Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
69/18.1YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: JUIZ
PARTIDO POLÍTICO
CÂMARA MUNICIPAL
IMPARCIALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
ADVERTÊNCIA REGISTADA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
DEVERES FUNCIONAIS
SUSPEIÇÃO
IMPEDIMENTOS
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE DIREITO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
NON BIS IN IDEM
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
MEIOS DE PROVA
REJEIÇÃO
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE A PRESENTE ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PRINCIPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES.
Doutrina:
- Abel Antunes e David Casquinha, Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico-Disciplinar da LTFP, Rei dos Livros, 2018, p. 699-700;
- Américo Taipa de Carvalho, Apud Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, p. 676;
- Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar da Função Pública, Vol. II, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2007, p. 170;
- Andrés lbanez, La resistible tentación de la disciplina, Jueces para da Democracia - Información y Debate, n.° 18, 1, 1993, p. 13-17;
- António Francisco de Sousa, Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Qui Juris Editora, 2009, p. 194 e 195;
- Henrique Salinas, Os Limites Objectivos do Ne Bis in Idem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, p. 147;
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 497;
- Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar, p. 27 a 32;
- Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II vol., 9.ª edição, p. 810;
- Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo 1, Dom Quixote, p.202;
- Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª edição, Almedina, p. 1346/1347;
- Mário Esteves de Oliveira e Pedro Costa Gonçalves e J.Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, p. 307 e 308;
- Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2009, p. 43;
- Pedro Fernandez Sanchez, Comentários do Novo Código do Procedimento Administrativo, vol. II, 3.ª ed., 2016, p. 120 a 122.
Legislação Nacional:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 32.º, 82.º, 85.º, N.º 1, 90.º, 95.º, N.º 1 E 178.º.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP): - ARTIGOS 73.º, N.º 1, 2, ALÍNEA A) E 3, 216.º, N.º 1 E 218.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 266.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 7.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 21-03-2013, PROCESSO N.º 19/13.1YFLSB;
- DE 31-03-2016, PROCESSO N.º 14/14.3YFLSB, IN SASTJ, SECÇÃO DE CONTENCIOSO, BOLETIM ANUAL, 2016, ASSESSORIA CONTENCIOSO;
- DE 24-11-2016, PROCESSO N.º 3/16.3YFLSB;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 59/16.9YFLSB, IN SASTJ, SECÇÃO DO CONTENCIOSO, BOLETIM ANUAL 2017, ASSESSORIA DO CONTENCIOSO;
- DE 04-05-2017, PROCESSO N.º 26/16.2YFLSB;
- DE 30-05-2017, PROCESSO N.º 61/16.0YFLSB, SASTJ, SECÇÃO DO CONTENCIOSO, BOLETIM ANUAL 2017, ASSESSORIA DO CONTENCIOSO;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 67/17.2YFLSB;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 7/18.1YFLSB;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 5/18.3YFLSB;
- DE 22-01-2019, PROCESSO N.º 65/18.0YFLSB;
- DE 09-04-2019, PROCESSO N.º 75/18.6YFLSB, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE:

- DE 10-05-2012, PROCESSO N.º 47/10.9BEBRG, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 16/14.0YFLSB.
Sumário :

I - O STJ, nesta Secção do Contencioso, vem considerando ser defensável, mesmo fora do campo dos procedimentos sancionatórios, uma interpretação actualista das normas dos arts. 168.º, n.º 5, e 178.º do EMI (Lei n.º 21/85, de 30-07).

II - O princípio do inquisitório implica para a Administração um poder-dever de acção na procura, selecção e avaliação dos factos que considera relevantes para o procedimento e seu desfecho final.

III - O princípio do inquisitório permite, numa perspectiva negativa, a pura recusa em se abrir qualquer período de produção de prova, se for entendido o seu carácter desnecessário ou supérfluo à luz da verdade material já conhecida, ou de recusa, mesmo quando aberto o período de produção de prova, de tudo o que for impertinente ou dilatório.

IV - No que especificamente respeita à produção da prova em procedimento disciplinar, dispõe o n.º 1 do art. 216.º da LGTFP que o trabalhador pode requerer quaisquer diligências, sendo que, como decorre do n.º 1 do art. 218.º do mesmo diploma, o instrutor pode rejeitá-las quando as mesmas sejam manifestamente impertinentes e desnecessárias, não tendo de realizar diligências irrelevantes ou dispensáveis do ponto de vista da produção de prova, designadamente porque se destinam a provar factos relativamente aos quais já não subsistem quaisquer dúvidas ou por serem notoriamente despropositadas ou sem qualquer relação com o objecto do processo.

V - A suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objecto de recurso contencioso, o mesmo sucedendo com a ocorrência de erros grosseiros que impossibilitem uma decisão correcta e rigorosa do aspecto jurídico da causa, tal não implicando, porém, que se proceda a uma reapreciação da prova e, com base nela, se adquira uma nova convicção assente nos elementos de prova constantes do processo, mas antes e tão só, que se aprecie a razoabilidade e a coerência da correlação entre os factos que a entidade recorrida considerou provados e os elementos de prova que empregou para formar a sua convicção.

VI - O controlo da suficiência probatória pelo STJ não pode consistir na reapreciação da prova nem na formulação de nova e diferente convicção perante os elementos de prova constantes do processo, antes se remetendo à apreciação da razoabilidade e coerência da relação entre os factos considerados provados (os que sejam delimitados pela acusação disciplinar ou que sejam incluídos no modelo pertinente de defesa) e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção. É, pois, insuficiente a manifestação da mera discordância com o decidido em matéria de facto ou a alegação de que a decisão tomada carece de fundamentação e de factos que a sustentem.

VII - A propósito da alegada violação do princípio ne bis in idem, afirma o autor que, «tendo o incidente de suspeição sido suscitado no processo eleitoral, mostra-se esgotado o poder jurisdicional sobre a suspeição em causa, pelo que não pode o presente processo disciplinar, voltar a apreciá-la, desta feita num prisma administrativo, de violação do interesse público, no âmbito da organização do sistema de turnos, ao arrepio da doutrina e da jurisprudência».

VIII - Os factos relativos à invocada suspeição do autor não chegaram, porém, a ser apreciados no processo eleitoral, sucedendo que a invocação da violação do princípio ne bis in idem, bem como a alegada contradição que lhe é associada, decorrem de uma errada interpretação e compreensão da deliberação impugnada.

IX - Na verdade, a existência de figuras processuais como o impedimento, recusa ou escusa em situações de fundadas dúvidas acerca da imparcialidade de um juiz, não se confundem, nem eximem o cumprimento dos deveres estatutários que impendem sobre os magistrados judiciais. Como tal, não é pelo facto de processualmente uma das partes ter suscitado o incidente de suspeição, que fica prejudicada a ponderação da relevância disciplinar da conduta do autor.

X - De acordo com os factos apurados, o autor sabia que que as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância numa determinada organização partidária, à atividade política por si desenvolvida a favor da mesma, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com um e com outro dos candidatos a uma Câmara Municipal nas eleições autárquicas de 2013 e, ainda, ao facto de, a seu convite, um desses candidatos ter sido seu padrinho de casamento, eram suscetíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável no processo eleitoral relativo à autarquia, nomeadamente à candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores, virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade e, apesar disso, para além de não ter dado conhecimento dessas circunstâncias à senhora juíza presidente da comarca ou ao CSM, não diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral relativo àquela autarquia.

Sabia o autor que as circunstâncias referidas podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efetivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes, podendo e devendo ter agido de forma a evitar esse resultado.

XI - O erro nos pressupostos de facto consubstancia um vício de violação da lei e consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação no caso concreto, resultando no facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.

XII - O erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correcta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos, numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação).

XIII - A matéria de facto considerada provada na deliberação impugnada constitui base bastante para a conduta do impugnante ser sancionada em sede disciplinar, como foi, não procedendo a pretensão do autor no sentido de uma diferente análise ou valoração e interpretação dos pressupostos de facto que determinaram a deliberação impugnada. Tal pretensão não determina que a deliberação em causa esteja inquinada do vício de erro sobre os pressupostos de facto, os quais subjazem e justificam a referida deliberação.

XIV - Sendo que o CSM dispõe de uma margem de discricionariedade no exercício da sua tarefa de densificação – atendendo às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso – da cláusula geral do art. 82.º do EM], motivo pelo qual a sindicabilidade judicial desse exercício apenas poderá radicar na ocorrência de erro manifesto ou grosseiro ou na adopção de critérios ostensivamente desajustados, situação que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço. No âmbito da apreciação dos pressupostos jurídico-factuais e perante todos os elementos de facto apurados, a deliberação impugnada mostra-se ajustada.

XV - O dever de prossecução do interesse público encontra-se previsto no art. 73.º, n.º 3, da LGTFP, aplicável ex vi art. 131.º do EM], e consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, sendo entendido como o dever de defender esse mesmo interesse público, o que aponta para a obrigação de o funcionário nortear toda a sua atuação no sentido de prosseguir aquele interesse, adotando os comportamentos que sejam exigíveis a esse fim e abstendo-se de toda e qualquer atuação que comprometa a sua realização.

XVI - Não obstante o elevado grau de indeterminação de que se reveste o conceito de interesse público, não subsistem quaisquer dúvidas, de que, para além do dever funcional da imparcialidade que, nas suas vertentes objectiva e subjectiva, enforma toda a actividade jurisdicional do juiz, a compreensão externa da sua imparcialidade é um bem jurídico a tutelar, na medida em que a compreensão/ideia que os cidadãos têm da imparcialidade do juiz constitui um dos pilares fundamentais da confiança que depositam na boa administração de justiça.

XVII - Concorda-se com conclusão extraída na deliberação impugnada nos termos da qual, o autor contribui de forma culposa/censurável para o resultado desvalioso ocorrido, pelo que incorreu em responsabilidade disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público, pois com a sua conduta abalou a confiança pública no sistema judicial - cfr. arts. 73.º, n.º 1, 2, al. a), e 3, da LGTFP, devendo consequentemente, face ao disposto nos arts. 32.º e 82.º do EMJ, ser sancionado disciplinarmente.

XVIII - Para que ocorra uma infracção disciplinarmente sancionável, toma-se necessário que ocorra uma conduta ilícita, ou seja, que o agente se comporte de modo a contrariar ou a contrapor-se a «uma norma preceptiva ou proibitiva ou como regra convencional», surgindo, em regra, a ilicitude, como elemento constitutivo do conceito de infracção disciplinar, recortada pela violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que o funcionário ou agente exerce.

XIX - Do mesmo passo, para que possa ser imputada uma responsabilidade disciplinar a um agente, deve sacar-se o elemento culposo da conduta ou comportamento contrário a uma prescrição legal, preceptiva ou proibitiva, traduzindo-se a culpa numa realização ou manifestação de vontade dirigida à concretização de um desiderato que, na sua afirmação e desenvolvimento executivo, se prefigura como contrário a um dever ou a uma regra de conduta a que, funcionalmente, o agente está adstrito.

XX - O princípio da proporcionalidade tem consagração constitucional no art. 266.º, n.º 2, da CRP e é desenvolvido no art. 7.º, n.º 2, do CPA, nos termos do qual as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições jurídicas na medida do necessário e em termos proporcionais aos objectivos a realizar.

XXI - Ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de determinação da medida concreta da pena, a administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de 'justiça administrativa", movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.

XXII - À luz do princípio da proporcionalidade, da análise do caso vertente, consideramos que não existem elementos que legitimem a conclusão de que a pena aplicada – advertência registada – esteja em desconformidade patente com a infracção disciplinar sancionada.

XXIII - Perante o enquadramento legal sancionatório (cfr. arts. 85.º, n.º 1, 90.º e 95.º, n.º 1, todos do EMJ), e tendo presente todo o circunstancialismo fáctico que foi apurado, a sanção aplicada - advertência - não é desproporcionada aos fins visados pela lei, ou que traduza a imposição de um sacrifício excessivo e desproporcionado para a posição jurídica do autor justificando-se, por razões de prevenção, o seu registo, não se vislumbrando ofensa do princípio da proporcionalidade.

Decisão Texto Integral:

  Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso:

 I - RELATÓRIO

  1. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, doravante designado por CSM, adoptada na sessão de 12 de Junho de 2018, o Senhor Juíz ..., Dr AA foi sancionado com «uma pena de “advertência” pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação do dever funcional de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de actuar de não abalar a confiança pública no sistema judicial) prevista nos artigos 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.os 1, 2, alínea a) e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, “ex vi” do artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais», com anotação no seu registo biográfico.

  2. Inconformado, apresentou «recurso contencioso (rectius, acção administrativa)» para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo pela procedência da presente acção e:

«em consequência, ser a douta deliberação declarada nula ou anulada por erro manifesto na apreciação da prova, por omissão de pronúncia, por omissão de diligências de prova, erro nos pressupostos jurídico-factuais, nomeadamente por contradição entre os fundamentos e a decisão, inexistência de violação do interesse público, violação do princípio "ne bis in idem" e violação do princípio da proporcionalidade, nos termos dos artigos 162.º e 163°, ambos do CPA, com as legais consequências».

 3. Cumprido o disposto no artigo 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o CSM apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso.

 4. Na sequência da notificação, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 176.º do EMJ, alegaram:

4.1. O recorrente, doravante A., suscitou a questão prévia relativa à «tramitação do recurso dos autos» e concluiu pela procedência da acção e, em consequência, anulada a deliberação impugnada, em conclusões que se transcrevem:

            «CONCLUSÕES

(1.ª) A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168.º a 178.º do EMJ;

(2.ª) Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num "privilégio" (inconstitucional) do Conselho Superior da Magistratura relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais];

(3.ª) Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM;

(4.ª) Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem;

(5.ª) Neste sentido, assim tem sido a mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que é exemplo o douto Acórdão do TEDH de 21 de junho de 2016, [Requêtes n.º 9023/13 e 78077/13 (CEDH, art°- 6.º§1,violação), disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#f%22itemid%22:r%220Ql-3823%22]);

(6.ª) A deliberação impugnada do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 12 de junho de 2018, que decidiu aplicar ao A. a pena disciplinar de Advertência Registada [p]ela prática de uma infração disciplinar consubstanciada na violação do dever funcional de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de actuar no sentido de não abalar a confiança pública no sistema judicial) prevista nos artigos 82° do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.ºs 1,2, alíneas a) e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, "ex vi" do artigo 131.º do Estatuto dos magistrados Judiciais, enferma de invalidades várias, razão pela qual deverá ser declarada nula ou anulada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) e l63°, n.º 1, ambos do CPA;

(7.ª) Primeiro, porque a matéria de facto dada como provada não retrata corretamente a realidade e é manifestamente insuficiente porquanto: (i) é omissa quanto aos factos resultantes dos depoimentos prestados pelas testemunhas, Dr. BB, Dr. CC, Dra. DD - que nem sequer constam do rol de factos não provados; (ii) os factos dados como provados n.ºs 43 e 44.º não tem qualquer sustentação de prova e no essencial concretizam antes conclusões (iii) não foram aprovados quaisquer factos quanto à idoneidade do A., não obstante em sede de Defesa o, então Arguido, tenha feito prova disso;

(8.ª) Segundo, porque decorre da deliberação impugnada omissão de pronúncia quanto a vários factos trazidos à colação pelo A., designadamente a deliberação impugnada em sede de motivação: (i) não esclarece nem sequer se pronuncia porque é que aquando do processo eleitoral do Município de ... de 2013, em que eram intervenientes os mesmos candidatos do processo eleitoral em apreço, não foi considerado que o ora A., ao nele participar, não incorreu em qualquer violação dos seus deveres funcionais, sendo certo que a propósito do processo eleitoral do Município de ... de 2017, já incorre; (ii) e nada refere quanto ao facto de que não haver juízes disponíveis para assegurar o turno do processo eleitoral da autarquia de ..., tendo sido neste contexto que o ora A. se voluntariou para assegurar tal turno, até porque já tinha experiência na matéria decorrente, pelo menos, do processo eleitoral anterior;

(9.º) Terceiro, porque há omissão de diligências essenciais de prova que se revelam essenciais para a descoberta da verdade material dos factos e que, caso tivessem sido realizadas retirariam a ilicitude disciplinar à conduta imputada ao A, como sejam: a) não apuramento das razões pelas quais o turno não foi efetuado pelos Juízes da Comarca de ... e o contexto em que surge o ora A. a assegurar esse turno; b) a audição do ora A. ter sido realizada depois de o Exmo. Senhor Instrutor ter ouvido a Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca, o que, em rigor viola o princípio da presunção de inocência, na sua conformação como princípio de apreciação de prova (princípio in dubio pro reo); c) incerteza quanto à fonte que determinou o apuramento das anteriores relações profissionais do ora A.; d) não apuramento das circunstâncias em que a diligência telefónica foi recebida pelo ora A.; e) não audição presencial do ora A, o que viola, também, o princípio do processo equitativo (cf. artigo 69 CEDH) por não ter sido dado possibilidade de refutar o depoimento da Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca com prova de igual valor.

(10.ª) O R. ao não ter realizado todas as diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material dos mesmos, age, em última instância, em estrita violação do princípio do inquisitório, princípio subjacente ao artigo 115.º do CPA, o qual determina que o R. está obrigado a um esforço oficioso [n]o sentido do completo esclarecimento da verdade material dos factos pois só com ela o interesse público é compatível (in Luiz S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1- Edição, Coimbra Editora,2015, pág. 412);

(11.ª) Quarto por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: contradição entre fundamentos e a decisão, inexistência de violação do interesse público e violação do princípio "ne bis idem" porque atentos os factos apurados, o ora A. norteou a sua atuação, enquanto juiz de turno ao processo eleitoral da Autarquia de ..., em estrita obediência à Lei e à Constituição; depois, ainda, que tivesse existido a suposta violação do dever funcional de prossecução do interesse público, sempre seria inequívoco concluir que não resultou qualquer prejuízo para o serviço;

(12.ª) Acresce que, atento o incidente de suspeição suscitado no processo eleitoral, por um lado, e visando as garantias de isenção e imparcialidade assegurar a confiança na administração da justiça, a qual é um objetivo do serviço, por outro lado, se não existe dever de o A. de as suscitar jurisdicionalmente por via da figura da suspeição, como considerou a deliberação impugnada, e, também não se encontrando numa situação de

impedimento, não pode, de todo, considerar-se existir violação do princípio de prossecução do interesse público, ao não suscitar o A. para fins administrativos a dispensa do processo eleitoral em apreço;

(13.ª Por outro lado, ainda, ao considerar excluída o ilícito da omissão do A. em suscitar a suspeição, ao abrigo da liberdade de consciência, no âmbito da qual considera caber ao próprio Juiz, na sua livre convicção, decidir se existem ou não, motivos de suspeita que o levem a pedir escusa, mas ao punir essa mesma omissão no plano do interesse público, o R. aprecia duas vezes o mesmo facto omissivo, o que é ilegal por violação do ne bis in idem (art. 27.º, n.º 5 do CRP);

(14.ª) Quinto por não preenchimento do elemento objetivo do tipo disciplinar. De facto, não obstante a imputação feita pelo R. ao A., o certo é que, pelo menos dois elementos do tipo ilícito não se verificam, nomeadamente o relativo à culpa, aqui a título de negligência, e o relativo ao dano;

(15.ª) Quanto à negligência, não se podia exigir ao A., no âmbito da organização do serviço de turno, o dever interno de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente, muito menos o dever externo, de agir, com vista à sua remoção;

(16.ª) Quanto ao dano, de igual modo, não se verifica o seu preenchimento, visto que não foram colocados em causa quaisquer bens jurídicos concretos, o que é de todo de manifesta relevância, pois que a infração disciplinar não é uma infração de perigo, antes pressupõe a ocorrência de um dado resultado prejudicial ao serviço (vide neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA E CÁTIA ARRIMAR in Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas, l.º Volume, Coimbra Editora, 2014, pág. 544);

(17.ª) Assim, sancionar o A. com a violação do dever de prossecução do interesse público com base na difusão noticiosa do assunto em causa, quando não lhe era exigido outro comportamento, nem o seu comportamento pôs sequer em causa algum bem jurídico, significa uma leitura ilegal do artigo 73.º, n.º 2, alíneas a) e n.º 3, da LTFP;

(18.ª) Sexto por violação do princípio da proporcionalidade na medida em que a deliberação impugnada se limitou a considerar que a pena de advertência aplicada carece de ser registada por razões de prevenção, sem especificar, contudo, quais ou mencionar quaisquer circunstâncias atenuantes. Tão-pouco a deliberação impugnada equaciona sequer a eventual aplicação ao A. de uma pena de advertência não registada, tal como se lhe impunha;

(19.ª) Pelo contrário, a deliberação impugnada limitou-se a considerar que a pena de advertência aplicada carece de ser registada, por razões de prevenção, sem especificar, contudo, quais ou mencionar quaisquer circunstâncias atenuantes. Tão-pouco a deliberação impugnada equaciona sequer a eventual aplicação ao A. de uma pena de advertência não registada, tal como se lhe impunha.

(20.ª) Como decorre do princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP e n.º 2 do artigo 7.º do CPA, o R., no exercício dos seus poderes discricionários, devia adotar, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir os fins legais e prosseguir os interesses públicos, aquelas que impliquem menos sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica do A.

(21.ª) Na verdade, quando as atenuantes se apresentam de tal forma relevantes (tal como ocorre in casu), deverá o órgão competente para decidir subtrair-se da punição, optando, ao invés, por não aplicar qualquer tipo ou medida de pena, ou por aplicar uma pena menos grave (cf., neste sentido, RAQUEL CARVALHO, Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, p. 91), o que, aliás, deveria ter ocorrido no caso sub judice.

(22.ª) Nesse sentido, refere, entre outros, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.11.2012, proferido no processo n.º 00691/10.4BECBR:

Em sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis".

(23.ª) Destarte, face às circunstâncias que rodearam a prática da alegada violação do dever funcional de prossecução do interesse público e ponderadas as circunstâncias atenuantes que se verificam, a ser aplicada sanção disciplinar ao A. aquela que de todo se mostra mais adequada e proporcional é a pena de advertência não registada e não outra.»

 4.2. O CSM apresentou igualmente alegações onde reitera o entendimento de que a deliberação impugnada não padece de qualquer invalidade.

  5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal acompanha a posição do CSM, subscrevendo, na sua generalidade, a argumentação desenvolvida, pronunciando-se pela improcedência da acção impugnatória.

6. Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, e realizada a audiência, cumpre decidir.

       II - FUNDAMENTAÇÃO

        1. O objecto do recurso

  Na esteira da jurisprudência firme e pacífica da Secção de Contencioso deste Tribunal, há que considerar que são as alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4, do CPTA).

  Assim, e reapreciando as alegações produzidas pelo A. nos presentes autos, temos que a questão a decidir se resume a determinar se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16 de junho de 2018 (deliberação impugnada) deve ser invalidada por padecer dos vícios que lhe são imputados.

 Concretamente, pede-se a anulação da deliberação impugnada:

- Por omissão de pronúncia;

- Por omissão de diligências essenciais de prova;

- Por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais;

- Por não preenchimento do elemento objectivo do tipo disciplinar;

- Por violação do princípio da proporcionalidade quanto à sanção aplicada.

    2. Questão prévia

                       

      A título de questão prévia, sustenta o A. que a tramitação do recurso tem de ser a da acão administrativa (de impugnação de atos) do CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168.º a 178.º do EMJ.

 A questão prévia que o A. suscita não tem qualquer repercussão prática para o exame e decisão do pedido formulado neste recurso/acção administrativa que é, reafirma-se, a declaração da nulidade ou anulação da deliberação do Plenário do CSM de 12 de junho de 2018, por alegada verificação dos vícios já supra enunciados. Deparamo-nos, pois, perante questão que não configura circunstância que obste ao conhecimento do mérito do pedido aqui formulado pelo A.

    Diga-se, entretanto, que, relativamente à invocada «remissão dinâmica» estabelecida no artigo 178.º do EMJ e sua aplicação actualista em função do novo regime do processo nos tribunais, o Supremo Tribunal de Justiça, nesta Secção do Contencioso, vem considerando, como consta no recente acórdão de 22-01-2019, «[ser] defensável, mesmo fora do campo dos procedimentos sancionatórios [[1]], uma interpretação atualista das normas dos artigos 168.º, n.º 5, e 178.º da Lei n.º 21/85: quando estas entraram em vigor, o regime dos trâmites dos recursos de contencioso administrativo para impugnação das decisões e deliberações definitivas e executórias dos membros do Governo, interpostos directamente para o STA, eram os do Regulamento desse Tribunal (aprovado pelo DL nº 41 234, de 20/8/1957), mas, hoje, se o art. 24º, nº 1, do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19/2) contém disposição de alcance idêntico quanto à competência (directa) do STA para a impugnação dos actos do Governo, o certo é que, à luz do CPTA, deixou de estar prevista uma diferença de tramitação da ação administrativa em 1.ª instância, quer a respectiva competência seja dos tribunais administrativos, quer, directamente, da l.ª Secção do STA.

           

 Como igualmente se refere quanto a este tópico no acórdão deste Secção de 09-‑04-2019, proferido no processo n.º 75/18.6YFLSB[2]:

            «Assim sendo, a remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, do EMJ, é agora feita para a ação administrativa, como decorrência necessária de terem sido revogados pelo artigo 6º, da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, a Parte IV, do Código Administrativo, que se reportava ao contencioso administrativo, bem como o Decreto-‑Lei n.º 41.234, de 20 de agosto de 1957, que aprovara o Regulamento do STA e a LPTA.

        Ora, determina o artigo 168º, n.º 5, do EMJ, que “constituem fundamentos do recurso [das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça] os previstos na lei para os recursos a interpor dos atos do Governo”.

       De acordo com o artigo 178º, do CSM, são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

        Por sua vez, estabelece o artigo 191º, do CPTA, que as remissões feitas por lei especial para o regime do recurso do contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa.

       O artigo 192º, do mesmo Código, dispõe que “sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações”.

       Ora, o artigo 191º, do CPTA, esclarece que as remissões feitas em disposições avulsas para o regime do Código Administrativo, do Regulamento do STA e da LFTA, que regulavam, conjugadamente, o processo de recurso contencioso de anulação de atos administrativos, se consideram agora efetuadas para a forma que corresponde no CPTA.

       Essa forma de processo, na sequência da eliminação, pela revisão de 2015, da antiga distinção entre ação de administrativa comum e a ação administrativa especial, é agora a ação administrativa, cuja tramitação está regulada nos artigos 37º e seguintes, e que corresponde ao processo declarativo comum em contencioso administrativo.

        Assim sendo, a remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, do EMJ, é agora feita para a ação administrativa, como decorrência necessária de terem sido revogados pelo artigo 6º, da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, a Parte IV, do Código Administrativo, que se reportava ao contencioso administrativo, bem como o Decreto-‑Lei n.º 41.234, de 20 de agosto de 1957, que aprovara o Regulamento do STA e a LPTA.

       Na verdade, o artigo 191º, do CPTA, transformou as referências feitas em legislação extravagante em remissões dinâmicas para a nova ação administrativa [[3]].

        Neste sentido se pronunciaram Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha [[4]] quando referem que assim sucede, designadamente com a norma do artigo 168º, do EMJ, que manda aplicar subsidiariamente ao processo de recurso contencioso das deliberações do CSM, impugnáveis perante o STJ, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos contenciosos interpostos para o STA […]”.

       Quanto à extensão de aplicabilidade do CPTA, prevista no artigo 192º, dizem os mesmos Comentadores[5], que “este artigo torna extensivo o regime do CPTA aos litígios relativos a relações jurídico-‑administrativas que sejam da competência de tribunais não administrativos, desde que não exista lei especial a regular a respetiva tramitação.

            [….]

  Importa, todavia, ter presente que a extensão de aplicabilidade do CPTA só tem lugar se a lei avulsa que atribui competência em matéria administrativa a outra ordem jurisdicional não contiver, ela própria, normas específicas que regulem a respetiva tramitação. É o que decorre com toda a evidência da ressalva contida no segmento inicial do preceito («sem prejuízo do disposto em lei especial»). Sucede, por outro lado, que a normação específica tanto pode ser constituída por preceitos que regulem diretamente os trâmites a seguir, como preceitos que se limitem a remeter ou mandar aplicar subsidiariamente uma outra lei.

       É o que, designadamente, acontece com o EMJ, que regula, nos artigos 168º e seguintes, os termos dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, cujo conhecimento pertence ao STJ. Estas disposições estabelecem uma regulamentação própria, que naturalmente se sobrepõe ao disposto no presente artigo 192º. Entre essas disposições encontra-se a norma do artigo 178º, do Estatuto, que prevê a aplicação subsidiária do regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA, e que deve ser lida, em sintonia com o disposto no artigo 191º, do CPTA, como constituindo uma remissão dinâmica parra o regime deste Código. Essa norma remissiva não deixa, porém, de integrar a regulamentação própria dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, o que significa que estes recursos se regem pelo disposto nos artigos 168º a 177º e, nos aspetos não expressamente regulados, pelo CPTA, aplicável subsidiariamente” – nossos sublinhados.

Em conformidade, o “recurso” das deliberações do CSM [que se devem ter como atos formalmente administrativos] é, em particular, regulado pelas normas contidas nos artigos 168º a 177º, do EMJ, e subsidiariamente pelos artigos 37º, n.º 1, alínea a), 50º e seguintes, do CPTA, que disciplinam a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, e, ainda supletivamente, pelo Código de Processo Civil [CPC] “ex vi” do artigo 1º, do CPTA.

 Foi o que se decidiu, recentemente, no acórdão de 21 de março passado, proferido no Processo n.º 79/18.9YFLSB, desta Secção do Contencioso e Supremo Tribunal, cujo sumário, relativo a esta questão, é o seguinte:
1. A remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, ambos do EMJ, para o regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA, deve ser lida, em sintonia com o disposto no artigo 191º, do CPTA, como constituindo uma remissão dinâmica para o regime deste Código.
2. Assim, essa remissão é agora feita para a nova ação administrativa – artigos 37º e seguintes do CPTA.
3. Com a alteração feita pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, ao CPTA, passou a ser possível, relativamente a atos de conteúdo positivo, a cumulação de pedidos na ação de impugnação, nomeadamente do pedido de anulação do ato administrativo praticado com o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido – normas conjugadas dos artigos 67º, n.º 4, alínea b), 66º, n.ºs 3 e 4, alínea c), e 4º, n.º 1, alínea c), todos do CPTA.»

           Nesta perspectiva, convocando de novo o citado acórdão desta Secção de 22-01-‑2019, sem perder de vista a limitação posta pela linha traçada pelos artigos 3.º, n.º 1, 50.º e 95.º, n.º 3, todos do CPTA, ex vi artigos 168.º, n.º 5, e 178.º da Lei n.º 21/85[6], entendemos que, ainda que nesses circunscritos termos, já é possível suscitar a apreciação por este Tribunal de determinados pontos da fundamentação factual da decisão do órgão administrativo, desde que devidamente identificados e o interessado demonstre a justificação e a necessidade da impugnação deduzida.

  3. A fundamentação de facto – factos provados e factos não provados – e a motivação da deliberação em que assenta a deliberação impugnada

   3.1. Factos provados

 1.    Por decisão de 30.07.2007 do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM, AA foi nomeado Juíz ... em regime de estágio e colocado no Tribunal Judicial da Comarca de ..., após o que foi nomeado Juíz ... e sucessivamente colocado:

-   No Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde tomou posse a

02.092008;

 - No 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de ... (auxiliar);

 -  No Tribunal Judicial da Comarca do ... (auxiliar);

-           No Tribunal Judicial da Comarca de ... (auxiliar);

-           No Tribunal Judicial da Comarca de ... - Instância Local de ... - Secção Cível - Juiz ... (efetivo);

-           No Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Local Cível de ... - Juiz 3 (efetivo) - Deliberação do CSM de 11.07.2017;

2.    Do seu certificado do registo individual constam as seguintes classificações:

 -     "Bom" - Tribunal Judicial da Comarca de ...;

-  "Bom com Distinção" – 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de ..., Tribunal Judicial da Comarca do ... e Tribunal Judicial da Comarca de ...;

 3.         Não tem antecedentes disciplinares registados,

 4.  Em data anterior a Dezembro de 2016, a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... encetou diligências no sentido da organização dos turnos ao processo eleitoral (eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais), propondo várias hipóteses e sugerindo a colaboração dos Juízes dessa comarca;

 5.     Na sequência do referido em 4 o Sr. Juiz arguido ofereceu-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 10 de agosto e a colaborar, se necessário, no mesmo período, no serviço de turno ao processo eleitoral no município de ...;

  6.       Em 23.02.2017, o Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura homologou o mapa de turno ao processo eleitoral referente à Comarca de ...;

 7.       De acordo com o mapa referido em 6, o Sr, Juiz arguido ficou incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 8 de agosto e do serviço de turno ao processo eleitoral nos municípios de ... e ... nos dias 9 e 10 de agosto;

  8.       No dia 06.03.2017, perante os associados da "Associação ... ...", o Sr. Dr. FF tornou pública a sua intenção de se candidatar à Câmara Municipal de ... nas eleições autárquicas de 2017;

  9.      No dia 26.04.2017, nos jardins do Palácio ..., o Dr. GG apresentou, em ato público, a sua candidatura à Câmara Municipal de ... nas eleições autárquicas de 2017;

10. Por Decreto do Governo, aprovado em Conselho de Ministros de 30 de março de 2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 12 de maio de 2017, a realização das eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais foi agendada para o dia 1 de outubro de 2017;

11.      No dia 20.05.2017, a Comissão Nacional de Eleições publicou na sua página da internet (www.cne.pt) o mapa calendário das operações eleitorais (eleições gerais para os órgãos das autarquias locais);

12.     No dia 10.07.2017, a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... determinou a remessa aos Senhores Juízes de turno ao processo eleitoral do mapa referido em 11, o que, nessa data, foi cumprido;

13.     No dia 12 de julho de 2017 foi divulgada a todos os juízes a Circular n.º 4/2017 do CSM;

14.     Dessa circular consta, além do mais, que: "De 8/8/2017 a 14/8/2017, o juiz verifica a regularidade do processo, a autenticidade dos documentos que o integram e a elegibilidade dos candidatos";

15.      A partir de 1999/2000, o Sr. Juiz arguido foi militante da Juventude ... e, posteriormente, do Partido ..., tendo desenvolvido atividade política a favor desse partido;

16.       No âmbito dessa militância o Sr. Juiz conheceu o Sr. Dr. FF e o Sr. Dr. GG;

17. Em 17.06.2004, foram eleitos para a comissão política de ... do ...., entre outros:

-           O Sr. Dr. GG, como Presidente da Assembleia;

-           O Sr. Dr. FF, como Presidente;

-           O Sr. Juiz arguido, como vogal;

18. No dia 07.07.2005, na sequência da publicação da lista final de graduação dos candidatos admitidos à frequência do ... Curso Normal de Formação de Magistrados, o Sr. Juiz arguido pediu a suspensão da militância no Partido ...;

 19.      Em 12.04.2007, o Partido ... considerou o Sr. Juiz arguido definitivamente desfiliado desse partido;

  20.      O Sr. Juiz arguido convidou o Sr. Dr. FF para ser seu padrinho de casamento, o que o mesmo aceitou;

21.     O Sr. Juiz arguido contraiu casamento no dia 13 de junho de 2009;

 22.      A mulher do Sr. Juiz arguido trabalha para uma empresa que presta serviços ao SIMAS (Serviços Intermunicipalizados de Água e Saneamento de ... e da ...);

  23.      O Sr. Dr. FF é Presidente do Conselho de Administração do SIMAS;

  24.      Nas eleições autárquicas de 2013, o grupo de cidadãos "GG ... EE" apresentou candidatura à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ..., apresentando como candidato à Câmara Municipal o Sr. Dr. FF e como candidato à Assembleia Municipal o Sr. Dr. GG;

 25.      No âmbito do processo eleitoral de 2013 (eleições gerais para os órgãos das autarquias locais), um cidadão apresentou reclamação relativa à lista de proponentes do grupo de cidadãos "GG ... EE", alegando, no essencial, que a mesma não cumpria os requisitos do artigo 19°, n° 3, da LEOAL, porquanto as folhas de proponentes, quando tinham sido recolhidas, estavam desligadas da referência a qualquer candidato, sendo que alguns dos candidatos apenas tinham sido conhecidos quando já tinham sido recolhidas as assinaturas;

 26.      O Sr. Juiz arguido indeferiu liminarmente a reclamação referida em 25, argumentando, além do mais, que: Quanto ao único argumento jurídico apresentado, o que de que as folhas da IOMAF se encontravam avulsas e sem referência a lista de candidatos em incumprimento do art. 19.º, n.º 3, da LEOAL, cumpre salientar que as mesmas surgem nos autos de candidatura como concretamente encabeçadas pela declaração de propositura, o que demonstra o cumprimento dos requisitos legais, os quais são aferidos à data da entrega das listas e não antes.

   De igual modo, mesmo que aquela não estivesse completa no momento da subscrição, é o momento da entrega da lista que se concretizam os candidatos, e não antes, na medida em que atento a extensão do n.º de efetivos e suplentes de alguns órgãos, seria materialmente impossível, salvo numa primeira folha em letra reduzidíssima, inscrever o nome de todos os candidatos para que os proponentes tivessem conhecimento, e aí, como consabido, os proponentes pouco ou nenhum conhecimento teriam da identidade dos candidatos, se é que pela simples indicação do nome, efectivamente, o têm;

27.     Enquanto ao serviço de turno ao processo eleitoral de 2017 relativo ao município de ..., o Sr. Juiz arguido, por decisão de 08.08.2017, rejeitou a candidatura apresentada à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos "GG - ..." por falta do pressuposto legal de declaração inequívoca de subscrição dos proponentes da lista de candidatos apresentada, argumentando, em síntese, que: (...) compulsados os autos, verifica-se que as declarações de propositura apresentadas, não identificam em qualquer local do seu texto, os cidadãos que integram a lista.

         Com efeito, nem no anverso nem no verso, existe qualquer identificação dos candidatos, ou qualquer folha anexa, não obstante as referidas folhas para ela remeterem, sendo que a única folha existente contendo a assinatura dos candidatos é a que encabeça cada pasta de declarações.

         Ora, sendo evidente que não se exige a identificação de todos os candidatos em todas as folhas, não basta a mera identificação do proponente da lista e da candidatura em causa, juntamente com uma lista em cada pasta de assinaturas, para que se possa concluir pela vontade inequívoca dos proponentes de apresentar a lista de candidatos agora entregue ao tribunal.

        Assim, nada permite concluir que as listas contendo a identificação dos candidatos e que constam em cada pasta do processo de candidatura tenham exibidas aos cidadãos eleitores aquando da recolha das declarações de propositura (…);

28.       Por decisão de 08.08.2017, o Sr. Juiz arguido rejeitou, ainda, a candidatura apresentada à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos "... ... 2017" com fundamento nos mesmos argumentos aduzidos na decisão referida em 27;

 29.       No dia 8 de agosto, o Sr. Dr. GG convocou uma conferência de imprensa, que foi transmitida pelos canais de televisão, aí fazendo alusão a "relações de amizade ou familiares" entre o Sr. Juiz arguido e o Sr. Dr. FF, precisando que este último tinha sido padrinho de casamento do primeiro;

 30.      Nesse dia 8 de agosto e nos dias imediatos a comunicação social veiculou notícias relacionadas com a anterior militância do Sr. Juiz arguido no partido ..., com a actividade de política desenvolvida pelo Sr. Juiz arguido a favor desse partido, com as relações que, nesse âmbito, manteve com o Sr. Dr. FF e com o Sr. Dr. GG, com o facto de o Sr. Dr. FF ter sido padrinho de casamento do Sr. Juiz arguido, com a situação profissional da mulher do Sr. Juiz arguido e com a existência de uma decisão anterior (aquela referida em 26) do Sr. Juiz arguido onde, quanto à questão do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 19.º, n.º 3, da LEOAL, o mesmo teria adotado um entendimento diferente daquele seguido na decisão de 8 de agosto de 2017 (referida em 27);

 31.     Em 10.08.2017, o grupo de cidadãos eleitores "GG - HH" reclamou da decisão referida em 27;

32.      Em 10.08.2017, o grupo de cidadãos eleitores "GG - HH" deduziu, no âmbito do processo eleitoral relativo ao município de ..., o incidente de suspeição do Sr. Juiz arguido;

33.     Por decisão de 11.08.2017, a Sra. Juíza II, à data em serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., julgou extinta a instância do incidente referido em 32, por inutilidade superveniente da lide, argumentando, em síntese, que o Sr. Juiz arguido não mais teria intervenção nos autos de processo eleitoral;

34.      Por decisão de 14.08.2017, a Sra. Juíza ... II, à data em serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., julgou procedente a reclamação referida em 31, argumentando, em síntese, que: No intróito de cada declaração de campanha (...) consta a identificação do grupo de cidadãos eleitores (...), a identificação do primeiro subscritor da candidatura bem como a declaração pelo proponente que apoia a lista de candidatos que consta da lista anexa.

         Daqui terá de se extrair, que os proponentes declararam subscrever uma lista de candidatos, cuja composição conheciam ou podiam tomar conhecimento, caso assim o quisessem. Ou seja, da documentação junta não é possível concluir que os proponentes não tenham compreendido o significado do acto pretendido, que (...) estariam a apoiar a lista de cidadãos eleitores encabeçada por GG (...).

        O importante é que os proponentes, querendo, possam ter tido acesso às listas dos candidatos que estão a apoiar. Não se exige que o Tribunal tenha de concluir que os assinantes efectivamente consultaram as listas. Apenas se exige que os proponentes ao subscrever a declaração de propositura demonstrem vontade inequívoca de apresentar a lista de candidatos dela constante. E essa vontade inequívoca resulta claramente do teor das declarações de propositura das listas (...);

35.     Enquanto ao serviço de turno ao processo eleitoral de 2017 relativo ao município da ..., o Sr. Juiz arguido, por decisão de 09.08.2017, rejeitou a candidatura do grupo de cidadãos "Movimento Independente pela ..." nas suas diferentes denominações às Assembleias de Juntas de Freguesia de [...] com fundamento nos mesmos argumentos aduzidos na decisão referida em 27;

36.      O grupo de cidadãos "Movimento independente pela ..." reclamou da decisão referida em 35;

37.      Por decisão de 17.08.2017, o Sr. Juíz ... JJ, à data em serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município da ..., julgou improcedente a reclamação referida em 36, mantendo a decisão de rejeição da candidatura do aludido grupo de cidadãos;

38.      O Grupo de Cidadãos "Movimento Independente pela ..." interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão referida em 37;

39.     O Tribunal Constitucional, por acórdão de 30.08.2017, concedeu provimento ao recurso referido em 38, revogando, em consequência, a decisão recorrida e admitindo a candidatura do aludido grupo de cidadãos;

40.      Em Maio de 2017, a Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi contactada por parte do CSM a fim de averiguar se o Sr. Juiz arguido tinha trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou se tinha tido alguma relação, nomeadamente profissional, com o Sr. Dr. GG, estando a informação que se pretendia obter relacionada com o facto de o Sr. Juiz arguido estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ...;

  41.      Na sequência do anteriormente referido a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ... contactou o Sr. Juiz arguido que, instado a prestar a informação pretendida, respondeu nunca ter trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou ter tido qualquer relação, a que titulo fosse, com o Sr. Dr. GG;

  42.      Nessa conversa com a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ..., o Sr. Juiz arguido, sabendo que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., não deu a conhecer as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., à actividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento;

 43.      O Sr. Juiz arguido sabia que as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., a actividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento, eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável no processo eleitoral relativo à autarquia de ..., nomeadamente à candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores "GG- HH", virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade e, apesar disso, para além de não ter dado conhecimento dessas circunstâncias à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... ou ao CSM, não diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral relativo àquela autarquia;

 44.       O Sr. Juiz arguido sabia que as circunstâncias referidas em 43 podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efetivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes, podendo e devendo ter agido de forma a evitar esse resultado.

  Com relevância para a decisão resultam por provados os seguintes factos provados alegados pela defesa:

45.       A popularidade nas redes sociais depende do número de partilhas ("likes");

46.      LL, que, em 14.08.2017, remeteu ao CSM a documentação junta a fls. 78 a 110, foi o diretor operacional da campanha da candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores "GG-HH";

 47.  O Sr. Juiz arguido integrou, como vogal, no triénio 2009/2012, a Direção Nacional da Associação Sindical dos juízes Portugueses, presidida pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador MM, sendo Secretário-Geral, o Exmo. Sr. Juiz Desembargador NN;

48.     Enquanto vogal, no triénio 2009/2012, da Direção Nacional da Associação Sindical dos juízes Portugueses, o Sr. Juiz arguido colaborou no gabinete de apoio ao Juiz, realizando a atualização do guia nacional de tribunais de 1.º acesso, sob a dependência funcional do Secretário-Geral da ASJP, e elaborou diversos pareceres sobre legislação suscetível de afetar a atividade do Juiz, colaborando em vários projetos e iniciativas;

49.     O Sr. Juiz arguido esteve envolvido na atividade associativa, tendo sido vogal da direção do Movimento OO, presidido pelo Exmo. Sr. Juíz ... MM, antigo Juiz Secretário do Conselho Superior da Magistratura;

50.  No âmbito da atividade referida em 49, o Sr. Juiz arguido organizou o jantar de homenagem ao Exmo. Senhor Juiz Conselheiro ..., na qualidade de antigo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, jantar esse que se realizou em ...;

51.      O Sr. Juiz arguido, tendo sido colocado no movimento judicial ordinário de 2014 como Juiz efetivo na Secção Cível da Instância Local de ... (J4) do Tribunal judicial da Comarca de ..., foi nomeado, por decisão de 08.10,15 do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM, magistrado coordenador dessa secção, cargo que ocupou sob direta proposta dos colegas da referida secção, que nele depositaram confiança;

 52.  O Sr. Juiz arguido frequentou o curso de formação específico para o exercício de funções de Presidente de Tribunal e Magistrado do Ministério Público Coordenador, realizado no Centro de Estudos Judiciários, com início a 2 de maio de 2017, no qual obteve a menção de «Apto»;

53.  Na sequência das diligências encetadas pela Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... a que se alude em 4., o Sr. Juiz arguido foi o único dos Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de ... a disponibilizar-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de l a 10 de agosto;

  54.  No relatório da última inspeção ordinária ao serviço prestado pelo Senhor Juiz arguido entre 01,09.09 e 31.12.13, no 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de ..., no Tribunal Judicial da Comarca do ... e no Tribunal Judicial da Comarca de ... (Juízo de Execução), a par do reconhecimento de que "tem sempre atuado com independência e isenção", demonstrando ter "exercido a função com a reserva que deve caracterizar qualquer Juiz" e gozando "já de acentuado prestígio profissional e pessoal", foi sublinhado que "tem muitos e sólidos conhecimentos jurídicos, dominando bem todos os institutos onde foi chamado a intervir".»

       3.2. Factos não provados:

           

 «Com relevo não se provaram os seguintes factos alegados pela defesa:

  1. O Sr. Juiz arguido não soubesse que a sua vida passada poderia vir a ser publicamente divulgada;

  2. Ao Sr. Juiz arguido fosse impossível fazer um juízo de previsibilidade quanto à divulgação pública da sua vida passada;

 3. Aquando do contacto a que se alude no ponto 41, a Sra Juíza Presidente da Comarca de ... se tenha limitado a perguntar ao Sr. Juiz arguido se o mesmo tinha alguma relação de tipo profissional remunerada com o Sr. Dr. GG ou com a Câmara Municipal de ...;

5. Aquando do contacto da Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... a que se alude no ponto 41., o Sr. Juiz arguido não andasse satisfeito por ir assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ...;

6. O Sr. Juiz arguido apenas se disponibilizou para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... por ausência de disponibilidade de outros juízes;

7. Aquando do contacto a que se alude no ponto 41. o Sr. Juiz arguido soubesse que as circunstâncias relativas ao seu passado poderiam vir a ser invocadas.»

            3.3. Motivação:

  Em fundamentação da matéria de facto provada e não provada, lê-se na deliberação impugnada:

 «Na fixação da matéria de facto provada e não provada foi considerada uma análise crítica, à luz da lógica e das regras da experiência comum, do conjunto da prova, documental e testemunhal, carreada para os autos e que corresponde, no essencial, à constante do relatório final junto a fls. […] elaborado pelo Ex.mo Sr Inspector Judicial, para cuja fundamentação/motivação, por merecer a nossa concordância, remetemos nos termos permitidos pelo artigo 153.º, n.º 1, do C.P.A.

   De referir ainda que na parte em que a matéria de facto assente foi objecto de impugnação por parte do Sr Juiz, mereceram a nossa concordância e foram, consequentemente, acolhidas as seguintes apreciações e juízos críticos extraídos pelo Ex.mo Sr. Inspector Judicial do conjunto da prova produzida que passamos a transcrever:

 “Os factos provados elencados nos pontos 40 a 42 correspondem aos factos que, por decisão de 09.02.18 […], foram aditados à acusação.

       O Sr Juiz arguido, notificado deste aditamento, confirmou o contacto da Sra Juíza Presidente a que alude o ponto 41, defendendo, porém, que apenas entendeu a pergunta como relacionada com a atividade profissional remunerada.

        Por sua vez, os factos provados elencados nos pontos 43 e 44 correspondem aos factos constantes dos pontos 40 e 41 da acusação, factos esse que, na defesa, o Sr Juiz arguido não aceitou, argumentando, no essencial, que não sabia que a sua vida passada poderia vir a ser publicamente divulgada e que lhe era impossível fazer um juízo de previsibilidade quanto a essa divulgação pública.

        Feita esta introdução, passemos a explicitar as razões que nos conduziram a considerar provados tais factos.

    É certo que o Sr Juiz manifestou a sua disponibilidade para assegurar o turno ao processo eleitoral relativo ao município de ... no período de 01 a 10 de agosto desconhecia a data efectiva da marcação das eleições autárquicas e se os seus dias de turno corresponderiam ou não a efectivos dias de operações do calendário autárquico.

            É, igualmente, certo que nessa data não era ainda pública a intenção de apresentação de candidatura, quer pelo Sr. Dr. FF, quer pelo Sr. Dr. GG, aos órgãos representativos da autarquia de ....

  Todavia, em 12 de maio de 2017, encontrando-se já homologado por decisão de 23.02.2017 do Ex.mo Sr Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura o mapa de turnos ao processo eleitoral referente à Comarca de .., for conhecida a data para a realização das eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais, sendo certo que, nessa data, já era pública a intenção do Sr. Dr. FF e do Sr. Dr. GG concorrerem, em listas separadas, à Câmara Municipal de ....

 Acresce que no dia 12 de julho de 2017 – já depois de a 20.05.2017 a Comissão Nacional de Eleições ter publicado na sua página da internet (www.cne.pt) o mapa do calendário das operações eleitorais para os órgãos das autarquias locais, mapa esse que, por determinação da Sra. Juíza Presidente da Comarca de ..., foi remetido, a 10.07.207, aos Senhores Juízes de turno ao processo eleitoral – foi divulgada a todos os juízes a Circular n.º 4/2017 do CSM, constando dessa circular, além do mais, que: “De 8/8/2017 a 14/8/2017, o juiz verifica a regularidade do processo, a autenticidade dos elementos que o integram e a elegibilidade dos candidatos”.

  Deste modo, estando o Sr. Juiz arguido escalado para o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ... no período de 01.08.17 a 08.08.2017, é inquestionável que, pelo menos a partir de 2 de julho de 2017, o mesmo sabia que, quanto ao processo eleitoral daquele município, a autenticidade dos documentos que o integravam e a elegibilidade dos candidatos, designadamente no que respeita às candidaturas apresentadas à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos “GG – HH” e pelo grupo de cidadãos “FF, ...EE”.

 Ora, para além de saber que, num tempo eleitoral, o extremar de posições faz parte da luta político/partidária, quanto às candidaturas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores “GG – HH” e “FF, ... EE” da leitura da documentação junta aos autos referente a notícias veiculadas na comunicação social decorre que a “rivalidade ente GG e FF não é apenas a de dois adversários políticos que disputam a Câmara Municipal de ....            É isso, enquadrada num passado singular. FF era vice-presidente e braço direito de GG. Subiu à liderança do município quando GG foi preso e agora concorre contra o antigo autarca”.

   Assim, neste concreto contexto, afigura-se-me manifesto que as circunstâncias respeitantes ao passado de militância do Sr. Juiz arguido na Juventude ... e no Partido ..., à actividade política por si desenvolvida a favor desse partido – chegando a ser eleito, no ano de 2004, como vogal da comissão política de ... do Partido ..., na mesma ocasião em que foram eleitos para a mesma comissão o Sr. Dr. GG, como presidente da Assembleia, e o Sr. Dr. FF, como presidente, pessoas com as quais travou conhecimento – e, ainda, ao facto de, a seu convite, o Sr. Dr. FF ter sido seu padrinho de casamento, valoradas objectivamente a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador, eram suscetíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável no processo eleitoral à autarquia de ..., nomeadamente à candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores “GG – HH”, virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade.

        É verdade que, como defende o Sr. Juiz arguido, em 2013, o mesmo assegurou parte do processo eleitoral relativo ao município de ..., tendo, nesse âmbito, julgado inelegível o cidadão GG, sem que, na ocasião, as acima referidas circunstâncias tivessem sido invocadas para contestar a sua imparcialidade.

  Porém, no que respeita aos candidatos FF e GG, o processo eleitoral de 2013 não é equiparável ao de 2017.

        De facto, nas eleições autárquicas de 2013 o Sr. Dr. FF e o Sr. Dr. GG concorreram aos órgãos representativos da autarquia de ... integrados na mesma lista, o primeiro como candidato à presidência da Câmara Municipal e o segundo como candidato à presidência da Assembleia Municipal e, nas eleições de 2017, foram adversários, pois concorreram ambos à presidência da Câmara Municipal de ....

        Enfim, no descrito concreto contexto das eleições de 2017 para os órgãos representativos da autarquia de ..., o Sr, Juiz não podia ignorar que as circunstâncias acima apontadas eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável, nomeadamente à candidatura do grupo de cidadãos eleitores “GG – HH”, virem a ser invocadas para contestar a sua imparcialidade.

 Reforça esta conclusão, quanto à consciência da relevância das referidas circunstâncias, a diligência que, em meio de 2017, a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... encetou junto do Sr. Juiz arguido.

 Com efeito, ainda que o Sr. Juiz arguido tivesse compreendido, como defende, a pergunta que lhe foi feita pela Sra. Juíza Presidente como relacionada com a actividade profissional remunerada (…) mesmo assim, sabendo o Sr. Juiz arguido que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., se outras razões não existissem, como efectivamente existiam, aquela diligência era suficiente para tornar perceptível ao Sr. Juiz arguido que as acima referidas circunstâncias eram relevantes para se aferir da conveniência da sua intervenção no processo eleitoral relativo ao município de ..., pelo que, necessariamente, se impunha que delas desse conhecimento à Sra. Juíza Presidente.

 Apesar disso o Sr. Juiz arguido não deu conhecimento, como o próprio, aliás, reconheceu, dessas circunstâncias à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... ou ao CSM, nem diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral relativo ao município de ..., sendo certo que o podia ter feito muito antes de se terem iniciado as operações previstas no calendário eleitoral.

        Por outro lado, em período eleitoral, num contexto de luta político/partidária, o cidadão médio, representativo da comunidade, não deixaria de representar a possibilidade de um candidato, afastado por uma decisão judicial da corrida à eleição a que se candidatou, proceder à divulgação pública de circunstâncias susceptíveis de gerarem dúvidas sobre a imparcialidade do juiz que proferiu essa decisão, pelo que o Sr. Juiz arguido necessariamente também representou essa possibilidade.

  Por fim, quando ocorrem situações susceptíveis de gerarem dúvidas sobre a imparcialidade de um juiz que são tornadas públicas pelos intervenientes processuais, as repercussões negativas para o sistema judiciário são notórias, pois tal manifestamente abala – como, no caso, efectivamente, abalou, dada a divulgação que foi feita das circunstâncias acime descritas através dos canais de televisão, dos jornais e das redes sociais – a confiança pública nos juízes e no prestígio e boa imagem da Administração da justiça e do próprio Estado de direito democrático.”

 Merece, de igual modo, a nossa concordância o entendimento vertido pelo Sr. Inspector no relatório final, no sentido de não ter sido produzida prova bastante e de os elementos probatórios apontarem para a situação diversa dada por provada».

   4. Fundamentação de direito

         Nesta sede, considera-se na deliberação impugnada que:

  «Vem imputada ao Sr. Juiz a prática de uma infracção disciplinar por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público (neste caso, especificamente na vertente de actuar no sentido de não abalar a confiança pública no sistema judicial) e de imparcialidade (neste caso especificamente na vertente objectiva – a compreensão externa da imparcialidade) – cfr. artigos 82.º, 85.º, n.º 1, alínea a), 86.º e 91.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.ºs 1, 2, alíneas a) e c), 3 e 5, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ex vi do artigo 131.º do estatuto dos Magistrados Judiciais.

            […].

         A conduta do Sr. Juiz que, segundo a acusação, é merecedora de censura disciplinar resulta da violação do dever funcional de imparcialidade na sua vertente objectiva “traduzida na ausência de circunstâncias externas que, valoradas a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão médio, representativo da comunidade, sejam adequadas a gerar dúvidas quanto à imparcialidade do juiz, afectando a confiança que os cidadãos depositam na administração da justiça”, ou seja a compreensão que os cidadãos têm da imparcialidade do juiz.

 Para o efeito e depois de se considerar que não estão indiciadas circunstâncias que possam revelar a quebra da imparcialidade subjectiva do Sr. Juiz, o que nos parece incontroverso pois nada da matéria provada permite concluir nesse sentido, resulta do relatório final/acusação que o Sr. juiz, pese embora existisse o risco, do ponto de vista objectivo, da sua intervenção no processo eleitoral do município de ... suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade, não deu conhecimento de tais factos à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... nem ao CSM para que se ponderasse da conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., nem diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral desse município, como podia e devia ter feito.

            Vejamos.

       Em primeiro lugar importa precisar que, com todo o respeito por diferente entendimento, a violação do dever de imparcialidade a que alude a al c) do n.º 2 citado art. 73.º é, necessariamente, a imparcialidade na sua vertente subjectiva, ou seja, a da equidistância do Juiz relativamente às partes e ao pleito que lhe incumbe decidir, única vertente cuja responsabilidade lhe é totalmente imputável, o que já não sucederá quanto a percepção/aparência que "terceiros" possam ter da sua actuação. Não se poderá, nessa medida, falar em falta de imparcialidade de juiz apenas porque, justificada ou injustificadamente, exista uma percepção externa no sentido da sua parcialidade.

 Tal não significa, de modo algum, que a compreensão externa da imparcialidade do juiz não seja um bem jurídico a tutelar, bem pelo contrário, na medida em que a compreensão/ideia que os cidadãos têm da imparcialidade do Juiz constituiu um dos pilares fundamentais da confiança que depositam na boa administração de justiça, citando as lapidares palavras do ac. do STJ de 21-3-2013, proc. 19/13.1YFLSB "dominam aqui as aparências, que podem afectar, não rigorosamente a boa justiça, mas a compreensão externa sobre a garantia da boa justiça que seja mas também pareça ser".

 A imparcialidade do tribunal constitui um dos elementos integrantes e de densificação da garantia do processo equitativo "(...) Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (...)" - artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      Assim sendo e caso se conclua que o Juiz tenha contribuído de forma ilícita e censurável/culposa para uma justificada percepção externa da dúvida sobre a sua imparcialidade, será susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público na vertente de actuar no sentido de não abalar a confiança pública no sistema judicial.

         Passemos, pois, à apreciação do caso concreto.

         Resulta, além do mais, da factualidade provada que:

   - Em data anterior a Dezembro de 2016, a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... encetou diligências no sentido da organização dos turnos ao processo eleitoral (eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais), propondo várias hipóteses e sugerindo a colaboração dos Juízes dessa comarca;

   - O Sr. Juiz arguido, então colocado em exercício e funções na Secção Cível da Instância Local de ..., ofereceu-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 10 de agosto e a colaborar, se necessário, no mesmo período, no serviço de turno ao processo eleitoral no município de Cascais;

   - O Sr, Juiz arguido ficou incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 8 de agosto;

   - No dia 06.03.2017, perante os associados da "Associação ... EE", o Sr. Dr. FF tornou pública a sua intenção de se candidatar à Câmara Municipal de ... nas eleições autárquicas de 2017;

   - No dia 26.04.2017, o Dr. GG apresentou, em ato público, a sua candidatura à Câmara Municipal de ... nas eleições autárquicas de 2017;

   - Por Decreto do Governo, aprovado em Conselho de Ministros de 30 de março de 2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 12 de maio de 2017, a realização das eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais foi agendada para o dia 1 de outubro de 2017;

  - No dia 20.05.2017, a Comissão Nacional de Eleições publicou na sua página da internet (www.cne.pt) o mapa calendário das operações eleitorais (eleições gerais para os órgãos das autarquias locais);

   - No dia 10.07.2017, a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... determinou a remessa aos Senhores Juízes de turno ao processo eleitoral do mapa referido em 11 [[7]], o que, nessa data, foi cumprido;

  - No dia 12 de julho de 2017 foi divulgada a todos os juízes a Circular n.º 4/2017 do CSM;

   - Dessa circular consta, além do mais, que: "De 8/8/2017 a 14/8/2017, o juiz verifica a regularidade do processo, a autenticidade dos documentos que o integram e a elegibilidade dos candidatos";

  - Em Maio de 2017, a Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi contactada por parte do CSM a fim de averiguar se o Sr. Juiz arguido tinha trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou se tinha tido alguma relação, nomeadamente profissional, com o Sr. Dr. GG, estando a informação que se pretendia obter relacionada com o facto de o Sr. Juiz arguido estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ...;

  - Na sequência do anteriormente referido a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ... contactou o Sr. Juiz arguido que, instado a prestar a informação pretendida, respondeu nunca ter trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou ter tido qualquer relação, a que titulo fosse, com o Sr. Dr. GG;

   - Nessa conversa com a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ..., o Sr. Juiz arguido, sabendo que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., não deu a conhecer as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., à actividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento;

  - O Sr. Juiz arguido sabia que que as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., a actividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento, eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável no processo eleitoral relativo à autarquia de ..., nomeadamente à candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores "GG - HH", virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade e, apesar disso, para além de não ter dado conhecimento dessas circunstâncias à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... ou ao CSM, não diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral relativo àquela autarquia;

   - O Sr. Juiz arguido sabia que as referidas circunstâncias referidas podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efetivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes, podendo e devendo ter agido de forma a evitar esse resultado.

    Estabelecido, assim, na comunidade em causa um quadro de justificada dúvida sobre a imparcialidade do Sr. Juiz na intervenção, no exercício das suas funções, no processo eleitoral do município de Oiras, vejamos, pois, se a matéria provada permite concluir que o Sr. Juiz contribuiu, seja por acção ou omissão, ilícita e culposamente para tal quadro de desconfiança sobre a sua imparcialidade e consequente abalo/desprestígio da confiança dos cidadãos na justiça.

           Segundo a acusação/relatório final, o enunciado resultado desvalioso será imputável à seguinte actuação censurável/culposa do Sr. Juiz:

  1 – Não ter diligenciado no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral desse município, como podia e devia ter feito.

 2 – Não ter dado conhecimento de tais factos à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... ou ao CSM para que se ponderasse da conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ....

            Apreciando.

  1 — Deveria o Sr. Juiz, perante o descrito quadro factual, pedir escusa na sua intervenção no processo eleitoral, em termos que essa omissão deva merecer censura disciplinar?

   A este respeito e porque ligados à protecção da confiança da imparcialidade do juiz na sua vertente objectiva, importará ter presentes as seguintes disposições legais relativas ao pedido de escusa:

Artigo 119.°do Código de Processo Civil:

1 – O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando se verifique algum dos casos previstos no artigo seguinte e, além disso, quando, por outras circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade.

Artigo 120.º

Fundamento de suspeição

1 – As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente…

     Atém das garantias de imparcialidade previstas pelo art.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - EMJ - e normas similares de processo penal, os casos de impedimento do juiz cuja função, além do mais, constitui, conforme se refere no citado ac. do STJ, um modo cautelar de garantia da imparcialidade subjectiva, encontram-se previstos pelo artigo 115. ° do Código de Processo Civil, cuja redacção é a seguinte:

1 - Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária:

a) Quando seja parte na causa, por si ou como representante de outra pessoa, ou quando nela tenha um interesse que lhe permitisse ser parte principal;

b) Quando seja parte da causa, por si ou como representante de outra pessoa, o seu cônjuge ou algum seu parente ou afim, ou em linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, ou quando alguma destas pessoas tenha na causa um interesse que lhe permita figurar nela como parte principal;

c) Quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente;

d) Quando tenha intervindo na causa como mandatário judicial o seu cônjuge ou algum seu parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral;

e) Quando se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso;

f) Quando se trate de recurso de decisão proferida por algum seu parente ou afim, em linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, ou de decisão que se tenha pronunciado sobre a proferida por algum seu parente ou afim nessas condições;

g) Quando seja parte na causa pessoa que contra ele propôs ação civil para indemnização de danos, ou que contra ele deduziu acusação penal, em consequência de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas, ou quando seja parte o cônjuge dessa pessoa ou um parente dela ou afim, em linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, desde que a ação ou a acusação já tenha sido admitida;

h) Quando haja deposto ou tenha de depor como testemunha;

i) Quando esteja em situação prevista nas alíneas anteriores pessoa que com o juiz viva em economia comum.

2 – (…)

3 – (…).

       Importa ainda ter presente o disposto pelo artigo 116.° do Código de Processo Civil, que dispõe sob a epígrafe de "dever do juiz impedido" que, quando se verifique alguma das causas previstas no artigo anterior, o juiz deve declarar-se impedido (...).

      Importa igualmente ter presente o estatuído pelo art. 3.º do EMJ, segundo o qual, "os magistrados judiciais não se podem abster de julgar (...)".

  Considerados os princípios normativos imanentes às disposições legais vindas de citar, assim como os princípios constitucionais relativos à independência do poder judicial, entendemos constituir reserva de decisão do juiz a formulação de pedido de escusa, ou seja, será ao próprio juiz a que incumbirá, na sua livre convicção, decidir se existem, ou não, motivos de suspeita, ou outros, acerca da sua imparcialidade que o levem a pedir escusa.

   Tal decisão do juiz, sendo passível de ser sindicada por tribunal superior - nos termos previstos pelo citado art. 120.º do Código de Processo Civil, não poderá, em nosso entender, ser objecto de censura disciplinar, porquanto:

- Resulta da literalidade da Lei relativamente ao pedido de dispensa de intervir na causa a utilização da expressão “pode” […] que significa que o juiz tem a faculdade de … e não a obrigação/dever de.

  Tal dever/obrigação encontra-se expressamente estatuído para os casos de impedimento – art. 116.º do Código de Processo Civil – pelo que caso fosse intenção do legislador estatuir idêntica obrigação relativamente às situações previstas pelo art. 120.º do Código de Processo Civil, seguramente, o teria feito.

   - Tal entendimento é o que melhor se coaduna com a teleologia da norma, tendo em consideração os enunciados princípios constitucionais, nomeadamente o princípio de que o juiz não se pode abster de julgar o pleito que lhe é legalmente distribuído.

 No exercício de uma função soberana que implica, necessariamente, a regulação/decisão de interesses e partes em conflito, e enquanto tal particularmente sujeita a opiniões/percepções, falhas de isenção, volatilidade e mesmo desinformação, com especial enfoque na actual massificação de meios de comunicação social e electrónica, nem sempre as aparências de falta de imparcialidade têm fundamento em conduta merecedora de reparo por parte do juiz, sendo as mais das vezes fruto de circunstâncias e interesses mais ou menos claros e nem sempre bem intencionados, que escapam ao controlo do julgador.

  Caberá, pois, ao juiz, segundo a sua livre consciência e convicção em cada caso concreto, decidir pela ocorrência de circunstâncias ponderosas que aconselhem o pedido de escusa, sendo certo que um juízo errado ou menos avisado em tais circunstâncias não poderá acarretar censura disciplinar sob pena de sistemático recurso a pedidos de escusa sempre que o juiz se visse confrontado com uma potencial percepção externa sobre a sua imparcialidade com os perigos daí resultantes para o prestígio da administração da justiça e mesmo da garantia dos cidadãos na independência dos juízes.

    Em resumo, dir-se-á que o facto de um juiz não formular pedido de escusa quando as circunstâncias do caso assim o aconselhavam, jamais poderá constituir, por si só, violação de dever funcional com consequente responsabilidade disciplinar.

Assim e no caso em apreço dir-se-á que pese embora se considere que o quadro de justificada dúvida sobre a sua imparcialidade na intervenção no processo eleitoral do município de ... aconselhasse, porventura, a dedução de pedido de escusa, o facto de não ter sido esse o entendimento do Sr. juiz não será, só por si, merecedor de censura disciplinar.

       Já assim não sucederá caso se considere que o Sr. Juiz tenha, de alguma forma, contribuído de forma culposa para tal quadro de dúvida sobre a sua imparcialidade, o que, segundo acusação/relatório final, resultará do facto de não ter dado conhecimento dos enunciados factos à Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... e/ou ao CSM para que se ponderasse da conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ...,

         Vejamos.       

-  Resulta da matéria provada que intervenção do Sr. Juiz arguido no processo eleitoral do município de ... não resultou de uma regular distribuição dos autos nos termos das regras legalmente previstos, até porque à data se encontrava colocado em exercício de funções em tribunal cuja competência não integrava o município de ..., mas por decisão da Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... ao abrigo do disposto pelo art. 94 n° 3 al b) da JJDSJ, ou seja, por ter sido incluído, a seu próprio pedido, no mapa de turnos para ao processo eleitoral, em data anterior a Dezembro de 2016.

-     O Sr. Juiz arguido ofereceu-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 10 de Agosto tendo o Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, em 23.02.2017, homologado o mapa de turno ao processo eleitoral referente à Comarca de ... – arts. 5 e 6 dos factos provados.

- Conforme se refere na acusação, entendimento que sufragamos, as circunstâncias respeitantes ao passado de militância do Sr. Juiz arguido na Juventude ... e no Partido ..., à actividade politica por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento, valoradas objectivamente a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador, eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável, nomeadamente à candidatura do grupo de cidadãos eleitores “GG - HH", virem a ser invocadas para questionar a imparcialidade do Sr. Juiz arguido no processo eleitoral de ....

     Assim sendo impunha-se ao Sr. Juiz não só por prudência mas também por dever de lealdade institucional quer com a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... quer com o CSM, que desde logo lhes desse conhecimento de tais circunstâncias, permitindo assim formular um juízo devidamente informado e esclarecido sobre a conveniência em ser ele a assegurar, ou não, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ....

    Tal obrigação/dever de cuidado impôs-se ao Sr. Juiz com redobrada exigência a partir de 12 de Julho de 2017, porquanto é inquestionável que, pelo menos o que a partir desta data, sabia que era previsível que viesse a pronunciar-se sobre a regularidade do processo eleitoral daquele município, a autenticidade dos documentos que o integravam e a elegibilidade dos candidatos, designadamente no que respeita às candidaturas apresentadas à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos “GG - HH" e pelo grupo de cidadãos “FF, ... EE".

  Todavia mesmo quando, em Maio de 2017, a Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ..., na sequência de contacto que para o efeito lhe foi dirigido pelo CSM, o contactou para o efeito, o Sr. Juiz sabendo que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., não deu a conhecer tais circunstâncias respeitantes ao seu passado.

   - Resultou ainda provado que o Sr. Juiz sabia que tais circunstâncias podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes,

  Perante o descrito quadro factual com que se deparou, exigia-se ao Sr. Juiz que agisse com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente – dever de cuidado interno –  e, consequentemente, agir, – dever de cuidado externo –  por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso, informando para o efeito a entidade – Juiz-presidente e/ou CSM – responsável pela homologação do mapa de turnos, a fim de ser ponderada a conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral nessas datas ou nomear outro Juíz ... em sua substituição.

            Assim e conforme refere o Sr. Inspector Judicial no relatório final, ao omitir à Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... e ao CSM factos relevantes para se aferir da conveniência em ser ele a assegurar, como se tinha voluntariamente proposto, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., o Sr. Juiz deu azo a que, apôs a prolação da decisão a que se alude no ponto 27 da matéria de facto provada, viessem a ser publicamente divulgadas – e ao sentido dessa decisão associadas – as circunstâncias acima descritas, sabendo que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes.

      Com tal comportamento negligente o Sr. Juiz contribui de forma culposa/censurável para o resultado desvalioso ocorrido, pelo que incorreu em responsabilidade disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público, pois com a sua conduta abalou, como se disse, a confiança pública no sistema judicial - cfr. artigos 73°, n°s 1, 2, alínea a) e 3, da LGTFP, devendo consequentemente, face ao disposto nos arts. 32° e 82° do EMJ, ser sancionado disciplinarmente.

    Passemos então à apreciação da 2.ª questão enunciada: a da sanção adequada ao caso.

    O elenco das penas aplicáveis aos magistrados judiciais pela prática de infracções disciplinares consta do art. 85.º, n.º 1 do EMJ: advertência, multa, transferência, suspensão de exercício, inactividade e aposentação compulsiva.

    Quanto à determinação da medida da pena, o art. 96 do EMJ dispõe que se deve atender à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.

    Pelo Ex.mo Sr Inspector Judicial é proposta a aplicação da pena de advertência, cuja escolha fundamenta nos seguintes termos:

      “No caso concreto, embora se me afigure que não estamos propriamente perante uma “falta leve”, ponderando, porém, por um lado, as razões (circunscritas à necessidade de acautelar a imparcialidade objectiva – a compreensão externa da imparcialidade) que levam à afirmação do desvalor do comportamento omissivo em causa, por outro lado, que a divulgação pública dos factos em apreço assumiu uma dimensão que foi potenciada pelo concreto circunstancialismo vivenciado nas eleições autárquicas do município de ... e, por fim, o facto de o Sr Juiz arguido, sem antecedentes disciplinares, que, apesar do seu ainda curto percurso profissional, viu já o seu desempenho reconhecido com nota de mérito, ter sempre, como vem referido no relatório da última inspecção ordinária ao seu serviço, atuado com independência e isenção, demonstrando ter exercido a função com a reserva que deve caracterizar qualquer Juiz, sendo respeitado pelos seus pares, que nele depositaram confiança para o exercício do cargo de Juiz Coordenador, creio, com todo o respeito por opinião diferente por parte do Conselho Superior da Magistratura, que a pena de advertência é adequada e proporcional à infracção praticada.”

  Concordamos com o entendimento do Ex.mo Sr. Inspector Judicial, considerando, sobretudo, estar-se perante uma violação com mera culpa de deveres funcionais assim como as ditas circunstâncias relativas ao exercício da função que depõem claramente a seu favor, razão pela qual se nos afigura por adequada e suficiente a aplicação da pena de advertência.

  Finalmente, consideradas as especiais necessidades de prevenir o magistrado do especial desvalor do resultado a que conduziu a sua descrita conduta, entendemos não dever ser dispensado o registo dessa pena ao abrigo do disposto pelo art. 85.º, n.º 4, parte final, do EMJ.»

   5. Apreciação

  Posto isto, cumpre apreciar do mérito da pretensão deduzida que é, recorda-se, a declaração da nulidade ou anulação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 12 de junho de 2018, que aplicou ao A, a sanção disciplinar de «advertência registada» pela prática de uma infração disciplinar consubstanciada na violação do dever funcional de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de actuar no sentido de não abalar a confiança pública no sistema judicial) prevista nos artigos 82.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.os 1,2, alíneas a) e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, "ex vi" do artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

 Vejamos, pois, se ocorrem os vícios assacados à dita deliberação pelo A.

5.1. Da insuficiência da matéria de facto dada como provada, da omissão de pronúncia quanto a factos alegados pelo A. e omissão de diligências essenciais de prova

            Neste âmbito, alega o A.:

   - Que «a matéria de facto dada como provada não retrata corretamente a realidade e é manifestamente insuficiente porquanto: (i) é omissa quanto aos factos resultantes dos depoimentos prestados pelas testemunhas, Dr. BB, Dr. CC, Dra. PP, que nem sequer constam do rol de factos não provados; (ii) os factos dados como provados n.os 43 e 44.º não tem qualquer sustentação de prova e no essencial concretizam antes conclusões (iii) não foram aprovados quaisquer factos quanto à idoneidade do A., não obstante em sede de Defesa o, então Arguido, tenha feito prova disso».

  - Que «decorre da deliberação impugnada omissão de pronúncia quanto a vários factos trazidos à colação pelo A., designadamente a deliberação impugnada em sede de motivação: (i) não esclarece nem sequer se pronuncia porque é que aquando do processo eleitoral do Município de ... de 2013, em que eram intervenientes os mesmos candidatos do processo eleitoral em apreço, não foi considerado que o ora A., ao nele participar, não incorreu em qualquer violação dos seus deveres funcionais, sendo certo que a propósito do processo eleitoral do Município de ... de 2017, já incorre; (ii) e nada refere quanto ao facto de que não haver juízes disponíveis para assegurar o turno do processo eleitoral da autarquia de ..., tendo sido neste contexto que o ora A. se voluntariou para assegurar tal turno, até porque já tinha experiência na matéria decorrente, pelo menos, do processo eleitoral anterior;

  - Que «há omissão de diligências essenciais de prova que se revelam essenciais para a descoberta da verdade material dos factos e que, caso tivessem sido realizadas retirariam a ilicitude disciplinar à conduta imputada ao A, como sejam: a) não apuramento das razões pelas quais o turno não foi efetuado pelos Juízes da Comarca de ... e o contexto em que surge o ora A. a assegurar esse turno; b) a audição do ora A. ter sido realizada depois de o Exmo. Senhor Instrutor ter ouvido a Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca, o que, em rigor viola o princípio da presunção de inocência, na sua conformação como princípio de apreciação de prova (princípio in dubio pro reo); c) incerteza quanto à fonte que determinou o apuramento das anteriores relações profissionais do ora A.; d) não apuramento das circunstâncias em que a diligência telefónica foi recebida pelo ora A.; e) não audição presencial do ora A, o que viola, também, o princípio do processo equitativo (cf. artigo 69 CEDH) por não ter sido dado possibilidade de refutar o depoimento da Exma. Senhora Dra. Juiz Presidente da Comarca com prova de igual valor.»

       Considera o Ex.mo Recorrente/Autor que o CSM «ao não ter realizado todas as diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material dos mesmos, age, em última instância, em estrita violação do princípio do inquisitório, princípio subjacente ao artigo 115.º do CPA».

          Vejamos:

   A propósito das regras gerais relativas à instrução no procedimento administrativo, cumpre convocar o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)  e os seus artigos 115.º, 116.º. n.º 1 e 125.º.

   O artigo 58.º, sob a epígrafe «Princípio do inquisitório», dispõe que:

         

«O responsável pela direcção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados.»

          

  O artigo 115.º versa sobra os «Factos sujeitos a prova», estabelecendo que:

   «1 - O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.

  2 - Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, bem como os factos de que o responsável pela direção do procedimento tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

           3 - O responsável pela direção do procedimento deve fazer constar do procedimento os factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.»

       

   O n.º 1 do artigo 116.º, relativo à «Prova pelos interessados», estabelece:

      

 «1 - Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao responsável pela direção do procedimento nos termos do n.º 1 do artigo anterior.»

        

  Por fim, o artigo 125.º, sob a epígrafe «Diligências complementares», estatui que:

«Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.»

  Tem-se entendido que o princípio do inquisitório se enquadra no dever fundamental que recai sobre os órgãos da Administração Pública de busca da verdade material, sendo, pois, um princípio do procedimento administrativo em geral, cuja inobservância pode implicar ilegalidade do acto final do procedimento por défice de instrução (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Pedro Costa Gonçalves e J.Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Almedina, págs.307 e 308, e António Francisco de Sousa, in Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Qui Juris Editora, 2009, págs.194 e 195).

            

       Como é referido no acórdão desta Secção do Contencioso de 28-02-2018, proferido no processo n.º 67/17.2YFLSB:

  «[…] o princípio do inquisitório implica para a Administração um poder-dever de acção na procura, selecção e avaliação dos factos que considera relevantes para o procedimento em causa. Ou seja, um poder-dever de investigar tudo o que lhe pareça ser relevante para o procedimento e o seu desfecho final.

             Deste modo, o dever de instrução oficiosa não significa que o órgão instrutor não possa ter liberdade de determinação dos factos de que depende legalmente a decisão do procedimento.

            Mas também não significa que exista um monopólio da Administração em matéria de tramitação processual, pois sobre o particular também recai o dever de colaborar com aquela, informando-a e fornecendo-lhe os dados de que dispõe.

             Porém, o princípio do inquisitório permite, numa perspectiva negativa, a pura recusa em se abrir, sequer, qualquer período de produção de prova, se for entendido o seu carácter desnecessário ou supérfluo à luz da verdade material já conhecida, ou de recusa, mesmo quando aberto o período de produção de prova, de tudo o que for impertinente ou dilatório (cfr. Pedro Fernandez Sanchez, in Comentários do Novo Código do Procedimento Administrativo, vol. II, 3ª ed., 2016, págs.120 a 122)».

       No que especificamente respeita à produção da prova em procedimento disciplinar, dispõe o n.º 1 do artigo 216.º da LGTFP que o trabalhador pode requerer quaisquer diligências. No entanto, como decorre do n.º 1 do artigo 218.º do mesmo diploma, o instrutor não tem sempre que atender as pretensões do trabalhador, podendo rejeitá-las quando as mesmas sejam «manifestamente impertinentes e desnecessárias».   Significa isto, como salientam ABEL ANTUNES e DAVID CASQUINHA, que o instrutor não tem que realizar diligências irrelevantes ou dispensáveis do ponto de vista da produção de prova, designadamente porque se destinam a provar factos relativamente aos quais já não subsistem quaisquer dúvidas (…). Igualmente pode o instrutor indeferir a realização de diligências notoriamente despropositadas ou sem qualquer relação com o objecto do processo»[8].

        Como se afirma no acórdão desta Secção do Contencioso de 24-11-2016, proferido no processo n.º 3/16.3YFLSB, «a inquirição das testemunhas pode ser recusada pelo Instrutor se manifestamente impertinente e desnecessária, nos termos do art. 218.º n.º 1 da LGTFP e não apenas quando o Sr. Instrutor considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador». O direito de defesa do arguido, refere-se ali, «não é absoluto e ilimitado, sendo que as diligências de prova não devem ser admitidas se forem manifestamente desnecessárias e impertinentes para a descoberta e apuramento da verdade».

        Também neste sentido, isto é, quanto à faculdade do Instrutor poder recusar a inquirição de testemunhas por considerar impertinente e desnecessária aquela prova, é referenciado o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10-05-2012 (Proc n. 47/10.9BEBRG, acessível in www.dgsi.pt): «I. A concretização do direito de defesa da arguida e a necessidade de descoberta da verdade impõem a necessidade de audição das testemunhas oferecidas por aquela com vista à demonstração do condicionalismo que rodeou a prática da infracção que lhe é imputada; II. A omissão desta diligência apenas redundaria numa inutilidade caso a prova já produzida fosse inatacável e demolidora no sentido de que a arguida praticou os factos que lhe são atribuídos».

        Por outro lado, conforme consta do sumário do acórdão desta Secção de 31-03-2016, proferido no processo n.º 14/14.3YFLSB[9]:

  «VI - O princípio da decisão (art. 9.° do CPA) não demanda que a administração tome posição sobre todos os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, até ser tidos como "questões" - empregues pelos particulares para sustentar a sua pretensão mas apenas sobre as questões por esta suscitadas.

  VII - Sendo jurisprudência pacífica desta secção do STJ que a “(...) suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objecto de recurso contencioso (...)", o mesmo sucedendo com a ocorrência de "(...) erros grosseiros que impossibilitem uma decisão correcta e rigorosa do aspecto jurídico da causa ( ... )", tal não implica (nem tal decorre do n.º 4 do artigo 268.° da CRP) que se proceda a uma reapreciação da prova e, com base nela, se adquira uma nova convicção assente nos elementos de prova constantes do processo, mas antes e tão só, que se aprecie a razoabilidade e a coerência da correlação entre os factos que a entidade recorrida considerou provados e os elementos de prova que empregou para formar a sua convicção.

   VIII - Por isso, limitando-se a recorrente a invocar a sua percepção para salientar a erroneidade da valoração exposta na decisão recorrida, não é de atender à pretensão de alteração da matéria de facto, tanto mais que não se identificam, no discurso motivador da decisão de facto, quaisquer erros manifestos ou insuficiências que bulam com a sua coerência ou que a tornem incompleta.»

     Tendo por base este enquadramento jurídico, e os contributos jurisprudenciais recenseados, consideramos que não assiste razão ao A. quanto à invocada insuficiência da matéria de facto dada como provada, omissão de pronúncia quanto a factos alegados pelo A. e omissão de diligências essenciais de prova.

  Como é referido na resposta apresentada pela Entidade demandada (CSM) relativamente às questões articuladas pelo A. relativas à existência de infracção, à sua idoneidade pessoal, sobre as quais o Relatório Final alegadamente não se pronunciou, nem delas conheceu, observando-se, por isso, omissão de pronúncia, sucede que «compulsado o Relatório e o teor da Deliberação sub judice, na verdade tais questões foram ponderadas, porém consideradas irrelevantes».

        Com efeito, acrescenta-se na mesma resposta:

«19.

No ponto A, da parte II do Relatório (Fundamentação de facto; Factos provados) passando à compilação dos factos provados resultantes da defesa apresentada pelo ora Recorrente, refere-se introdutoriamente o seguinte: Factos apurados alegados pela defesa, com relevo (com exclusão das posições normativas e dos juízos jurídico-‑conclusivos).

20. Fica assim patente que foi realizada uma triagem dos factos alegados pela defesa, sob a peneira do seu relevo. E,

21. Fica igualmente patente, e de resto tal é expressamente assumido não merecendo qualquer censura, que se considerou que não tinham relevo as posições normativas e os juízos jurídico-conclusivos invocados pelo Exm.° Recorrente.

22.

Não obstante, prosseguindo com os factos provados alegados pela defesa, refere-se no ponto 54. entre outros factos apurados com relevo, o seguinte:

“54. No relatório da última inspeção ordinária ao serviço prestado pelo Senhor Juiz arguido entre 01.09.09 e 31.12.13, no 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de ..., no Tribunal Judicial da Comarca do ... e no Tribunal Judicial da Comarca de ... (Juízo de Execução), a par do reconhecimento de que "tem sempre atuado com independência e isenção", demonstrando ter "exercido a função com a reserva que deve caracterizar qualquer Juiz" e gozando "já de acentuado prestígio profissional e pessoal", foi sublinhado que "tem muitos e sólidos conhecimentos jurídicos, dominando bem todos os institutos onde foi chamado a intervir".

23. Assim, em face do alegado, e do teor do Relatório final e da deliberação sub judice, não se se verificou qualquer omissão de pronúncia, pelo que deve ser considerada improcedente a alegada nulidade com tal fundamento.»

   Quanto à alegada «omissão de diligências essenciais de prova» essenciais para a descoberta da verdade material dos factos, desde logo, a falta de audição do funcionário do CSM que solicitou o telefonema e a falta de audição do A., os quais, afirma-se, «poderiam retirar o carácter de ilícito disciplinar à conduta imputada ao A.», pretendendo este, na interpretação, correcta, feita pela Entidade demandada/recorrida na sua resposta, «transmitir a ideia de que a decisão em crise não podia ser adotada sem que se tivesse apurado o facto pelo qual o turno não foi efectuado pelos Juízes de ..., sendo necessário para tal ouvir o CSM e repetir a sua própria audição».

  Ora, como igualmente se considera na mesma resposta e alegações, «[…] os factos falam por si: foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Exm.° Recorrente e foram considerados todos documentos que juntou, o Exm.° Recorrente foi ouvido antes da aplicação da pena de advertência registada, pronunciou-se e demonstrou profundo conhecimento dos elementos que lhe foram notificados, tendo apresentado defesa acerca dos mesmos», tendo assim, «sido irrepreensivelmente cumpridas todas as diligências probatórias, bem como exercido o direito de resposta e de defesa, pelo Exm.° Recorrente».

    No que releva para a boa decisão da causa e para uma apreciação correcta e justa dos factos imputados ao A., há que ter em conta o que consta dos factos provados alegados pela própria defesa.

            Assim, como consta do artigo 53.º desses factos:

   «53. Na sequência das diligências encetadas pela Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... a que se alude em 4., o Sr. Juiz arguido foi o único dos Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de ... a disponibilizar-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 10 de agosto.»

 Não suscitando dúvidas que a convicção expressa no Relatório Final, acolhida na deliberação impugnada, quanto à matéria de facto provada assentou na apreciação critica, à luz da lógica e das regras experiência comum, global e conjugada de toda a prova produzida, designadamente das declarações prestadas pelo arguido em 05.09.2017.

  Concretamente quanto ao facto provado no ponto 53 considerou-se o seguinte:

        «F) Quanto ao facto provado elencado no ponto 53.

 No ponto 9 da defesa apresentada na sequência do aditamento determinado por decisão de 09.02.18, o Sr. Juiz arguido alegou que a sua disponibilidade para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... resultou apenas de contactos da Exma. Senhora Juíza Presidente fundamentados na ausência de disponibilidade de outros Juízes.

   No entanto, a documentação de fls. 131 a 161, conjugada com os depoimentos da Sra. Juíza Presidente da Comarca de ...- o prestado em 05.09.17 - e das testemunhas Dr. CC e Dr. BB, permite apenas concluir no sentido vertido no ponto 53, inexistindo qualquer outra prova donde se possa extrair que o Sr. Juiz apenas se disponibilizou para assegurar o referido turno por ausência de disponibilidade de outros Juízes».

 Sendo, pois, evidente, como se lê na resposta apresentada pelo CSM, «que o Exm.° Senhor Inspetor Judicial, com base em elementos probatórios de diferente índole, formou a sua convicção e considerou desnecessária a ponderação de qualquer acrescido meio de prova», sendo que, «[d]este modo, o que se verifica é, outrossim, uma discordância e inconformismo do Exm.° Recorrente relativamente ao sentido da ponderação efectuada», discordância essa que, todavia, não encontra qualquer respaldo na factualidade apurada.

 Quanto à alegada omissão de pronúncia decorrente de a deliberação impugnada não esclarecer, nem se pronunciar, em sede de motivação, «porque é que aquando do processo eleitoral do Município de ... de 2013, em que eram intervenientes os mesmos candidatos do processo eleitoral em apreço, não foi considerado que o ora A., ao nele participar, não incorreu em qualquer violação dos seus deveres funcionais, sendo certo que a propósito do processo eleitoral do Município de ... de 2017, já incorre», há que referir que a questão foi ponderada em sede de motivação da decisão de facto, quando o Ex.mo Instrutor regista ser verdade, «como defende o Sr. Juiz arguido, em 2013, o mesmo assegurou parte do processo eleitoral relativo ao município de ..., tendo, nesse âmbito, julgado inelegível o cidadão Isaltino Morais, sem que, na ocasião, as acima referidas circunstâncias [as relativas ao passado de militância do A. na Juventude ... e no Partido ..., à actividade por si desenvolvida a favor desse partido, aos contactos mantidos na comissão política de ... do PSD com o Dr GG e com o Dr FF e ao facto de este último ter sido seu padrinho de casamento] tivessem sido invocadas para contestar a sua imparcialidade». Mas, de imediato, o Senhor Juiz Instrutor sublinha que «no que respeita aos candidatos FF e GG, o processo eleitoral de 2013 não é equiparável ao de 2017. De facto, nas eleições autárquicas de 2013 o Sr. Dr. FF e o Sr. Dr. GG concorreram aos órgãos representativos da autarquia de ... integrados na mesma lista, o primeiro como candidato à presidência da Câmara Municipal e o segundo como candidato à presidência da Assembleia Municipal e, nas eleições de 2017, foram adversários, pois concorreram ambos à presidência da Câmara Municipal de ....

     Enfim, no descrito concreto contexto das eleições de 2017 para os órgãos representativos da autarquia de ..., o Sr, Juiz não podia ignorar que as circunstâncias acima apontadas eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável, nomeadamente à candidatura do grupo de cidadãos eleitores “GG – HH”, virem a ser invocadas para contestar a sua imparcialidade.»

     A questão suscitada pelo A. foi, pois, devida e correctamente ponderada e enquadrada pelo Ex.mo Instrutor.

    Contrariamente ao que transparece da impugnação deduzida, a matéria de facto apurada no relatório do Ex.mo Instrutor e acolhida na deliberação agora em causa pauta-‑se pela suficiência e assenta em prova bastante, não se descortinando erros ou anomalias que impossibilitem uma decisão ponderada, correcta e juridicamente rigorosa da causa.

   Como já se assinalou, referenciando-se o citado acórdão desta Secção de 31-03-2016 (Proc. n.º 14/14.3YFLS), não há que proceder a uma reapreciação da prova e, com base nela, se adquira uma nova convicção assente nos elementos de prova constantes do processo, mas antes e tão só, que se aprecie a razoabilidade e a coerência da correlação entre os factos que a entidade recorrida considerou provados e os elementos de prova que empregou para formar a sua convicção.

  O controlo da suficiência probatória por este Supremo Tribunal – lê-se no acórdão desta Secção de 22-02-2017, proferido no processo n.º 59/16.9YFLSB[10] – «não pode consistir na reapreciação da prova nem na formulação de nova e diferente convicção perante os elementos de prova constantes do processo, antes se remetendo à apreciação da razoabilidade e coerência da relação entre os factos considerados provados (os que sejam delimitados pela acusação disciplinar ou que sejam incluídos no modelo pertinente de defesa) e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção. É, pois, insuficiente a manifestação da mera discordância com o decidido em matéria de facto ou a alegação de que a decisão tomada carece de fundamentação e de factos que a sustentem».

 Ora, é essa suficiência probatória, razoabilidade e coerência dos factos assentes e sua motivação que observamos na deliberação recorrida, improcedendo, assim, as questões suscitadas pelo Ex.mo Juiz Recorrente/A. relativas à factualidade apurada.

 Sendo inquestionável que as testemunhas que o A. apresentou foram inquiridas, o mesmo foi ouvido antes da aplicação da sanção disciplinar, pronunciou-se e demonstrou conhecer os elementos de facto que lhe foram atribuídos, tendo apresentado defesa relativamente aos mesmos. Foram cumpridas, pois, como assevera a Entidade demandada, e que nós secundamos, todas as diligências probatórias e, bem assim, o direito de resposta e de defesa pelo A.

5.2. Do erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: contradição entre os fundamentos e a decisão – inexistência de violação do interesse público e violação do princípio ne bis in idem

  5.2.1. Da violação do princípio ne bis in idem e da contradição entre os fundamentos e a decisão

     Iniciamos a apreciação das questões supra condensadas pela violação do princípio ne bis in idem que o A. considera ter sido violado na deliberação impugnada.

    O princípio ne bis in idem mereceu consagração expressa no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República, ao proibir-se o duplo julgamento pela prática do «mesmo crime»: «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime».

    O princípio tem por ratio, sublinha HENRIQUE SALINAS, a «garantia da paz jurídica do cidadão, traduzindo-se numa limitação dos ius puniendi estatal, ao impedir a repetição de um processo contra a mesma pessoa»[11].

           

     Segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o princípio «comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectivado direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto»[12].

   O princípio non bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, constitucionalmente previsto para a lei criminal, vale, no essencial, para os demais domínios sancionatórios, designadamente no âmbito do direito disciplinar.

  Como entende AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, em anotação ao artigo 29.º, da Constituição, «(…) embora o art. 29.º se refira somente à lei criminal, deve considerar-se que parte destes princípios se aplicam também aos outros dois ramos do chamado direito público sancionatório: o direito de mera ordenação social e o direito disciplinar (Lei n.º 58/08 – Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas)» [[13]].

Também o acórdão desta Secção do Contencioso de 23-06-2016 (Proc. n.º 16/14.0YFLSB) se pronuncia no sentido de que o princípio em apreço proíbe que na actividade sancionatória se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. E, para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina fá-la acompanhar do que designa por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível.

            Posto isto, vejamos o caso em apreço.

Alega o A. que, «tendo o incidente de suspeição sido suscitado no processo eleitoral, mostra-se esgotado o poder jurisdicional sobre a suspeição em causa, pelo que não pode o presente processo disciplinar, voltar a apreciá-la, desta feita num prisma administrativo, de violação do interesse público, no âmbito da organização do sistema de turnos, ao arrepio da doutrina e da jurisprudência».

 Recorde-se que, de acordo com os factos provados, o grupo de cidadãos o grupo de cidadãos eleitores "GG - HH" deduziu, no âmbito do processo eleitoral relativo ao município de ..., o incidente de suspeição do Sr. Juiz arguido, incidente que, por decisão de 11.08.2017, a Sra. Juíza II, à data em serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., foi julgado extinto por inutilidade superveniente da lide, argumentando, em síntese, que o Sr. Juiz arguido não mais teria intervenção nos autos de processo eleitoral (factos 32 e 33).

  Ora, perante tal situação é manifestamente inviável e descabido invocar a violação do princípio ne bis pela simples razão de que os factos relativos à invocada suspeição do A. não chegaram a ser apreciados no processo eleitoral.

  Daí que eles pudessem ser ponderados no procedimento disciplinar se tal tivesse sucedido.

            O que, na verdade, não se verificou.

   A invocação da violação do princípio ne bis in idem, bem como a alegada contradição que lhe é associada, decorrem de uma errada interpretação e compreensão da deliberação impugnada por parte do Sr Juiz arguido.

   Como, a propósito, alega o CSM na sua resposta, a existência de figuras processuais como o impedimento, recusa ou escusa em situações de fundadas dúvidas acerca da imparcialidade de um juiz, não se confundem, nem eximem o cumprimento dos deveres estatutários que impendem sobre os magistrados judiciais. Como tal, não é pelo facto de processualmente uma das partes ter suscitado o incidente de suspeição, que fica prejudicada a ponderação da relevância disciplinar da conduta do Exm.º Juiz, ora Recorrente.

   Assume aqui toda a relevância o teor da matéria de facto considerada provada nos n.os 40 a 44 cuja transcrição agora se reputa conveniente fazer:

 «40. Em Maio de 2017, a Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi contactada por parte do CSM a fim de averiguar se o Sr. Juiz arguido tinha trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou se tinha tido alguma relação, nomeadamente profissional, com o Sr. Dr. GG, estando a informação que se pretendia obter relacionada com o facto de o Sr. Juiz arguido estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ...;

 41. Na sequência do anteriormente referido a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de .. contactou o Sr. Juiz arguido que, instado a prestar a informação pretendida, respondeu nunca ter trabalhado para a Câmara Municipal de ... ou ter tido qualquer relação, a que título fosse, com o Sr. Dr. GG;

  42. Nessa conversa com a Exma. Sr. Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de ... o Sr. Juiz arguido, sabendo que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., não deu a conhecer as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., à atividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento;

   43. O Sr. Juiz arguido sabia que que as circunstâncias respeitantes ao seu passado de militância na Juventude ... e no Partido ..., à atividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento, eram suscetíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável no processo eleitoral relativo à autarquia de ..., nomeadamente à candidatura apresentada pelo grupo de cidadãos eleitores “GG - HH”, virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade e, apesar disso, para além de não ter dado conhecimento dessas circunstâncias à Senhora Juíza Presidente da Comarca de ... ou ao CSM, não diligenciou no sentido de ser dispensado de intervir no processo eleitoral relativo àquela autarquia;

  44. O Sr. Juiz arguido sabia que as circunstâncias referidas em 43 podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efetivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes, podendo e devendo ter agido de forma a evitar esse resultado.»

            Como consta ainda da deliberação impugnada:

   - Resulta da matéria provada que intervenção do Sr. Juiz arguido no processo eleitoral do município de ... não resultou de uma regular distribuição dos autos nos termos das regras legalmente previstos, até porque à data se encontrava colocado em exercício de funções em tribunal cuja competência não integrava o município de ..., mas por decisão da Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... ao abrigo do disposto pelo art. 94 nº3 al. b) da LOSJ, ou seja, por ter sido incluído, a seu próprio pedido, no mapa de turnos para ao processo eleitoral, em data anterior a Dezembro de 2016.

            - O Sr. Juiz arguido ofereceu-se para assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral no município de ... no período de 1 a 10 de Agosto tendo o Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, em 23.02.2017, homologado o mapa de turno ao processo eleitoral referente à Comarca de ... – arts. 5 e 6 dos factos provados. 

  - Conforme se refere na acusação, entendimento que sufragamos, as circunstâncias respeitantes ao passado de militância do Sr. Juiz arguido na Juventude ... e no Partido ..., à actividade política por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. GG e com o Sr. Dr. FF e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento, valoradas objectivamente a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador, eram susceptíveis de, caso viesse a proferir uma decisão desfavorável, nomeadamente à candidatura do grupo de cidadãos eleitores “GG - HH ...”, virem a ser invocadas para questionar a imparcialidade do Sr. Juiz arguido no processo eleitoral de ....

  Assim sendo impunha-se ao Sr. Juiz, não só por prudência mas também por dever de lealdade institucional quer com a Sra. Juíza Presidente da Comarca de Lisboa-‑Oeste quer com o CSM, que desde logo lhes desse conhecimento de tais circunstâncias, permitindo assim formular um juízo devidamente informado e esclarecido sobre a conveniência em ser ele a assegurar, ou não, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ....

  Tal obrigação/dever de cuidado impôs-se ao Sr. Juiz com redobrada exigência a partir de 12 de Julho de 2017, porquanto é inquestionável que, pelo menos o que a partir desta data, sabia que era previsível que viesse a pronunciar-se sobre a regularidade do processo eleitoral daquele município, a autenticidade dos documentos que o integravam e a elegibilidade dos candidatos, designadamente no que respeita às candidaturas apresentadas à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos “GG - HH” e pelo grupo de cidadãos “FF, ... EE”.

 Todavia mesmo quando, em Maio de 2017, a Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ..., na sequência de contacto que para o efeito lhe foi dirigido pelo CSM, o contactou para o efeito, o Sr. Juiz, sabendo que a informação que se pretendia obter estava relacionada com o facto de estar incumbido da realização do serviço de turno ao processo eleitoral do município de ..., não deu a conhecer tais circunstâncias respeitantes ao seu passado.

  - Resultou ainda provado que o Sr. Juiz sabia que tais circunstâncias podiam vir a ser publicamente divulgadas para questionar a sua imparcialidade e que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes.

           Perante o descrito quadro factual com que se deparou, exigia-se ao Sr. Juiz que agisse com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente - dever de cuidado interno – e, consequentemente, agir, - dever de cuidado externo - por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso, informando para o efeito a entidade – Juiz-presidente e/ou CSM – responsável pela homologação do mapa de turnos, a fim de ser ponderada a conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral nessas datas ou nomear outro Juíz ... em sua substituição.

            Assim […], ao omitir à Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... e ao CSM factos relevantes para se aferir da conveniência em ser ele a assegurar, como se tinha voluntariamente proposto, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., o Sr. Juiz deu azo a que, após a prolação da decisão a que se alude no ponto 27 da matéria de facto provada, viessem a ser publicamente divulgadas - e ao sentido dessa decisão associadas - as circunstâncias acima descritas, sabendo que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes.

      Com tal comportamento negligente o Sr. Juiz contribui de forma culposa/censurável para o resultado desvalioso ocorrido, pelo que incorreu em responsabilidade disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público, pois com a sua conduta abalou, como se disse, a confiança pública no sistema judicial - cfr. artigos 73º, nºs 1, 2, alínea a) e 3, da LGTFP, devendo consequentemente, face ao disposto nos arts. 32º e 82.º do EMJ, ser sancionado disciplinarmente».

       Como se vê, a infracção disciplinar cometida pelo A. resultou da circunstância de ter omitido à Sra Juíza Presidente da Comarca de ... e ao CSM factos relevantes para se aferir da conveniência em ser ele a assegurar, como se tinha voluntariamente proposto, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., o Sr. Juiz deu azo a que, após a prolação da decisão a que se alude no ponto 27 da matéria de facto provada [de rejeição da candidatura apresentada à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal de ... pelo grupo de cidadãos “GG – HH”], viessem a ser publicamente divulgadas - e ao sentido dessa decisão associadas - as circunstâncias acima descritas, sabendo que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes.

           

 Neste contexto, a a responsabilidade disciplinar do A. encontra plena justificação por violação de prossecução do interesse público, pois que, como se considerou na deliberação impugnada, com a sua conduta abalou a confiança pública e gerou no cidadão um sentimento de forte incerteza relativamente ao processo eleitoral e em relação ao sistema judicial.

 Em face do exposto, improcede a alegada violação do princípio ne bis in idem e, bem assim, a alegada contradição entre a deliberação impugnada e os seus fundamentos que manifestamente não se verifica.

5.2.2. Do erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais - inexistência de violação do interesse público

 5.2.2.1. Aproximamo-nos do exame da questão, esta sim, axial nesta impugnação e que respeita ao invocado erro na apreciação dos pressupostos jurídico-‑factuais e à alegada inexistência de violação do interesse público.

 Convocando o acórdão desta Secção de 18-12-2013, proferido no processo n.º 45/13.0YFLSB[14], o erro nos pressupostos de facto, em si mesmo, consubstancia um vício de violação da lei e consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação no caso concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.

    Por seu lado, o erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos. No primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação). No segundo caso, aplicou-se a lei correcta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação). No terceiro caso, qualificaram-se certos factos, numa figura jurídica quando deviam sê-‑lo noutra (erro na qualificação).

  Integrado no entendimento já sedimentado nesta Secção do Contencioso, dir-se-‑á, acompanhando os acórdãos de 23-02-2016, proferidos nos processos n.º 126/14.3YFLSB) e n.º 104/15.5YFLSB)[15], que o erro nos pressupostos de facto consubstancia um vício de violação da lei e consiste na discrepância entre os pressupostos factuais que baseiam a decisão e aqueles que efectivamente se verificam.

            Para que proceda a invocação de tal vício, o impugnante tem o ónus de invocar os factos que compõem a realidade que tem como verdadeira e demonstrar que os factos nos quais a administração se baseou não existiam ou não tinham a dimensão por ela suposta, não sendo subsumível ao erro nos pressupostos de facto a pretensa falta de consideração de factos tidos como relevantes pela recorrente.

  O erro nos pressupostos de direito reconduz-se à errónea interpretação ou aplicação (mormente, por falta de coincidência dos pressupostos de facto apurados com aqueles de que de depende a aplicação de determinado preceito) de regras de direito.

 Como igualmente se afirma no acórdão de 27-04-2016, proferido no processo n.º 118/15.5YFLSB[16], o erro nos pressupostos de facto constitui uma ilegalidade de natureza material (a que corresponde o vício de violação de lei) que se reconduz à consideração, na decisão de factos não provados ou desconformes com a realidade, o que é impassível de ser confundido com a diferente perspectiva que a recorrente tem acerca de factos indiscutivelmente comprovados.

    Ora, a matéria de facto considerada provada na deliberação impugnada, nomeadamente a factualidade vertida nos n.os 40 a 44, constitui base bastante para a conduta do impugnante ser sancionada em sede disciplinar, como foi, não procedendo a pretensão do A. no sentido de uma diferente análise ou valoração e interpretação dos pressupostos de facto que determinaram a deliberação impugnada. Tal pretensão não determina que a deliberação em causa esteja inquinada do vício de erro sobre os pressupostos de facto, os quais subjazem e justificam a referida deliberação, nos termos em que o CSM, no uso da discricionariedade técnica que, nesse campo, lhe assiste, os teve por fixados.

 Sendo que, como igualmente se considera no acórdão desta Secção de 30-05-2017, proferido no processo n.º 61/16.0YFLSB[17], o CSM dispõe de uma margem de discricionariedade no exercício da sua tarefa de densificação – atendendo às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso – da cláusula geral do art. 82.º do EMJ, motivo pelo qual a sindicabilidade judicial desse exercício apenas poderá radicar na ocorrência de erro manifesto ou grosseiro ou na adopção de critérios ostensivamente desajustados[18], situação que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço.

            No âmbito da apreciação dos pressupostos jurídico-factuais e perante todos os elementos de facto apurados, a deliberação impugnada mostra-se ajustada, improcedendo, também nesta parte, a impugnação deduzida.

 5.2.2.2. Prosseguindo, cumpre determinar se se verificou a violação pelo A. do dever de prossecução do interesse público.

 No plano do direito administrativo, os órgãos da Administração e os seus agentes devem diligenciar pela prossecução dos interesses públicos especificamente definidos por lei para cada concreta actuação normativamente habilitada.

 O dever de prossecução do interesse público encontra-se previsto no artigo 73.º, n.º 3, da LGTFP, aplicável ex vi artigo 131.º do EMJ, e consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, sendo entendido, nas palavras de PAULO VEIGA E MOURA, «como o dever de defender esse mesmo interesse público, o que aponta para a obrigação de o funcionário nortear toda a sua atuação no sentido de prosseguir aquele interesse, adotando os comportamentos que sejam exigíveis a esse fim e abstendo-se de toda e qualquer atuação que comprometa a sua realização»[19].

 Não obstante o «elevado grau de indeterminação»[20] de que se reveste o conceito de interesse público, não subsistem quaisquer dúvidas, de que, para além do dever funcional da imparcialidade que, nas suas vertentes objectiva e subjectiva, enforma toda a actividade jurisdicional do juiz, a compreensão externa da sua imparcialidade é, como bem se assinala na deliberação impugnada, um bem jurídico a tutelar, na medida em que a compreensão/ideia que os cidadãos têm da imparcialidade do juiz constitui um dos pilares fundamentais da confiança que depositam na boa administração de justiça.

 Tendo presente que a função primordial da judicatura se traduz na administração da justiça – artigo 3.º, n.º 1, do EMJ – impõe-se que o juiz se assegure que a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e a imagem global do poder judicial não seja afectada pelo seu desempenho ou comportamento.

           Daí que o comportamento adoptado pelo A. tenha efectiva relevância disciplinar.

 Perante o quadro factual considerado provado, nomeadamente o condensado nos n.os 40 a 43, impunha-se que o Senhor Juiz, ora A., «agisse com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente – dever de cuidado interno –  e, consequentemente, agir, – dever de cuidado externo –  por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso, informando para o efeito a entidade – Juiz-presidente e/ou CSM – responsável pela homologação do mapa de turnos, a fim de ser ponderada a conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral nessas datas ou nomear outro Juíz ... em sua substituição».

    Assim e conforme se refere na deliberação sob impugnação, «ao omitir à Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... e ao CSM factos relevantes para se aferir da conveniência em ser ele a assegurar, como se tinha voluntariamente proposto, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ..., o Sr. Juiz deu azo a que, após a prolação da decisão a que se alude no ponto 27 da matéria de facto provada, viessem a ser publicamente divulgadas – e ao sentido dessa decisão associadas – as circunstâncias acima descritas, sabendo que, com isso, ficaria abalada, como, efectivamente, ficou, a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes.

Merece, pois, a nossa concordância a conclusão extraída na deliberação em apreço nos termos da qual, «[c]om tal comportamento negligente o Sr. Juiz contribui de forma culposa/censurável para o resultado desvalioso ocorrido, pelo que incorreu em responsabilidade disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público, pois com a sua conduta abalou, como se disse, a confiança pública no sistema judicial - cfr. artigos 73°, n°s 1, 2, alínea a) e 3, da LGTFP, devendo consequentemente, face ao disposto nos arts. 32° e 82° do EMJ, ser sancionado disciplinarmente».

  5.3. Da falta de preenchimento do elemento objectivo do tipo disciplinar

Alega o A. a falta de preenchimento do elemento objectivo do tipo disciplinar, afirmando que «pelo menos dois elementos do tipo ilícito não se verificam, nomeadamente o relativo à culpa, aqui a título de negligência, e o relativo ao dano».

 O conceito de infracção disciplinar encontra-se genericamente contemplado no artigo 82.º do EMJ, nos termos do qual «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».

 A norma que vem de se citar, apenas pretende estatuir-prever a relevância disciplinar da violação dos deveres específicos que impendem sobre a categoria estatutária dos magistrados judiciais, sendo que a violação dos deveres gerais que recaem sobre todo e qualquer servidor público se encontra abstractamente prevista no artigo 73.º da LGTFP.

 Acompanhando o acórdão desta Secção do Contencioso de 04-05-2017, proferido no processo n.º 26/16.2YFLSB, estabelece o n.º 2, alínea a) desse preceito que um dos deveres gerais dos trabalhadores é o dever de prossecução do interesse público.

           

 Segundo ANA FERNANDA NEVES, «a infracção disciplinar é estruturada em torno da violação dos deveres que sobre o trabalhador público impendem». Porém, «o conceito de infracção disciplinar não se preenche, no entanto, com a violação indefinida de dever ou deveres disciplinares. O conceito de infracção disciplinar não prescinde do «facto», da descrição da conduta que corporize a violação deste ou daquele dever. Os deveres, segundo entendemos, objectivam, sintetizam as regras de disciplina e na medida em que materializam condutas tipificadas, ainda que de forma aberta, como infracções disciplinares, serão susceptíveis de punição enquanto tais»[21].

 Sendo que, afirma a autora, «[a]través dos deveres protegem-se certos bens jurídicos, entendidos como refracções dos interesses públicos prosseguidos pelo empregador público e passíveis de serem reconduzidas aos princípios constitucionais da eficácia, da imparcialidade e do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos»[22].

  Para que ocorra uma infracção disciplinarmente sancionável, torna-se necessário que ocorra uma conduta ilícita, ou seja, que o agente se comporte de modo a contrariar ou a contrapor-se a «uma norma preceptiva ou proibitiva ou como regra convencional», surgindo, em regra, a ilicitude, como elemento constitutivo do conceito de infracção disciplinar, recortada pela violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que o funcionário ou agente exerce[23]

 Do mesmo passo, para que possa ser imputada uma responsabilidade disciplinar a um agente, deve sacar-se o elemento culposo da conduta ou comportamento contrário a uma prescrição legal, preceptiva ou proibitiva. A culpa traduz-se numa realização ou manifestação de vontade dirigida à concretização de um desiderato que, na sua afirmação e desenvolvimento executivo, se prefigura como contrário a um dever ou a uma regra de conduta a que, funcionalmente, o agente está adstrito.  

            Como se considera no citado acórdão de 04-05-2017:

 «No domínio do direito sancionatório disciplinar, tal como acontece no caso de uma imputação objectiva e subjectiva de um facto contrário ao ordenamento jurídico, ilícito e antijurídico, torna-se necessário, para que seja imputável a um sujeito a prática de um ilícito disciplinar, que:  

  - tenha ocorrido um comportamento activo ou omissivo por parte de magistrado judicial que se traduza numa conduta formalmente desadequada e desconforme a um dever geral de conduta tal como ele se encontra definido e descrito na cartilha estatutária e de funcionamento e desempenho funcional dos magistrados;

   - que esse comportamento ou conduta revista a natureza de ilícita, ou seja, que ocorre uma situação subjectiva e objectiva de contraditoriedade da conduta revelada ao que está determinado numa norma jurídica relativamente à observância de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida;

- que se verifique um nexo de imputação do facto ao agente; e, finalmente, que na substancialidade da conduta ressuma uma censurabilidade, a título de dolo ou negligência.

    E, como igualmente se pondera no acórdão desta Secção do Contencioso de 16-‑12-2014, proferido no processo n.º 49/14.6YFLSB:

   «A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II vol., 9.ª edição, pág. 810, acrescentando que “é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação”; Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar, págs. 27 a 32) (STJ 31/03/2004).

O ilícito disciplinar configura-se assim de uma forma genérica convocando uma pluralidade de potenciais comportamentos que têm o denominador comum da violação de deveres que estão inscritos no ADN de qualquer cidadão que exerça funções públicas. A caracterização do ilícito disciplinar, de modo a poder abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis, exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo (Acórdão n° 384/2003, de 15/07/2003 DR 11 série, 30/01/2004, págs. 1709-1713; conf. Perfecto Andrés lbanez, La resistible tentación de la disciplina, Jueces para da Democracia - Información y Debate, n° 18, 1, 1993, Págs. 13-17).

  É evidente que tal característica do direito disciplinar é imposta pelas próprias circunstâncias de os comportamentos enquadráveis em tal tipo de ilícito serem múltiplos e insusceptíveis de serem concretamente tipificados por outra forma que não a referência a um juízo concreto da existência de um determinado dever. Como assinala o Tribunal Constitucional (cfr. Processo n° 664/94, DR II série, de 24 de Fevereiro de 1995), a regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no art. 29.º, n.º 1, da CRP, só vale qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau, pois as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas, sendo certo que a norma do art. 82°, EMJ, não é imprecisa, ao ponto de violar os princípios da legalidade e da tipicidade, uma vez que os elementos objectivos do tipo estão suficientemente definidos e previstos.

     Diferentemente do que sucede no direito criminal, o direito disciplinar, de natureza e com finalidades bem diversas, admite a existência de inúmeros deveres inominados e atípicos que têm por finalidade permitir ao ente colectivo, à Administração, atingir os fins para que foi instituído. Por isso, a criação de "típicos" tipos legais, fixos e concretos, poderia trazer o risco de deixar de fora muitas condutas disciplinarmente relevantes, que ficariam impunes, com o sacrifício da igualdade e da justiça. A enumeração é não taxativa e o bem jurídico reporta-se a todos os actos ou omissões incompatíveis com a dignidade do exercício da função soberana de Julgar.

  Sendo certo que o preceito em causa apela a conceitos indeterminados igualmente é exacto que tal não significa ausência de critérios de decisão ou insindicabilidade judicial desses critérios. Significa apenas que a lei confere ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses critérios, precisamente porque reconhece que é impossível elencar exaustivamente os comportamentos públicos susceptíveis de afrontar a dignidade da magistratura (acórdão do Tribunal Constitucional nº 384/2003, de 15/07/2003.»

    Ainda segundo o citado acórdão, face ao disposto no artigo 82.º do EMJ, «constituem-se, como elementos essenciais da infracção disciplinar os seguintes: I - uma conduta activa ou omissiva do agente (facto); II - conduta essa com carácter ilícito (ilicitude); III - censurabilidade da conduta, a título de dolo ou mera culpa (nexo de imputação)».

 Perante a factualidade apurada, impunha-se ao A. uma conduta diferente daquela que assumiu. Poderia, e deveria, ter informado a Senhora Juíza Presidente de Comarca ou o CSM da existência de circunstâncias pessoais suscetíveis de abalar - como efetivamente ficou abalada - a confiança pública no sistema judicial e na integridade dos juízes, permitindo, assim, a sua substituição e a prevenção do resultado lesivo verificado, circunstâncias essas respeitantes ao seu passado de militância na Juventude Social-Democrata e no Partido ..., à actividade politica por si desenvolvida a favor desse partido, ao relacionamento que, na sequência dessa militância, estabeleceu com o Sr. Dr. Isaltino Morais e com o Sr. Dr. Paulo Vistas e, ainda, ao facto de, a seu convite, este último ter sido seu padrinho de casamento. Essas circunstâncias, valoradas objectivamente a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador, eram susceptíveis de, caso o Ex.mo Juiz A. viesse a proferir uma decisão desfavorável, nomeadamente à candidatura do grupo de cidadãos eleitores 'Isaltino - Inovar ...", virem a ser invocadas para questionar a sua imparcialidade no processo eleitoral de ....

     Impunha-se ao A., como é frisado na deliberação impugnada, não só por prudência mas também por dever de lealdade institucional quer com a Sra. Juíza Presidente da Comarca de ... quer com o CSM, que desde logo lhes desse conhecimento de tais circunstâncias, permitindo assim que se pudesse ter formulado um juízo devidamente informado e esclarecido sobre a conveniência em ser ele a assegurar, ou não, o serviço de turno ao processo eleitoral relativo ao município de ....

  Assim, e concordando com a conclusão expressa na deliberação aqui em causa, impunha-se ao A. que agisse com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente - dever de cuidado interno – e, consequentemente, agir - dever de cuidado externo - por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso, informando para o efeito a entidade - Juiz-presidente e/ou CSM - responsável pela homologação do mapa de turnos, a fim de ser ponderada a conveniência em ser ele a assegurar o serviço de turno ao processo eleitoral nessas datas ou nomear outro Juíz ... em sua substituição.

 Consideramos, pois, indiscutível o preenchimento do elemento objectivo do tipo disciplinar e dos demais elementos dessa infracção, sendo patente a existência de culpa do A. na verificação do resultado desvalioso (dano) que efectivamente ocorreu traduzido na criação de um sentimento de suspeição quanto ao exercício das suas funções com imparcialidade no processo eleitoral com o que pôs em causa a confiança da comunidade em geral no sistema judicial e na integridade dos juízes.

   5.4. Da violação do princípio da proporcionalidade

 O princípio da proporcionalidade tem consagração constitucional no artigo 266.º, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e é desenvolvido no artigo 7.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), nos termos do qual as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições jurídicas na medida do necessário e em termos proporcionais aos objectivos a realizar.

           

 Constituindo porventura o mais apurado parâmetro de controlo da actuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão, o princípio da proporcionalidade desdobra-se, segundo MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, em três dimensões: adequação, necessidade (ou proibição do excesso) e razoabilidade (proporcionalidade em sentido restrito).

      A adequação proíbe a adopção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;

     A necessidade proíbe a adopção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;

A razoabilidade proíbe que os custos da actuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização[24].

     Segundo estes autores, «[a] preterição de qualquer uma das três dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade: assim, para que uma atuação administrativa não seja desproporcional ela não pode ser, nem inadequada, nem desnecessária, nem desrazoável. Perante a preterição de uma delas, não vale sequer a pena analisar as demais.

    Sendo todas as dimensões da proporcionalidade de natureza relacional, a adequação e a necessidade fazem apelo a juízos abstractos de carácter fundamentalmente teleológico e lógico;

 A razoabilidade envolve um fim axiológico referente a colisões verificadas em concreto, implicando a formulação de ponderações. A sua objectividade enquanto parâmetro de controlo da margem de livre decisão administrativa é, assim, muito menor: é por isso que as possibilidades de controlo jurisdicional se limitam aos casos de desrazoabilidade manifesta.

 A dimensão da razoabilidade foi já objecto de uma densificação que lhe confere importância enquanto parâmetro específico de controlo da margem de livre apreciação: trata-se da figura do erro manifesto de apreciação, que ocorre nas situações em que a administração procede a uma qualificação grosseiramente errónea de uma realidade fáctica sob um dado conceito indeterminado, em termos tais que, nem o erro se pode considerar como coberto pela margem de livre decisão, nem a conduta administrativa, à luz do principio da separação de poderes, se pode considerar como imune ao controlo jurisdicional[25].

  Apreciando e aplicando o princípio da proporcionalidade, tem interesse convocar o acórdão desta Secção do Contencioso de 25-09-2014, proferido no processo n.º 21/14.6YFLSB:

           

  «Como referem alguns autores, a actuação administrativa colidente com a posição jurídica dos administrados deve ser adequada e apta à prossecução do interesse público, necessária ou exigível à satisfação daquele interesse, e proporcional em relação ao custo/benefício.

 Acompanhando alguns desses autores, Freitas do Amaral define o princípio da proporcionalidade como aquele “segundo o qual a limitação de bens ou interesse privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”, que congrega três dimensões essenciais: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação significa que a medida tomada em concreto deve ser causalmente ajustada à finalidade que se propõe atingir, numa relação de ajustamento ponderado entre o meio usado e o fim ou objectivo conseguido; a necessidade significa idoneidade para o fim que se pretende alcançar, no sentido em que, de entre as várias medidas abstractamente idóneas deve ser escolhida aquela que menor lesão cause a direitos e interesse dos particulares; o equilíbrio exige que os benefícios que se esperam alcançar com determinada medida administrativa, adequada e necessária, suplantem, segundo parâmetros materiais, os custos que ocasionará [[26]].

    Igualmente no dizer de Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim o princípio da proporcionalidade constitui “um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica não estar a Administração obrigada apenas a prosseguir o interesse público - a alcançar os fins visados pelo legislador - mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares”, sublinhando ainda os mesmos autores que o princípio da separação de poderes exclui o controlo jurisdicional sobre a oportunidade e mérito da actividade administrativa e que “a proposição pacífica da invalidade jurídica do acto desproporcionado (ou inadequado) tem, pois, de ser entendida cuidadosamente: é fácil asseverar que não se pode, para esses efeitos, confundir a proporcionalidade (jurídica) com o mérito (administrativo) de uma decisão, mas é muito difícil determinar através de cláusulas gerais onde acaba uma e começa o outro - salvo tratando-se de um caso de inadequação objectiva da medida tomada à finalidade proposta”[[27]].

 Em consonância, reiterando a jurisprudência deste Supremo Tribunal, sumariou-‑se no Ac. de 16/11/10, proferido no Proc. nº 451/09.5YFLSB: “No campo do direito administrativo sancionatório, concretamente do procedimento disciplinar, a sindicância que cabe à instância de recurso, em nome ainda daquela proporcionalidade, passará por acolher a pretensão de impugnação do acto, sempre que à factualidade fixada […], for dado um relevo ostensivamente desadequado, traduzido na punição, na escolha e medida da sanção aplicada.

  Essa desadequação ostensiva surgirá sempre que o tribunal ad quem conclua que, tendo respeitado a “área designada de justiça administrativa”, em que a Administração se move a coberto da sindicância judicial, mesmo assim tenha ocorrido a utilização de critérios estranhamente exigentes, ou a violação grosseira de princípios que devem reger a actividade administrativa”[[28]].

  Em suma, o princípio da proporcionalidade implica que a Administração, no uso de poderes discricionários, deva prosseguir o interesse público em termos de justa medida, isto é, escolhendo as soluções de que decorram menos gravames, sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos administrados, acabando por funcionar como factor de equilíbrio, de garantia e de controlo dos meios e medidas adoptadas pela Administração.

 Por outro lado […], importa não esquecer, conforme entendimento jurisprudencial há muito sedimentado, que “ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.”[[29]]. É, assim, óbvio que essa margem de liberdade administrativa não afronta o princípio constitucional e legal da proporcionalidade».

           À luz do princípio da proporcionalidade, passando à análise do caso dos autos, consideramos que não existem elementos que legitimem a conclusão de que a pena aplicada esteja em desconformidade patente com a infracção disciplinar sancionada.

            O A. foi sancionado com a pena de advertência registada.

    Como se pode ler no acórdão desta Secção de 25-10-2018, proferido no processo n.º 5/18.3YFLSB, o artigo 85.º do EMJ, «depois de no nº 1 elencar a escala das penas a que os magistrados judiciais estão sujeitos – desde a de advertência [al. a)] até à de demissão [al. g)] –, prescreve no seu n.º 2 que, «Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as penas aplicadas são sempre registadas». Na sequência, esse n.º 4 consagra a possibilidade de a pena prevista na referida al. a) (de advertência) «ser aplicada independentemente de processo, desde que com audiência e possibilidade de defesa do arguido, e não ser sujeita a registo».

     Aí se dando nota de que a conjugação dos elementos literal, sistemático, histórico e racional que intervêm na interpretação da norma contida no art. 85.º do EMJ permitem concluir que, sendo as penas disciplinares, por regra, sempre sujeitas a registo, uma pena de advertência registada não pode ser aplicada a um juiz sem precedência de processo disciplinar».

    Justificando-se que aqui se evoque a ponderação feita nesta Secção do Contencioso no acórdão de 17-04-2008, proferido no processo n.º 07P1521, sobre a matéria da pena de advertência e o seu não registo, no anterior acórdão de 17/4/2008, assim sintetizada no respectivo sumário:

 «X - Ora, se domínio penal a censura encontrada para o recorrente era a da dispensa de pena, seria mais adequado encontrar no domínio disciplinar uma pena que se lhe equiparasse, pois, neste caso concreto, a advertência disciplinar move-se num terreno muito aproximado ao da reprovação penal. Mas não há no domínio disciplinar a dispensa de pena.

 XI - Pode o órgão competente, porém, não aplicar qualquer sanção, mesmo após concluir sobre a existência de matéria disciplinar, por não a julgar necessária face às circunstâncias. Como pode limitar-se a aplicar uma advertência não registada, que é uma pena disciplinar equiparável à dispensa de pena. Na verdade, o significado técnico da dispensa de pena no Código Penal é a de uma censura penalmente relevante, pois há condenação, mas a que não corresponde qualquer pena, o que, no campo disciplinar, equivale à advertência não registada, onde se pode dizer que há uma condenação, mas que não fica no cadastro do Magistrado.».

  Na verdade, considera-se ainda no citado acórdão de 25-10-2018, «a pena de advertência “consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível» e «é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo” (arts. 86º e 91º do EMJ).

     É certo que a advertência é uma pena que se esgota em si e se considera efectivamente aplicada a partir do momento em que é decidida e transita, sendo meramente acessório o seu registo. Todavia, o registo da advertência, ao facultar ao órgão decisor que a respectiva condenação seja tomada em consideração em futuros processos disciplinares, avaliações de mérito ou concursos de acesso aos tribunais superiores, potencia efeitos tendencialmente gravosos no percurso profissional do juiz, o que não sucede com uma pena não registada já que qualquer posterior decisão virá a ser tomada como se a condenação naquela não existisse […]

  Assim, uma vez que, como vimos, a pena de advertência pode ser aplicada em duas modalidades distintas – mediante registo ou sem este –, parece-nos, em abstracto admissível a sua aplicação sem registo nos casos em que seja praticada irregularidade ou falta levíssima, ou seja, nos casos revestidos de gravidade objectiva e/ou grau de censurabilidade que, embora não possa passar sem reparo, não deva ser posteriormente levada em consideração e que, por isso, consinta, quer uma decisão perfunctória – apenas estribada numa análise de indícios –, quer a excepcional dispensa do exercício do direito de audiência e de defesa do arguido no âmbito dum processo disciplinar, bem como a economia da instrução deste. Contudo, com registo, atendendo aos onerosos efeitos deste, tal aplicação já não é configurável sem processo disciplinar».

    A aplicação da pena de advertência registada aplicada ao A. surge assim justificada na deliberação impugnada:

   «O elenco das penas aplicáveis aos magistrados judiciais pela prática de infracções disciplinares consta do art. 85.º, n.º 1 do EMJ: advertência, multa, transferência, suspensão de exercício, inactividade e aposentação compulsiva.

           

   Quanto à determinação da medida da pena, o art. 96 do EMJ dispõe que se deve atender à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.

     Pelo Ex.mo Sr Inspector Judicial é proposta a aplicação da pena de advertência, cuja escolha fundamenta nos seguintes termos:

  “No caso concreto, embora se me afigure que não estamos propriamente perante uma “falta leve”, ponderando, porém, por um lado, as razões (circunscritas à necessidade de acautelar a imparcialidade objectiva – a compreensão externa da imparcialidade) que levam à afirmação do desvalor do comportamento omissivo em causa, por outro lado, que a divulgação pública dos factos em apreço assumiu uma dimensão que foi potenciada pelo concreto circunstancialismo vivenciado nas eleições autárquicas do município de ... e, por fim, o facto de o Sr Juiz arguido, sem antecedentes disciplinares, que, apesar do seu ainda curto percurso profissional, viu já o seu desempenho reconhecido com nota de mérito, ter sempre, como vem referido no relatório da última inspecção ordinária ao seu serviço, atuado com independência e isenção, demonstrando ter exercido a função com a reserva que deve caracterizar qualquer Juiz, sendo respeitado pelos seus pares, que nele depositaram confiança para o exercício do cargo de Juiz Coordenador, creio, com todo o respeito por opinião diferente por parte do Conselho Superior da Magistratura, que a pena de advertência é adequada e proporcional à infracção praticada.”

           Concordamos com o entendimento do Ex.mo Sr. Inspector Judicial, considerando, sobretudo, estar-se perante uma violação com mera culpa de deveres funcionais assim como as ditas circunstâncias relativas ao exercício da função que depõem claramente a seu favor, razão pela qual se nos afigura por adequada e suficiente a aplicação da pena de advertência.

     Finalmente, consideradas as especiais necessidades de prevenir o magistrado do especial desvalor do resultado a que conduziu a sua descrita conduta, entendemos não dever ser dispensado o registo dessa pena ao abrigo do disposto pelo art. 85.º, n.º 4, parte final, do EMJ.»

 À luz do enquadramento legal sancionatório (cfr. artigos 85.°, n.º 1, 90.º e 95.º, n.º 1 do EMJ), perante todo o circunstancialismo fáctico que foi apurado, concordando com a deliberação sob impugnação, consideramos que a sanção aplicada – advertência – não é desproporcionada aos fins visados pela lei, ou que traduza a imposição de um sacrifício excessivo e desproporcionado para a posição jurídica do A, justificando-se, por razões de prevenção, o seu registo, como bem se assinala na mesma deliberação, não se vislumbrando também aqui ofensa do princípio da proporcionalidade.

       III - DECISÃO

  Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente acção de impugnação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 12-06-2018 proposta pelo Juíz ... Dr. AA.

Custas pelo Demandante, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Valor da causa: € 30.000,01

Lisboa, 4 de julho de 2019

Manuel Augusto Matos (Relator)

Alexandre Reis

Tomé Gomes

Ferreira Pinto

Helena Isabel Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

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[1]  Quanto a decisões respeitantes a estes procedimentos, esta Secção (acórdão de 28-02-2018, p. 69/17.9YFLSB) já considerou que «Pelo valor reforçado que as normas vinculativas da CEDH assumem no ordenamento jurídico nacional e posto que as decisões do TEDH podem constituir fundamento de revisão de decisões transitadas em julgado (art. 696.º, al. f), do CPC), é, cautelarmente, de acompanhar o entendimento professado por essa instância internacional relativamente aos poderes cognitivos do STJ em matéria de facto em sede de contencioso disciplinar».          
[2]  Disponível, como os demais que se citarem sem outra menção, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt. Sublinhados no original.
[3] Neste sentido, os acórdãos de 25.10.2018, proferido no Processo n.º 7/18.1YFLSB, e de 22.01.2019, proferido no Processo n.º 65/18.0YFLSB, ambos desta Secção do Contencioso.
[4] Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 – 4.ª edição, Almedina, páginas 1346/1347.
[5]    Obra citada, páginas 1347/1348.
[6] Por se vir entendendo que, refere-se no mesmo acórdão, «de harmonia com o nosso actual ordenamento jurídico-positivo, a acção impugnatória que seja interposta de deliberação do CSM é um processo de mera legalidade e não de jurisdição plena, o que implica que o impugnante apenas pode peticionar ao STJ a declaração de nulidade, a anulação ou a declaração de inexistência da deliberação, com base no inadimplemento de normas e princípios jurídicos a que aquele órgão está sujeito, mas já não que o STJ se substitua àquele, no uso dos respectivos poderes e prerrogativas, ou que modifique um acto que se tem como lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos (cf. arts. 3º, nº 1, 50º e 95º, nº 3, todos do CPTA, ex vi arts. 168º, nº 5 (-), e 178º (-) da Lei 21/85)».
[7] Mapa do calendário das operações eleitorais (eleições gerais para os órgãos das autarquias locais) publicado pela Comissão Nacional de Eleições na sua página da internet.

[8] Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico-Disciplinar da LTFP, Rei dos Livros, 2018, pp. 699-700.
[9]  Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secção de Contencioso - Boletim anual -2016, Assessoria Contencioso.
[10]  Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, Boletim Anual 2017 – Assessoria do Contencioso.
[11] Os Limites Objectivos do Ne Bis in Idem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, p. 147.
[12]   Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 497.
[13] Apud Jorge Miranda e Rui Medeiros “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª Edição, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, p. 676.
[14]  Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, Boletim Anual 2013 – Assessoria do Contencioso.
[15] Este último em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, Boletim Anual 2013 – Assessoria do Contencioso.
[16]   Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, Boletim Anual 2016 – Assessoria do Contencioso.
[17]   Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, Boletim Anual 2017 – Assessoria do Contencioso.
[18]     V. neste sentido, o acórdão desta Secção de 16-06-2015 (Proc. n.º 99/13.0YFLSB).
[19] Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2009, p. 43.
[20] MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo 1, Dom Quixote, p.202.
[21] O Direito Disciplinar da Função Pública, Vol. II, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2007, p. 170.
[22]    Ob. cit., p. 175.
[23]    Acompanha-se, de novo, ANA FERNANDA NEVES, ob. cit., p. 186.
[24]      Ob. cit., pp. 2017-2018.
[25]     Idem, pp. 208-209.
[26]   In Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, págs. 129/132. Em sentido idêntico, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 924, e João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 7ª ed., pág. 78.
[27]           Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., págs. 103/105.
[28]     Disponível nos Sumários da Secção do Contencioso.
[29]    Ac. do STA de 29/03/07, Rec. nº 412/05; cfr. ainda, no mesmo sentido, a demais jurisprudência neste aresto citada, bem como  os Acs. do mesmo STA de 23/09/10,  Rec. nº 58/10 e de 19/05/11, Rec. nº 01198/09, disponíveis no IGFEJ.