Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
782/17.0T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
COMPRA E VENDA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
CLÁUSULA PENAL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
MARCAS
CONTRATO DE COMODATO
PUBLICIDADE
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. No âmbito de um contrato celebrado entre uma empresa que se dedica à comercialização e distribuição de café e uma sociedade que explora um estabelecimento comercial de restauração, em que estão contratualizadas prestações bilaterais de conteúdo sinalagmático, construídas em torno de um contrato de compra e venda de café, em regime de exclusividade, mas onde, para além desse tipo contratual, emergem vinculações obrigacionais conjugadas típicas do comodato, do fornecimento e também da publicidade comerciais, o conteúdo indemnizatório devido no caso de incumprimento ou de resolução do contrato terá de reportar-se a cada uma das obrigações assumidas em concreto.

II. A não concretização factual pela A. dos elementos identificativos, personalizados ou não, com a referência à marca por si comercializada, a que se reporta a devolução pelo réu, devida por força da resolução do contrato, e a invocação de cláusula penal prevista para violação do dever de confidencialidade não permitem que se admita o accionamento da cláusula penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. NESTLÉ PORTUGAL S.A. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA, pedindo a condenação do réu:

- no pagamento à Autora da quantia de 47.710,11€ a título de devolução de comparticipação publicitária no âmbito do contrato identificado como doc. 1 e, dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para os Réus procederem ao pagamento da sua dívida 27-01-2016, os quais até à data da entrada em juízo da presente ação (09-03-2017) totalizam 3.706,68€, sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento;

- no pagamento à Autora da quantia de 35.610,00€, a titulo de indemnização por café não consumido e dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para os Réus procederem ao pagamento da sua dívida 27-01-2016, os quais até à data da entrada em juízo da presente ação (09-03-2017) totalizam 2.766,60€, sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

- Bem como a devolução do equipamento comodatado, que há data da resolução detinha o valor de 3.874,50€;

- na devolução de todos os elementos identificativos, personalizados ou não, com a referência à marca SICAL e todos os demais colocados no Quiosque e identificativos da Nestlé e;

- no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso na remoção e devolução de tais elementos e que na presente data se cifra em 302.940,00€ (405 dias* 748,00€);

- no pagamento à Autora do montante de 1.673,04€, a titulo de fornecimentos não pagos e dos juros moratórios vencidos contabilizados às taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas e que se cifram até 09-03-2017, em 151,95€ sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

Para o efeito, alegou, em suma, que celebrou um contrato de compra exclusiva de café com a sociedade Flor do Café, Ldª. O Réu assinou o contrato identificado nos autos como doc.1, na qualidade de fiador e principal pagador, solidário à Autora das obrigações contratuais assumidas pela sociedade Flor do Café, Ldª. Mais refere que o contrato não foi cumprido pelo réu, que não só deixou de comprar café à autora, como ainda não lhe devolveu o equipamento que lhe foi emprestado, apesar de devidamente instado a fazê-lo.

2. Citado o réu contestou, invocou a sua ilegitimidade, alegando que não assumiu a fiança com renúncia ao benefício da excussão prévia. Mais alegou que a A. não intentou uma acção declarativa para ressarcimento dos seus danos contra a devedora principal, pelo que é impossível afirmar que tudo fez para obter a satisfação do seu crédito. Assim sendo, não pode a A intentar esta acção contra o R neste momento. Conclui que não tem legitimidade para constar na acção como réu, visto que não tem interesse em contradizer os factos em questão, na sua perspectiva. Impugnou ainda a matéria alegada, pugnando pela redução da 1ª cláusula penal, pela nulidade por indeterminabilidade da segunda, ou o seu carácter usurário, ou ainda pela sua redução também quanto a esta.

3. A excepção de ilegitimidade foi julgada improcedente.

4. Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção, parcialmente procedente e decidiu condenar o réu:

a) No pagamento à Autora da quantia de 47.710,11€ a título de devolução de comparticipação publicitária no âmbito do contrato identificado como doc. 1 e, dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para os Réus procederem ao pagamento da sua dívida 27-01-2016, os quais até à data da entrada em juízo da presente ação (09-03-2017) totalizam 3.706,68€, sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

b) No pagamento à Autora da quantia de 35.610,00€, a titulo de indemnização por café não consumido e dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para os Réus procederem ao pagamento da sua dívida 27-01-2016, os quais até à data da entrada em juízo da presente ação (09-03-2017) totalizam 2.766,60€, sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento, bem como a devolução do equipamento comodatado, que há data da resolução detinha o valor de 3.874,50€, e na devolução de todos os elementos identificativos, personalizados ou não, com a referência à marca SICAL e todos os demais colocados no Quiosque e identificativos da Nestlé e;

c) No pagamento à Autora do montante de 1.673,04€, a título de fornecimentos não pagos e dos juros moratórios vencidos contabilizados às taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas e que se cifram até 09-03-2017, em 151,95€ sem prejuízo dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

A sentença decidiu ainda: d) Absolver o réu do pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso na remoção e devolução de tais elementos e que na data da entrada da acção em Tribunal a autora computou em 302.940,00€ (405 dias* 748,00€), por ser uma clausura usurária e ferida de nulidade.

5. A Autora recorreu da decisão para o Tribunal da Relação …., que conheceu do recurso e julgou-o improcedente, confirmando a decisão recorrida com diferente fundamentação.

6. Desse acórdão apresentou agora a A. revista, na qual constam as seguintes conclusões (transcrição):

1.ª – Com todo o respeito, não pode a recorrente concordar com a decisão proferida no douto acórdão do Tribunal da Relação ….

2.ª - No que releva para o presente recurso, decidiu o Tribunal de 2.ª instância “(…) julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão proferida no que diz respeito à absolvição do réu contida na alínea d) do dispositivo da sentença, mas com diferente fundamentação.

3.ª - Colocada a questão da admissibilidade do recurso de revista em face do disposto no n.º 3, do artigo 671.º do Código de Processo Civil, cumpre determinar se, no caso, uma vez que no douto acórdão recorrido não houve voto de vencido, o Tribunal da Relação decidiu com «fundamentação essencialmente diferente».

4.ª - Quanto a esta questão, da fundamentação das decisões em causa, verifica-se que a fundamentação do douto acórdão recorrido é essencialmente diversa daquela que determinou a decisão absolutória do réu pelo Tribunal Judicial da Comarca de …., ou seja,

5.ª - considerando o disposto nos artigos 580.º, 581.º e 619.º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação ….. decidiu “com base em fundamento de tal modo diferente que” implicaria “um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida.“

6.ª - Deste modo, salvo melhor entendimento, deve o presente recurso de revista ser admitido.

7.ª - Em causa está o pedido deduzido pela autora/recorrente de condenação do réu no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso no cumprimento de obrigação contratualmente assumida, que na data da propositura da ação computou em 302.940,00€.

8.ª - De facto, tal pedido decorre da aplicação da cláusula décima, n.º 8), do contrato celebrado entre a recorrente, o réu recorrido e a sociedade “Flor do Café, Lda.”, cujo teor consta da factualidade assente.

9.ª -Porém, considerou, em síntese, a decisão sob recurso que: “Manifestamente não alegou a Autora o conteúdo concreto da obrigação de restituição que imputa ao Flor do Café e ao réu, reportado à referida cláusula 8ª nº 2 do contrato.

Tal determinaria desde logo a improcedência de tal pedido, (…”

10.ª - Com o devido respeito, não pode a recorrente concordar com tal entendimento, por considerá-lo incorreto.

11.ª - Na petição inicial a autora, ora recorrente, alegou os factos constantes dos artigos 30.º a 34.º e desta alegação, e da prova, ficaram determinados os factos constitutivos do direito da recorrente.

12.ª - É, pois, incorreto considerar-se que não existem nos autos factos que permitam determinar o conteúdo da obrigação incumprida pela sociedade Flor do Café, Lda., da qual decorre a aplicação da cláusula penal em apreço.

13.ª - Tanto assim, que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, na douta sentença, decidiu “(…), julgando a presente acção, parcialmente procedente, decide condenar, o réu: (…) na devolução de todos os elementos identificativos, personalizados ou não, com a referência à marca SICAL e todos os demais colocados no Quiosque e identificativos da Nestlé;”

14.ª - Com todo o respeito pelas decisões, de ambos os julgamentos pelas instâncias, sobressai um (pré)conceito de que a aplicação da cláusula penal implica a condenação num valor muito elevado (no caso 302.940 euros).

15.ª - Do contexto contratual, resulta que aquela cláusula penal desempenha essencialmente uma função compulsória e não de cálculo indemnizatório,

16.ª - destinando-se a prevenir danos à imagem e reputação da marca  SICAL e da própria NESTLÉ.

17.ª - Por isso, se reveste de particular relevo a restituição, após o termo da relação contratual, dos elementos do quiosque identificativos que o associem à marca SICAL ou à NESTLÉ.

18.ª - Não se trata, portanto, de cláusula usurária nem em valor desproporcional ao fim que pretende alcançar.

19.ª – Deveria, portanto, em face dos factos dados como assentes, ter sido a ação julgada totalmente procedente e o réu condenado integralmente no pedido.

Termos em que, pelos fundamentos expostos e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se o douto acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente a apelação interposta da sentença que absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 302.940,00€ (405 dias x 748,00€), fazendo-se, assim, a devida Justiça.”


Não houve contra-alegações.

O recurso foi recebido como revista, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

7. De Facto

7.1. Os elementos fácticos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1. A Autora celebrou com a sociedade Flor do Café, Lda. e o Réu, no exercício da atividade comercial própria da Autora e da sociedade já citada, o contrato nº ……99, datado de 13-10-2014, de promoção e comercialização em exclusivo de produtos de cafetaria e outros comercializados pela Nestlé, de comparticipação publicitária e comodato de equipamento.

2. O contrato nº …..99 resultou da renegociação do contrato nº …..19 que a Autora celebrou em 26-06-2008 com a sociedade Flor do Café, Lda, para obras; de fornecimento de produtos de cafetaria e outros comercializados pela Nestlé, comparticipação publicitária e comodato de equipamento.

3. A vigência do contrato nº …..99 foi contratualmente estipulada por um período de 60 meses, com início em 13-10-2014.

4. No âmbito deste contrato, a sociedade Flor do Café, Lda. obrigou-se a promover e comercializar, em exclusivo, no estabelecimento “Quiosque SICAL” sito no Centro Comercial ….., os produtos de cafetaria de todos os lotes da marca SICAL, nomeadamente o Lote PREMIUM e ainda de chás e infusões, chocolate quente e outros produtos da marca Nestlé e comercializados pela Autora.

5. Tendo-se obrigado a adquirir 4.200 Kgs do café SICAL, Lote PREMIUM, num mínimo mensal de 70 kgs.

6. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela sociedade Flor do Café, Lda., Autora e a sociedade consideraram como recebida, a título de comparticipação publicitária, a quantia de 49.200€ IVA incluído.

7. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela sociedade Flor do Café, Lda., Autora e a sociedade consideraram como recebida, a título de comparticipação publicitária, a quantia de 14.413,48€ IVA incluído.

8. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela sociedade Flor do Café Lda., a Autora entregou à sociedade referida, a título de comodatado, o seguinte equipamento:

1) Um Moinho ……, no valor de 125,00€ + IVA à taxa legal em vigor;

2) Um Moinho …… no valor de 125,00€ + IVA à taxa legal em vigor;

3) Uma Máquina Lavar ….., no valor de 500,00€ + IVA à taxa legal em vigor;

4) Uma Máquina de café ….. tiragem com limitador, no valor de 4.500,00€ + IVA à taxa legal em vigor;

Tudo no montante global de 6.457,50€ (Seis mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos).

9. A sociedade Flor do Café não pagou o valor das faturas em 20-11-2015 no montante de 1.673,04€.

10. Sucede que a sociedade incumpriu, ainda, a sua obrigação de adquirir um mínimo mensal de 70 Kgs de café, conforme o consumo de café acordado.

11. Na vigência do contrato, a sociedade Flor do Café comprou à Autora apenas 639kgs dos 4.200 kgs a que se havia obrigado.

12. Em novembro de 2015, a sociedade Flor do Café realizou a última aquisição de café à Autora e não mais retomou o seu consumo.

13. Consequentemente, a Autora enviou à sociedade Flor do Café e ao Réu, as cartas registadas com aviso de receção, datadas de 18-12-2015 interpelando-os para que corrigissem o incumprimento contratual.

14. Não obstante as cartas enviadas à Flor do Café e ao Réu terem sido devolvidas pelos CTT, com a menção - “Objeto não reclamado” foram remetidas paras as moradas constantes do contrato pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 224.º do Código Civil, e não tendo sido comunicada à Autora nova morada, se devem considerar como plenamente eficazes as interpelações efetuadas.

15. Face à persistência no incumprimento contratual acima descrito, através das cartas registadas com aviso de receção datadas de 08-01-2016, enviadas à sociedade e ao Réu, a Autora procedeu à resolução do contrato nos termos do disposto no nº 2 da Clausula 10ª do doc. 1 e reclamou o pagamento das indemnizações decorrentes das Cláusulas 6.ª e 10.ª do documento n.º 1.

16. Não obstante as cartas enviadas à Flor do Café e Réu, terem sido devolvidas pelos CTT, com a menção - “Objeto não reclamado” foram remetidas paras as moradas constantes do contrato pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 224.º do Código Civil, e não tendo sido comunicada à Autora nova morada, se devem considerar como plenamente eficazes as comunicações efetuadas.

17. O Réu assinou o contrato identificado nos autos como doc.1, na qualidade de fiador e principal pagador, solidária à Autora das obrigações contratuais assumidas pela sociedade Flor do Café, Lda., ficando pessoalmente obrigado perante a Autora, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia (vide cláusula 9ª do doc.1).

18. A sociedade Flor do Café foi liquidada e encerrada em 09-10-2016, conforme Inscrição 3 da AP. …., conforme publicação dos atos societários e constante do sitio da internet - https://publicacoes.mj.pt.

(daqui em diante, foram aditados pelo tribunal recorrido)

19. No âmbito do contrato celebrado e referido em 1., contam além do mais, nos seus considerandos na sua alínea E), o seguinte: «O SEGUNDO CONTRATANTE tem interesse em estabelecer relações comerciais com a NESTLÉ relativamente às marcas NESTLÉ® e SICAL® que esta comercializa, tendo em vista a atividade do Quiosque SICAL, de que é proprietário, sito no ….. Shopping …..;».

20. No mesmo contrato estabeleceram ainda as partes, além do mais o seguinte: «Cláusula Quinta – Quiosque

1. O projeto arquitetónico e a imagem do espaço do Estabelecimento Quiosque …. foi elaborado de acordo com os parâmetros traçados pela NESTLÉ, aceitando o SEGUNDO CONTRATANTE, expressamente e sem quaisquer reservas, os mesmos.

2. A NESTLÉ poderá, a todo o tempo, proceder a alterações na imagem do espaço do Estabelecimento Quiosque SICAL sito no … Shopping … sem que o SEGUNDO CONTRATANTE a tal se possa opor.

3. O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a não modificar ou alterar o interior ou exterior do Estabelecimento sem o prévio consentimento por escrito da NESTLÉ.

4.Todas as intervenções decorrentes do funcionamento do Estabelecimento ficam a cargo do SEGUNDO CONTRATANTE e serão executadas de acordo com os projetos iniciais (arquitetónico e de especialidades) e somente após autorização expressa da NESTLÉ.

5. Fica a cargo do SEGUNDO CONTRATANTE a obtenção de todas as licenças necessárias à realização das obras projectadas e ao funcionamento do Estabelecimento Quiosque …..

Cláusula Sexta- Comparticipação Publicitária

1) A NESTLÉ apoiou publicitariamente, com a marca SICAL®, o espaço do Quiosque, de acordo com os seus objetivos de marketing e comerciais, tendo contribuído a título de comparticipação publicitária com o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal, para a realização do projeto e das obras necessárias à adequação do Estabelecimento denominado "Quiosque SICAL" sito no ….. Shopping ….:

2) Ao abrigo do contrato mencionado no Considerando F) a NESTLÉ entregou € 17.550,00 (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal, correspondente aos 8.640 quilogramas de café contratados à data.

3) Da quantidade que falta consumir, conforme decorre da análise da Cláusula Terceira resulta que o SEGUNDO CONTRATANTE usufrui da quantia de € 11.718,28 (onze mil setecentos e dezoito euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, correspondente à diferença entre o valor indicado no número anterior e a quantidade acordada consumir.

4) Resolvido o presente contrato com fundamento em qualquer causa não imputável à NESTLÉ, e sem prejuízo de quaisquer indemnizações a que haja lugar, o SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a restituir à NESTLÉ as comparticipações publicitárias prestadas, deduzidas do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.

Cláusula Sétima- Comodato de Equipamento

1) Como contrapartida das obrigações assumidas pelo SEGUNDO CONTRATANTE, a NESTLÉ:

a) Comodatou e colocou no seu estabelecimento referido no Considerando E), o seguinte equipamento:

•  Um Moinho ….. no valor de 125,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal

•  Um Moinho … no valor de 125,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor,

• Uma Máquina Lavar ….., no valor de 500,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

b) Obriga-se a comodatar-lhe e a colocar no seu estabelecimento referido no Considerando B), o seguinte equipamento:

•        Uma Máquina de café ….. tiragem com limitador no valor de 4.500,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor,

No valor global de € 6.457,50 (seis mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), IVA incluído à taxa legal em vigor.

2) O equipamento referido no número anterior será exclusivamente utilizado para a venda dos produtos objeto do presente contrato, pelo que é comodatado por um período que coincide obrigatoriamente com a vigência do mesmo.

3) O SEGUNDO CONTRATANTE responsabiliza-se pela conservação do equipamento ora comodatado, sendo de sua conta a manutenção e reparação de avarias, para o que contactará directamente o fornecedor do equipamento ou seu agente, obrigando-se ainda a permitir que a NESTLÉ proceda às afinações que considere convenientes.

4) O equipamento beneficiará da garantia conferida pelo fabricante ou seu representante.

5) Resolvido o presente contrato com fundamento no incumprimento pelo SEGUNDO CONTRATANTE de qualquer das obrigações por este assumidas, este obriga-se a, sem prejuízo da ressarcibilidade integral de todos os prejuízos sofridos, indemnizar a NESTLÉ no valor do equipamento à data da resolução do contrato, determinado em função do número de anos decorridos do contrato e do prazo de amortização económica do mesmo em 5 anos, ficando este a pertencer ao SEGUNDO CONTRATANTE.

Cláusula Oitava -Obrigações do SEGUNDO CONTRATANTE

1) O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a suportar todos os custos decorrentes de intervenções de manutenção e reparação que resultem de desgaste e deterioração de materiais provocados pela actividade a que se destina ao Quiosque, Tais intervenções deverão ser efetuadas no mais curto espaço de tempo de forma a evitar a deterioração da imagem e / ou serviço do Quiosque.

2) Todos os bens propriedade da NESTLÉ, personalizados ou não com a marca …..®, colocados no Quiosque em cumprimento dos objetivos contratuais, bem como a decoração associada, objeto do projeto e das obras de adequação do Quiosque, por esta custeados, nos termos do número um da Cláusula Quinta deverão ser removidos e restituídos à NESTLÉ no prazo de 15 dias contados do termo do presente contrato, qualquer que seja a sua causa, por forma a que a imagem conferida ao Quiosque deixe de estar associada à imagem da marca SICAL®.

3) Para garantia de eventuais danos que os bens propriedade da NESTLÉ possam sofrer enquanto detidos pelo SEGUNDO CONTRATANTE, esta obriga-se a contratar e a manter um seguro que cubra o valor integral dos referidos bens (…)

Cláusula Nona - Confidencialidade

1) As partes obrigam-se reciprocamente a utilizar a informação que lhes for facultada pela outra parte, única e exclusivamente para efeitos e no âmbito da prestação dos serviços regulados no presente contrato, abstendo- se de qualquer uso fora daquele contexto e independentemente dos fins, quer em benefício próprio, quer de terceiros.

2) Cada uma das partes compromete-se a observar estritamente as indicações que lhe forem pontualmente transmitidas pela outra relativamente à divulgação de informação, devendo ainda consultar previamente a última sempre que tenha dúvidas relativamente à possibilidade de divulgação de determinada informação.

3) As partes são responsáveis por todos e quaisquer danos e prejuízos decorrentes do incumprimento culposo ou negligente das obrigações assumidas relativamente ao uso de informação.

4) As partes são ainda responsáveis pela confidencialidade e utilização de informação por parte dos respectivos colaboradores a que, a qualquer título, venham a recorrer.

Cláusula Décima - Vigência e resolução

1) O presente contrato tem início previsto em 13 de outubro de 2014 e a duração de 60 meses, correspondente ao período considerado adequado à aquisição das quantidades estipuladas no número dois da Cláusula Terceira, não podendo contudo a respectiva duração exceder o prazo máximo de cinco anos.

2) Se a data real de início do presente contrato for diferente da constante do ponto 1) da presente Cláusula, as partes acordam desde já na celebração de um aditamento a este contrato, para formalizar a alteração da vigência do contrato.

3) No final do prazo de duração do contrato, caso a quantidade de café indicada no número dois da Cláusula Terceira não tenha sido adquirida na totalidade, o contrato será prolongado, nos termos e por acordo entre as partes, até que a quantidade contratada remanescente seja adquirida. No entanto, sempre que, em virtude de tal prolongamento, a vigência do contrato ultrapasse o período máximo de 5 anos, o SEGUNDO CONTRATANTE deixará de estar vinculado, direta ou indiretamente, a qualquer obrigação de compra exclusiva ou de publicidade exclusiva de café e descafeinado, quer da marca SICAL® e Lote SUPERIOR® quer de outras marcas comercializadas pela NESTLÉ.

4) Qualquer das partes pode pôr termo ao presente contrato, com efeitos imediatos, se a outra parte estiver em incumprimento contratual e não corrigir tal incumprimento no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação por escrito feita pela parte lesada 5) Em qualquer caso, o presente contrato considera-se resolvido após a receção de carta registada com aviso de receção enviada pela parte lesada, onde constem a resolução contratual e os seus fundamentos.

6) A resolução do presente contrato devido a incumprimento contratual por qualquer das partes concede à parte lesada o direito de exigir indemnização por perdas e danos devidas no caso, cujo montante, na falta de acordo, será fixada judicialmente.

7) Sem prejuízo da responsabilidade decorrente do incumprimento de outras estipulações contratuais, a violação das obrigações previstas na Cláusula Terceira, directamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obriga o SEGUNDO CONTRATANTE a pagar à NESTLÉ, a título de cláusula penal, o montante de 10,00 Euros (dez euros) por cada quilograma de café contratado nos termos do número dois da Cláusula Terceira e não adquirido pelo SEGUNDO CONTRATANTE.

8) Por sua vez e sem prejuízo do disposto no número dois da Cláusula Terceira, a violação das obrigações de remoção e restituição previstas no número dois da Cláusula Nona no prazo acordado, obriga o SEGUNDO CONTRATANTE a pagar à NESTLÉ, a título de cláusula penal, o montante de 748 Euros (setecentos e quarenta e oito euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.».

7.2. Foram dados como não provados os seguintes factos:

a) Ambas as partes sabiam que 70kg de café por mês, estava bastante acima das quantidades de café consumidas naquele estabelecimento comercial.

b) A iniciou a sua parceria com a Flor do Café. no ano 2008, data em que esta abriu o estabelecimento comercial no Centro Comercial …..

c) Uns anos depois, como o negócio ali corria bem, a Flor do Café estabeleceu nova parceria com a Nestlé e abriu novo estabelecimento no Centro Comercial …..

d) O Centro Comercial …. acabou por se revelar um péssimo investimento e por não permitir a sobrevivência de nenhuma loja no seu interior.

e) Apercebendo-se da completa inviabilidade daquele espaço, a própria A propôs à Flor do Café que fechasse aquele espaço comercial e, em troca, celebraria novo Contrato para o estabelecimento comercial …..

f) À data da celebração deste Contrato (2014), a Flor do Café sofreu uma quebra de quase metade na sua facturação.

g) Quando iniciou a exploração do estabelecimento comercial …., a Flor do Café tinha uma facturação mensal de cerca de € 12.000,00 e, quando deixou o negócio, tinha uma facturação de pouco mais de € 6.000,00.

h) Por outro lado, apesar da redução drástica de lucros, a Flor do Café mantinha as mesmas despesas, nomeadamente com os trabalhadores e com o pagamento da renda mensal ao …., que mesmo após negociação se mantinha nos € 700,00.

i) A Flor do Café estava, dependente do encerramento do estabelecimento …. para sobreviver.

j) Motivo pelo qual aceitou celebrar o contrato dos autos.

k) Nem a vontade da Flor do Café, nem a vontade do R foram tidas em conta para a redacção do Contrato.

l) O Contrato foi redigido exclusivamente pela A.

m) E todas as suas cláusulas reflectem a sua exclusiva vontade.

n) Aquando da assinatura do contrato a única coisa que foi referida ao R e à Flor do Café é que a primeira teria que comprar uma maior quantidade de café por mês e que se vincularia de novo por 60 meses, com início naquela data.

o) A Flor do Café e o R mostraram-se preocupados com as quantidades de café a consumir mensalmente, visto que já anteriormente era difícil manter o consumo contratado, tendo-lhe sido dito que as cláusulas de consumo mínimo eram puramente formais e que, na prática, poderia continuar a consumir os mesmos números de produtos, desde que em exclusividade.

p) Nem a Flor do Café, nem o R, acreditaram que tivessem de facto uma obrigação legal de adquirir 70kg de café à A.

q) Estando antes convencidos que existia apenas uma obrigação de venda exclusiva do café da sua marca.


De Direito

8. O objecto do recurso é definido a partir das conclusões da alegação do recorrente –  salvo se houver questões de conhecimento oficioso – e traduz-se em saber se a A. tem direito a ver condenado o R no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso no cumprimento de obrigação contratualmente assumida, que na data da propositura da acção  foi computada em 302.940,00€.

9. Em primeiro lugar, vejamos o que disse o TR sobre a questão que configura objecto da presente revista:

“Aqui chegados importa apreciar o objecto do recurso, ou seja, determinar se além da condenação nos pedidos nos termos sobreditos, ainda assiste à Autora o direito a ser ressarcida pelo réu no valor que fixa em 302.940,00€.

O Tribunal recorrido neste trecho, único desfavorável quanto às pretensões assumidas pela Autora nesta acção, decidiu o seguinte: «As partes acordaram que, em caso de violação da obrigação de remoção e restituição dos elementos e no prazo acima indicado, fica a sociedade Flor do Café obrigada a pagar à Nestlé, a título de cláusula penal, o montante de 748 Euros, por cada dia de atraso (cfr. Cl. 8.ª n.º 2 e cl. 10.ª n.º 8 do contrato anexo como doc. n.º 1). O contrato teve início em 13-10-2014 e a resolução operou efeitos em 13-01-2016. A sociedade Flor do Café deveria ter entregue todos os elementos até ao dia 28-01-2016, o que não ocorreu. Por conseguinte, entende a à Autora, que a titulo de cláusula penal, por cada dia de atraso na remoção e restituição desses elementos identificativos, nos termos do identificado artigo atinge, há data da entrada da Acão (09-03-2017) o montante de 302.940,00€ (405 dias x 748,00€). Entende o Tribunal que, por ser uma cláusula usurária, nos termos do artigo 283.º CC, a mesma padece de nulidade, que se declara, improcedendo o pedido nesta parte.».

Defende a recorrente que atento o estabelecido no artigo 282.º do Código Civil, a anulação da cláusula décima, n.º 8), do contrato que constitui o documento 1 junto com a petição inicial, pressupõe que a autor/apelante tenha explorado uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter da sociedade Flor do Café, Lda. e do réu e de ter obtido destes a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados. Sustentando que da factualidade dada como assente, nenhum elemento de facto nos permite concluir que a autora, ora apelante, ao celebrar o contrato em causa com a sociedade Flor do Café, Lda. e o réu, se tenha valido de alguma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de algum deles. Argumentando ainda que também não se encontram nos autos dados de facto que permitam concluir que a apelante tenha obtido da sociedade e do réu uma promessa (admitindo-se na forma de cláusula penal) ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificado (na concretização do recebimento da indemnização). Concluindo que não pode aceitar-se que se fundamente uma decisão, afirmando apenas que “Entende o Tribunal que, por ser uma cláusula usurária, nos termos do artigo 283.º CC, a mesma padece de nulidade, que se declara, sem que a qualificação da cláusula como usurária tenha qualquer assento em bases de facto.

Pede assim, que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida na parte em absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 302.940,00€ (405 dias x 748,00€).

Sem cuidar, por ora, da classificação da cláusula em causa, nomeadamente pela sua inconformidade ou não com os princípios que enformam o direito civil, mormente no campo dos contratos, importa sim aferir se existem factos que nos permitam concluir quer pelo conteúdo de tal obrigação, e concluindo por esta em que se concretizou o incumprimento.

Com efeito, a jusante de tal condenação nos termos pretendidos têm de existir os factos que determinam a entrega pela Autora dos alegados “elementos identificativos”, ou mais concretamente “todos os bens propriedade da Nestlé, personalizados ou não com a marca SICAL, colocados no quiosque em cumprimentos dos objetivos contratuais, bem como a decoração associada objeto do projeto realizado e inerentes e inerentes obras custeadas pela Autora”.

Senão vejamos.

A obrigação em causa não coincide com os equipamentos objecto do comodato nos termos da cláusula sétima, pois quanto a estes foi formulado pela Autora pedido específico o qual mereceu procedência nos termos constantes da alínea b), primeira parte, do dispositivo da sentença, nem relativamente a estes equipamentos está em causa o ponto 8), diga-se, da cláusula décima, ora convocado neste recurso.

Na verdade, no âmbito do contrato celebrado constam além do mais, nos seus considerandos na sua alínea E), o seguinte: «O SEGUNDO CONTRATANTE tem interesse em estabelecer relações comerciais com a NESTLÉ relativamente às marcas NESTLÉ® e SICAL® que esta comercializa, tendo em vista a atividade do Quiosque ……, de que é proprietário, sito no …. Shopping ……;».

Relativamente ao estabelecimento, ou seja o quiosque, estabeleceu-se na cláusula Quinta, que: o projeto arquitetónico e a imagem do espaço do Estabelecimento Quiosque SICAL foi elaborado de acordo com os parâmetros traçados pela Autora, aceitando a Flor do Café, expressamente e sem quaisquer reservas, os mesmos. No que diz respeito à comparticipação publicitária ficou previsto na Cláusula Sexta quer o valor da contribuição da Autora – 40.000€, dizendo-se que tal se reportava à “realização do projeto e das obras necessárias à adequação do Estabelecimento denominado "Quiosque SICAL" sito no ….. Shopping…..”. Figurando ainda da mesma cláusula a entrega pela Autora de € 17.550,00, acrescido de IVA à taxa legal, correspondente aos 8.640 quilogramas de café contratados à data. Ora, relativamente a estes valores, ficou previsto na mesma cláusula no seu ponto 4) que “resolvido o presente contrato com fundamento em qualquer causa não imputável à NESTLÉ, e sem prejuízo de quaisquer indemnizações a que haja lugar, o SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a restituir à NESTLÉ as comparticipações publicitárias prestadas, deduzidas do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses”. Destarte, não é relativamente a estas comparticipações que se reporta a pretensão da Autora e ora em análise.

No tocante ao comodato do equipamento o contrato prevê especificamente na cláusula Sétima, quer o objecto do comodato, bem como o valor, quer ainda a consequência face à resolução, prevendo-se no ponto 5) de tal cláusula que “( r )esolvido o presente contrato com fundamento no incumprimento pelo segundo contraente de qualquer das obrigações por este assumidas, este obriga-se a, sem prejuízo da ressarcibilidade integral de todos os prejuízos sofridos, indemnizar a Nestlé no valor do equipamento à data da resolução do contrato, determinado em função do número de anos decorridos do contrato e do prazo de amortização económica do mesmo em 5 anos, ficando este a pertencer ao segundo contraente”.

Relevante para a apreciação deste pedido em concreto será efectivamente a cláusula Oitava, sob a epígrafe obrigações do estabelecimento Flor do Café, na qual se estabeleceu que:

«1) O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a suportar todos os custos decorrentes de intervenções de manutenção e reparação que resultem de desgaste e deterioração de materiais provocados pela actividade a que se destina ao Quiosque, Tais intervenções deverão ser efetuadas no mais curto espaço de tempo de forma a evitar a deterioração da imagem e / ou serviço do Quiosque.

2) Todos os bens propriedade da NESTLÉ, personalizados ou não com a marca ……®, colocados no Quiosque em cumprimento dos objetivos contratuais, bem como a decoração associada, objeto do projeto e das obras de adequação do Quiosque, por esta custeados, nos termos do número um da Cláusula Quinta deverão ser removidos e restituídos à NESTLÉ no prazo de 15 dias contados do termo do presente contrato, qualquer que seja a sua causa, por forma a que a imagem conferida ao Quiosque deixe de estar associada à imagem da marca SICAL®.

3) Para garantia de eventuais danos que os bens propriedade da NESTLÉ possam sofrer enquanto detidos pelo SEGUNDO CONTRATANTE, esta obriga-se a contratar e a manter um seguro que cubra o valor integral dos referidos bens (…).

Da conjugação do teor da cláusula referida com a cláusula quinta, resulta evidente que a decoração associada, objeto do projeto e das obras de adequação do Quiosque, foram custeados pela Autora, nos termos do número um da Cláusula Quinta. Porém, não resulta dos factos a que se reporta em concreto, ou seja se tal diz respeito ao lay out do projecto, o que implica a destruição no desmantelamento do quiosque, mas também determina a impossibilidade de restituição pela sociedade Flor do Café e pelo réu fiador. Pois a ser o lay out este fica subsumido pela obra, sem hipótese de constituir objecto a retirar e, por conseguinte, a restituir.

Como vimos a comparticipação publicitária face à resolução foi peticionada e apreciada autonomamente, nos termos constantes da alínea a) do dispositivo da sentença, decidindo-se condenar o réu a pagar à autora no pagamento da quantia de 47.710,11€ “a título de devolução de comparticipação publicitária no âmbito do contrato” acrescido de juros.

Deste modo, não pode tal obrigação reportar-se a tal comparticipação publicitária. Manifestamente não alegou a Autora o conteúdo concreto da obrigação de restituição que imputa ao Flor do Café e ao réu, reportado à referida cláusula 8ª nº 2 do contrato.

Tal determinaria desde logo a improcedência de tal pedido, ou mais concretamente e especificamente face ao objecto do recurso a peticionada indemnização correspondente ao alegado incumprimento de “restituição”. Donde, a improcedência resultaria desta circunstância sem que estivesse em causa a natureza usurária ou não da cláusula, tal como entendeu o tribunal recorrido.

Com efeito, o Tribunal recorrido sem cuidar em analisar os demais argumentos do réu, de forma simplista, conclui pela natureza usurária de tal cláusula cominando tal característica com a nulidade da cláusula, por força do artº 283º do CC. Face à inexistência de factos que nos levem a considerar o conteúdo da obrigação e, logo, o seu incumprimento seria desde logo de afastar a aplicação de tal cláusula, como ficou explanado.

Ainda assim, face ao previsto no contrato e factos a subsumir podemos concluir estarmos perante a aplicação de tal cláusula?

A recorrente sustenta que a falta de cumprimento da obrigação prevista na cláusula oitava, determina o pagamento pelo réu fiador da sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso na remoção e devolução de tais elementos, que cifra em 302.940,00€, contabilizando os dias que medeiam entre a resolução e a data de entrada da acção, ou seja 405 dias x 748,00€.

Percorrido o contrato e, sublinhe-se, na ausência de outros factos, resultou quer o estabelecido na cl 8ª supra aludida, bem como na Cláusula Nona, sob a epígrafe “Confidencialidade” que: 1) As partes obrigam-se reciprocamente a utilizar a informação que lhes for facultada pela outra parte, única e exclusivamente para efeitos e no âmbito da prestação dos serviços regulados no presente contrato, abstendo- se de qualquer uso fora daquele contexto e independentemente dos fins, quer em benefício próprio, quer de terceiros. 2) Cada uma das partes compromete-se a observar estritamente as indicações que lhe forem pontualmente transmitidas pela outra relativamente à divulgação de informação, devendo ainda consultar previamente a última sempre que tenha dúvidas relativamente à possibilidade de divulgação de determinada informação.

Por sua vez quanto à vigência do contrato e a resolução do mesmo previram as partes na Cláusula Décima, além do mais, o seguinte: 4) Qualquer das partes pode pôr termo ao presente contrato, com efeitos imediatos, se a outra parte estiver em incumprimento contratual e não corrigir tal incumprimento no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação por escrito feita pela parte lesada. 5) Em qualquer caso, o presente contrato considera-se resolvido após a receção de carta registada com aviso de receção enviada pela parte lesada, onde constem a resolução contratual e os seus fundamentos. 6) A resolução do presente contrato devido a incumprimento contratual por qualquer das partes concede à parte lesada o direito de exigir indemnização por perdas e danos devidas no caso, cujo montante, na falta de acordo, será fixada judicialmente. 7) Sem prejuízo da responsabilidade decorrente do incumprimento de outras estipulações contratuais, a violação das obrigações previstas na Cláusula Terceira, directamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obriga o SEGUNDO CONTRATANTE a pagar à NESTLÉ, a título de cláusula penal, o montante de 10,00 Euros (dez euros) por cada quilograma de café contratado nos termos do número dois da Cláusula Terceira e não adquirido pelo SEGUNDO CONTRATANTE. 8) Por sua vez e sem prejuízo do disposto no número dois da Cláusula Terceira, a violação das obrigações de remoção e restituição previstas no número dois da Cláusula Nona no prazo acordado, obriga o SEGUNDO CONTRATANTE a pagar à NESTLÉ, a título de cláusula penal, o montante de 748 Euros (setecentos e quarenta e oito euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.».(sublinhado nosso).

Pretende a recorrente que se considere o que denomina a sanção pecuniária compulsória prevista no ponto 8) da cláusula 10ª, condenando o réu no pagamento do valor supra aludido.

Ora, o referido ponto nem sequer remete para a cláusula que se reporta à remoção e restituição dos bens da Autora ou decoração associada, previsto na cl. 8ª, mas sim para a cláusula nona que se reporta à confidencialidade, ou seja, à obrigação assumida de não utilizar a informação facultada em execução do contrato ou por força do mesmo.

Mas ainda que se entenda que existe um lapso de escrita e que a remissão deveria ser para a cláusula 8ª nº 2 em momento algum a Autora invoca tal lapso.

Ora, face ao conjunto das obrigações assumidas, assistirá à Autora o direito a ser indemnizada pelo valor de 302.940,00€, como pretende a recorrente? quando o tribunal já condenou o réu no pagamento do valor das comparticipações publicitárias, no valor de 47.710,11€, acrescido de juros moratórios vencidos no valor de 3.706,68€ e vincendos. Mais condenou o réu no pagamento à Autora da quantia de 35.610,00€, a título de indemnização por café não consumido (mas também não fornecido) e dos juros moratórios vencidos no valor de 2.766,60€, e vincendos. A que acresce a condenação na devolução do equipamento comodatado, que à data da resolução detinha o valor de 3.874,50.

Dos factos provados resulta que quanto aos valores entregues pela Autora foram os seguintes: o valor da comparticipação publicitária facultada pela Autora à Flor do Café foi no valor de 40.000€, o valor de 17.550€ correspondente a 8.640 quilogramas de café, e o equipamento comodatado que na data da entrega tinha o valor de 6.457,50€.

Inexistindo quaisquer outros factos é manifesta a desproporcionalidade do pedido formulado pela Autora de 302.940,00€.

É certo que ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405º do Código Civil - CC) as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. E é justamente como concretização desse princípio da liberdade contratual que a lei faculta às partes que, por acordo e antecipadamente, possam estipular o montante da indemnização (art. 810º do CC).

Nos termos do art. 810º, n.º 1, do Código Civil, as partes podem fixar por acordo, o montante da indemnização exigível para o caso de incumprimento (seja definitivo, seja simples mora), é o que se chama cláusula penal.

(…)

A cláusula penal que fixa a indemnização "a forfait" pode revestir duas modalidades: cláusula penal compensatória, se tiver sido estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato; cláusula penal moratória, se estipulada para a simples mora do devedor.

Ao contrário do que sucede com a cláusula penal moratória (a que pretende fixar o valor da indemnização pela falta de cumprimento pontual), no caso da cláusula penal compensatória (a que respeita ao valor da indemnização por incumprimento definitivo da obrigação principal), não pode o credor exigir, em cúmulo, o cumprimento desta e o pagamento daquela (o que, de facto, representaria uma incongruência: oneração do devedor com a prestação e, ao mesmo tempo, com a indemnização relativa à sua falta). – cfr. n.º 1 do art. 811º do CC.

O réu na sua contestação, no artº 46º alega o seguinte: “In casu, significa isto que a R não pode pedir uma indemnização pelo incumprimento contratual – isto é, pelo não pagamento do café entregue, pela não entrega dos equipamentos com a marca e pela não devolução da comparticipação publicitária e, ao mesmo tempo, pedir uma indemnização com base nas cláusulas penais estipuladas na Cláusula Décima do Contrato.”. Mais adiante alega: «74. Na sua PI, vem a A pedir o pagamento da cláusula penal prevista na Cláusula Décima, por incumprimento da Cláusula Oitava; 75. Por sua vez, analisado o Contrato junto aos autos é impossível perceber a que objectos se refere a Cláusula Oitava do Contrato, uma vez que a Cláusula Nona é uma Cláusula de Confidencialidade! 76. Na verdade, o Contrato que nos ocupa apresenta-se manifestamente desorganizado e de difícil interpretação, sendo uma verdadeira tarefa hercúlea retirar qualquer tipo de sentido da maioria das suas cláusulas!». Acaba o réu por concluir pela indeterminabilidade de tal cláusula e concluindo pela nulidade nos termos do artº 280º do CC. Invocou ainda factos que alegadamente consubstanciam a usura de tal cláusula. Por fim, alegou que: «93. Ainda que se entenda que a cláusula penal fixada na Cláusula Décima n.º 8 do Contrato, é compreensível, válida e que deve ser aplicada, o que só por cautela de patrocínio se admite, sempre será necessário por em causa o valor indemnizatório que esta fixa. 94. Vem a cláusula penal em questão fixar uma indemnização no valor de € 748,00 por cada dia de atraso na remoção e entrega de bens que não identifica. 95. Mesmo que esta cláusula se refira a todos os equipamentos e elementos descritos no Contrato, vem esta fixar uma indemnização para bens que ascendem ao valor total de € 6.457,50. 96. Ora, a A vem, à data da entrada da PI, pedir uma indemnização pela não entrega destes bens no valor de € 302.940,00. 97. Salvo melhor entendimento que não o da A, é por demais evidente que o valor desta cláusula penal é também manifestamente excessivo, por ascender a valores completamente dissonantes do valor do dano da A. 98. Note-se ainda que ao valor dos bens em questão à data da resolução do Contrato, era de € 3.874,50, conforme refere a A no artigo 29. da PI, o que desde já se aceita para não mais ser retirado. 99. Tendo em conta tudo quanto foi alegado supra, o valor desta cláusula penal nunca se poderia fixar em valor superior a € 10,00 por dia, o que já significaria uma indemnização, à data da apresentação da PI, no valor de € 4.005,00. 100. Por tudo quanto foi exposto, também esta cláusula penal deverá ser reduzida pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 812.º CC, fixando-se em não mais do que € 10,00 por dia.».

Preconiza-se o artº 812º do CC:

«1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida».

Nas palavras de Calvão da Silva (Cfr. Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pp. 246/247): “Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspecto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal, (...)”.

Tem sido ainda entendimento da jurisprudência que o ónus de alegar e provar os factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor (Cfr. acórdãos do STJ de 17/011/98, CJSTJ, ano VI, tomo III, p. 120, de 9/02/99, CJSTJ, ano VII, tomo I, p. 99; de 31/03/2009 (relator Santos Bernardino) e de 12/09/2013 (relator Azevedo Ramos), os dois últimos disponíveis in www.dgsi.pt).

Por outro lado, o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art. 812º, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., p. 81, Calvão da Silva, obra citada, p. 275).

Acresce, como escreve Calvão da Silva (Cfr., obra citada, pp. 272 e 273), que o “controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos.

Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente”.

Acrescenta o citado autor (Cfr. obra citada, p. 274) que a “decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, «enorme», que «salte aos olhos». Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si.”.

Concluindo ainda o autor que vimos citando (Cfr. obra citada, pp. 276/277) que, do “que fica dito, é claro que o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo não é proibida pela lei, não tendo o juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial.

Exige-se, como pressuposto e condição da intervenção judicial, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada” (Cfr., no mesmo sentido, na jurisprudência, Ac. do STJ de 24/04/2012 (relator Hélder Roque), Ac. da RP de 05/05/2016 (relator Fernando Baptista) e Ac. da RC de 13/2/2015 (relator Jorge Manuel Loureiro) - todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Tendo presente estarmos perante um conceito indeterminado e não fornecendo a lei ao juiz qualquer critério quantitativo para a sua decisão, esta deverá moldar-se pela equidade (Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 1024). O que significa que na ponderação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal deve considerar-se a situação que tal cláusula visou acautelar, a actuação de ambas as partes ao longo da vida do contrato, a gravidade da culpa do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi celebrado, o tempo da sua efectiva vigência e os efeitos patrimoniais do incumprimento na esfera jurídico-patrimonial do credor, as vantagens que para o devedor advieram do incumprimento, e quaisquer outras circunstâncias que, à luz da justiça, devam ter-se por relevantes, sem esquecer que, com a redução, não se cura de reduzir o montante estipulado de modo a fazê-lo coincidir exactamente com os prejuízos efectivos (Cfr. Ac. do STJ de 31/03/2009 (relator Santos Bernardino), disponível in www.dgsi.pt).

Mas tal juízo, a ser feito, não se confunde com a natureza usurária de uma cláusula, pois esta obedece aos requisitos do artº 282º do CC, que tem como pressupostos a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência, ou deficiência psíquica de alguém. Porém, não se basta com a verificação dum daqueles estados, sendo necessário que haja a consciência de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem para alcançar um benefício manifestamente excessivo ou injustificado, em proveito próprio ou de terceiro, ficando esta determinação entregue ao prudente arbítrio do julgador e só verificados todos estes requisitos pode o negócio ser havido como usurário.

No caso dos autos é desde logo a ausência de conteúdo indemnizatório específico de que se trata, pois não fundamentou a Autora em que consiste a falta de cumprimento da obrigação de remoção ou restituição que pretende assacar ao réu e aferindo-se esta é que podemos concluir pela validade de tal cláusula. Porém, sempre importa afirmar que existe um desequilíbrio manifesto entre o valor indemnizatório pretendido e todas as prestações devidas por força do contrato, mormente tendo em conta os valores em que o réu já foi condenado que resultam também da aplicação de cláusula penal prevista contratualmente.

10. Na sentença disse-se:

“O contrato teve início em 13-10-2014 e a resolução operou efeitos em 13-01-2016.

A sociedade Flor do Café deveria ter entregue todos os elementos até ao dia 28-01-2016, o que não ocorreu.

Por conseguinte, entende a à Autora, que a titulo de cláusula penal, por cada dia de atraso na remoção e restituição desses elementos identificativos, nos termos do identificado artigo atinge, há data da entrada da Acão (09-03-2017) o montante de 302.940,00€ (405 dias x 748,00€).

Entende o Tribunal que, por ser uma cláusula usurária, nos termos do artigo 283.º CC, a mesma padece de nulidade, que se declara, improcedendo o pedido nesta parte.”

E na decisão

“(…) d) Absolver o réu do pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de 748 Euros, por cada dia de atraso na remoção e devolução de tais elementos e que na data da entrada da acção em Tribunal a autora computou em 302.940,00€ (405 dias* 748,00€), por ser uma clausura usurária e ferida de nulidade.”

11. Diz o recorrente que na PI alegou os factos constitutivos do seu direito e que logrou provar, indicando que os mesmos são os constantes dos art.º 30. a 34.º

Nos art.ºs indicados da PI consta:

30. Do quiosque – devolução de elementos identificativos da marca SICAL:

Conforme decorre da cláusula 8.ª, todos os bens propriedade da Nestlé, personalizados ou não com a marca SICAL, colocados no quiosque em cumprimentos dos objetivos contratuais, bem como a decoração associada objeto do projeto realizado e inerentes obras foram custeadas pela Autora, pelo que, em caso de extinção do contrato, deverão ser removidos e restituídos à Nestlé no prazo de 15 dias a contrato do fim do contrato.

31. Por sua vez as partes acordaram que, em caso de violação da obrigação de remoção e restituição dos elementos e no prazo acima indicado, fica a sociedade F...... obrigada a pagar à Nestlé, a título de cláusula penal, o montante de 748 Euros, por cada dia de atraso (cfr. Cl. 8.ª n.º 2 e cl. 10.ª n.º 8 do contrato anexo como doc. n.º 1).

32. O contrato teve início em 13-10-2014 e a resolução operou efeitos em 13-01-2016.

33. A sociedade Flor do Café deveria ter entregue todos os elementos até ao dia 28-01- 2016, o que não ocorreu.

34. Por conseguinte, o valor a pagar à Autora, a titulo de cláusula penal, por cada dia de atraso na remoção e restituição desses elementos identificativos, nos termos do identificado artigo atinge, há data da entrada da Acão (09-03-2017) o montante de 302.940,00€ (405 dias x 748,00€).

Conhecendo.

12. No art.º 30º da PI alude-se a elementos identificativos da marca SICAL, remetendo-se para a obrigação constante da cláusula 8º, relativa aos bens da propriedade da Nestlé, e à decoração associada, objecto do projecto e inerentes obras, custeadas pela A., estabelecendo-se a remoção e restituição, no prazo de 15 dias.

No art.º 31º alega-se que as partes acordaram que em caso de violação da obrigação de remoção e restituição dos elementos indicados, no prazo referido, a Ré ficada obrigada a pagar à A., a título de cláusula penal, o montante de 748 Euros, por cada dia de atraso, que se considera resultar das Cl. 8.ª n.º 2 e cl. 10.ª n.º 8.

O TR….. analisou as cláusulas do contrato – de forma detalhada e elucidativa – por forma a identificar em que se traduziu o incumprimento do R.

E sobre a devolução dos bens da propriedade da A. esclareceu que a A. viu o seu pedido ser julgado favoravelmente (“A obrigação em causa não coincide com os equipamentos objecto do comodato nos termos da cláusula sétima, pois quanto a estes foi formulado pela Autora pedido específico o qual mereceu procedência nos termos constantes da alínea b)”; “No tocante ao comodato do equipamento o contrato prevê especificamente na cláusula Sétima, quer o objecto do comodato, bem como o valor , quer ainda a consequência face à resolução, prevendo-se no ponto 5) de tal cláusula que “( r )esolvido o presente contrato com fundamento no incumprimento pelo segundo contraente de qualquer das obrigações por este assumidas, este obriga-se a, sem prejuízo da ressarcibilidade integral de todos os prejuízos sofridos, indemnizar a Nestlé no valor do equipamento à data da resolução do contrato, determinado em função do número de anos decorridos do contrato e do prazo de amortização económica do mesmo em 5 anos, ficando este a pertencer ao segundo contraente”);

Quanto à decoração, também teve oportunidade de explicar o que poderia da mesma ser “levantado” para efeitos de devolução e o que restaria incorporado no quiosque, sem essa possibilidade; o que seria susceptível de entrega integraria os bens da propriedade da A. e estaria incluído no pedido de devolução dos seus pertences; o demais seria compensado pela dia da condenação relativa à “compensação” pelos investimentos feitos pela A. (“Da conjugação do teor da cláusula referida com a cláusula quinta, resulta evidente que a decoração associada, objeto do projeto e das obras de adequação do Quiosque, foram custeados pela Autora, nos termos do número um da Cláusula Quinta. Porém, não resulta dos factos a que se reporta em concreto, ou seja se tal diz respeito ao lay out do projecto, o que implica a destruição no desmantelamento do quiosque, mas também determina a impossibilidade de restituição pela sociedade Flor do Café e pelo réu fiador. Pois a ser o lay out este fica subsumido pela obra, sem hipótese de constituir objecto a retirar e, por conseguinte, a restituir. Como vimos a comparticipação publicitária face à resolução foi peticionada e apreciada autonomamente, nos termos constantes da alínea a) do dispositivo da sentença, decidindo-se condenar o réu a pagar à autora no pagamento da quantia de 47.710,11€ “a título de devolução de comparticipação publicitária no âmbito do contrato” acrescido de juros. Deste modo, não pode tal obrigação reportar-se a tal comparticipação publicitária. Manifestamente não alegou a Autora o conteúdo concreto da obrigação de restituição que imputa ao Flor do Café e ao réu, reportado à referida cláusula 8ª nº 2 do contrato”; “Pretende a recorrente que se considere o que denomina a sanção pecuniária compulsória prevista no ponto 8) da cláusula 10ª, condenando o réu no pagamento do valor supra aludido. Ora, o referido ponto nem sequer remete para a cláusula que se reporta à remoção e restituição dos bens da Autora ou decoração associada, previsto na cl. 8ª, mas sim para a cláusula nona que se reporta à confidencialidade, ou seja, à obrigação assumida de não utilizar a informação facultada em execução do contrato ou por força do mesmo. Mas ainda que se entenda que existe um lapso de escrita e que a remissão deveria ser para a cláusula 8ª nº 2 em momento algum a Autora invoca tal lapso”)

Mais analisou a cláusula 8ª, nomeadamente o seu n.º 2 e aí não encontrou suporte para a invocada aplicação da cláusula penal, que estaria prevista na cláusula 9 e 10; a cláusula 9, por seu turno, nada tem a ver com devoluções de bens ou “compensação” de investimentos, mas com o dever de confidencialidade (“Percorrido o contrato e, sublinhe-se, na ausência de outros factos, resultou quer o estabelecido na cl 8ª supra aludida, bem como na Cláusula Nona, sob a epígrafe “Confidencialidade” que: 1) As partes obrigam-se reciprocamente a utilizar a informação que lhes for facultada pela outra parte, única e exclusivamente para efeitos e no âmbito da prestação dos serviços regulados no presente contrato, abstendo- se de qualquer uso fora daquele contexto e independentemente dos fins, quer em benefício próprio, quer de terceiros. 2) Cada uma das partes compromete-se a observar estritamente as indicações que lhe forem pontualmente transmitidas pela outra relativamente à divulgação de informação, devendo ainda consultar previamente a última sempre que tenha dúvidas relativamente à possibilidade de divulgação de determinada informação”;.

Na sua lógica, a ser incumprida esta obrigação poder-se-ia discutir da consequente aplicação da cláusula penal (“Ora, face ao conjunto das obrigações assumidas, assistirá à Autora o direito a ser indemnizada pelo valor de 302.940,00€, como pretende a recorrente? quando o tribunal já condenou o réu no pagamento do valor das comparticipações publicitárias, no valor de 47.710,11€, acrescido de juros moratórios vencidos no valor de 3.706,68€ e vincendos. Mais condenou o réu no pagamento à Autora da quantia de 35.610,00€, a título de indemnização por café não consumido (mas também não fornecido) e dos juros moratórios vencidos no valor de 2.766,60€, e vincendos. A que acresce a condenação na devolução do equipamento comodatado, que à data da resolução detinha o valor de 3.874,50. Dos factos provados resulta que quanto aos valores entregues pela Autora foram os seguintes: o valor da comparticipação publicitária facultada pela Autora à Flor do Café foi no valor de 40.000€, o valor de 17.550€ correspondente a 8.640 quilogramas de café, e o equipamento comodatado que na data da entrega tinha o valor de 6.457,50€.).

Esta explicações são absolutamente lógicas e coerentes e, no seu todo, consequência negativa suficiente para o incumprimento do R. – os danos alegados e provados foram totalmente cobertos pela decisão recorrida em face dos factos provados e do teor do contrato.

A adição de condenação na cláusula penal, nas circunstâncias de facto, não tem cobertura possível, independentemente de o seu valor ser elevado, consideração que apenas vem inserida no acórdão recorrido em obiter dictum – argumento adicional, explicativo do sentido decisório e em face da análise da questão da qualificação da cláusula como usurária.

III.  Decisão

Pelas razões expostas entende-se que não assiste razão ao recorrente e confirma-se o acórdão recorrido, negando-se a revista.

Custas do recurso pelo recorrente, com adicional de taxa de justiça reduzido a 20% do valor tabelar, atenta a simplicidade do processo e o comportamento das partes.


Lisboa, 23 de Março de 2021


Fátima Gomes (relatora)

Acácio Neves

Fernando Samões