Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
131/12.4TELSB.P1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
FRAUDE FISCAL
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Tem sido jurisprudência estável do STJ que a oposição de acórdãos, decisiva para a aceitabilidade do recurso extraordinário em questão, impõe que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico se mostrem, em ambos os arestos, idênticas, a ponto de ser possível o juízo de que se pronunciaram sobre questão que é, fundamentalmente, idêntica.
II - Caso não exista uma identidade ou similitude substancial e essencial em ambas as situações, designadamente nos elementos relevantes que são objecto de decisão na aplicação da norma, não se pode afirmar que soluções, que aparentemente são coincidentes, não sejam efectivamente diversas, vista a diferença de pressupostos de facto que, numa e noutra, constituem a base da decisão.
III - No acórdão fundamento analisava-se uma eventual prescrição do procedimento criminal que tinha sido suscitada no recurso por dois dos (aí) arguidos, e por isso, se avaliou a questão de saber se as impugnações judiciais das liquidações de impostos nos termos do CPPT apresentadas por um terceiro arguido (aí) não recorrente, mas que actuara em coautoria com os (aí) recorrentes, também suspendiam o prazo de prescrição do procedimento criminal em relação a estes últimos nos termos dos art. 21.º, n.º 4, 42.º, n.º 2, e 47.º, todos do RGIT, tendo decidido no sentido afirmativo. No caso, a decisão sobre a impugnação judicial mostrava-se decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação. Assim, houve que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal, o que levou à suspensão do processo.
IV - No acórdão recorrido o tribunal apenas apreciou e tomou posição expressa quanto à questão de saber se o despacho do Sr. desembargador do TRP de 29.11.2021, que indeferiu anterior reclamação para a conferência de um outro despacho que havia indeferido o requerimento apresentado pelos arguidos/recorrentes em ordem à suspensão da instância de recurso nos termos do art. 47.º, n.º 1, do RGIT, era reclamável para a conferência, decidindo «confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes João Carlos Monteiro Correia Moutinho, Paulo Jorge dos Santos Moura e Moutinho & Araújo – Jóias, Ld.ª». Só em sede de fundamentação aborda lateralmente a questão da suspensão do processo penal tributário, e a conclusão a que chegou de não ser de admitir a suspensão do processo, nos termos do disposto n.º 1 do art. 47.º do RGIT, não colide com a decisão do acórdão fundamento, uma vez que refere que o despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente) sendo certo que, “ o processo contém, nesta fase, já todos os elementos relevantes e necessários para a decisão da causa, não cabendo na fase de recurso nova indagação e obtenção de outros elementos, no caso de decisão a proferir por outro Tribunal, com a consequente suspensão deste processo”.
V - Verifica-se, pois, uma substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico, pelo que as decisões apresentadas pelos recorrentes não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem realidades distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada uma delas.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 131/12.4TELSB.P1-B.S1

 Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

I. Relatório

1. AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda, inconformados com o acórdão proferido em 12-01-2022 (referência ...36), pela 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, tirado no âmbito do processo nº 131/12.4TELSB.P1, vieram interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando verificar-se oposição de acórdãos, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, indicando como acórdão recorrido o citado acórdão proferido em 12/01/2022 pelo Tribunal da Relação do Porto, tirado no âmbito do processo nº 131/12.4TELSB.P1, e como acórdão fundamento, o acórdão proferido em 27-05-2019 do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 198/05.1DBRG.G1, o qual já transitou em julgado.

*

2. No recurso apresentado, extraem os recorrentes, as seguintes conclusões:

ENQUADRAMENTO

- Por requerimento de 26-10-2021 (referência ...17) vieram os recorrentes informar que, após o depósito do acórdão proferido em 1ª instância, foi a sociedade arguida, e ora recorrente, objecto de liquidação de IRC relativamente aos anos de 2008 e 2009, pelo mesmo valor da vantagem patrimonial fixada naquela decisão condenatória.

- Mais informaram os recorrentes que, por esse facto, a sociedade recorrente apresentou, no TAF do Porto, impugnação judicial de tais liquidações, tendo junto a respectiva petição inicial.

Concluíram o seu requerimento, solicitando que, após análise daquela petição inicial, se determinasse que a situação tributária dos recorrentes, a definir naquele processo, teria influência directa nos autos e que, por tal facto, o recurso pendente no Tribunal da Relação teria necessariamente – no que aos recorrentes respeita – de ser suspenso, por força do disposto no n.º 1 do artigo 47º do RGIT) até que transite em julgado a sentença que naquele vier a ser proferida.

- Relativamente à pretensão contida naquele requerimento foi proferida decisão singular pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator que, sem que se fizesse qualquer apreciação da petição inicial apresentada no TAF, indeferiu tal pretensão, por entender, em suma, que “no caso presente os autos encontram-se na fase de recurso (ordinário), competindo a este Tribunal tão somente apurar do acerto ou não do acórdão recorrido, em face das questões suscitadas pelos recorrentes na motivação e sintetizadas nas conclusões, tendo aí sido já tratada a questão da qualificação criminal dos factos imputados aos arguidos agora requerentes, sem dependência de decisão no âmbito de processo tributário (seja impugnação judicial, seja oposição à execução), sendo com base em tais elementos de que o Tribunal recorrido dispôs e questões de que conheceu a decisão recorrida que se pronunciará este Tribunal Superior (n.º 1 do artigo 410º do CPP). O processo contém, nesta fase, já todos os elementos relevantes e necessários para a decisão da causa, não cabendo na fase de recurso nova indagação e obtenção de outros elementos, no caso de decisão a proferir por outro Tribunal, com a consequente suspensão deste processo”.

- Desse despacho vieram os recorrentes reclamar para a conferência o que, do mesmo modo, foi indeferido pelo Sr. Juiz Relator, o que justificou com o facto de “o despacho que não decretou a suspensão do presente processo não representa qualquer decisão sumária proferida nos termos do n.º 6 e n.º 7 do artigo 416º do CPP”.

- Do despacho de indeferimento de reclamação para a conferência, vieram os recorrentes a reclamar novamente para a conferência, invocando a aplicação subsidiária ao processo penal do n.º 3 do artigo 652º, por aplicação do disposto no artigo 4º do CPP, quando determina que “quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão: o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.

- O acórdão em causa, proferido em 12-01-2022 (referência ...36), de que ora se recorre, apesar de indeferir a pretensão dos recorrentes considerando não ser admissível a reclamação para a conferência, abordou lateralmente a questão de fundo, entendendo não ser de admitir a suspensão do processo, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 47º do RGIT, considerando: “… o aludido despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente) … mesmo perante a eventualidade de improcedência do recurso, a não suspensão do processo não aniquila tais direitos e garantias, pois que, caso haja procedência da referida ação de impugnação, os reclamantes sempre poderão lançar mão de um eventual recurso extraordinário de revisão (al. c) do n.º 1 do art. 338º do CPP)”.

DA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

O ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO EM 12-01-2022 (referência ...36), ESTÁ EM OPOSIÇÃO EXPRESSA COM O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES DE 27-05-2019, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 198/05.1DBRG.G1, O QUAL JÁ TRANSITOU EM JULGADO

Disponívelem:http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/6aad6794f46c02c78025841e0039451b?OpenDocument]

Diz-se nesse Acórdão que:

- “Ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. O art. 7º do CPP, que consagra o princípio da suficiência do processo penal) – é obrigatória a suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP.

- Na verdade, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada.

- Por isso, a fixação definitiva da situação tributária e da determinação da colecta obtida em tais impugnações entra directamente como premissa no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes, ainda que não tenham deduzido as impugnações”.

Em conclusão,

a) É manifesto ocorrer contradição entre o acórdão proferido nos autos e o acórdão, ora fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito: determinar se, em processo penal por crime fiscal, quando, ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença;

b) Deve ser admitido o presente recurso, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 439º do CPP”.

*

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, respondeu ao recurso, concluindo:

Os recorrentes concluem a motivação pela seguinte forma:

a) É manifesto ocorrer contradição entre o acórdão proferido nos autos e o acórdão, ora fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito: determinar se, em processo penal por crime fiscal, quando, ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença;

b) Deve ser admitido o presente recurso, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 439º do CPP.

Lida a motivação de recurso e as respectivas conclusões, o que resulta é que o recorrente pretende, a revogação do acórdão proferido nos autos.

Nos artigos 437º e 438º do CPP estão fixados os pressupostos formais e substanciais de que depende a admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

São pressupostos formais:

- legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis;

-interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis;

-não ser admissível recurso ordinário;

- interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar;

- identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão;

-trânsito em julgado de ambas as decisões.

São pressupostos substanciais:

-existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ;

- a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos;

- identidade fundamental da matéria de facto».

Passemos agora ao caso em análise.

Os acórdãos em confronto são:

- o proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto e

- o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 27 de Maio de 2019, sob o processo nº 198/05.1DBRG.G1.

No acórdão dos autos decidiu-se:

a) Confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda.

b) Condenar os reclamantes nas respetivas custas, com taxa de justiça 3 UC (art. 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Apesar de ser esta a decisão, e só esta, refere o recorrente:

“- O acórdão em causa, proferido em 12-01-2022 (referência ...36), de que ora se recorre, apesar de indeferir a pretensão dos recorrentes considerando não ser admissível a reclamação para a conferência, abordou lateralmente a questão de fundo, entendendo não ser de admitir a suspensão do processo, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 47º do RGIT, considerando:

“… o aludido despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente) … mesmo perante a eventualidade de improcedência do recurso, a não suspensão do processo não aniquila tais direitos e garantias, pois que, caso haja procedência da referida ação de impugnação, os reclamantes sempre poderão lançar mão de um eventual recurso extraordinário de revisão (al. c) do n.º 1 do art. 338º do CPP)”.

Não descortinamos no acórdão o pretendido pelos recorrentes, sendo certo que no despacho a que aludem os recorrentes para além do mais se refere:

“O processo contém, nesta fase, já todos os elementos relevantes e necessários para a decisão da causa, não cabendo na fase de recurso nova indagação e obtenção de outros elementos, no caso de decisão a proferir por outro Tribunal, com a consequente suspensão deste processo”.

O que se refere no despacho é que no caso não havia que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal já que os autos continham todos os elementos necessários á decisão da causa.

No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 27 de Maio de 2019, sob o processo nº 198/05.1DBRG.G1, entre outras questões analisava-se uma eventual prescrição do procedimento criminal.

O segmento do acórdão transcrito pelos recorrentes está inserido na parte onde se analisa tal matéria.

Passamos a repetir tal transcrição:

“Ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. art. 7º do CPP, que consagra o princípio da suficiência do processo penal) – é obrigatória a suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP.

- Na verdade, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada.

- Por isso, a fixação definitiva da situação tributária e da determinação da colecta obtida em tais impugnações entra directamente como premissa no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes, ainda que não tenham deduzido as impugnações”.

No caso a decisão sobre a impugnação judicial mostrava-se decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação. Assim, houve que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal, o que levou à suspensão do processo.

Descrito sumariamente o caso em análise e tendo em conta os demais elementos existentes no autos, vejamos agora estão preenchidos, os pressupostos da admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência.

Quanto aos requisitos formais cabe referir:

- que os recorrentes, enquanto arguidos, tem legitimidade para interpor o recurso;

- que o recurso para fixação de jurisprudência foi interposto atempadamente;

- que os acórdãos em confronto transitaram em julgado;

- que, durante o período de tempo que mediou entre a prolação dos acórdãos não ocorreu alteração legislativa relevante para o caso.

Assim, estamos crentes que no caso se verificam os requisitos formais exigidos.

Quanto aos requisitos substanciais:

Da descrição sumária que fizemos do caso desde logo resulta que tais requisitos não se verificam.

Não existe oposição entre acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 27 de Maio de 2019, sob o processo nº 198/05.1DBRG.G1.

Não há oposição das decisões e nem sequer há oposição nos fundamentos das decisões.

Estas faltas de oposição, assentam sobretudo na falta de identidade das matérias tratadas nos acórdãos que os recorrentes colocaram em confronto. Tratam de realidades distintas.

Assim, cremos que o presente recurso de fixação de jurisprudência deve ser rejeitado nos termos do disposto no art. 441º, nº 1 do CPP.

Por todo o exposto, em nosso entender o recurso interposto deve ser rejeitado”.

*

 4. Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, nos termos e fundamentos seguintes:

1. AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias Ld.ª, vieram interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (RFJ) alegando e concluindo que o acórdão do TRP de 12.01.2022 (processo 131/12.4TELSB.P1) encontra-se em oposição expressa com o acórdão do TRG de 27.05.2019 (processo 198/05.1IDBRG.G1) quanto à questão jurídica de saber «se em processo penal por crime fiscal, quando ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença» [sic conclusão da al. a)].

2. O MP junto do TRP respondeu ao recurso defendendo a sua rejeição por entender que não existe oposição das decisões nem dos respectivos fundamentos.

3. Tempestividade do recurso.

De acordo com o art. 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

O acórdão do TRP de 12.01.2022 (acórdão recorrido) transitou em julgado em 27.01.2022.

O prazo de 30 dias para a interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência terminou, assim, no dia 26.02.2022 mas, por ser sábado, transferiu-se para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, para o dia 28.02.2022 (arts. 138.º, n.º 2, do CPC e 104.º do CPP).

O despacho n.º 2477/2022, do Gabinete do Primeiro-Ministro, concedeu tolerância de ponto no dia 01.03.2022 (DR, 2.ª série, n.º 40, de 25.02.2022).

O dia da tolerância de ponto considera-se dia não útil (art. 138.º, n.º 3, do CPC).

Como os recorrentes interpuseram o recurso em 03.03.2022 (ou seja, no 2.º dia útil posterior ao termo do prazo de 30 dias), a sua validade depende do pagamento de uma multa (arts. 139.º, n.º 5, do CPC e 107.º, n.º 5, e 107.º-A, al. b), do CPP).

Dos elementos que instruem os autos não resulta que essa multa tenha sido paga.

À vista do que antecede, promovo que os recorrentes sejam notificados nos termos e para os efeitos do art. 139.º, n.º 6, do CPC.

Caso assim não se entenda.

4. Pressupostos substanciais do RFJ.

Conforme entendimento pacífico do STJ, constituem requisitos de ordem substancial do RFJ:

«i) a existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;

ii) a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;

iii) a oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito);

iv) que as decisões em oposição sejam expressas; v) a identidade de situações de facto.

11. (…), para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não implícitos.

12. Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

(…)

17. A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência do STJ aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações. Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspecto jurídico do caso» (trechos do acórdão de 29.10.2020, processo 6755/17.6T9LSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt).

No caso dos autos, adiantamo-lo desde já, não cremos que estes pressupostos estejam reunidos.

Vejamos.

No acórdão recorrido (acórdão do TRP de 12.01.2022), o tribunal apenas apreciou e tomou posição expressa quanto à questão de saber se o despacho do Sr. desembargador do TRP de 29.11.2021, que indeferiu anterior reclamação para a conferência de um outro despacho que havia indeferido o requerimento apresentado pelos arguidos/recorrentes em ordem à suspensão da instância de recurso nos termos do art. 47.º, n.º 1, do RGIT, era reclamável para a conferência, decidindo «confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Ld.ª». Só em sede de fundamentação («lateralmente», nas palavras dos recorrentes) aborda a questão dos efeitos do indeferimento do requerimento de suspensão do recurso apresentado pelos recorrentes.

No acórdão fundamento (acórdão do TRG de 27.05.2019, publicado em www.dgsi.pt), o tribunal, a propósito da questão da prescrição do procedimento criminal que tinha sido suscitada no recurso por dois dos (aí) arguidos, debruçou-se sobre a questão de saber se as impugnações judiciais das liquidações de impostos nos termos do CPPT apresentadas por um terceiro arguido (aí) não recorrente, mas que actuara em coautoria com os (aí) recorrentes, também suspendiam o prazo de prescrição do procedimento criminal em relação a estes últimos nos termos dos arts. 21.º, n.º 4, 42.º, n.º 2, e 47.º, todos do RGIT, tendo decidido no sentido afirmativo.

No acórdão recorrido estava em causa a interpretação do art. 417.º, n.ºs 6 a 8, do CPP (e a título subsidiário, do art. 652.º, n.º 3, do CPC).

No acórdão fundamento estava em causa a interpretação e aplicação dos arts. 21.º, n.º 4, 42.º, n.º 2, e 47.º do RGIT no descrito quadro factual. No mesmo não se analisa a questão equacionada pelos recorrentes (de saber «se em processo penal por crime fiscal, quando ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença»).

Em suma, a questão jurídica em discussão nos dois acórdãos é diferente.

Como bem refere o MP junto do TRP, os arestos em confronto «tratam de realidades distintas».

E daí que, face à manifesta inexistência de oposição de julgados, o recurso deva ser rejeitado (arts. 440.º, n.º 3, e 441.º, n.º 1, do CPP).

*

5. Responderam os recorrentes ao parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto, concluindo que ressaltam evidentes asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos e dos quais resultaram soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, pelo que se impõe fixar critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

*

6. Efectuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à conferência, de acordo com o disposto no art. 440.º do Código de Processo Penal, pelo que cumpre apreciar e decidir.

*

 

II Fundamentação

II. 1. Dispõe o art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”.

Mais, prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, e de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público.

Para além disso, estabelece o art. 438.º, do CPP, no seu n.º 1, que “O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em primeiro lugar”, mais prevendo, no seu n.º 2, que “No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”.

Assim, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da existência de determinados pressupostos formais e substanciais.

Fazendo uso das palavras do acórdão deste STJ, de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1 “entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões. São requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto”.

Assim podemos concluir que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP):

São requisitos de ordem formal:
 i) a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis); e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o MP);

ii) a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência;

iii) O trânsito em julgado de ambas as decisões;

iv) a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar;

São requisitos de ordem substancial:

a) Existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;

b) Verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;

c) Oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito);

d) As decisões em oposição sejam expressas;

e) Identidade de situações de facto.

Especificamente no que concerne aos requisitos substanciais, para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não implícitos.

Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 27-04-2017, Proc. nº 1/17.0YFLSB.S1-A – 5.ª Secção : “II – Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles.

III – Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.” (disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – Ano de 2017).

A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência do STJ aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações. Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspecto jurídico do caso (cfr. acórdão do STJ de 20-03-2019, proferido no proc. n.º 42/18.GAMNC.G1-A.S1 com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Março).

Veja-se quanto a esta matéria, a título de exemplo, entre outros, o Acórdão do STJ de 27-06-2019, Proc. n.º 4/18.7GBSBG.C1-A – 5.ª Secção: “IV – Para além dos requisitos formais, o recurso de fixação de jurisprudência terá que cumprir requisitos substanciais que se traduzem numa oposição expressa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, tendo subjacente uma identidade de situações de facto ou pelo menos uma identidade substancial, de tal forma que em ambos os casos se exigisse uma mesma solução de direito” (Sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Junho).

Já que a falta de identidade dos factos poderia explicar a prolação de soluções jurídicas díspares: apenas sobre a mesma situação de facto se pode verificar se existe ou não oposição de soluções de direito, isto é, apenas perante identidade de pressupostos de facto se pode avaliar da existência/inexistência de oposição de soluções de direito, excepcionando-se, naturalmente, os casos em que as diferenças factuais são inócuas e, por isso, em nada interferem com o aspecto jurídico do caso. (acórdão do STJ de 28-02-2019, proferido em no Pro n.º 2159/13.8TALRA.C2-A.S1 5.ª Secção, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Fevereiro).

De acordo com o art. 441.º, n.º 1, do CPP se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue.

Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço.

*

II. 2. Começando pelos pressupostos formais, quanto à legitimidade dos recorrentes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda.    

Não há dúvida que os recorrentes tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artº 437º, nº 2 e 5 do CPP), dado o seu interesse em agir na medida em que, tendo a qualidade de arguidos «a decisão que resolver o conflito tem eficácia» no processo – artºs 445.º n.º 2, 401.º n.º 2 e 448º.

Conforme consta da certidão emitida pela Srª Escrivã - Auxiliar da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, o acórdão recorrido foi exarado nos autos em 12.01.2022, tendo sido notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo electrónico nos autos em 12.01.2022 e, por notificação electrónica, aos arguidos ora recorrentes a 12.01.2022, na pessoa do ilustre mandatário Dr. CC.

O requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência deu entrada 03.03.2022 e o acórdão recorrido transitou em julgado a 27.01.2022.

O prazo de 30 dias para a interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 438.º, n.º 1, do CPP) terminaria no dia 26.02.2022, visto que o acórdão do TRP de 12.01.2022 (acórdão recorrido) transitou em julgado em 27.01.2022. Mas, por o dia 26.02.2022 ser sábado, o prazo terminava no dia 28.02.2022, por ser o 1.º dia útil seguinte (arts. 138.º, n.º 2, do CPC e 104.º do CPP).

Porém, e por força do despacho n.º 2477/2022, do Gabinete do Primeiro-Ministro, que concedeu tolerância de ponto no dia 01.03.2022 (DR, 2.ª série, n.º 40, de 25.02.2022), considerando-se dia não útil (art. 138.º, n.º 3, do CPC), tendo os recorrentes interposto o recurso em 03.03.2022 (ou seja, no 2.º dia útil posterior ao termo do prazo de 30 dias), a sua validade dependeria do pagamento de uma multa (arts. 139.º, n.º 5, do CPC e 107.º, n.º 5, e 107.º-A, al. b), do CPP).

Tendo sido paga a multa, o recurso interposto em 03.03.2022 é tempestivo, concluindo-se, assim, que os pressupostos formais para admissão do recurso se encontram preenchidos, de acordo com o disposto no art.º 438º do CPP (legitimidade e tempestividade).

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II. 3. Quanto aos requisitos substanciais:

II.3.1. AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias Ld.ª, vieram interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (RFJ) alegando e concluindo que o acórdão do TRP de 12.01.2022 (processo 131/12.4TELSB.P1) encontra-se em oposição expressa com o acórdão do TRG de 27.05.2019 (processo 198/05.1IDBRG.G1) quanto à questão jurídica de saber «se em processo penal por crime fiscal, quando ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença» [conclusão da al. a)].

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II.3.2. Antes de mais, e para melhor compreensão da pretensão dos recorrentes, importa assinalar que os arguidos foram condenados, em 1ª instância, pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, nº 1, alínea a), e de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103º, nº 1, alínea a), e 104º, nº 1 (pena aplicável) e nº 2, alínea a), ambos do RGIT (na redação da Lei nº 64-B/2011, de 30-12, para o que releva o valor da vantagem patrimonial ilegítima (no mínimo de 15.000,00€).

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Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto e, já neste Tribunal, por requerimento de 26-10-2021 (referência ...17) vieram os recorrentes informar que, após o depósito do acórdão proferido em 1ª instância, foi a sociedade arguida, e ora recorrente, objecto de liquidação de IRC relativamente aos anos de 2008 e 2009, pelo mesmo valor da vantagem patrimonial fixada naquela decisão condenatória. Mais informaram os recorrentes que, por esse facto, a sociedade recorrente apresentou, no TAF do Porto, impugnação judicial de tais liquidações, tendo junto a respectiva petição inicial. Concluíram o seu requerimento, solicitando que, após análise daquela petição inicial, se determinasse que a situação tributária dos recorrentes, a definir naquele processo, teria influência directa nos autos e que, por tal facto, o recurso pendente no Tribunal da Relação teria necessariamente de ser suspenso, por força do disposto no n.º 1 do artigo 47º do RGIT até que transite em julgado a sentença que naquele vier a ser proferida.

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Em 17-11-2021, foi proferido despacho relativamente a tal pretensão, tendo sido indeferido o requerido (ref.ª ...37, de 17-11-2021), por se entender que “no caso presente os autos encontram-se na fase de recurso (ordinário), competindo a este Tribunal tão somente apurar do acerto ou não do acórdão recorrido, em face das questões suscitadas pelos recorrentes na motivação e sintetizadas nas conclusões, tendo aí sido já tratada a questão da qualificação criminal dos factos imputados aos arguidos agora requerentes, sem dependência de decisão no âmbito de processo tributário (seja impugnação judicial, seja oposição à execução), sendo com base em tais elementos de que o Tribunal recorrido dispôs e questões de que conheceu a decisão recorrida que se pronunciará este Tribunal Superior (n.º 1 do artigo 410º do CPP). O processo contém, nesta fase, já todos os elementos relevantes e necessários para a decisão da causa, não cabendo na fase de recurso nova indagação e obtenção de outros elementos, no caso de decisão a proferir por outro Tribunal, com a consequente suspensão deste processo.

Pelo exposto, indefere-se o requerido pelos arguidos/recorrentes AA. BB e Moutinho & Araújo, Ldª”.

*

Os recorrentes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda, após terem sido notificados do despacho de 17-11-2021, que indeferiu o pedido de suspensão do processo ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, vieram, invocando o disposto no n.º 8 do artigo 417.º do CPP, apresentar reclamação do mesmo para a conferência.

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Em 29-11-2021, foi proferido o despacho que não admitiu a reclamação para a conferência, uma vez que “(…) No caso presente o despacho em causa não representa qualquer decisão sumária, proferida nos termos do referido n.º 6.º, nem tão pouco constituiu qualquer decisão no âmbito do exame preliminar, nos termos do mencionado n.º 7 do artigo 417.º do CPP (acima transcritos).

As situações em que é admissível reclamação para a conferência de despachos do relator são apenas as expressa e taxativamente enumeradas em tais normativos legais, atenta a sua redação, não sendo, a nosso ver, admissível outra interpretação dessas normas (n.º 2 do art. 9.º do C. Civil).

Ora, o despacho em crise não se enquadra em nenhuma dessas situações, pelo que não estão verificados os requisitos legais para a admissão da reclamação”.

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Deste despacho de indeferimento de reclamação para a conferência, vieram os recorrentes a reclamar novamente para a conferência, invocando a aplicação subsidiária ao processo penal do n.º 3 do artigo 652º, por aplicação do disposto no artigo 4º do CPP, quando determina que “quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão: o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.

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Foram os autos à conferência, tendo sido proferido acórdão em 12-01-2022, que decidiu confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda., consignando, na parte que ora importa:

«(…) Fazendo a reconstituição do processado que motivou a presente reclamação, temos que:

- Em 26-10-2021, vieram os recorrentes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 47.º o RGIT, requerer a suspensão dos presentes autos até que transite em julgado a sentença que vier a ser proferida na impugnação judicial, por eles instaurada, que corre termos no Tribunal Administrativo do Porto – Unidade Orgânica 2, sob o n.º 1638/21.... (ref.ª ...17, de 26-10-2021).

- Em 17-11-2021, foi proferido despacho relativamente a tal pretensão, tendo, pelos fundamentos aí expostos, sido indeferido o requerido (ref.ª ...37, de 17-11-2021).

- Em 25-11-2021, os recorrentes reclamaram de tal despacho para a conferência, invocando errada interpretação dos normativos legais que citam e também da jurisprudência que indicam (ref.ª ...65, de 25-11-2021).

- Em 29-11-2021, foi proferido o despacho agora reclamado (acima transcrito).

Dizem, agora, os reclamantes concordar que o aludido despacho de 17-11-2021, em que se decidiu não decretar a suspensão do processo, não representa qualquer decisão sumária, proferida nos termos dos n.ºs 6 e 7 do artigo 417.º do CPP.

Porém, foi ao abrigo do n.º 8 desse artigo 417.º, o qual estabelece que “Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos nos termos dos n.ºs 6 e 7”, que apresentaram a reclamação de 25-11-2021, normativo que invocaram expressamente (logo de início).

Por outro lado, não contestam os reclamantes o caráter taxativo da enunciação das decisões do relator (n.ºs 6 e 7) de que cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 8 do artigo 417.º do CPP.

Não se tratando de decisão sumária relativamente aos recursos interpostos (n.º 6), tal despacho também não cabe no âmbito do exame preliminar, pois que este versa exclusivamente sobre as questões atinentes ao próprio recurso, enunciadas no n.º 7 (efeito atribuído ao recurso, provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas).

Ademais, o despacho que se pronunciou sobre a tempestividade, o efeito e o regime atribuídos aos recursos foi proferido subsequentemente ao que indeferiu o requerimento de suspensão do processo (ref.ª ...37, de 17-11-2021), não representando aquele também qualquer “decisão sumária”, ao contrário do que referem os reclamantes (ponto 2) das conclusões), pois que foi proferido no âmbito do exame preliminar, com vista à marcação da audiência (n.º 1 e 7 do art. 417.º do CPP).

Ademais, o aludido despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do mérito do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente).

O mesmo contende, à partida, tão-somente com a tramitação do próprio recurso, no sentido de ficar ou não o processo suspenso.

E se a regra é a da recorribilidade das decisões, apenas sendo irrecorríveis se tal estiver previsto na lei (art. 399.º do CPP), ao nível das decisões dos Tribunais da Relação a recorribilidade é menos ampla (art. 400.º, n.º 1, alíneas c), d), e) e f)), sendo também limitadas, como se referiu, as situações em que pode haver reclamação para a conferência das decisões do relator (citados n.ºs 6 a 8 do art. 417.º).

Dizem, ainda, os recorrentes que o despacho de 17-11-2021 não é um despacho de mero expediente, invocando a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPP, por força do disposto no artigo 4.º do CPP.

Não cremos que seja de aplicar a lei adjectiva civil e título subsidiário, pois que o código de processo penal regulamenta, na sua plenitude, o regime dos recursos.

Concordamos que o tribunal de recurso funciona em três níveis distintos de decisão (relator/conferência/audiência), como referem os reclamantes. Contudo, não se considera que o despacho de 17-11-2021 tenha que ser apreciado pelo coletivo dos juízes, em conferência, pois que não contende, direta e estritamente, com a substância do recurso interposto, mas apenas (pelo menos no imediato) com a tramitação do processo, no caso a suspensão do mesmo, não se descortinando que, por essa via, sejam postos em causa os invocados princípios constitucionais de acesso ao direito e de uma tutela jurisdicional efetiva ou a limitação das garantias de defesa no processo criminal, conforme enunciado nos invocados artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 31.º, n.º 1, da CRP.

Efetivamente, mesmo perante a eventualidade de improcedência do recurso, a não suspensão do processo não aniquila tais direitos e garantias, pois que, caso haja procedência da referida ação de impugnação, os reclamantes sempre poderão lançar mão de um eventual recurso extraordinário de revisão (al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP).

Assim, pese embora os argumentos apresentados pelos reclamantes, somos levados a concluir pelo acerto do despacho reclamado, ao decidir pela inadmissibilidade da reclamação para a conferência pelos mesmos apresentada.

III Pelo exposto, decide-se:

a) Confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Lda».

*

II.3.3. Inconformados com este acórdão proferido em 12-01-2022 pela 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto (processo nº 131/12.4TELSB.P1), vieram interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando verificar-se oposição de acórdãos, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, indicando como acórdão recorrido o citado acórdão proferido em 12/01/2022 pelo Tribunal da Relação do Porto, tirado no âmbito do processo nº 131/12.4TELSB.P1, e como acórdão fundamento, o acórdão proferido em 27-05-2019 do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 198/05.1DBRG.G1.

Para tanto alegam que o acórdão recorrido, proferido em 12-01-2022, apesar de indeferir a pretensão dos recorrentes considerando não ser admissível a reclamação para a conferência, abordou lateralmente a questão de fundo, entendendo não ser de admitir a suspensão do processo, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 47º do RGIT, considerando: “… o aludido despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente) … mesmo perante a eventualidade de improcedência do recurso, a não suspensão do processo não aniquila tais direitos e garantias, pois que, caso haja procedência da referida ação de impugnação, os reclamantes sempre poderão lançar mão de um eventual recurso extraordinário de revisão (al. c) do n.º 1 do art. 338º do CPP)”.

Por outro lado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-05-2019, proferido no âmbito do processo nº 198/05.1DBRG.G1., que constitui o acórdão-fundamento, refere:

Ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. O art. 7º do CPP, que consagra o princípio da suficiência do processo penal) – é obrigatória a suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP. Na verdade, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada. Por isso, a fixação definitiva da situação tributária e da determinação da colecta obtida em tais impugnações entra directamente como premissa no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes, ainda que não tenham deduzido as impugnações”.

Defendem, assim, os recorrentes que o confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento revela inequivocamente existir uma oposição de julgados que justifica e fundamenta a interposição de um recurso para fixação de jurisprudência ao abrigo do n.º 2 do art. 437.º do Código de Processo Penal, porquanto, entendem ser manifesto ocorrer contradição entre o acórdão proferido nos autos e o acórdão, ora fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito: determinar se, em processo penal por crime fiscal, quando, ponderando os fundamentos da impugnação pendente em tribunal administrativo e fiscal, se verifique que os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, a suspensão do processo prevista no n.º 1 do artigo 47º do RGIT, assume carácter obrigatório, não sendo remetida tal apreciação para posterior e eventual recurso extraordinário de revisão de sentença.

*

II.3.4. Como acima já se deixou dito, tem sido jurisprudência estável do Supremo Tribunal de Justiça que a oposição de acórdãos, decisiva para a aceitabilidade do recurso extraordinário em questão, impõe que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico se mostrem, em ambos os arestos, idênticas, a ponto de ser possível o juízo de que se pronunciaram sobre questão que é, fundamentalmente, idêntica.

Assim, caso não exista uma identidade ou similitude substancial e essencial em ambas as situações, designadamente nos elementos relevantes que são objecto de decisão na aplicação da norma, não se pode afirmar que soluções, que aparentemente são coincidentes, não sejam efectivamente diversas, vista a diferença de pressupostos de facto que, numa e noutra, constituem a base da decisão.

Vejamos, então, se foi ou não distinto o caminho seguido por ambos os acórdãos, alegadamente, em oposição.

*

II.3.5. A situação de facto no acórdão fundamento foi a seguinte:

Neste acórdão, entre outras questões analisava-se uma eventual prescrição do procedimento criminal que tinha sido suscitada no recurso por dois dos (aí) arguidos, e por isso, se avaliou a questão de saber se as impugnações judiciais das liquidações de impostos nos termos do CPPT apresentadas por um terceiro arguido (aí) não recorrente, mas que actuara em coautoria com os (aí) recorrentes, também suspendiam o prazo de prescrição do procedimento criminal em relação a estes últimos nos termos dos arts. 21.º, n.º 4, 42.º, n.º 2, e 47.º, todos do RGIT, tendo decidido no sentido afirmativo.

Refere o segmento do acórdão fundamento (acórdão do TRG de 27.05.2019, publicado em www.dgsi.pt.), na parte onde se analisa tal matéria:

Ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. art. 7º do CPP, que consagra o princípio da suficiência do processo penal) – é obrigatória a suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP. (…) Por isso, a fixação definitiva da situação tributária e da determinação da colecta obtida em tais impugnações entra directamente como premissa no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes, ainda que não tenham deduzido as impugnações”.

No caso a decisão sobre a impugnação judicial mostrava-se decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação. Assim, houve que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal, o que levou à suspensão do processo.

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II.3.6. A situação de facto no acórdão recorrido foi a seguinte:

No acórdão dos autos, o tribunal apenas apreciou e tomou posição expressa quanto à questão de saber se o despacho do Sr. desembargador do TRP de 29.11.2021, que indeferiu anterior reclamação para a conferência de um outro despacho que havia indeferido o requerimento apresentado pelos arguidos/recorrentes em ordem à suspensão da instância de recurso nos termos do art. 47.º, n.º 1, do RGIT, era reclamável para a conferência, decidindo «confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes AA, BB e Moutinho & Araújo – Jóias, Ld.ª».

Só em sede de fundamentação («lateralmente», nas palavras dos recorrentes) aborda a questão dos efeitos do indeferimento do requerimento de suspensão do recurso apresentado pelos recorrentes.

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II.3.7. Da descrição dos acórdãos em causa, desde logo resulta que não se verifica qualquer oposição entre acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a 27 de Maio de 2019, sob o processo nº 198/05.1DBRG.G1.

Não há oposição das decisões e nem sequer há oposição nos fundamentos das decisões.

Com efeito, no acórdão fundamento estava em causa a interpretação e aplicação dos arts. 21.º, n.º 4, 42.º, n.º 2, e 47.º do RGIT no descrito quadro factual.

No acórdão recorrido estava em causa a interpretação do art. 417.º, n.ºs 6 a 8, do CPP (e a título subsidiário, do art. 652.º, n.º 3, do CPC).

No acórdão recorrido, que se limitou a confirmar o despacho reclamado, que considerou inadmissível a reclamação para a conferência apresentada pelos arguidos/reclamantes, pese embora tenha abordado lateralmente a questão da suspensão do processo penal tributário, a conclusão a que chegou de não ser de admitir a suspensão do processo, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 47º do RGIT, não colide com a decisão do acórdão fundamento, uma vez que refere que o despacho que indeferiu o requerimento de suspensão do processo até ao julgamento daquela ação de impugnação pendente no Tribunal Administrativo do Porto, não contende, pelo menos de forma imediata e direta, com a apreciação do recurso (tal apenas poderia ocorrer se aquela impugnação fosse procedente) sendo certo que, “ o processo contém, nesta fase, já todos os elementos relevantes e necessários para a decisão da causa, não cabendo na fase de recurso nova indagação e obtenção de outros elementos, no caso de decisão a proferir por outro Tribunal, com a consequente suspensão deste processo”.

No caso do acórdão recorrido, não havia que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal já que os autos continham todos os elementos necessários á decisão da causa.

No acórdão fundamento, em que se analisava uma eventual prescrição do procedimento criminal, a decisão sobre a impugnação judicial mostrava-se decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal. Assim, houve que recorrer a decisão a proferir por outro tribunal, o que levou à suspensão do processo.

Verifica-se, pois, uma substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico, pelo que as decisões apresentadas pelos recorrentes não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem realidades distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada uma delas.

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III. Conclusão

 

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o presente recurso de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art. 441.º, n.º 1 do Código de Processo Penal;

b) Condenar os recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, nos termos dos arts. 420.º, n.º 3, ex vi art. 448.º, ambos do Código de Processo Penal.

Lisboa, 9 de junho de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro