Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4762/16.5T8CBR-A.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: LIVRANÇA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
PRESCRIÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – LIVRANÇA / REQUISITOS DA LIVRANÇA / EFEITOS DA FALTA DE ALGUM REQUISITO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO FALIMENTAR – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS CRÉDITOS / VENCIMENTO IMEDIATO DE DÍVIDAS.
Doutrina:
- Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, p. 205 e 206.
Legislação Nacional:
LEI UNIFORME RELATIVA A LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 70.º, N.º 1, 75.º E 76.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 91.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-11-2002, PROCESSO N.º 3366/02, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2003, PROCESSO N.º 2113/03, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-11-2005, PROCESSO N.º 3179/05, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-02-2012, PROCESSO N.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-10-2015, PROCESSO N.º 60/10.6TBMTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1;
- DE 19-06-2019, PROCESSO N.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1.
Sumário :
I. Nos termos do art. 76º da LULL, a consequência da falta dos requisitos formais da livrança é a ineficácia e não a invalidade, sendo que a livrança em branco produzirá efeitos quando, em momento ulterior, for preenchida com as indicações em falta, de acordo com o pacto de preenchimento.

II. A questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.

III. Quanto à questão do preenchimento abusivo ou indevido das livranças dos autos, tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a, de acordo com o seu próprio juízo, preencher a data de vencimento das livranças em função do incumprimento das obrigações pela devedora “ou para efeitos de realização do respectivo crédito”, não é possível concluir-se que aquela – ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior em relação à declaração de insolvência da devedora, e alguns meses anterior à acção executiva – tenha incorrido em preenchimento abusivo.

IV. Acresce que, mesmo que os termos dos pactos de preenchimento dos autos não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigir o cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo de Justiça




1. AA e BB deduziram os presentes embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum, que lhes move a Caixa CC, S.A., peticionando a respectiva procedência e, consequentemente, a extinção da execução.

Alegando para tal, em síntese, que a execução se funda em duas livranças, que avalizaram, e diversos documentos que retractam a relação subjacente à emissão/subscrição de cada uma delas, que se reconduzem à celebração de dois contratos de mútuo entre a exequente e a devedora principal, sendo que, quanto ao primeiro de tais contratos, sem que disso tenham sido informados, se alterou a natureza de um financiamento de curto para longo prazo, o que vai contra os interesses dos ora executados na qualidade de avalistas.

Relativamente ao segundo contrato alegam que “se limitaram a apor a sua assinatura em tudo o que lhes foi pedido”, sem que algo lhe tenha sido explicado, tendo-se procedido à alteração do valor mutuado, sem o seu conhecimento e sem que se possa concluir qual a livrança que respeita a cada um de tais contratos.

Mais referem que não obstante em ambas as livranças exequendas, que foram entregues em branco, ter sido aposta a data de vencimento de 31/12/2015, não pode relevar esta data, porquanto a devedora principal foi declarada insolvente por sentença proferida em 15/06/2012, transitada em julgado, em face do que a obrigação principal se venceu nesta data, em consequência do que alegam que “a obrigação está inexoravelmente prescrita nos termos do que se prescreve no artº 70.º da LULL”, acrescentando que a data de vencimento aposta nas livranças constitui violação do pacto de preenchimento, tanto mais que a exequente reclamou os seus créditos na supra referida insolvência; e acrescentando ainda que a arbitrária indicação da data de vencimento das livranças terá como efeito a sua nulidade por força do disposto no artigo 33.º da LULL.

Mais alegam que, atento o lapso temporal decorrido entre o vencimento das obrigações e o preenchimento das livranças sem que tenha havido por parte da exequente uma interpelação para o cumprimento das obrigações, acarreta que o preenchimento das livranças é abusivo, o que configura má fé da exequente, já que só intentou a execução “após deixar avolumar o valor em dívida”.

Depois de liminarmente admitidos os embargos, foi a exequente embargada notificada para os contestar, o que fez, alegando que as livranças foram preenchidas em conformidade com o estabelecido nos pactos de preenchimento, tendo os embargantes, na qualidade de avalistas, ficado vinculados aos acordos de preenchimento havidos entre os intervenientes iniciais, sendo portadora legítima das livranças exequendas e podendo, nessa qualidade, accionar os ora executados embargantes, na qualidade de avalistas.

Mais refere que as preencheu respeitando os pactos de preenchimento, inscrevendo os valores em dívida, fixando as datas de vencimento e interpelando os devedores ao cumprimento através do envio de cartas registadas.

Relativamente à prescrição alega que, “tendo as mesmas [livranças] como data de vencimento 31.12.2015, e tendo a execução sido instaurada em 15.06.2016, evidente se torna que não se encontra, de modo algum, prescrita a obrigação”, uma vez que o prazo de prescrição a considerar é o prazo de três anos previsto no art. 70º, § 1º, ex vi art. 77º, ambos da LULL. 

Ainda que assim não fosse, sempre as livranças poderiam valer como títulos executivos (cfr. artigo 703º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil) ou como documento particular, de acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, alínea c), do mesmo Código (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, atenta a decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, de 14 de Outubro).

Para além de que a prescrição da obrigação cambiária não acarreta a extinção da obrigação fundamental, pois que, ainda que prescrita a obrigação fundamental, a livrança continua a constituir título executivo válido, designadamente contra os avalistas.

Relativamente ao teor dos contratos que subjazem à emissão/subscrição das livranças alega que os embargantes intervieram na respectiva outorga, bem como nas inerentes e subsequentes alterações contratuais, de tudo tendo tido conhecimento.  

Quanto à imputada litigância de má fé, defende que assim não actua, tendo-se limitado a exercer os direitos que lhe advêm de ser legítima portadora das livranças exequendas.

Respondendo, os embargantes reiteram o que alegaram quanto à prescrição das livranças exequendas; ou seja, que a mesma decorre do seu abusivo preenchimento, não podendo as mesmas configurar um documento particular nos moldes referidos pela embargada, tendo sido entregues em branco.

Por despacho de fls. 76, o juiz da 1ª instância convidou os embargantes a aperfeiçoar a petição inicial de embargos nos seguintes termos:

“Pelo exposto, convidam-se:  

Os Executados/Embargantes a, no prazo de 10 dias, apresentarem nova e integral petição inicial em que:

– Aleguem quais os negócios jurídicos que foram celebrados entre a Subscritora/Emitente e a Tomadora das Livranças e que constituem as relações fundamentais causais da Subscrição/Emissão das Livranças em branco;

– Aleguem se a celebração desses negócios jurídicos e a Subscrição/Emissão das Livranças em branco foi acompanhada da celebração pelas Partes de pactos de preenchimento das Livranças (subscritos pelos Executados/Embargantes como Avalistas) que constituem as convenções executivas das relações fundamentais;

– Qual o teor desses pactos de preenchimento; e

– O relato descritivo e factual sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento das relações fundamentais e a sua conjugação com o teor dos pactos de preenchimento, permitindo concluir que os títulos cambiários não deviam ter sido preenchidos (por não se verificarem os pressupostos dos pactos que permitem os preenchimentos) ou que foram preenchidos de forma incorrecta (alegando qual é o estado do incumprimento das relações fundamentais e quais são os correctos termos e os concretos valores dos preenchimentos dos títulos de acordo com os pactos).


*


Na ausência desta alegação, não dão os Executados/Embargantes a conhecer ao Tribunal a sua versão sobre os factos que consubstanciam um conclusivamente alegado preenchimento abusivo das Livranças – cuja prova pudesse impedir ou reconfigurar a sua responsabilidade cambiária de acordo com o correspondente conteúdo literal inscrito nas Livranças – e fica por cumprir o ónus de alegação que apenas sobre si recai.

*


Oportunamente, será dada oportunidade à Exequente/Embargada de apresentar nova e integral contestação perante a petição inicial aperfeiçoada que for apresentada.”.


No seguimento, os embargantes executados vieram apresentar nova petição inicial de embargos aperfeiçoada (a fls. 80), na qual explicitaram os pontos referidos no despacho de aperfeiçoamento, designadamente o modo como foram entregues as livranças exequendas (em branco) e os contratos que lhes subjazem.

Relativamente à data de vencimento inscrita nas mesmas livranças, reiteram que as obrigações subjacentes se venceram com a declaração de insolvência da obrigada principal, tendo a data de vencimento de coincidir com a do vencimento das livranças, sob pena de abuso do direito, não podendo a exequente, arbitrariamente, apor-lhes a data que entender, designadamente a que delas consta (31/12/2015) sem que nada o justifique, tanto mais que entre a data da referida insolvência e a data do vencimento, como tal aposta, não teve lugar interpelação para pagamento por parte da exequente.

Apresentando nova contestação a exequente embargada reitera o alegado na primitiva contestação, designadamente quanto aos contratos em causa e à responsabilidade dos ora embargantes executados, decorrente do aval que prestaram à subscritora das livranças. Bem como alega que os informou de que as mesmas iriam ser preenchidas, dada a situação de incumprimento, de acordo com o anteriormente estabelecido.


A fls. 123, foi proferido despacho saneador/sentença, no qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Julgar parcialmente procedente a Oposição à Execução e extinguir parcialmente o Processo Executivo na parte em que excede, por referência à data da apresentação do requerimento executivo (15-06-2016):

a) € 382.402,83 de capital;

b) € 60.460,10 de juros moratórios vencidos até 15-06-2016 (inclusive);

c) Juros moratórios vincendos, sobre o capital, à taxa legal determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde 15-06-2016 (exclusive) até efectivo e integral pagamento;

d) Imposto do Selo sobre os juros moratórios vincendos.

2) Absolver a Exequente/Embargada do pedido de condenação por litigância de má fé.

3) Fixar o valor dos Embargos de Executado em € 556.305,89 (art.os 297.º/1, 304.º/1, 306.º/1/2, e 607.º/6 CPC).

4) Condenar no pagamento das custas dos Embargos de Executado os Executados/Embargantes na proporção de 80% e a Exequente/Embargada na proporção de 20%.”.


Inconformados com a decisão, os embargantes executados interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 145 foi decidido:

“Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara prescritas as livranças exequendas, não podendo, consequentemente, a execução prosseguir os seus termos.”


2. Vem a exequente embargante interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“A. A exequente em 15.06.2016 instaurou execução e apresentou como título executivo duas livranças com vencimento em 31.12.2015.

B. De harmonia com o disposto no art. 70º (ex vi do art. 77º), da LULL, o prazo de prescrição aplicável às livranças é de 3 anos a contar da data do vencimento inscrito nas mesmas.

C. O preenchimento de uma livrança em branco é condição imprescindível para que o título possa produzir efeitos enquanto tal, pelo que sem que seja aposta na livrança data de vencimento não se pode iniciar o prazo de prescrição.

D. Este é o entendimento maioritário da jurisprudência que decidiu que “I – A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º, ex vi do artº 77º, ambos da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário.§ II - Enquanto a livrança não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária.§ III – Os avalistas da livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento.” [Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-03-2015, Proc. 60/10.6TBMTS.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-04-2012, Proc. 27827/05.4YYLSB-A.L1-8];

E. E que “Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título” [Cfr. Acórdão do STJ, de 20-10-2015, Proc. 60/10.6TBMTS.P1], o que não se verifica no caso dos autos.

F. Entendimento diverso colocaria em causa a essencialidade do título de crédito, mormente as suas características de literalidade, abstracção e autonomia, subvertendo-se o direito de se fazer valer a obrigação nele consubstanciada pelo que dele consta inscrito, independentemente da relação subjacente.

G. Mormente, porque a obrigação do avalista, obrigação cambiária que é, tem um carácter totalmente autónomo e independente da obrigação subjacente estabelecida entre o portador e o subscritor da livrança, veja-se o decidido superiormente “I - A obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente entre o portador imediato e o subscritor e, como tal, os avalistas não podem opor excepções fundadas na relação subjacente, com excepção do pagamento.” [Cfr. do Tribunal da Relação de Guimarães Acórdão de 12/05/2013, PROC. 2088/12.2TBFAF- BG1] “I - A conta-corrente caucionada consubstancia o contrato de abertura de crédito pelo Banco a favor de um cliente e sendo este uma sociedade comercial, o banco garante-se com livrança subscrita pela sociedade e avalizada pelos sócios desta. § II - O portador de livrança em branco, para a tornar eficaz e poder demandar os obrigados, pode apor-lhe a data da altura em que se propõe exercer os seus direitos cambiários, agindo legitimamente desde que se mantenha no quadro das obrigações assumidas no contrato de preenchimento. § III - Tendo presentes as características de autonomia, independência e equiparação da obrigação cambiária do avalista, a exigibilidade e o vencimento das dívidas da subscritora decorrente da sua declaração de falência, não implica identidade de situação para os obrigados cambiários. § IV - Tratando-se de uma livrança em branco, o prazo prescricional corre desde o dia do vencimento nela aposto pelo portador, desde que se não mostre infringido o pacto de preenchimento. § V - Do ponto de vista cambiário, as interpelações constantes de cartas enviadas pelo Banco ao avalista não têm qualquer relevância em função do instituto privativo do direito cambiário.” [Cfr. Acórdão do STJ, Revista n.º 3366/02, de 12-11-2002];

H. Tanto mais que, foi estabelecido no pacto de preenchimento (matéria dada como provada na sentença de primeira instância), que “Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, o(s) 1º(s) CONTRATANTE(S) e o(s) AVALISTA(S) atrás identificado(s) para o efeito entregaram à CAIXA uma livrança em branco subscrita pelo(s) primeiro(s) e avalizada pelo(s) segundo(s), e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostrar necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente o seguinte: § a) A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pelo(s) devedor(es) das obrigações assumidas para o efeito ou para efeito de realização coactiva do respectivo crédito; § b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;”

I. Assim, a exequente tinha (como o fez) a possibilidade de preencher as livranças, conforme a sua própria conveniência, e de fixar a data de vencimento, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito.

J. Pelo que, ante o incumprimento das obrigações assumidas pelos devedores, mormente a de pagamento dos valores mutuados, e com vista à cobrança coerciva do seu crédito, a exequente preencheu as livranças nelas inscrevendo os valores em dívida, fixando a data de vencimento e interpelando os devedores ao cumprimento,

K. O que fez ao abrigo do pacto de preenchimento, que lhe permitia promover o preenchimento do título no momento em que ocorre o incumprimento ou no momento em que pretendia coercivamente cobrar o crédito.

L. Tanto mais que, não faria sentido preencher a livrança se não se verificasse incumprimento da obrigação subjacente, pelo que a conjunção alternativa (ou) só pode ter aquele significado.

M. E quem dá o aval a uma livrança em branco fica vinculado ao acordo de preenchimento havido entre os intervenientes iniciais, mormente porque, como sucedeu no caso vertente, os avalistas assinaram, nessa qualidade o respectivo pacto de preenchimento e apuseram a sua assinatura, no verso de cada uma das livranças e bem assim a expressão “Bom para aval ao subscritor”.

N. Entendimento diverso teve o acórdão "a quo", que defende que verificado o incumprimento se iniciou prazo para que a exequente procedesse à cobrança coactiva do seu crédito, interpretação que no entender da recorrente se fez erradamente, atento o supra alegado.

O. Assim, tendo as livranças em execução como data de vencimento 31.12.2015, e tendo a execução sido instaurada em 15.06.2016, forçoso é concluir que não se encontra, de modo algum, prescrita a obrigação.

P. Acresce que, e ainda que se considerasse verificada a prescrição - o que se alegou em sede de contestação e se coloca por mera hipótese de raciocínio - o título cambiário/livrança tem a faculdade de continuar a servir de título à execução, atento o disposto na al. c) do nº 1 do artigo 703º do CPC.

Q. Ou como documento particular de acordo com o artigo 46.º, n.º 1, al. c) do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – (aplicável por força do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 14 de Outubro que declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior a sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

R. Atendendo a que se trata de documento assinado pelo devedor e que se refere a uma obrigação pecuniária líquida ou liquidável através de simples cálculo aritmético pelo que, e independentemente da sua natureza cambiária, vale como documento particular.

S. Na verdade, ainda que (estivesse) prescrita enquanto obrigação cartular, a livrança continua a constituir um título executivo válido contra quem a assinou, in casu, o emitente e seus avalistas, que confessam a existência da dívida.

T. Sendo que os embargantes sempre reconheceram, e continuam a fazê-lo nos embargos deduzidos, que se constituíram garantes do bom pagamento da dívida da subscritora, aceitando que através do aval, garantiram o pagamento da obrigação, reconhecendo a dívida como sua, nos precisos e exatos termos da sociedade avalizada, sendo, por isso, solidariamente responsáveis por todas as obrigações emergentes dos contratos juntos aos autos.

U. Para além de que, ainda que a obrigação cartular se considerasse extinta, os avalistas são sempre responsáveis pelo pagamento da quantia peticionada, tanto a título de capital como de juros moratórios, uma vez que a dívida não se considera prescrita, de acordo com o disposto nos artigos 309º e 310º, al. d) do CC,

V. Pois a dívida é devida e existe nos precisos e exatos termos invocados, sendo que os embargantes não puseram em causa a existência ou validade da garantia por si prestada, antes reconhecem e confessam a sua qualidade de garantes, bem como a existência da dívida.

W. E a exequente é portadora das duas livranças, em virtude da outorga de um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de 100.000,00 € e de um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de 600.000,00€, tendo claramente alegado no requerimento executivo a origem e os termos concretos da relação causal subjacente à emissão das livranças em execução, e nas livranças fez referência aos aludidos contratos, nelas tendo feito constar expressamente “RESPONSABILIDADES RELATIVAS À CONTA CORRENTE Nº PT 00…2” e “RESPONSABILIDADES RELATIVAS À CONTA CORRENTE Nº PT 00…2” [Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/11/2016, Proc. 4161/1/15.6T8FNC-A]”.

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja revogado o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão da sentença de 1ª instância.

        

     Os Recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

“I - Consideram os aqui Recorridos, Embargantes, que o Acórdão recorrido não é merecedor de reparo uma vez que, o douto Tribunal ‘a quo’ decidiu de forma correta e fundamentada as questões de direito suscitadas, como veremos infra.

II - Foi peio Recorrente, Embargado, interposta execução apresentando como título executivo duas livranças que os aqui Recorridos, Embargantes, avalizaram. O preenchimento dessas livranças ficou a cargo do Recorrente através da outorga dos pactos de preenchimento pelos aqui Recorridos na qualidade de avalistas.

III - Deste modo, foi o Recorrente autorizado a preencher as livranças em branco quando se mostrasse necessário, isto é, em caso de incumprimento do devedor principal "DD, Lda." (avalizado), com data de vencimento por si fixada e, pelo montante correspondente ao total das responsabilidades decorrentes da abertura de crédito.

IV - Determina o n.° 1 do artigo 91.° do CIRE, "A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.". Assim, dado que o vencimento de todas as obrigações ocorre aquando a declaração de insolvência do devedor principal, a dívida garantida pelo título cambiário - Livrança - torna-se exigível pelo que, não havendo pagamento (o que não acontecerá, pois, sendo o processo de insolvência um procedimento concursal, existe uma tramitação a ser respeitada) verifica-se um incumprimento.

V - De facto, como resulta dos pontos 13 e 14 dos factos dados como provados na sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e no douto acórdão recorrido, o devedor principal e subscritor do título cambial "DD, Lda." (avalizado) foi declarado insolvente a 14 de Junho de 2012. Por conseguinte, encontrava-se o Recorrente legitimado desde Junho de 2012, momento do vencimento e incumprimento da obrigação, para proceder ao preenchimento das livranças em branco pelo valor em dívida, valor esse que, como é natural se fixou o momento do vencimento da obrigação, constituindo-se a obrigação cambiária. Pelo que, com a possibilidade de constituição da obrigação cambiária, estava também o Recorrente habilitado - desde Junho de 2012 - a interpelar os aqui Recorridos para o cumprimento da obrigação.

VI - Todavia, não obstante o vencimento e o incumprimento da obrigação ter como data Junho de 2012, decidiu o Recorrente continuar a contabilizar juros até à data de preenchimento da livrança - 3 anos e 6 meses após o vencimento e incumprimento da obrigação - e, interpelar os Recorridos para o cumprimento da obrigação cambiária apenas em Junho de 2016 - 4 anos após o vencimento e incumprimento da obrigação. Por conseguinte, atenta a data de incumprimento e vencimento da obrigação, o direito cartular do Recorrente aquando a interpelação dos Recorridos encontrava-se, como se encontra, prescrito, atento o disposto no artigo 70.° ex vi artigo 77° da LULL.

VII - Ao contrário do que defende o Recorrente, os prazos de prescrição, legalmente estatuídos, não são afastados pelo facto de não ter sido estipulado um prazo para o preenchimento do título ou de não ter sido expressamente estabelecido um critério de aposição de data de vencimento - nomeadamente no pacto de preenchimento. Desde logo não ignora o Recorrente que a circunstância de existir um pacto expresso de preenchimento da livrança entregue em branco não afasta quer a interpretação do que aí vai expresso muito menos afasta a integração do que aí vai omisso.

VIII - Uma vez que o direito cambiário de uma livrança em branco se torna exercitável a partir do momento em que a respetiva portadora, in casu o Recorrente, está legitimada a preenchê-lo o que sucede na data de incumprimento, coincidente com a data de declaração de insolvência do devedor principal e subscritor do título cambial (avalizado), devia o Recorrente ter aposto como data de vencimento da obrigação a data da declaração de insolvência do devedor principal, o que não sucedeu.

IX - Destarte, apesar de não existir obrigação de o preenchimento do título ser no exato momento do incumprimento da obrigação, a verdade é que sobre o Recorrente impendia o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorrido (no máximo) o prazo de três anos perder definitivamente a possibilidade de exercer o seu direito cambiário [conforme Carolina Cunha in "Manual de Letras e Livranças", Almedina 2016, pg. 200 a 206].

X - Perante o exposto, andou bem o douto tribunal recorrido ao reconhecer a prescrição do direito cambiário invocado pelo Recorrente pois a sua inércia no exercício de tal direito é censurável, contrária aos ditames da boa-fé e à proteção legal conferida pelo legislador, atento o disposto no artigo 7ó2.° n.° 2 do Código Civil.

XI - Apesar de verificada e reconhecida pelo douto Tribunal Recorrido a prescrição dos títulos cambiais, suscita-se ainda vício de forma nos títulos de créditos apresentados pelo Recorrente. Isto porque, de acordo com o disposto no artigo 75° n.° 6 da LULL é requisito da livrança "a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada", estipulando o artigo 7ó.° LULL que a falta de indicação dessa data de emissão é cominada com a não produção do documento de quaisquer efeitos enquanto livrança, exceto nos casos expressa e taxativamente aí previstos.

XII - Esta essencialidade da data de emissão como requisito da livrança previsto no artigo 75° da LULL, conduz à nulidade do título face à ilegalidade decorrente do seu posterior preenchimento, o que in casu sucedeu, como resulta da leitura conjugada dos pontos 1, 4, 7 e 10 dos factos dados como provados na sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e no douto acórdão recorrido.

XIII - Deste modo, a falta de preenchimento da data de emissão acarreta a nulidade dos títulos cambiais por vício de forma. Nulidade esta que, como resulta do artigo 32.° da LULL aplicável por força da remissão do artigo 77° da LULL, extingue a obrigação dos avalistas, ora Recorridos.

XIV - Atenta a natureza jurídica do aval a obrigação do avalista tem natureza estruturalmente cambiária, pois o aval é um ato cambiário causador de uma obrigação autónoma e independente da obrigação emergente da relação fundamental, razão pela qual inexiste uma relação fundamental ou causal do aval, que tem a sua razão de ser apenas e tão só no título cambiário. O aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, é uma forma de obrigação única do título cambiário, não se relacionando com a relação jurídica que está na base do seu surgimento.

XV - Deste modo, ao contrário do alegado pelo Recorrente, o aval sucumbe no título cambiário, perdendo a sua eficácia se a relação cambiária se extinguir, designadamente, pela prescrição ou pela nulidade pois, o aval não se relaciona com a relação fundamental. Com efeito, prescrito o título cambiário e por esse motivo extinto, o aval deixa de ter valor não podendo o avalista ser responsável pelo pagamento da dívida corporizada pela relação fundamental/causal.

XVI - Não merece assim qualquer reparo o douto acórdão recorrido que andou bem ao considerar os títulos executivos do Recorrente prescritos, extinguindo os autos de execução por a obrigação cambiária dos Recorridos, enquanto avalistas, se encontrar também extinta.”


     Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. A Exequente/Embargada, a 19-10-1999, celebrou com a sociedade “DD, L.da” e, entre outros, com os Executados/Embargantes, um convénio outorgado por documento escrito particular denominado “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE DE UTILIZAÇÃO SIMPLES” ao qual foi atribuído o n.º 02…9 (fls.3 a 5v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

2. Nesse convénio foi celebrado entre a Exequente/Embargada e a “DD, L.da” um contrato de financiamento bancário sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente.

3. Nesse convénio foi também celebrado um contrato de fiança entre a Exequente/Embargada e, entre outros, os Executados/Embargantes, pelo qual estes se constituíram perante a Exequente/Embargada como fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Exequente/Embargada pela “DD, L.da” por causa do financiamento acordado.

4. Para titulação e garantia das obrigações assumidas pela “DD, L.da”, as partes convencionaram a entrega à Exequente/Embargada de uma Livrança em branco, Subscrita/Emitida pela “DD, L.da” e Subscrita/Avalizada, entre outros, pelos Executados/Embargantes, autorizando a Exequente/Embargada a preencher a Livrança quando tal se mostre necessário tendo em conta que: a data de vencimento será fixada pela Exequente/Embargada em caso de incumprimento pela Devedora; a importância da Livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas, encargos fiscais, incluindo os da própria Livrança.

5. A 15-02-2000, as partes no contrato n.º 02…9 convencionaram uma alteração contratual no que concerne aos prazos estabelecidos (fls.6 e 6v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

6. A 04-11-2004, as partes no contrato n.º 02…9 convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €100.000,00 (fls.7 a 9 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

7. A Exequente/Embargada celebrou com a sociedade “DD, L.da” e, entre outros, com os Executados/Embargantes, um convénio outorgado por documento escrito particular (datado de 31-10-2002 e com assinaturas reconhecidas a 31-01-2003) denominado “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE DE UTILIZAÇÃO SIMPLES” ao qual foi atribuído o n.º 02…9 (fls.9v. a 11v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

8. Nesse convénio foi celebrado entre a Exequente/Embargada e a “DD, L.da” um contrato de financiamento bancário sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente.

9. Nesse convénio foi também celebrado um contrato de fiança entre a Exequente/Embargada e, entre outros, os Executados/Embargantes, pelo qual estes se constituíram perante a Exequente/Embargada como fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Exequente/Embargada pela “DD, L.da” por causa do financiamento acordado.

10. Para titulação e garantia das obrigações assumidas pela “DD, L.da”, as partes convencionaram a entrega à Exequente/Embargada de uma Livrança em branco, Subscrita/Emitida pela “DD, L.da” e Subscrita/Avalizada, entre outros, pelos Executados/Embargantes, autorizando a Exequente/Embargada a preencher a Livrança quando tal se mostre necessário tendo em conta que: a data de vencimento será fixada pela Exequente/Embargada em caso de incumprimento pela Devedora; a importância da Livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas, encargos fiscais, incluindo os da própria Livrança.

11. A 07-06-2004, as partes no contrato n.º 02…9 convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €400.000,00 (fls.12v. a 15 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

12. A 05-07-2006, as partes no contrato n.º 02…9 convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €600.000,00 (fls.15v. a 18v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

13. A 14-06-2012, foi a Devedora “DD, L.da”, Subscritora/Emitente das Livranças em branco, declarada insolvente (fls.109 a 113 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

14. No Processo de Insolvência da Devedora “DD, L.da”, a Exequente/Embargada apresentou Reclamação de Créditos nos seguintes termos (fls.113v. a 119v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

Quanto ao contrato n.º 02…9 (PT00…2):

Capital------------------------------------------€75.000,00;

Juros de 21-02-2012 a 04-07-2012--------- €1.612,53;

Despesas-----------------------------------------€30,00;

TOTAL-------------------------------------- €76.642,53.


*


Quanto ao contrato n.º 02…9 (PT00…2):

Capital------------------------------------------ €293.917,29;

Juros de 21-02-2012 a 04-07-2012--------- €8.038,56;

Despesas--------------------------------------------€355,13;

TOTAL----------------------------------------- €303.857,79.

15. A Exequente/Embargada instaurou, a 15-06-2016, a Acção Executiva de que os presentes Embargos de Executado constituem incidente declarativo processado por apenso contra os Executados/Embargantes com vista à cobrança coactiva dos seguintes créditos (fls.1 a 2v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– €546.425,33 de capital;

– €9.880,56 de juros vencidos desde 31-12-2015 a 13-06-2016;

– Juros moratórios vincendos, sobre o capital, à taxa legal, desde 13-06-2016 até efectivo e integral pagamento;

– Imposto do Selo, sobre os juros moratórios vincendos.

16. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: … – 19-10-1999;

– Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €119.552,67;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT00…2”;

– Tomadora: “DD, L.da”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.

17. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: … – 31-01-2003;

– Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €426.872,66;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT00…2”;

– Tomadora: “DD, L.da”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.

18. [adicionado pela Relação] Os ora embargantes apuseram a sua assinatura, no verso de cada uma das livranças exequendas, transversalmente, por baixo da seguinte expressão, nelas aposta manualmente:

“Bom para aval ao subscritor”.


Relativamente aos termos dos pactos de preenchimento das duas livranças em branco (factos 4 e 10), estando em causa factos assentes e ao abrigo do regime do nº 4 do art. 607º do Código de Processo Civil, aplicável à decisão do recurso de revista por remissão conjugada do nº 2 do art. 663º e do art. 679º, ambos do CPC, importa transcrever o teor completo (idêntico para ambas as livranças) dos mesmos pactos:

“23. TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO

23.1 – Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, o(s) 1º(s) CONTRATANTE(S) e o(s) AVALISTA(S) atrás identificado(s) para o efeito entregam à CAIXA uma livrança em branco subscrita pelo(s) primeiro(s) e avalizada pelo(s) segundo(s), e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguintes:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA em caso de incumprimento pelo(s) devedor(es) das obrigações assumidas ou para efeitos de realização do respectivo crédito;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais incluindo os da própria livrança;

c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.”


4. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Saber se a obrigação dos embargantes executados, avalistas das livranças em branco, dadas à execução, não prescreveu;

- Subsidiariamente, ainda que se conclua em sentido inverso, apurar se tais livranças, ainda que prescritas, valem como títulos executivos.


Em sede de contra-alegações suscitam os embargantes executados, aqui Recorridos, a questão da nulidade dos títulos executivos por falta do requisito da respectiva data de emissão.


5. Sendo a questão da nulidade dos títulos executivos de conhecimento oficioso e logicamente precedente das demais questões objecto de recurso, dela se passa a conhecer.

         De acordo com o art. 75º da LULL, a livrança deve conter certas indicações, entre as quais se contam as previstas no respectivo nº 6: “A indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada”.

Porém, nos termos do art. 76º da LULL, a consequência da falta dos requisitos formais da livrança será a ineficácia e não a invalidade, sendo que a livrança produzirá efeitos quando, em momento ulterior, for preenchida com as indicações em falta, de acordo com o pacto de preenchimento. Estaremos perante uma livrança em branco, a qual se distingue de uma livrança incompleta. Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 20/10/2015 (proc. nº 60/10.6TBMTS.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt:

A livrança em branco, deverá ser entregue pelo subscritor, ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher. O preenchimento da livrança (letra) incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança (letra). Esse preenchimento deverá ser efectuado segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Este concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros etc.). Só quando, no uso da autorização que concede o acordo de preenchimento, o possuidor do título o preenche, dotando-o de requisito próprios da letra, “é que surge para o primeiro signatário, para aquele que entrega o título incompleto, a obrigação cambiária” [5 Pinto Coelho Lições de Direito Comercial, 2º Vol., Fascículo II, 2ª parte, pág. 33].

A entrega da livrança, sem que o respectivo subscritor dê autorização ao credor para a preencher, dá origem a uma livrança incompleta, mas já não a uma livrança em branco. Esta surge quando, para além da entrega da letra, o subscritor dá autorização ao credor para a completar, segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Como sinteticamente salienta Pinto Furtado [6 Títulos de Créditos., pág. 145] “letra (livrança) em branco é aquela que tem atrás de si um acordo para preenchimento ulterior, ao passo que na letra incompleta, não existe esse acordo. A primeira é uma letra em formação sucessiva, enquanto a segunda não passará de título nulo, que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais”.

(…)

O acordo ou contrato de preenchimento pode ser expresso, ou tácito. Existirá o primeiro, quando a estipulação, em relação ao preenchimento, é declarada expressamente. Ocorrerá o acordo tácito, quando o preenchimento deriva e é definido pelo conteúdo da relação jurídica fundamental subjacente [7 Sobre o assunto, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 17-9-2001 (Col. Jur. 2001, Tomo IV, pág. 179)]. A livrança em branco é, claramente, admitida nos art. 77º e 10º da L.U.L.L., disposição que estabelece que “se uma letra (livrança) incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”. Deste artigo resulta que não é indispensável que a letra/livrança contenha, logo de princípio, todos os requisitos a que alude o art. 75º da L.U.. Do confronto entre os arts. 75º e 76º da L.U. (em que, respectivamente, se estabelecem os elementos que a livrança deve conter e em que se demarcam os requisitos, cuja falta determina a invalidade do título como letra), por um lado, e o art. 10º, por outro, concluiu-se que o momento decisivo para se determinar a validade da letra não é o da emissão, mas sim o do vencimento [8 O Acórdão do STJ de 20-5-2004 ( in www.djsi.pt/jstj.nsf ), em sintonia com este entendimento, ponderou, a propósito de se saber em que momento a letra se deve considerar integrada por todos os elementos essenciais, que a questão não é resolvida pelos arts. 1º e 2º da L.U., mas antes pelo art. 10º, razão por que se fica a saber que o momento decisivo não é o da emissão da letras, mas sim o do seu vencimento]. Depois da emissão, poderá o título vir a ser dotado dos elementos necessários para que possa produzir efeitos como livrança, sendo necessário, porém, que esses requisitos constem nela na altura do seu vencimento. Se, neste momento, a livrança se não encontrar preenchida, então, nos termos dos arts. 75º e 76º, não poderá produzir efeitos como livrança.” [negritos nossos]


No caso dos autos, tendo sido provado, quanto a cada uma das livranças dadas à execução que, “Para titulação e garantia das obrigações assumidas pela “DD, L.da”, as partes convencionaram a entrega à Exequente/Embargada de uma Livrança em branco, Subscrita/Emitida pela “DD, L.da” e Subscrita/Avalizada, entre outros, pelos Executados/Embargantes, autorizando a Exequente/Embargada a preencher a Livrança” nos termos acordados (factos 4 e 10), é de concluir pela tanto pela validade como pela eficácia dos títulos executivos.


6. Quanto à questão suscitada pela embargada exequente, aqui Recorrente, segundo a qual a obrigação dos embargantes executados, avalistas das livranças em branco, dadas à execução, não prescreveu, relevam os seguintes factos provados:


13. A 14-06-2012, foi a Devedora “DD, L.da”, Subscritora/Emitente das Livranças em branco, declarada insolvente

15. A Exequente/Embargada instaurou, a 15-06-2016, a Acção Executiva de que os presentes Embargos de Executado constituem incidente declarativo processado por apenso contra os Executados/Embargantes com vista à cobrança coactiva dos seguintes créditos (fls.1 a 2v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

(…)

16. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: … – 19-10-1999;

Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €119.552,67;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT00…2”;

– Tomadora: “DD, L.da”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.

17. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: … – 31-01-2003;

Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €426.872,66;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT00…2”;

– Tomadora: “DD, L.da”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.


      No que respeita ao início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL, aplicável por remissão do art. 77º da LULL, entende a Recorrente que tal início se reporta à data de vencimento inscrita nas livranças, no caso 31/12/2015, enquanto os Recorridos consideram que a data relevante é aquela em que a devedora principal foi declarada insolvente, no caso 14/06/2012, uma vez que, de acordo com o regime do art. 91º do CIRE, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente.

      Compulsada a fundamentação do acórdão recorrido, afigura-se que nele se terá acolhido o entendimento dos embargantes executados, aqui Recorridos, ao afirmar-se o seguinte:

“A questão não é pacífica na jurisprudência, a qual, maioritariamente, tende a considerar que no caso de letra/livrança em branco o prazo prescricional ora em análise corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento – sobre esta problemática e solução aqui seguida, veja-se Carolina Cunha, in Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág.s 200 a 206.

Parece-nos, com o devido respeito, que esta solução contende com a finalidade da emissão dos títulos de crédito e regime cambiário, o qual, designadamente, a nível da fixação dos prazos de prescrição, se afasta sobremaneira dos da prescrição ordinária, prevista no Código Civil, como se segue.

(…)”


Para, após extensa citação da referida autora, vir a concluir-se que, a partir da data da declaração de insolvência:

“(…) dado o carácter de execução universal do processo de insolvência e que acarreta o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva – cf. artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, estava a exequente legitimada, em condições, de preencher as livranças que tinha em seu poder.

Não obstante só lhe apôs a data de vencimento em 31 de Dezembro de 2015; isto é, para além do prazo de três anos, a que se refere o artigo 70.º I da LULL, pelo que as mesmas são de considerar como prescritas.”


      Contudo, ponderada toda a fundamentação relevante do acórdão recorrido, constata-se que o juízo sobre o decurso do prazo de prescrição não se encontra claramente dissociado do juízo sobre o preenchimento abusivo das livranças dos autos. Na verdade, e de forma esquemática, a decisão da Relação:

- Adere à posição de Carolina Cunha, segundo a qual “(…) não é correcto afirmar que o credor tem a faculdade de indicar livremente a data de vencimento a apor no título: está vinculado, quanto a esse parâmetro como quanto aos outros, pelo que resulta do acordo de preenchimento. E se é verdade que não está propriamente obrigado a preencher o título no exacto momento em que procede a resolução do contrato fundamental por incumprimento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário. Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, indicando uma data de vencimento posterior, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10.º da LU e, por referência à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.” (Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, págs. 205-206);

- Concluindo pela prescrição da obrigação dos avalistas, aqui embargantes;

- E acrescentado o acórdão recorrido que “(…) só assim não seria se a exequente-embargada, tivesse alegado a existência de algum fundamento ou circunstância, que legitimasse o preenchimento das livranças, em data posterior ao decurso do prazo de prescrição (…)”.

Quid iuris?

Antes de mais, importa deixar claro que a questão do decurso do prazo de prescrição da obrigação ou obrigações dos embargantes executados não se confunde com a questão do eventual preenchimento abusivo das livranças dadas à execução. Convém, por isso, tratar em separado de cada uma referidas questões.


6.1. A questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere ou não em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal [cfr. entre muitos outros, os acórdãos de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, cfr. também o recente acórdão proferido, em 19/06/2019, nesta mesma 2ª Secção, proc. nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1, ainda não publicada], não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.

No caso dos autos, tendo sido aposta nas livranças a data de 31/12/2015, à data da propositura da acção executiva (15/06/2016) não tinha ainda decorrido o prazo de prescrição do art. 70º, nº 1, da LULL.

Conclui-se, assim, não se verificar a prescrição das obrigações dos embargantes executados.


6.2. Distinta é a questão do preenchimento abusivo ou indevido das livranças cuja resolução implica necessariamente a consideração do exacto teor dos respectivos pactos de preenchimento, pelos quais os embargantes avalistas também se encontram vinculados, que aqui se reproduz:

“Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, o(s) 1º(s) CONTRATANTE(S) e o(s) AVALISTA(S) atrás identificado(s) para o efeito entregam à CAIXA uma livrança em branco subscrita pelo(s) primeiro(s) e avalizada pelo(s) segundo(s), e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte[s]:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA em caso de incumprimento pelo(s) devedor(es) das obrigações assumidas ou para efeitos de realização do respectivo crédito;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais incluindo os da própria livrança;

c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.”


     Tendo a exequente embargada ficado autorizada a, de acordo com o seu próprio juízo, preencher a data de vencimento das livranças em função do incumprimento das obrigações pela devedora “ou para efeitos de realização do respectivo crédito”, não é possível concluir-se que aquela exequente – ao apor nas livranças a data de 31/12/2015, mais de três anos ulterior em relação à declaração de insolvência da devedora, e alguns meses anterior à acção executiva – incorreu em preenchimento abusivo. Por outras palavras, a ampla margem de discricionariedade concedida à portadora das livranças nos respectivos pactos de preenchimento não permite considerar-se verificado o invocado preenchimento abusivo.

      Acresce que, mesmo que os termos acordados não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigência do cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito. Em sentido negativo cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), supra referido, relatado pela 1ª adjunta do presente colectivo.

      Deste modo, conclui-se pela inexistência de obstáculo ao exercício do direito consubstanciado nas livranças dadas à execução.


7. Fica assim prejudicado o conhecimento da questão subsidiária de saber se, ainda que as obrigações tituladas pelas livranças tivessem prescrito ou o correspondente direito não pudesse ser exercido por ocorrer preenchimento abusivo das mesmas livranças ou por abuso do direito, valeriam tais livranças como títulos executivos.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e repristinando-se a decisão da primeira instância.


Custas pelos Recorridos.


Lisboa, 4 de Julho de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho