de existir o alegado abuso do direito como na perspetiva do abuso do direito poder constitui fundamento dos embargos. E sobre estas matérias pronunciou-se este Tribunal nos termos supra expostos, do que resulta que essas questões não procedem. O que tem por consequência necessária a confirmação do acórdão recorrido.

Deste modo, bem se vê que a nulidade agora em causa é absolutamente inconsequente, por juridicamente insuscetível de inverter o desfecho da causa. Dado que improcedem as questões colocadas no recurso a título principal - o que tem como efeito a confirmação do acórdão recorrido - a nulidade em causa tem que se considerar como convalidada. A não ver assim as coisas, o absurdo salta à vista: se o acórdão recorrido fosse anulado para se cumprir o contraditório que foi omitido, a decisão a proferir adrede sobre a apelação teria que ser necessariamente a mesma que foi anteriormente proferida, por isso que tal decisão se imporia por força do decidido no presente acórdão! A audiência do Embargante seria um ato inútil e o contraditório (aliás já exercido para todos os efeitos no presente recurso) não serviria para nada!

E, do mesmo passo, decidindo-se no presente acórdão que a decisão tomada no acórdão recorrido foi legal e que os embargos improcedem na parte em que improcederam na instância ora recorrida, fica a discussão suscitada nos embargos definitivamente arrumada (forma-se caso julgado, no figurino de autoridade), não se concebendo a possibilidade legal de retomar essa discussão e de se vir (eventualmente) a decidir de forma favorável ao Embargante.

Improcedem assim (com o sentido e pelas razões que acabam de ser expostos) as conclusões em destaque.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do recurso.

                                            ++

Lisboa, 4 de julho de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo


sumário (art.s 663º, n.º 7 e 679.º do CPCivil):