Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO OPOSIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO CONFLITO DE INTERPRETAÇÕES NORMATIVAS IDENTIDADE DE SITUAÇÕES MATERIAIS QUESTÃO ESSENCIAL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / DISPOSIÇÕES GERAIS / RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 14.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 189/13.9TBCCH-B.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 24-10-2017, PROCESSO N.º 455/16.1T8SNT-A.L1.S1. | ||
Sumário : |
I. Aos recursos interpostos no âmbito do processo de insolvência (incluídos os incidentes nele processados) e no apenso de embargos à declaração de insolvência aplica-se o regime recursivo especial do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE. II. Para que um recurso interposto nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE seja admissível é necessário que se verifique, além das condições gerais de admissibilidade dos recursos e das condições gerais de admissibilidade da revista, uma oposição das soluções dadas pelo Acórdão recorrido e pelo Acórdão fundamento à mesma questão fundamental de direito. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrentes: AA e BB Recorrida: CC - Projecto e Construções, Lda.
1. AA e BB, identificados nos autos, interpuseram recurso de apelação do despacho do Juízo de Comércio de Lisboa, preferido em 27.11.2017, que indeferiu o pedido de notificação do Administrador da Insolvência nos autos em que foi declarada a insolvência de CC - Projecto e Construções, Lda,, “para em prazo razoável a fixar segundo o prudente arbítrio do Tribunal, e ao abrigo do disposto no artigo 105.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), proceder à entrega de uma obra, tal como solicitado numa carta que lhe foi enviada para o efeito, ou se pronunciar fundamentadamente sobre o assunto”. O despacho recorrido (fls. 39 e 40 dos autos) era do seguinte teor: “Requerimentos de fls. 168 e seguintes (ref. ...), de fls. 211 e seguintes (ref. ...) Através de requerimentos introduzidos nos autos, vieram AA e BB, invocando a qualidade de interessados, requerer, ao abrigo do art.º 105º do CIRE, que seja ordenada a notificação do Sr. Administrador de Insolvência para, em prazo razoável, proceder à entrega da obra aos requerentes, em conformidade com a missiva remetida ao referido administrador (junta a fls. 169 verso-171). Alegam que ocorreu recusa do administrador no cumprimento do contrato de empreitada em curso e que o imóvel cuja entrega pretendem seja determinada se encontra na posse da insolvente. Juntam, para o efeito, um contrato denominado de empreitada, na qual a insolvente figura como garante e em que figura como empreiteiro DD(fls. 171 verso-176). Juntam, ainda um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Na missiva dirigida ao Sr. Administrador de Insolvência invocam que por decisão transitada em julgado foram condenados a pagar solidariamente à Insolvente e a DD a quantia de € 299.278,74 e que decorre da não aceitação da obra por parte dos requerentes que os mesmos têm direito a uma indemnização que estimam no valor de € 264.000 e que os trabalhos de recuperação do imóvel ascenderão à quantia de € 150.000, pretendendo operar uma compensação (parcial) do crédito da massa insolvente com o crédito a que se arrogam. Requerem, portanto, a entrega do imóvel, mediante a contra-entrega à massa da quantia de € 14.000. Foram ouvidos o Sr. Administrador da insolvência, que veio alegar que a insolvente não figura no contrato como empreiteira, mas apenas como garante, sendo improcedente a pretensão dos requerentes (fls. 270 (ref. …), a comissão de credores, tendo a CGD e o ISS dito nada ter a opor ao requerido, e EE(fls. 269), igualmente membro da Comissão de Credores e ex trabalhador da insolvente, que veio opor-se ao requerido, afirmando que o litigo em questão não diz respeito à massa. Pronunciou-se, espontaneamente o interessado DD(fls. 258 e seguintes - ref. …), tendo vindo sustentar a improcedência do requerido, alegando que é o próprio que tem a posse do imóvel ao abrigo de um direito de retenção, pelo que a massa não tem qualquer direito sobre o imóvel, nem a posse nem a sua detenção. Entenderam, ainda, os requerentes, apresentar sucessivos requerimentos de resposta às pronúncias mencionadas, mantendo, no essencial, o já alegado e requerido. Ora dos autos não resulta, desde logo, que a massa tenha na sua posse o imóvel cuja entrega é solicitada, sendo que o interessado DD já veio alegar ter o imóvel na sua posse, ao abrigo de um direito de retenção. Também não resulta dos autos que os requerentes tenham o crédito a que se arrogam e cuja compensação pretendem operar (parcialmente) com um crédito da massa, sendo certo que o mesmo, a existir, não foi reclamado nestes autos. Também tal alegado crédito dos requerentes não resulta do acórdão do STJ junto aos autos pelos requerentes. Face ao exposto, carece de fundamento de facto ou de direito a pretensão dos requerentes, não podendo concluir-se pela existência de um negócio cujo cumprimento seja recusado pelo administrador da insolvência, sendo inaplicável o disposto no art.º 105º do CIRE. Assim, indefere-se o pedido de notificação formulado. (…).” Apreciadas as questões resultantes das conclusões das alegações dos recorrentes, o Tribunal da Relação de Lisboa concluiu, por Acórdão de 4.10.2018 (fls. 167 e s.), o seguinte: “Assim sendo, perante a factualidade apurada nos autos, toda a alegação dos recorrentes carece de fundamento, não resultando dos autos que a massa insolvente de CC – …, Lda. tem na sua posse o imóvel cuja entrega pretendem, não resultando do contrato de empreitada e do Acórdão do STJ junto aos autos que os recorrentes são titulares de quaisquer créditos, designadamente, os créditos que invocam na sua carta ao A.I., no montante global de € 207.000, não se mostrando preenchidos os pressupostos dos artºs 102º e 105º do CIRE. Em conclusão, não se mostra provada a existência de um negócio cujo cumprimento seja recusado pelo administrador da insolvência, sendo inaplicável o disposto no artº 105º do CIRE, tal como decidiu o despacho recorrido. Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, improcedem as conclusões das alegações de recurso devendo, consequentemente, o despacho recorrido ser confirmado, não merecendo o recurso provimento”. Inconformados, os autores, ora recorrentes, interpuseram, então, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 184 e s.). Nas suas alegações de recurso, formulam os recorrentes as seguintes conclusões:
Tendo sido o processo distribuído â presente Relatora, proferiu esta um despacho em 3.05.2019, manifestado fundadas dúvidas quanto à admissibilidade do recurso por inexistir contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento, exigida pelo artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, e determinando cumprimento do disposto no artigo 655.º,n.º 1, do CPC. Ao abrigo desta última norma, vieram os recorrentes continuar a sustentar a admissibilidade do recurso, voltando a alegar a existência daquela contradição. A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando, essencialmente, pela inadmissibilidade do recurso. * II. APRECIAÇÃO DO RECURSO
A questão prévia da admissibilidade do recurso Existe uma questão prévia que cabe apreciar: a admissibilidade do recurso. A questão foi expressamente suscitada pelos recorrentes nas alegações de recurso, alegando estes que, estando em causa recurso de revista de Acórdão que apreciou despacho de indeferimento do pedido de notificação do administrador da insolvência proferido no processo de insolvência, é aplicável o regime recursivo especial disposto no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE. Determina esta disposição legal que “[n]o processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”. Quer isto dizer que a admissibilidade dos recursos de revista que são interpostos no âmbito do processo de insolvência (incluídos os incidentes nele processados) e no apenso de embargos à declaração de insolvência depende sempre da verificação de uma oposição de julgados[1]. Sucede que, como se diz, entre outros, em Acórdão desta 6.ª Secção de 24.10.2017[2], a norma do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE não confere um direito adicional ao recurso de revista e, consequentemente, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade dos recursos (cfr., designadamente, os artigos 629.º, 631.º, 638.º e 641.º do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE) nem das condições gerais da admissibilidade do recurso de revista (artigo 671.º do CPC, também ex vi do artigo 17.º do CIRE). Ora, tendo o Acórdão recorrido incidido sobre uma decisão interlocutória que recai sobre a relação processual, o recurso de revista só seria admissível se ocorresse alguma das hipóteses previstas no artigo 671.º, n.º 2, do CPC. Essas hipóteses, porém, manifestamente, não ocorrem. Ainda que assim não fosse, sempre teria de se verificar, como se disse, a oposição de julgados exigida pelo artigo 14.º, n.º 1, do CIRE. Mas tão-pouco essa se verifica. Se não veja-se. Tentam os recorrentes demonstrar a oposição, juntando cópia do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.11.2010, Proc. 8607/08.1YYPRT-A.P1 (também disponível em http://www.dgsi.pt), Acórdão este que deve ser qualificado, nos termos da norma do artigo 637.º, n.º 2, do CPC como “Acórdão fundamento” (e não, como parecem crer os recorrentes, como “Acórdão contrário”). Como se viu, a questão apreciada no Acórdão recorrido prende-se com o mérito do despacho do Tribunal de 1.ª instância que indeferiu o requerimento de notificação ao administrador da insolvência para proceder, ao abrigo do artigo 105.º do CIRE, à entrega de uma obra. Decidiu o Tribunal a quo pela confirmação do despacho recorrido por não se verificarem os pressupostos dos artigos 102.º e 105.º do CIRE, com base na seguinte fundamentação: “Assim sendo, perante a factualidade apurada nos autos, toda a alegação dos recorrentes carece de fundamento, não resultando dos autos que a massa insolvente de CC – …, Lda. tem na sua posse o imóvel cuja entrega pretendem, não resultando do contrato de empreitada e do Acórdão do STJ junto aos autos que os recorrentes são titulares de quaisquer créditos, designadamente, os créditos que invocam na sua carta ao A.I., no montante global de € 207.000, não se mostrando preenchidos os pressupostos dos artºs 102º e 105º do CIRE. Em conclusão, não se mostra provada a existência de um negócio cujo cumprimento seja recusado pelo administrador da insolvência, sendo inaplicável o disposto no artº 105º do CIRE, tal como decidiu o despacho recorrido”. Enquanto isso, a questão apreciada (e bem delimitada) no Acórdão fundamento é a de saber “se estão ou não verificados os pressupostos legais de que depende a compensação de créditos, de forma a apurar se crédito invocado pelos Oponentes pode ou não ser considerado para extinguir, por compensação, o crédito exequendo”. Ficou decidido no Acórdão fundamento que “não estão reunidos os pressupostos para que possa operar a compensação invocada pelos Oponentes (…)”, a inadmissibilidade da compensação decorre do facto de não existir ainda, em rigor, um qualquer crédito dos Oponentes judicialmente exigível, na medida em que o crédito que invocam baseia-se em alegada responsabilidade civil do Exequente e esta responsabilidade carece de prévia declaração judicial, que não se alegou ter existido”. É manifesto que as questões apreciadas em cada um dos Acórdãos não se reconduzem a uma “mesma questão essencial de direito”. Uma (a do Acórdão recorrido) é a de saber se, num processo de insolvência, a insolvente está obrigada à entrega de uma obra ao abrigo de contrato de empreitada; outra (a do Acórdão fundamento) é a de saber se, em sede de oposição à execução, os oponentes podem extinguir, por compensação, o crédito que invocam. Mas veja-se ainda o trecho do sumário do Acórdão fundamento que os recorrentes destacam: “(…) a mera circunstância de o crédito não estar judicialmente reconhecido e a mera circunstância de o crédito ser controvertido – porque o respectivo devedor impugna a sua existência – não constituem, em princípio, obstáculo à admissibilidade de invocação da compensação, na oposição à execução, para efeitos de extinção do crédito exequendo, devendo ser feita a prova do crédito e da sua exigibilidade no processo onde a compensação é invocada. Todavia, estando em causa uma obrigação de indemnizar (emergente de responsabilidade civil), essa obrigação e respectivo direito de crédito não tem existência real e não é judicialmente exigível sem que seja declarada a verificação do facto de que emerge esse crédito (a responsabilidade civil), pelo que, enquanto não existir decisão judicial que reconheça esse facto, o eventual crédito daí emergente não pode ser invocado para efeitos de compensação”. Significa isto que, no entender dos Juízes do Tribunal da Relação do Porto, para ser possível invocar, em sede de oposição à execução, a compensação de créditos emergentes de responsabilidade civil, basta uma sentença judicial que reconheça tal responsabilidade. Nada disto obsta, contudo, à conclusão da falta da identidade da questão essencial de direito. A questão da admissibilidade da invocação de créditos e, em particular, de créditos resultantes de responsabilidade civil, para efeitos de compensação, em sede de oposição de execução, não é uma questão que chegue sequer a ser aflorada no Acórdão recorrido. E ainda que, na linha do que parecem pretender os recorrentes, fosse possível converter a questão numa outra, de alcance mais geral – a questão de saber o que é suficiente / necessário para a invocação judicial de um crédito resultante de responsabilidade civil –, não se veria qualquer oposição entre os Acórdãos. Do Acórdão fundamento decorre que é sempre preciso uma decisão judicial em que se reconheça a responsabilidade civil. Do Acórdão recorrido não se retira, porém, o contrário, sendo recusada a pretensão dos recorrentes, simplesmente, por se ter concluído que a decisão em que os recorrentes alicerçavam a sua pretensão (o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.06.2017) não tinha aquela aptidão (“não tinha o alcance que os recorrentes lhe imputavam”), não resultando dela que os mesmos fossem titulares de algum direito de crédito sobre a insolvente. Assente que o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento não decidiram, como impõe o artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, “a mesma questão fundamental de direito”, tanto basta para concluir que, mesmo que se verificassem as condições gerais de admissibilidade dos recursos e as condições gerais de admissibilidade da revista, nunca se verificaria a oposição de acórdãos que seria necessária para a admissibilidade do presente recurso de revista.
* III. DECISÃO
Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista.
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Custas pelos recorrentes.
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LISBOA, 4 de Julho de 2019
Catarina Serra (Relatora)
Raimundo Queirós
Ricardo Costa
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