Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1/19.5T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NEGÓCIO FORMAL
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
RETROATIVIDADE
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ORDEM DE COMPRA
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
JUROS DE MORA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - No caso dos autos, a natureza jurídica da relação entre os autores (investidores não qualificados) e o réu (Banco) deve ser qualificada como um contrato de intermediação financeira, pois o Banco réu tratou da comercialização, aos seus balcões, de obrigações, tendo a iniciativa de contactar a autora para que ela emitisse a ordem de compra dessas obrigações emitidas por uma entidade terceira.

II – O negócio jurídico de intermediação financeira deve considerar-se como um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais, devendo ser reduzido a forma escrita (artigo 321.º, n.º 1, do CVM) e observar um conteúdo mínimo imposto por lei, funcionando assim como um instrumento de informação e de transparência contratual (artigo 321.º-A, do CVM).

III – A tese do recorrente, segundo a qual os negócios de execução são autónomos e permanecem válidos, porque se referem a ordens de compra assinadas pelo cliente, que o banco executou em nome deste, ao abrigo de um mandato com representação, não tem qualquer sustentação nos factos provados nem na lei.

IV - Tendo sido declarado nulo o contrato de intermediação financeira, por falta de forma, nulos serão também os negócios sucessivos, que se consideram negócios de execução do contrato de cobertura.  

V - Não se trata apenas do resultado de uma aplicação lógica do princípio da retroatividade, que concebe a invalidade negocial como uma invalidade derivada ou em cadeia, que destrói os negócios jurídicos subsequentes, celebrados com base no programa contido no negócio nulo, mas também de um regime imposto pela proteção dos interesses da parte mais fraca, que correspondem, não só a interesses privados dos investidores não qualificados, mas também a interesses de ordem pública e de segurança do mercado para os cidadãos.    

VI - O âmbito da declaração de nulidade e as suas consequências jurídicas devem ser determinados pela finalidade da espécie de invalidade negocial em causa e pelo seu concreto regime jurídico.

VII - Estas novas formas de nulidade designadas por nulidades de proteção ou nulidades axiológicas visam suprir a desigualdade informativa entre as partes e proteger os sujeitos mais vulneráveis.

VIII – O regime da nulidade (só é invocável pelo cliente) e a sua finalidade impõem, assim, na determinação das consequências da nulidade, um resultado que proteja a parte mais fraca e não beneficie a parte responsável pela inobservância da forma legal e do conteúdo mínimo obrigatório do contrato de intermediação financeira.

IX - Os negócios celebrados com base no contrato de intermediação financeira não são autónomos ou independentes em relação a este, mas negócios funcionalmente ligados ao contrato de cobertura, na medida em que correspondem à execução deste, e pressupõe-no necessariamente, sob pena de a autonomização dos negócios de aquisição de valores mobiliários, em relação ao contrato quadro, frustrar a proteção que a lei pretende garantir aos investidores. 

X - A nulidade do contrato de intermediação financeira retira ao Banco a legitimidade para atuar em nome do investidor. O negócio de compra de obrigações foi, assim, celebrado pelo Banco, sem poderes de representação, o que provoca a ineficácia do negócio de aquisição de valores mobiliários, em relação ao representado (artigo 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, como depositante bancário da quantia entregue para o efeito da dita aquisição, direito a pedir à entidade bancária a respetiva restituição.

XI - A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira importa para o intermediário financeiro, por força do princípio da restituição integral de tudo o que tiver sido prestado (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil),  a obrigação de restituir ao cliente a quantia que recebeu dele e que se destinava à transação de valores mobiliários, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 



I – Relatório


1. Na ação declarativa em processo comum, em que são autores, AA e BB e Réu, o BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., peticionaram os primeiros a efetivação de responsabilidade civil contratual decorrente da falta de cumprimento do contrato pelo Réu relativo à aplicação financeira em “obrigação SLN Rendimento Mais 2004”, no valor de €48.750,00, ou, subsidiariamente, declaração de nulidade do contrato, bem como, em qualquer caso, indemnização de €3.000,00 por danos não patrimoniais, consubstanciadas nos seguintes pedidos:

«a) Declarar-se que o R. não cumpriu os deveres de informação verdadeira, actual e objectiva que regulam a sua actividade, enquanto Banco intermediário financeiro e, em consequência, ser condenado a indemnizar os A.A. dos danos patrimoniais sofridos, que são os 48.750,00 € e juros legais desde 25/10/2014 até integral pagamento, sendo os vencidos até 30/12/2018, no montante de 8.163,29 €:

b) Se assim se não entender:

b.1 – Declarar-se nulo, por falta de forma, qualquer invocado contrato de adesão e contrato de intermediação financeira que o R. invoque para ter aplicado os 48.750,00 € dos A.A. em obrigações subordinadas SLN 2004 e, em consequência, condenar-se o R. a restituir tal montante de 48.750,00 €;

b.2 – Se declare ineficaz em relação aos A.A. a aplicação feitas dos 48.750,00 €, condenando-se o R., como depositário de tal quantia, a restituí-la acrescida de juros legais desde 25/10/2014 até integral pagamento, somando os vencidos até 30/12/2018 o montante de 8.163,29 €;

c) Em qualquer dos casos, condenar-se o R. a pagar aos A.A., a quantia de 3.000,00 € a título de danos morais».

     

2. Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Nos termos e fundamentos expostos,

1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência,

2. Declaro a nulidade, por falta de forma, do contrato de intermediação financeira relativamente à aplicação financeira “obrigação SLN Rendimento Mais” e, em consequência,

3. Condeno o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a restituir ao s Autores AA e BB a quantia de €48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

4. Absolver o Réu do restante pedido formulado pelos Autores.

5. As custas são a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.

6. Registe e notifique».


3. BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não se conformando com a sentença proferida, em sede de despacho saneador, veio interpor Recurso de Apelação,  no qual requereu a revogação da decisão e, em consequência, a absolvição do apelante da restituição do valor aplicado na subscrição das obrigações, ou, se declarado nulo o contrato de intermediação, opere a conversão deste num mandato comercial, ou, na eventualidade, de ser declarado nulo e não haver conversão do mesmo, serem os apelados condenados à restituição do valor recebido a título de juros.

4. O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

5. Novamente inconformado, o Banco BIC interpôs recurso de revista excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, nº 1, als. a) e b) do Código de Processo Civil, que foi admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

6. O recorrente, Banco BIC, terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

«1) A douta decisão recorrida fundamenta-se na nulidade do contrato de intermediação financeira por falta de forma, e com isso também dos contratos de prestação dos serviços de intermediação, como a recepção e transmissão de ordem, obrigando o R. a repetir o que teria recebido do A., concretamente no valor de 48.750,00€ correspondente ao preço pago pela compra de uma Obrigação SLN.

2) Ambas as instâncias acabam por condenar o Banco-R. com base no dever de repetir tudo o prestado em cumprimento de um contrato de intermediação financeira que as decisões declararam nulo. Todavia, parece-nos que o problema em discussão é bem mais complexo do que as doutas decisões parecem desenhar... é que com todo o respeito estamos perante uma relação jurídica complexa e multilateral, e que raramente tem sido analisada ou discutida nos tribunais como tal.

3) Em suma, em discussão temos:

- o âmbito da declaração de nulidade por falta de forma de um contrato sobre outro contrato celebrado válida e autonomamente, e

- as consequências da declaração de nulidade sobre contratos executados por terceiros ao contrato declarado nulo, e em particular negociações de valores mobiliários, e por fim,

- se o intermediário financeiro tem alguma prestação, além da comissão paga pela entidade emitente, a repetir por nulidade do contrato de intermediação financeira.

4) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida - cabe estabilizar a aplicação do direito em face deste cenário de tamanha incerteza e face a tal dimensão de contencioso.

5) É sabido que que pende um contencioso enorme à volta exactamente da problemática da responsabilidade do Banco, na pele de intermediário financeiro, quanto aos procedimentos de apresentação de instrumentos financeiros para subscrição por investidores clientes. Aliás, é conhecido certamente por esse Venerando Tribunal que pendem até vários recursos para uniformização de jurisprudência tendo esta matéria por referência.

6) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

7) Todavia, releva igualmente, e porque é questão amiudadamente colocada, a par do cumprimento dos deveres do intermediário financeiro, estabelecer e discutir a implicação de requisitos de forma sobre as mesmas relações jurídicas e o respectivo regime, tendo em consideração o estabelecimento de uma relação jurídica complexa e multilateral!

8) Ademais, nos autos discute-se o regime próprio da nulidade e seus efeitos no contexto próprio da relação de intermediação financeira, ou de uma relação contratual múltipla.

9) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º do Código de Processo Civil.

Dito isto,

10) Importa, antes de mais, estabelecer o quadro ou contexto contratual em que se insere a discussão da situação dos autos.

11) A relação de intermediação financeira em geral é fundada num contrato de intermediação financeira que enquadra as relações entre intermediário financeiro e investidor - este é o que se denomina normalmente por contrato de cobertura - é-lhe normalmente dada esta denominação exactamente porque os concretos serviços prestados não dependem jurídica ou funcionalmente, nem são sequenciais, relativamente ao contrato de intermediação.

12) Este contrato de intermediação é um contrato duradouro e de execução continuada, na medida em que estabelece um regime ao abrigo do qual serão celebrados outros contratos de execução instantânea no âmbito do concreto serviço de intermediação a executar.

13) Ao abrigo da relação de cobertura podem estabelecer-se inúmeros serviços, com outros tantos contratos, enumerados no art.º 290º do CdVM. O regime deste contrato é definido, por sua vez, de acordo com o específico regime que se lhe aplique - no caso da recepção e transmissão de ordem, além das normas expressas do CdVM, estamos claramente em presença de um contrato de um mandato com representação, ao abrigo do qual o investidor emite uma ordem de pagamento a favor de terceiro para pagamento de uma outra ordem que dá ao intermediário para que, em seu nome e por sua conta, adquira valores mobiliários.

14) Todavia, cada ordem emitida e retransmitida não depende da validade e/ou eficácia do, necessariamente anterior, contrato de cobertura - este apenas as enquadra num específico regime contratual de intermediação financeira,

15) Até porque estas ordens concretizam-se pela celebração em nome do investidor de contratos de que implicam a titularidade de valores mobiliários, com as inerentes posições creditícias a eles associadas, e às quais o intermediário financeiro é alheio!

Por outro lado,

16) Da matéria de facto considerada como provada nada consta sobre a assinatura ou não de um contrato de intermediação financeira. Existem menções, outrossim, quanto a documentação relativa à ordem de subscrição propriamente dita, mas nada mais! Como se uma e outra coisa fossem uma só!

17) Mas a ordem de subscrição, o negócio propriamente dito de compra das obrigações, nada tem que ver com o contrato de intermediação financeira.

18) A douta decisão recorrida assume, ou presume implicitamente, não ter sido assinado um contrato de intermediação financeira, sem que isso resulte como provado ou não provado da matéria de facto provada.

19) Provado ficou apenas que:

a. quanto à emissão da concreta ordem de subscrição de Obrigações SLN, o cliente assinou apenas o documento identificado no facto provado.

b. o A. não assinou qualquer outro documento para efeitos da subscrição.

20) Não resultando provada a não assinatura de um contrato de intermediação, não se vê como possa, em sequência, a decisão recorrida declarar a relação de intermediação como nula por falta de forma, e com isso anular depois um contrato de execução de serviços de intermediação propriamente ditos.

21) Com isso, incorreu a decisão em nulidade, nos termos previstos no art.º 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil, pois que não qualquer facto que funde a premissa essencial na decisão recorrida de afirmar não ter sido assinado contrato de intermediação financeira - apenas resulta que para a concreta subscrição dos títulos, o A. assinou apenas a respectiva ordem de subscrição! Mas para essa concreta operação nunca teria de assinar nada mais!

Acresce que,

22) Nos termos do disposto no art.º 289º do Código Civil, a declaração de nulidade de um contrato obriga à restituição de tudo quanto tiver sido prestado no âmbito desse contrato. Note-se que, nos termos estritos desta disposição, os efeitos da nulidade não ultrapassam o âmbito desse mesmo contrato.

23) Somos, todavia, capazes de admitir situações em que a mesma declaração, por retroactiva, implique a anulação de contratos celebrados subsequentemente em decorrência funcional ou operacional daquele primeiro - só assim se compreende os termos da excepção prevista no art.º 291º do Código Civil.

24) O negócio de intermediação e os respectivos negócios de execução, sendo sequenciais, não são funcionalmente dependentes, são negócios autónomos entre si e não têm as mesmas prestações por objecto.

25) Da declaração de nulidade de um contrato não resultam automaticamente efeitos anulatórios no âmbito de outros contratos, pelo menos que não tenham por objecto a exacta prestação a cuja devolução as partes estão obrigadas.

26) De todo o modo, não vemos que, mesmo a eficácia retroactiva do contrato de cobertura implique a nulidade ou anulação dos contratos de execução, e entre eles a recepção e transmissão de ordens.

27) Desde logo porque as prestações dos dois contratos em nada coincidem... ou seja a anulação do segundo contrato não se torna necessária de forma a assegurar a repetição da prestação do primeiro dos contratos.

28) Mas mais do que isso, por o negócio de execução se tratar de um contrato distinto e autónomo, subsistem as declarações de vontade emitidas para a sua celebração. Simplesmente, desaparece o enquadramento do contrato de cobertura e respectivo regime específico.

29) Restando as declarações de vontade emitidas pelas partes, devem elas ser respeitadas e cumpridas estritamente, já não com a cobertura de um contrato de intermediação financeira - declarado nulo - mas ao abrigo do regime geral aplicável ao tipo contratual em causa. No caso concreto, estando perante um serviço de recepção e transmissão de ordem, o A. emitiu ao Banco uma ordem de compra de Obrigações SLN, por sua conta e em seu nome, mais dando uma ordem de pagamento do respectivo valor por débito numa sua conta bancária.

30) O A., para efeitos deste contrato de compra de títulos, não entregou qualquer valor ao Banco-R. Pelo contrário, o A. ordenou expressamente que o preço daqueles títulos fosse creditado a favor do vendedor por débito na sua conta.

31) Este conjunto de prestações configura por si um contrato de mandato com representação.

32) Sublinhe-se mais que o A., para efeitos deste contrato de compra de títulos, não entregou qualquer valor ao Banco-R. Pelo contrário, o A. ordenou expressamente que o preço daqueles títulos fosse creditado a favor do vendedor por débito na sua conta. Ou seja, quem recebeu os fundos foi o vendedor das Obrigações e não o Banco-R.

33) Estamos, in casu, perante um contrato de mandato com representação, ao abrigo do qual o cliente - o A. - instrui o mandatário - o Banco -, para em seu nome e no seu interesse comprar Obrigações SLN e, para o efeito, debitar uma conta bancária no valor do respectivo preço com crédito a favor de um terceiro vendedor.

34) A representação, no caso do serviço de recepção e transmissão de ordens, resulta do próprio contrato de cobertura. Sem ele, todavia, a própria ordem de execução da operação constitui instrumento de representação bastante, pois que os actos jurídicos a praticar não exigem forma escrita sequer - queremos com isto dizer que o mandato se manteve, sobreviveu, mesmo sem o respectivo contrato de cobertura, pois que o A. emitiu declaração negocial inequívoca no sentido de instruir o Banco no sentido da prática de actos jurídicos (compra de valores mobiliários e respectivo pagamento por débito em sua conta), sempre em seu nome e no seu próprio interesse.

35) Em suma, o Banco-R. agiu com base em procuração - daqui resulta que vigora a regra do art. 266º nº 2 do CC. Ou seja, sendo a procuração um "negócio de base abstracta", a nulidade do negócio de cobertura é inoponível ao terceiro com quem o intermediário contratou, desde que ele, sem culpa, ignorasse a nulidade.

36) De resto, a instrução dada pelo investidor foi imediata e integralmente cumprida pelo Banco, fosse nas vestes de intermediário financeiro ou de simples mandatário! E o mandato foi, portanto, integralmente cumprido, tendo-se esgotado quanto a essa operação com a transferência a favor do A. da titularidade das Obrigações e com o pagamento, ordenado pelo A., do preço a crédito do vendedor.

37) A declaração de nulidade do negócio de cobertura não implica necessária e automaticamente a nulidade do contrato de mandato inserto na ordem de compra. Mas ainda que tivesse essa consequência nunca implicaria a extinção ou anulação do negócio celebrado pelo mandatário em nome do mandante!

38) O tribunal violou, por isso, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos art.ºs 266º e 289º do Código Civil.

Por fim,

E ainda que assim se não entendesse,

39) O contrato de intermediação financeira, enquanto contrato de cobertura à prestação de serviços de recepção e transmissão de ordens, como neste concreto caso, tem por objecto prestações, por parte do intermediário, de facere, com especial incidência em deveres de informação sobre a natureza, procedimentos e riscos gerais dos serviços que oferece. Por seu turno, cabe ao investidor o pagamento, eventualmente, de uma comissão devida pela constituição da relação de intermediação.

40) Declarada a nulidade deste negócio, o direito à repetição do prestado abrange apenas estas concretas prestações.

41) Reportando-nos já ao caso que nos ocupa, o A. instruiu o Banco para a compra de uma Obrigação SLN 2006 em seu nome, mais dando ordem para que a sua conta bancária fosse debitada no respectivo valor - de 48.750,00€ - para pagamento ao vendedor do respectivo preço.

42) Daqui resulta imediatamente que o A. não entregou ao Banco-R. quaisquer fundos no âmbito destes contratos, fosse do contrato de intermediação ou do serviço de recepção e transmissão de ordem. E deste último, como alegámos já, o Banco-R. não recebeu qualquer prestação do A., limitando-se a cumprir uma instrução para celebrar em nome deste, e cumprir de imediato, um contrato com um terceiro - o que o Banco-R. fez integralmente!

43) Ou seja, a entrega do valor de 48.750,00€ foi feita pelo Banco, por transferência feita a débito da conta bancária do A., ao vendedor do título. Nunca esta quantia foi entregue ao Banco no âmbito desta relação de intermediação.

44) E por isso o Banco não pode restituir o que não recebeu!

45) E nem se diga que equivale a esta entrega o depósito bancário constituído pelo A. naquele valor, e que mandou debitar para este pagamento. É que a entrega desses fundos é muito anterior a qualquer dos contratos em discussão nestes autos, e teve lugar no âmbito de relação de abertura de conta bancária e correspondente depósito - ou seja no quadro de contrato que nada tem a ver com o de intermediação financeira, seja cronologicamente, seja funcionalmente, seja até como pressuposto legal!

46) Mais uma vez, cremos, modestamente, ter o douto tribunal a quo violado, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto no art.º 289º do Código Civil.

47) Acresce que, ainda que se considerasse que o tribunal havia andado bem na condenação à restituição do valor investido da Obrigação o certo é que não retirou, na sua decisão, todas as consequências desse facto.

48) É que os AA. receberam ao longo dos anos os juros relativos à aplicação que efectuaram. 

49) Também estes juros, seguindo de perto a orientação da decisão das instâncias, deveriam ter sido devolvidos ao banco recorrente, sendo subtraídos ao montante da condenação (ainda que não apurados deveria o seu valor ser remetido para liquidação de sentença).

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas.»


7. AA e BB, autores nestes autos, notificados da interposição de recurso, vieram apresentar as seguintes contra-alegações:

«II – Do recurso

16º

São três as questões que a recorrente pretende ver apreciadas com o presente recurso:

a) Da insuficiência da matéria de facto para a fundamento de direito;

b) Dos efeitos da nulidade do contrato de intermediação sobre os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira;

c) Das consequências da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira;


Abordaremos o primeiro individualmente o os segundo e terceiro conjuntamente

II. a) – Da insuficiência da matéria de facto para a fundamento de direito;

17º

A alegação da recorrente, nesta matéria, configura questão nova;

18º

Os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação;

19º

Tratando-se de questão nova, a mesma não pode ser apreciada,

20º

Mesmo que não se tratasse de questão nova, sempre a sua apreciação estaria impedida pelo art.º 674º, n.º 3 do C.P.C.;

21º

Desta parte deve o recurso não ser apreciado por inadmissibilidade legal;

22º

Sendo certo que, nesta matéria, à recorrente, não assiste qualquer razão, porquanto, constam dos factos provados o seguinte: “14. O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente.”;

23º

O mesmo é dizer que inexistiu qualquer outro, configurando a presente alegação abuso de direito pelo recorrente;

24º

Sendo, certo que, caso existisse o referido contrato de intermediação financeira, mas não existe, sempre a prova da sua existência caberia ao Recorrente, atenta os documentos solicitados na p.i. e cuja junção foi ordenada ao R. no douto despacho saneador;

25º

Razão porque, nesta parte, devem as doutas alegações improceder;

II. b) Dos efeitos da nulidade do contrato de intermediação sobre os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira e das consequências da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira;

26º

Importa, independentemente daquilo que a recorrente descreve como sendo contrato de execução e contrato de cobertura, descrever as condições que conduziram à compra das obrigações SLN 2004, através de endosso, por terceiro, e estas, estão bem descritas nos factos provados, infra transcritos:

“…

5. Os Autores são, para efeitos de investimentos bancários e financeiros, pessoas conservadoras, altamente conservadoras, pois toda a sua vida apenas tiveram o seu dinheiro em depósitos à ordem, a prazo e unidades de participação de risco reduzido.

6. Os Autores foram titulares, junto do BPN, Agência de …., freguesia de …., concelho de …., da conta n.º …, e são, titulares de conta com o mesmo número no Banco BIC, agência de …, freguesia de …, concelho de …...

7. Em 31/10/2008, a A. mulher foi chamada à Agência de … do BPN pelo funcionário CC e aquela aí se deslocou nesse mesmo dia, onde aí este lhe transmitiu que “tinha uma coisa muito boa para ela”, que era um produto garantido, com excelente rentabilidade e que inclusivamente estava a comprar abaixo do valor facial, pois estava apenas a pagar €48.750,00 por um produto que valia €50.000,00 “e que havia uma pessoa que tinha aquele dinheiro e que precisava dele”.

8. Que o capital e os juros eram garantidos.

9. Que passado um ano poderia levantar o dinheiro.

10. Tal foi a insistência do funcionário da R., que a A. mulher assinou, então, uma comunicação de cliente, sem que tenha percebido o seu verdadeiro alcance, escrita pelo punho do funcionário, onde constava: “Procedam à aplicação de 48.750 € em obrigações SLN Rendimento + (Montante que irá ficar na carteira será 50.000 €).

11. A A. mulher, ao assinar a comunicação de cliente estava convicta de estar a adquirir um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco, como prometido.

12. A A. mulher ou os A.A. não sabia exactamente o que são obrigações ou subscrição de obrigações.

13. Nem tal lhe foi explicado na altura, pelo referido CC ou por qualquer outro funcionário da Ré.

14. O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente.

15. O funcionário da R. sabia que a A. mulher não possuía qualificação ou informação técnica que lhes permitisse conhecer ou avaliar os diversos tipos de produtos financeiros, antes sabendo serem conservadores no que respeitava a investir o seu dinheiro, pois só investiam em depósitos a prazo ou unidades de participação de risco reduzido.

27º

Foi neste cenário que ocorreu a compra, atrevendo-nos ainda a dizer, por tal constar dos autos, que a compra da obrigação foi realizada com a mobilização de um depósito a prazo;

28º

Ora, esta voracidade do BPN de colocação, no mercado, das obrigações da sua proprietária, não foi efectuada com qualquer lisura ou sequer, com o cumprimento mínimo dos deveres de informação e da boa-fé a que intermediário financeiro estava obrigado;

29º

Obviamente que voracidade não se compadecia com a celebração de mais um contrato!!!, o de intermediação financeira – tal iria levantar “desconfianças” nos potenciais compradores e levá-los a colocar outras questões que se relacionassem com o produto vendido, o que não era desejável.

30º

Foi desta forma que foi efectuada a aquisição, sem, repita-se, a celebração de qualquer contrato de intermediação financeira;

31º

Para que o intermediário financeiro se encontre habilitado a proceder à subscrição ou transação de valores imobiliários por conta do investidor é necessária a existência de um contrato de intermediação financeira válido;

32º

Sem a existência de tal contrato de intermediação financeira, a instituição não poderia ter adquirido, em nome da cliente, tal obrigação por si sugerida e vendida;

33º

Como é sustentado no Acórdão do TRP de 16-12-2015, de acordo com o disposto no artigo 289º, nº 1, CC, declarada a nulidade do negócio de cobertura – o contrato de intermediação financeira – todos os negócios dele emergentes caíram por força do vício que inquinou o primeiro tanto mais que não se suscitam questões de incompatibilidade com a boa-fé de terceiros subadquirentes e com a segurança requerida pelo tráfico jurídico de bens economicamente mais relevantes como são os sujeitos a registo;

34º

Sendo nulo o contrato de intermediação, e tendo a nulidade efeitos retroativos, o mesmo não pode produzir quaisquer efeitos, pelo que não dispunha aquele quaisquer poderes para, por conta do autor adquirir os referidos títulos.

35º

A declaração de nulidade do contrato tem, por força do artigo 289º do CC, “efeito retroativo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

36º

Neste sentido, douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 11/06/2019, proferido no Proc. 2325/18.0T8LRA.C1, do qual se transcreve o sumário:

“A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira ao abrigo do qual a Ré procedeu à aquisição dos títulos em causa por conta do autor implicará para a Ré a restituição de tudo quanto recebeu em cumprimento do contrato, nomeadamente os 50.000,00 € utilizados na subscrição de tais títulos.”

37º

No mesmo sentido, douto Acórdão da Relação de Guimarães, de 13/06/2019, proferido no processo 1294/17.8T8VCT.G1, do qual se transcreve, igualmente, o sumário:

“…

VIII - Declarado nulo, não pode o contrato de intermediação financeira produzir os efeitos a que tendia, configurando-se, na ausência de produção dos efeitos da ordem dada, uma situação de representação sem poderes, que ocasiona a ineficácia do negócio de aquisição de valores mobiliários celebrado em relação ao representado (art. 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, direito a, como depositante bancário da quantia entregue para efeito da dita aquisição, pedir à entidade bancária a respetiva restituição.”

38º

Não colhem, pois, as doutas alegações do Recorrente, que duma forma “suave” tentam descaracterizar a situação, fazendo parecer que os A.A. se dirigiram ao banco e lhe solicitaram, dois dias antes do Banco BPN, SA ser nacionalizado, a aquisição de uma obrigação por endosso;

39º

Não foi isto que se passou – A A. mulher, na data referida, após ter sido chamada ao Banco, que é simultaneamente intermediário financeiro, (certamente após uma verificação prévia do gestor da conta pelos seus clientes para saber quem teria tal montante em dinheiro disponível) para comprar, por endosso, um produto semelhante a um depósito a prazo;

40º

Para tal, mobilizou tal montante de uma conta a prazo, que estava e permaneceu na posse do R,

41º

Reconduzir-se a obrigação de restituição do intermediário financeiro à mera comissão dar-lhe-ia uma “porta aberta” para actuar em total desrespeito à Lei e aos deveres a que estão vinculados e que devem caracterizar um intermediário financeiro.»


8. Sabido que o objeto do recurso se delimita, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:

I - Nulidade do acórdão recorrido nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC;

II – Qualificação da relação jurídica entre os autores e o réu

III - Nulidade do contrato de intermediação financeira

IV - Efeitos da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira sobre os negócios de execução e deveres de restituição das partes do contrato nulo.   


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

A – Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

« Factos da Petição Inicial:

1. O Autor é natural da …, praticamente não fala português e toda a sua vida activa foi ….

2. A Autora emigrou para a … aos 16 anos, onde trabalhou toda a sua vida activa, primeiro como …. e, após, como funcionária de …. na mesma empresa;

3. A instrução escolar dos Autores é diminuta, tendo a Autora a quarta classe antiga.

4. Quando os Autores se reformaram, decidiram morar em Portugal.

5. Os Autores são, para efeitos de investimentos bancários e financeiros, pessoas conservadoras, altamente conservadoras, pois toda a sua vida apenas tiveram o seu dinheiro em depósitos à ordem, a prazo e unidades de participação de risco reduzido.

6. Os Autores foram titulares, junto do BPN, Agência de …, freguesia de …, concelho de …., da conta n.º …, e são, titulares de conta com o mesmo número no Banco BIC, agência de …, freguesia de …., concelho de …..

7. Em 31/10/2008, a A. mulher foi chamada à Agência de … do BPN pelo funcionário CC e aquela aí se deslocou nesse mesmo dia, onde aí este lhe transmitiu que “tinha uma coisa muito boa para ela”, que era um produto garantido, com excelente rentabilidade e que inclusivamente estava a comprar abaixo do valor facial, pois estava apenas a pagar €48.750,00 por um produto que valia €50.000,00 “e que havia uma pessoa que tinha aquele dinheiro e que precisava dele”.

8. Que o capital e os juros eram garantidos.

9. Que passado um ano poderia levantar o dinheiro.

10. Tal foi a insistência do funcionário da R., que a A. mulher assinou, então, uma comunicação de cliente, sem que tenha percebido o seu verdadeiro alcance, escrita pelo punho do funcionário, onde constava: “Procedam à aplicação de 48.750 € em obrigações SLN Rendimento + (Montante que irá ficar na carteira será 50.000 €).

11. A A. mulher, ao assinar a comunicação de cliente estava convicta de estar a adquirir um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco, como prometido.

12. A A. mulher ou os A.A. não sabia exactamente o que são obrigações ou subscrição de obrigações.

13. Nem tal lhe foi explicado na altura, pelo referido CC ou por qualquer outro funcionário da Ré.

14. O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente.

15. O funcionário da R. sabia que a A. mulher não possuía qualificação ou informação técnica que lhes permitisse conhecer ou avaliar os diversos tipos de produtos financeiros, antes sabendo serem conservadores no que respeitava a investir o seu dinheiro, pois só investiam em depósitos a prazo ou unidades de participação de risco reduzido.

16. E sabiam igualmente que se os A.A. suspeitassem que o capital não era garantido, que nunca a A. mulher teria investido.

17. Fê-lo unicamente porque lhe garantiram capital e juros.

18. E igualmente lhe transmitiram que passado um ano podia movimentar o seu dinheiro.

19. A comunicação de cliente junta como doc. n.º 3, que deu origem à aquisição de uma obrigação por endosso não foi precedida de qualquer informação sobre obrigações, explicação, entrega de ficha normativa ou qualquer ou procedimento.

20. Foi subscrita na convicção de que o seu dinheiro não corria qualquer risco

21. Nessa sequência, foi endossada aos A.A., por 48.750,00 €, uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de 50.000,00 €.

22. No dia 01/11/2008, dois dias apenas depois da aquisição por endosso, o BPN – Banco Português de Negócios, S.A. foi nacionalizado.

23. A SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, foi transformada em Galilei SGPS.

24. Esta sociedade Galilei, SGPS foi declarada insolvente em 29/06/2016.

25. Os A.A. reclamaram os seus créditos no Proc. 23449/15…., no qual esta sociedade foi declarada insolvente, mas nada receberam, nem irão receber, dado tratar-se de uma obrigação subordinada.

26. O que o R. fazia constar internamente pelos seus funcionários e estes apregoavam aos A.A. e a terceiros que o dinheiro estava seguro, com o reembolso do capital e juros assegurado.

27. Por isso, nas suas notas internas, a R. fazia constar o capital como garantido: 100% do capital investido.

28. A R. queria que os funcionários tivessem particular empenho na venda de tal produto passando a ideia de que não havia riscos, era idêntico a um depósito a prazo e o juro era bom e estes de facto assim faziam.

29. O Director DD, comunica, em 28/07/2008, aos funcionários do Réu o seguinte:

“Meus caros Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Accionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes últimos 2 anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL E RECONHECIMENTO pela CASA, a nossa CASA, o (BPN). Independentemente dos objectivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a TODOS que, logo a partir das 8h,30m de 2ª feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição. Relembro que a SLN VALOR, é a maior accionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100%, do BPN, ou seja, na prática estamos a “vender” o equivalente a DP, com uma excelente taxa, logo no 1º ano, de EUR12m+1,75%, que atingirá (se o cliente entender renovar no final do ano), no 5º ano EUR12mº2,25%. Quando o cliente efectua um DP no BPN está a comprar “risco” BPN. Não vejo diferenças. Escuso-me de vos reiterar a importância que, pessoalmente e para todos nós atribuo a uma boa “performance” (no mínimo arrasar, logo na 2ª feira, o objectivo que venha a ser fixado), com seguimento diário, hora a hora, minuto a minuto que esta operação vai ter, com todos os “olhos” nela focados. Obrigado a TODOS, pelo excelente trabalho que, tenho a certeza, vamos realizar, e que será para todos nós motivo de orgulho e afirmação no futuro.

Ab

DD

BPN – Direcção Coordenado Empresas Centro”.

30. Posteriormente, em 09/07/2009, os trabalhadores do BPN fizeram circular uma mensagem onde se expressa, além do mais:

“…

Tudo o que fizemos (vender papel comercial e obrigações do Grupo SLN) foi orientação da Administração e Direcção à data, em que claramente era assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo). Nunca quisemos enganar ninguém, muito menos os nossos clientes. Mas nada melhor para confirmarmos o que dizemos, como o mail que anexamos, de um Director à data actualmente Administrador do BPN, Dr. DD. Foi nesta base que vendemos os produtos SLN. E agora ninguém quer saber!?! A SLN que resolva?!?

…”

31. Os A.A., por causa da actuação do R. ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem.

32. E por isso fiaram revoltados e tristes por terem trabalhado muito para obter esse montante de dinheiro em causa.

 Factos da Contestação:

33. No mês seguinte à da operação supra, a Autora recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

34. Como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

35. Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um subtítulo “OBRIGAÇÕES”.

36. O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade da subscritora e com as instruções recebidas da mesma.

37. No mês seguinte ao das referidas operações o subscritor recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também foi recebendo, desde então, um extracto periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.

38. Da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.

39. Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.

40. A Autora ficou ciente que comprava uma obrigação no valor de 50.000,00€ investindo apenas a quantia de 48.750,00 €.

41. Ao longo da sua relação com o Banco, sempre tiveram um histórico de aplicação do seu património em produtos diferentes dos simples depósitos a prazo com resulta quer do extrato de conta à ordem, quer do extrato de conta de títulos.

42. No momento da subscrição subscritor a Autora foi informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.


Factos Não Provados

Não se provou, com relevo, o seguinte:

a) Que somente agora é que os Autores sabem que adquiriram uma obrigação SLN Rendimento + 2004.

b) Que os A.A. se veem agora, com uma obrigação, que não sabem o que é, quando, na verdade, o que sempre pretenderam e quiseram, foi efectuar um depósito a prazo, com melhor rendimento, é certo, como lhe foi anunciado pela R., através do seu colaborador CC.

c) Que se a A. mulher se tivesse percebido que estava a comprar obrigações SLN, que não sabia o que era ou quem era a sociedade, nada assinaria, nem autorizava qualquer movimento na sua conta ou no depósito que tinha no Banco.

d) Que qualquer eventual “compra” de obrigações, ainda que por endosso, não corresponde à vontade real da A., e nada lhe foi dito ou explicado nem entregue cópia, que contivesse as cláusulas essenciais de tal aquisição.

e) Que por causa dos factos acima descritos, o Autor marido culpabiliza a Autora mulher por ter ficado sem o dinheiro, sendo frequentes das discussões e desavenças entre o casal.

f) Que os Autores ficaram num permanente estado de preocupação e ansiedade, com receio de não reaverem o seu dinheiro.

g) Que lhes tem provocado angústia.

h) Que nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

i) Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

j) Que o produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

k) Que no momento da subscrição subscritor a Autora foi informada que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –, e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.


B – O Direito

I – Nulidade do acórdão recorrido

1. O réu/recorrente invocou a nulidade do acórdão recorrido, fundamentando a sua tese numa alegada presunção implícita, usada pelo acórdão recorrido, para concluir não ter sido assinado um contrato de intermediação financeira. Entende o recorrente que, da matéria de facto nada consta sobre a assinatura ou não de um contrato de intermediação financeira, mas apenas uma ordem de compra dada ao banco pelos clientes, aqui autores, perfeitamente válida ao abrigo das regras do mandato com representação. Assim sendo, faltando a premissa essencial da decisão de condenação do Banco réu à restituição do valor investido - a nulidade do contrato de intermediação financeira - existe uma contradição entre esta decisão e os seus fundamentos (conclusões n.º 16 a 21).

Vejamos:

O artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, dispõe que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Esta causa de nulidade reside na oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela assenta e verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição lógica entre as suas premissas (de facto e de direito), e a conclusão. Reporta-se, assim, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material verificado porque o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, p. 141). Quer isto dizer que “[E]ntre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 4.ª edição, p. 736). Porém, “Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, ob. cit., pp. 736-737).

No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência, sustentando que o regime das nulidades se destina apenas a remover aspetos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não sendo uma via adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01-2019, proc. n.º 4175/12.8TBVFR.P1.S1), e entendendo, desde há muito, que as nulidades da decisão, cujas causas estão taxativamente enunciadas no citado artigo 615.º, não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito (cfr., por todos, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-01-2019, proc. n.º 1699/161T8PNF.P2.S2, e de 29-09-2020, proc. n.º 690/18.8T8EVR.E1.S1).

Tendo presentes estas considerações, não vemos como seja possível sustentar a existência do aludido vício no acórdão recorrido, pois é manifesto que não existe.  

Com efeito, o recorrente limitou-se a invocar o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC e a falta de factos provados donde resultasse “a não assinatura de um contrato de intermediação”, entendendo que essa não assinatura é um pressuposto da decisão de nulidade decretada, por falta de forma, do contrato de intermediação financeira. Questiona, assim, a desconformidade da decisão com os factos provados, discordando dela e pretendendo a alteração do decidido, o que traduz a invocação de um erro de julgamento, que não pode ser conhecido em sede de nulidade. 

Improcede, pois, sem mais considerações, a nulidade apontada ao acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão. 

II – Qualificação da relação jurídica entre os autores e o réu

2. Entende o recorrente que, no caso dos autos, nunca existiu qualquer contrato de intermediação financeira entre o Banco e os autores, e que estamos perante uma relação jurídica complexa e multilateral, em que o Banco ocupou a posição de representante do investidor, que o instruiu no sentido da prática de atos jurídicos - comprar obrigações SLN -  ao abrigo de um contrato de mandato, tendo o Banco procedido, por ordem do cliente, ao pagamento ao terceiro por débito na conta bancária daquele. 

Vejamos:

Segundo o que tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência (cfr., por todos, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-04-2018, Proc. n.º 1647/16.9T8PVZ.P1), «o contrato de intermediação financeira é um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, relativo à prestação de uma atividade de intermediação financeira (aqui se englobando esquematicamente operações por conta alheia, operações por conta própria e prestação de serviços) e tendo por objeto mediato, para além das ações, obrigações ou unidades de participação (valores mobiliários tradicionais), também bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa (instrumentos financeiros) e futuros, "swaps", opções, "caps", "forwards", "floors", "collars" (instrumentos derivados)».

O legislador estabelece três regras, no artigo 321.º CVM, para este tipo de contratos, quando celebrados com investidores não institucionais, todas elas baseadas na intenção de lei de fornecer proteção a tais investidores, entendidos como parte mais fraca (cfr. Rui Pinto Duarte, “Contratos de Intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, disponível in https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Documents/C07RuiPintoDuarte.pdf).

A primeira regra, consagrada no n.º 1 do citado preceito estabelece que a nulidade resultante da inobservância da forma legal só pode ser invocada pelo investidor.

A segunda regra é a da equiparação destes a consumidores, para efeitos da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais (artigo 321.º, nº 3, do CVM).

A terceira regra sobre contratos com investidores não institucionais (artigo 321, nº 5, do CVM) respeita a situações internacionais em que o investidor resida em Portugal e as operações relevantes devam ter lugar em Portugal e determina que nessas situações a aplicação de um Direito estrangeiro não pode privar o investidor da proteção que lhe é dada pelas regras do CVM sobre contratos de intermediação e sobre certos deveres dos intermediários financeiros em matéria de informação, de conflito de interesses e de segregação patrimonial.

 As operações bancárias por conta alheia, a grande fatia dos contratos estatisticamente celebrados, concretizam-se – usualmente – através da celebração de um contrato inicial (contrato-quadro), estruturante de toda a relação jurídica interna entre as partes, e por sucessivos contratos de execução, os quais, diversamente, já se projetam para o exterior e se traduzem tipicamente em contratos de compra e venda ou de troca comercial de valores mobiliários.

Como se afirma, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01-2019, (Revista n.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1), «O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no art. 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude. II - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa)».

3.  Ora, deve dizer-se, desde já, que, atendendo à matéria de facto relativa ao contexto em que foram proferidas estas ordens de compra, a tese que qualifica a relação jurídica entre o Banco e os autores como um contrato de mandato surge completamente “descarnada” da realidade fáctica, em que a relação entre o Banco e o cliente ocorreu, não tendo qualquer reflexo nos factos do caso, nem no enquadramento que a lei impõe a esta relação jurídica.

A lei aplicável ao caso dos autos é o Código de Valores Mobiliários (doravante, CVM), na versão do Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, vigente à data da prática dos factos, verificados a partir de fevereiro de 2008.

No caso dos autos, a natureza jurídica da relação entre os autores e o réu deve ser qualificada como uma atividade de intermediação financeira. O Banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, de obrigações, tendo a iniciativa de contactar a autora para que ela emitisse a ordem de compra, sem a informar da natureza do produto, e executando ordens de subscrição de obrigações emitidas por uma terceira entidade, como decorre dos factos provados n.º 7, 10, 14, 19 e 21.

Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do Réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma atividade de intermediação financeira, apesar de feita apenas verbalmente e sem cumprimento dos deveres de informação a que o Banco, enquanto intermediário financeiro, estava vinculado.

III – Nulidade do contrato de intermediação

Nos termos do artigo 321.º, n.º 1, do CVM, os contratos de intermediação financeira relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 290.º do CVM, entre os quais se incluem os de receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem, e celebrados com investidores não qualificados, devem observar a forma escrita.

A exigência de forma legal destes contratos visa proteger a parte mais fraca, sendo a nulidade apenas invocável pelo investidor. Trata-se, pois, de uma nulidade especial, estipulada para o contrato de intermediação financeira, para garantir a transparência da formação da vontade negocial dos subscritores dos produtos financeiros e para proteger o direito dos investidores a uma correta e detalhada informação sobre os títulos em causa, dada a profunda assimetria informativa normalmente existente entre o Banco e os clientes, sobretudo quando investidores não qualificados.

Para além disto, não é despiciendo recordar que o artigo 321.º-A, n.º 1, do CVM estipula um “Conteúdo mínimo” dos contratos de intermediação financeira celebrados com investidores não profissionais que, forçosamente, devem constar do documento em que o teor do contrato se mostra plasmado.

 Ora, esta exigência, de todo, não se mostra cumprida, na medida em que, nos termos do citado preceito, os contratos de intermediação financeira celebrados com investidores não profissionais devem, pelo menos, conter:

“a) Identificação completa das partes, morada e números de telefone de contacto;

b) Indicação de que o intermediário financeiro está autorizado para a prestação da atividade de intermediação financeira, bem como o respetivo número de registo na autoridade de supervisão;

c) Descrição geral dos serviços a prestar, bem como a identificação dos instrumentos financeiros objeto dos serviços a prestar;

d) Indicação dos direitos e deveres das partes, nomeadamente os de natureza legal e respetiva forma de cumprimento, bem como consequências resultantes do incumprimento contratual imputável a qualquer uma das partes;

e) Indicação da lei aplicável ao contrato;

f) Informação sobre a existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber as reclamações dos investidores bem como da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.”

Os factos do caso afirmam, de modo inequívoco, que os clientes, agora autores-recorridos, eram investidores altamente conservadores (facto n.º 5), que foram chamados pelo próprio Banco para subscreverem produtos financeiros (facto n.º 7), com garantia de capital e de juros (factos n.ºs 7 e 8), tendo a autora, que tinha a quarta classe (facto provado n.º 3), perante a insistência do Banco, assinado apenas uma comunicação de cliente, sem que tenha percebido o seu verdadeiro alcance (facto provado n.º 10),  e convicta de estar a adquirir um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco, como prometido (facto n.º 11). Os funcionários do Banco sabiam que se os autores suspeitassem que o capital não era garantido, nunca teriam investido (facto provado n.º 16). Os autores não sabiam exatamente o que são obrigações ou subscrição de obrigações (facto n.º 12). O único documento com que a Autora contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente (facto n.º 16).

 Neste quadro factual, torna-se claro, sem mais considerações, que não é possível que o Banco seja um mero representante que cumpre uma ordem de compra dada pelo mandante, in casu, a autora, que assinou por insistência do funcionário do banco e sem compreender o alcance da subscrição. De resto, a relação jurídica entre o banco e os clientes tem de ser enquadrada por princípios ético-jurídicos, de boa fé e lealdade, que o legislador quis impor   para proteger os interesses da parte mais fraca e a sua confiança nas instituições bancárias, sem a qual a economia do mercado e das famílias não pode funcionar com segurança. Como afirma Agostinho Cardoso Guedes, “A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil” – Revista de Direito e Economia, Volume XIV, pp. 138-139, “no caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem”.

Estes princípios e deveres estão englobados no princípio geral de intermediação financeira, que abre o elenco legal do artigo 304.º do CVM – o princípio da proteção dos interesses do cliente – segundo o qual “Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes”.  Este princípio está também consagrado na Diretiva 2004/39/CE, de 21 de abril, que, no seu artigo 19.º, n.º1, afirma que “os Estados-Membros devem exigir que as empresas de investimento, ao prestarem serviços de investimento e/ou, sendo o caso, serviços auxiliares aos clientes, atuem de forma honesta, equitativa e profissional, em função do interesse dos clientes”. O seu sentido consiste em erigir os interesses legítimos dos clientes investidores em “estrela polar” da atividade de intermediação financeira (cfr. Engrácia Antunes, “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, Alguns Aspectos”, Cadernos de Valores Mobiliários, nº 24, p. 33).

Como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21-02-2021 (proc. n.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1) «A intermediação financeira designa o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento. Os intermediários financeiros são agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta; ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos».

Tem de se considerar, pois, que existiu, no caso destes autos, um contrato de intermediação financeira verbal, que não foi reduzido a escrito e que não continha o conteúdo mínimo imposto por lei.

 A matéria de facto provada demonstra bem a falta de redução a escrito de tal contrato, na medida em que aí se deu como provado que “O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente” (facto n.º 14), comunicação essa, assinada pela autora, em que se afirmava, segundo o facto provado n.º 10, “Procedam à aplicação de 48.750 € em obrigações SLN Rendimento + (Montante que irá ficar na carteira será 50.000 €)”. Ou seja, apenas o negócio de execução foi reduzido a escrito, mas não o contrato de cobertura ou o contrato-quadro.

De resto, trata-se de matéria de facto que não foi impugnada pelo recorrente e que este Supremo não tem poderes cognitivos para alterar, por não estar em causa a violação de regras de direito probatório material, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC.

 O tribunal recorrido deduziu da matéria de facto que, sendo a comunicação o único documento assinado pela autora, tal significa, por imperativo lógico, que o contrato de intermediação financeira não obedeceu à forma legal e foi meramente verbal.  Esta ilação feita pelo tribunal recorrido só seria suscetível de ser corrigida por este Supremo se assentasse em presunções de facto em manifesta contradição com regras de experiência ou de lógica, o que não é o caso, tanto mais que a norma que impõe a forma legal é uma norma imperativa de proteção da parte mais fraca e à qual esta não pode renunciar.  

Como bem entendeu o acórdão recorrido, a proteção do investidor não qualificado corresponde a um interesse de ordem pública. É a própria Constituição que no seu artigo 101.º prescreve que “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”, assim revelando o Estado uma preocupação premente e de interesse público: que o mercado de capitais seja um lugar seguro para a aplicação das poupanças geradas pelos indivíduos.

Os artigos 321.º, n.º 1, e 321.º-A, do CVM são normas imperativas que terão de se sobrepor necessariamente à vontade das partes.

   Assim, o contrato de intermediação financeira, invocado no presente processo, tendo sido celebrado verbalmente, é nulo por falta de observância da forma legalmente prescrita (artigo 220.º do Código Civil) e nulo por violação de normas imperativas (artigo 294.º), dado a falta do conteúdo mínimo obrigatório (artigo 321º-A do CVM). 

4. Importa referir, porque se trata de um argumento invocado pelo réu, que não é possível operar a redução ou conversão do negócio jurídico em causa, para efeitos do disposto nos artigos 292.º e 293.º do Código Civil.

Na redução do negócio jurídico, este apenas é parcialmente nulo, operando a redução uma alteração quantitativa do negócio, o qual fica a vigorar, ainda que amputado.

Já na conversão do negócio jurídico totalmente nulo verifica-se a sua substituição por outro de tipo diferente, mas do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma.

Ora, no caso vertente, o negócio de intermediação financeira é, como vimos, totalmente nulo, não sendo possível, em consequência, que opere a redução do negócio, cuja aplicação se restringe aos negócios parcialmente nulos.  

O mesmo se pode dizer da conversão do negócio nulo, aqui não aplicável, por manifestamente não estarem verificados os requisitos previstos na norma do artigo 293.º do Código Civil. Com efeito, não existe qualquer facto que ateste que as partes teriam querido a conversão do negócio nulo noutro de tipo diferente, no caso de terem previsto a invalidade do negócio. A matéria de facto ilustra precisamente o contrário, que a Autora não teria celebrado qualquer contrato que a fizesse incorrer em risco de perda do capital e que ela e o marido eram clientes não qualificados e altamente conservadores.

Assim, não estando provado qualquer facto que conduzisse a uma vontade hipotética ou conjuntural das partes no sentido de quererem a transação financeira objeto do negócio nulo, enquadrada noutra veste jurídico-negocial, não é possível o recurso ao instituto da conversão dos negócios jurídicos, até porque tal solução permitiria o contorno de normas imperativas de proteção do cliente.

5. Concluímos, pois, que bem andou o acórdão recorrido, em declarar a nulidade do contrato de intermediação financeira, por falta de observância da forma legalmente prescrita e do conteúdo mínimo imposto pela lei, nos termos do artigo 321.º, n.º 1, e 321.º- A, do CVM, 220.º e 294.º, do Código Civil.

IV – Efeitos da declaração de nulidade do contrato de cobertura sobre os negócios de execução e deveres de restituição das partes

 6. Invoca ainda o recorrente que, uma vez que estamos perante uma situação jurídica multilateral composta por um contrato de cobertura e sucessivos negócios de execução (transmissão e receção de ordens de compra), declarado nulo o contrato de cobertura, os efeitos dessa nulidade não afetam os negócios de execução, que permanecem válidos, na medida em que estes são autónomos e funcionalmente independentes em relação ao contrato de cobertura. Defende, portanto, o recorrente, que a ordem de compra de obrigações não é abrangida pelos efeitos da nulidade do contrato de cobertura, e que aquela declaração negocial produz efeitos, ao abrigo das regras do mandato com representação. Assim, na perspetiva do recorrente, o Banco teria atuado como procurador da Autora (investidora), junto da emitente do papel comercial, a SLN, SGPS, S.A., que foi quem recebeu o dinheiro. O Banco apenas cumpriu uma ordem de pagamento a favor de terceiro, a SLN, em execução de uma outra ordem emitida pela autora, para que o Banco, em seu nome e por sua conta, adquirisse valores mobiliários. Tudo para concluir que o Banco não está vinculado à restituição aos Autores do capital investido, no valor de 48.750,00 euros, mas apenas das comissões eventualmente pagas pelo investidor por ter feito a intermediação entre o cliente e a SLN.

Vejamos:

7. A decisão quanto aos efeitos da nulidade deve ser norteada pelo princípio da retroatividade (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), quer nas relações entre as partes, quer em relação a terceiros, que só excecionalmente veem as suas aquisições protegidas pela lei. Nos termos da formulação doutrinal clássica, este princípio da retroatividade da declaração de nulidade significaria que tudo se passava como se o contrato não tivesse sido celebrado. Contudo, a doutrina veio a entender que esta expressão surge, na verdade, como uma ficção, de difícil compatibilização com a realidade social e económica. É que dizer-se que um negócio é nulo não será equivalente a dizer-se que um negócio é inexistente ou um nada jurídico. Os negócios nulos existem na ordem jurídica enquanto factos jurídicos suscetíveis de produzir, não efeitos negociais, mas efeitos legais ou efeitos práticos. Os negócios nulos podem ter sido executados, dando lugar a transferências patrimoniais, a transmissões do gozo ou da posse de bens, a prestação de serviços ou a pagamentos e despesas. Daí que, para determinação dos deveres de restituição recíprocos entre as partes, possa ser necessário proceder a operações de liquidação e de compensação, em que se tem em conta, por exemplo, a desvalorização da moeda ocorrida entre a data da execução do negócio nulo e a data da declaração de nulidade ou as vantagens proporcionadas a uma das partes pela execução do negócio nulo, de forma a colocar as partes na situação jurídica e económica em que estariam se não fosse o negócio nulo. O negócio nulo pode também ser fonte de responsabilidade civil, se resultar de um facto ilícito, culposo e causador de danos, suscetível de gerar deveres de indemnização, a cargo da parte que causou a nulidade. Na determinação do dever de restituição, deve também ter-se em conta o estado subjetivo das partes relativamente à causa de invalidade, a fim de não prejudicar, no cálculo das restituições, a parte que atuou de boa fé, e de não beneficiar a parte a quem é imputável a causa de nulidade.

No caso vertente, por força do princípio geral da retroatividade dos efeitos da invalidade, em relação às partes e a terceiros, tendo sido declarado nulo o contrato de intermediação financeira, nulos serão também os negócios sucessivos, que se consideram negócios de execução do primeiro (invalidade derivada ou consequencial). É que os negócios subsequentes não são autónomos ou independentes, como sustenta o recorrente, mas negócios funcionalmente ligados ao contrato quadro ou de cobertura, na medida em que a aquisição de obrigações corresponde à execução do negócio jurídico de intermediação, e pressupõe-no necessariamente, estando ambos ligados um ao outro.

O negócio jurídico de intermediação financeira deve considerar-se como um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro. Esta estrutura de contratação, como se afirmou na sentença do Tribunal de …, traz segurança acrescida à relação jurídica estabelecida, na medida em que qualquer uma das partes pode esperar e exigir que a relação negocial se desenvolva e termine dentro dos parâmetros traçados inicialmente.    

O contrato de intermediação financeira consiste numa “categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira” (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-02-2019, proc. n.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1).

Assim, as ordens de compra e de pagamento feitas pelo cliente, em execução do contrato de intermediação financeira, dependem da validade deste. Não se trata apenas do resultado de uma aplicação lógica do princípio da retroatividade, que concebe a invalidade negocial como uma invalidade derivada ou em cadeia, que destrói os negócios jurídicos subsequentes, celebrados com base no programa contido no negócio nulo, mas também de um regime imposto pela proteção dos interesses da parte mais fraca, que correspondem, não só a interesses privados dos investidores não qualificados protegidos pela lei, mas também a interesses de ordem pública e de segurança do mercado para a generalidade dos cidadãos.    

Os institutos jurídicos de direito bancário estão funcionalizados à tutela da confiança, ao equilíbrio entre os contratantes e à proteção dos sujeitos vulneráveis, valores que devem, pois, ser relevantes na fixação judicial dos efeitos do negócio de intermediação financeira que padece de nulidade.

O âmbito da declaração de nulidade e as suas consequências jurídicas devem ser determinados pela finalidade da espécie de invalidade em causa e pelo seu concreto regime jurídico. Ora, neste sentido, tratando-se, como vimos, de uma nulidade atípica, que visa garantir a proteção de uma das partes e que, por isso, está apenas na sua disposição invocá-la ou não, há que obter, na definição do âmbito da nulidade, um resultado protetor da parte mais fraca. Estas novas formas de nulidade designam-se por nulidades de proteção ou nulidades axiológicas, porque as causas de nulidade estão relacionadas com uma nova ética no direito dos contratos destinada a suprir a desigualdade informativa entre as partes. Assim, a nulidade deverá produzir os seus efeitos retroativos, fazendo cair os contratos subsequentes ao contrato de intermediação financeira nulo, pois estamos perante negócios que representam a execução do contrato quadro ou de cobertura e que não podem subsistir, na lógica protetora da lei, sem ele.

A razão de ser da nulidade, em causa nestes autos, consiste na natureza do contrato de intermediação financeira como um instrumento de informação e de transparência contratual. É para garantir este objetivo que a lei impõe a redução a escrito do contrato e um conteúdo mínimo obrigatório, deduzindo-se deste regime a necessária interdependência entre as várias operações bancárias realizadas. Não admitir esta conexão lógica e substancial entre os sucessivos contratos seria frustrar a finalidade protetora da lei, o que o julgador não pode admitir.

A tese do recorrente, segundo a qual os negócios de execução são autónomos e permanecem válidos, porque se referem a ordens de compra assinadas pelo cliente, que o banco executou em nome deste, ao abrigo de um mandato com representação, não tem qualquer sustentação nos factos provados, nem na lei, cuja intenção é precisamente a de impedir que o investidor não qualificado seja induzido a dar ordens de compra, por sugestão do banco, sem compreender o seu alcance.

8. Assim também se entendeu em Acórdão desta Secção, de 29-09-2020 (proc. n.º 690/18.8T8EVR.E1.S1), onde, num caso de contornos idênticos ao destes autos, se afirmou o seguinte:

«É sabido e já o escrevemos noutras ocasiões, na sequência do exarado no acórdão do STJ, de 15/11/2007[7], que “as situações em que o intermediário financeiro recebe, transmite e executa as ordens dadas pelos investidores são operações por conta alheia: o intermediário financeiro actua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera jurídica destes que se repercutem as consequências – positivas e negativas – das operações de subscrição ou transacção de valores mobiliários. Essa actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.”

Porém, para que tal suceda é necessário que exista um contrato de intermediação financeira válido e, como dissemos, é pacífico que o destes autos não o é.

De acordo com o comando legal do citado art.º 289.º, n.º 1, declarada a nulidade do contrato de cobertura – o contrato de intermediação financeira -, todos os negócios dele emergentes caíram por força do vício que inquinou o primeiro[8], tanto mais que não se suscitam questões de incompatibilidade com a boa fé de terceiros subadquirentes e com a segurança requerida pelo tráfego jurídico de bens economicamente mais relevantes como são os sujeitos a registo.

É também este o entendimento da doutrina que, em conformidade com o pressuposto naquela norma legal, sustenta que “a retroactividade da declaração de nulidade ou da anulação, em regra, opera tanto em relação às partes como em confronto com terceiros”, o que designa por “invalidade derivada ou invalidade em cadeia”[9].»

9. A invocação pelo recorrente do mandato com representação é também irrelevante, porquanto, ainda que tivesse agido por conta e no interesse da autora, sua cliente, declarada a nulidade do contrato de intermediação financeira, há que extrair as consequências da nulidade do negócio. O artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil impõe que, declarado nulo o contrato de intermediação financeira, este não possa produzir os efeitos negociais a que tendia, sendo também nula a ordem de compra de obrigações efetuada pelo cliente.

Por outro lado, a atuação do Banco réu surge, tal como entendeu o acórdão recorrido, como uma representação sem poderes, que gera a ineficácia, em relação aos autores, da compra de títulos financeiros efetuada com base num contrato de intermediação financeira nulo. Com efeito, a nulidade do contrato de intermediação financeira retira ao Banco a legitimidade para atuar em nome do investidor. O negócio de compra de obrigações foi, assim, celebrado pelo Banco, sem poderes de representação, o que provoca a ineficácia deste negócio de aquisição de valores mobiliários, em relação ao representado (artigo 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, como depositante bancário da quantia entregue para o efeito da dita aquisição, direito a pedir à entidade bancária a respetiva restituição.

A afirmação do recorrente de que não recebeu a referida quantia, apenas a entregou, por ordem da autora, à SLN, sendo terceiro em relação ao negócio de compra, não tem aqui qualquer pertinência argumentativa, nem técnico-jurídica. Com efeito, atenta a factualidade provada, a quantia que a Autora utilizou na compra/subscrição das obrigações encontrava-se depositada numa conta à ordem que aquela tinha aberto numa agência do Banco Réu.

Como se afirmou, no citado Acórdão de 29-09-2020:

«Os depósitos à ordem são uma das modalidades de depósitos de disponibilidades monetárias em instituições de crédito (art.º 1.º, n.º 1, do DL n.º 430/91, de 2711).

 O referido depósito consubstancia um contrato de depósito bancário stricto sensu, na medida em que o autor – depositante – entregou a um banco – aqui réu – dinheiro para que o guardasse e restituísse quando lhe fosse exigido.

Como o referido depósito tem por objecto mediato dinheiro, isto é, uma coisa fungível, e de natureza irregular, sendo-lhe aplicável, até onde a sua estrutura o permitir, o regime legal relativo ao contrato de mútuo (cfr. art.ºs 1205.º e 1206.º do Código Civil e 3.º do Código Comercial).

É um contrato essencialmente unilateral, na medida em que dele só resultam obrigações para o depositário, centradas na restituição do valor depositado e, por vezes, baseadas em cláusula específica de pagamento de juros.

Estritamente conexa com o contrato de depósito bancário está a conta bancária, consubstanciada na expressão contabilística das operações realizadas de depósito e de levantamento.

Assim, associado à abertura da conta, existe, em regra, um depósito bancário, cujo saldo está permanentemente disponível pelo depositante, obrigando-se o depositário à restituição do respectivo montante até ao respectivo limite, salvo convenção em contrário das partes».

Por isso, não pode vir o réu/recorrente negar que recebeu essa quantia, tanto mais que se provou que a Autora investiu 48.750,00 euros na compra de obrigações, depois de o funcionário da agência bancária ter insistido para que fizesse a operação, tendo assinado a ordem de compra, sem consciência dos riscos financeiros nela implicados, pensando que estava a subscrever um depósito a prazo. Ficou provado, também, que a Autora não teria ordenado a compra se soubesse que corria o risco de perda do capital. Impõe-se, pois, que as consequências da nulidade não prejudiquem a parte que atuou de boa fé e não beneficiem a parte que incumpriu a lei, por inobservância da forma legal, e que é também a responsável pela violação da norma imperativa que impõe um conteúdo mínimo ao contrato (artigo 321.º-A, do CVM)

10. Também não há que equacionar, como pretende o recorrente, a aplicação do artigo 266.º, n.º 2, do Código Civil, relativa à proteção de terceiros nos casos de revogação da procuração.

Não resulta dos factos provados que tenha sido outorgada alguma procuração, tal como é definida pelo artigo 262.º, n.º 1, do Código Civil, a qual, no caso, devia ter observado a forma escrita, face ao disposto no n.º 2 do citado preceito. Inexistindo procuração, não pode falar-se na sua extinção, muito menos, em “causas extintivas” que não possam “ser opostas a terceiro que, sem culpa, as tenha ignorado”.

Como se afirmou no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-09-2020, o artigo 266.º reporta-se a situações onde os poderes de representação efetivamente (pre)existiram e foram outorgados conscientemente pelo representado, e, em momento ulterior, modificados ou revogados por este, o que não sucedeu no caso destes autos.

  Conforme afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-09-2020, a existir uma procuração, sempre seria uma procuração “puramente interna”, que responsabilizaria o representante perante a entidade terceira, nos termos gerais do artigo 227.º do Código Civil (cfr. Raul Guichard/Catarina Brandão Proença/Ana Teresa Ribeiro, “Anotação ao artigo 266.º do Código Civil”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade C.atólica Editora, 2014, p. 649).

 Apesar de aquela importância ter sido entregue ao Banco, pela cliente, para aplicação na aquisição do papel comercial, e ainda que a mesma fosse aplicada nessa compra, não pode concluir-se que o Banco tenha agido no interesse e por conta da autora, investidora não qualificada, nem retirar-se dessa aplicação quaisquer consequências, pela simples razão de que ela pressupunha um negócio válido e, no caso, não existe.

11. Por último, a invocação, pelo recorrente, da norma do artigo 291.º do Código Civil, que constitui uma exceção ao princípio da retroatividade dos efeitos da nulidade e da anulabilidade, para invocar a proteção legal conferida a terceiros de boa fé, não procede, porque, sem mais considerações, nem o Banco é terceiro de boa fé, nem estão em causa transmissões de bens móveis ou imóveis sujeitos a registo, as quais necessitam de uma especial   estabilidade, que não se verifica em relação à compra de valores mobiliários.

12. Conclui-se, então, tal como no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 29-09-2020, que “A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira, por falta de forma legal, importa para o intermediário financeiro a obrigação de restituir ao cliente a quantia que recebeu dele, destinada à transacção de valores mobiliários”.

13. Suscita ainda o recorrente outra questão, relacionada com os juros alegadamente obtidos pelos autores, e que entende terem de ser descontados na quantia a restituir pelo Banco Réu.

 Na verdade, as obrigações de restituição são recíprocas e sinalagmáticas, o que implicaria que, tendo as partes de restituir tudo o que foi prestado, os autores tenham de devolver quer as obrigações compradas ao Banco, quer os juros vencidos por essas obrigações antes da declaração de nulidade, os quais teriam de ser descontados à quantia a restituir pelo réu. Esta posição, contudo, não tem sido unânime na doutrina e na jurisprudência, pois, estando os autores de boa fé, não teriam de restituir os frutos civis dos bens (juros das obrigações), cuja posse detêm, ao abrigo de um negócio nulo por causa que não lhes foi imputável (artigo 1270.º, n.º 1, do Código Civil).

Todavia, esta questão do desconto dos juros recebidos pelos autores não chega sequer a colocar-se, na medida em que estes juros não foram alegados pelo Banco na contestação, não integrando o objeto do litígio. Foram apenas peticionados no recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação entendido que não tinham sido provados nem alegados. Assim, este Supremo Tribunal está impedido de ordenar o cálculo dos juros, em sede de liquidação de sentença.

14. Torna-se, pois, evidente que, por aplicação do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, que consagra o princípio da restituição integral de tudo o que tiver sido prestado, o Banco deve restituir a totalidade do capital investido, a quantia de € 48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.


 Improcedem todas as conclusões de recurso do recorrente e confirma-se o acórdão recorrido.


Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC: 

I - No caso dos autos, a natureza jurídica da relação entre os autores (investidores não qualificados) e o réu (Banco) deve ser qualificada como um contrato de intermediação financeira, pois o Banco réu tratou da comercialização, aos seus balcões, de obrigações, tendo a iniciativa de contactar a autora para que ela emitisse a ordem de compra dessas obrigações emitidas por uma entidade terceira.

II – O negócio jurídico de intermediação financeira deve considerar-se como um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais, devendo ser reduzido a forma escrita (artigo 321.º, n.º 1, do CVM) e observar um conteúdo mínimo imposto por lei, funcionando assim como um instrumento de informação e de transparência contratual (artigo 321.º-A, do CVM).

III – A tese do recorrente, segundo a qual os negócios de execução são autónomos e permanecem válidos, porque se referem a ordens de compra assinadas pelo cliente, que o banco executou em nome deste, ao abrigo de um mandato com representação, não tem qualquer sustentação nos factos provados nem na lei.

IV - Tendo sido declarado nulo o contrato de intermediação financeira, por falta de forma, nulos serão também os negócios sucessivos, que se consideram negócios de execução do contrato de cobertura.  

V - Não se trata apenas do resultado de uma aplicação lógica do princípio da retroatividade, que concebe a invalidade negocial como uma invalidade derivada ou em cadeia, que destrói os negócios jurídicos subsequentes, celebrados com base no programa contido no negócio nulo, mas também de um regime imposto pela proteção dos interesses da parte mais fraca, que correspondem, não só a interesses privados dos investidores não qualificados, mas também a interesses de ordem pública e de segurança do mercado para os cidadãos.    

VI - O âmbito da declaração de nulidade e as suas consequências jurídicas devem ser determinados pela finalidade da espécie de invalidade negocial em causa e pelo seu concreto regime jurídico.

VII - Estas novas formas de nulidade designadas por nulidades de proteção ou nulidades axiológicas visam suprir a desigualdade informativa entre as partes e proteger os sujeitos mais vulneráveis.

VIII – O regime da nulidade (só é invocável pelo cliente) e a sua finalidade impõem, assim, na determinação das consequências da nulidade, um resultado que proteja a parte mais fraca e não beneficie a parte responsável pela inobservância da forma legal e do conteúdo mínimo obrigatório do contrato de intermediação financeira.

IX - Os negócios celebrados com base no contrato de intermediação financeira não são autónomos ou independentes em relação a este, mas negócios funcionalmente ligados ao contrato de cobertura, na medida em que correspondem à execução deste, e pressupõe-no necessariamente, sob pena de a autonomização dos negócios de aquisição de valores mobiliários, em relação ao contrato quadro, frustrar a proteção que a lei pretende garantir aos investidores. 

X - A nulidade do contrato de intermediação financeira retira ao Banco a legitimidade para atuar em nome do investidor. O negócio de compra de obrigações foi, assim, celebrado pelo Banco, sem poderes de representação, o que provoca a ineficácia do negócio de aquisição de valores mobiliários, em relação ao representado (artigo 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, como depositante bancário da quantia entregue para o efeito da dita aquisição, direito a pedir à entidade bancária a respetiva restituição.

XI - A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira importa para o intermediário financeiro, por força do princípio da restituição integral de tudo o que tiver sido prestado (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil),  a obrigação de restituir ao cliente a quantia que recebeu dele e que se destinava à transação de valores mobiliários, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.


III – Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de março de 2021


Maria Clara Sottomayor – Relatora

Alexandre Reis – 1.º Adjunto

Pedro Lima Gonçalves – 2.º Adjunto

             

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).