Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
611/17.5T8BJA.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
INDEMNIZAÇÃO POR MORA
REPETIÇÃO DO INDEVIDO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROVIDA REVOGADO O ACÓRDÃO
Área Temática:
ARRENDAMENTO URBANO – COMUNICAÇÕES / PLURALIDADE DE SENHORIOS OU DE ARRENDATÁRIOS / ASSOCIAÇÕES / LEGITIMIDADE / DESPEJO / ACÇÃO DE DESPEJO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO / PROVAS / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / PROVA TESTEMUNHAL DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RÉPLICA / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE DIREITOS.
Doutrina:
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4.ª edição, p. 136;
- Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso De Direito, p. 55;
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª edição, p. 162/163;
- Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento, p. 222;
- Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, Estudos em Honra do Prof. Doutor António Castanheira Neves;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, p. 298/300.
Legislação Nacional:
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO RURAL (NRAR): - ARTIGOS 2.º, 11.º, N.º 1, 13.º, N.ºS 1, 2 E 6 E 14.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 358.º, 364.º, 393.º,474.º, 673.º, N.º 1, 762.º, N.º 1, 763.º, N.º 1 E 804.º, N.º 2, ALÍNEA A)
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 584.º, N.º 1, 607.º, 631.º, N.º 1, 636.º, N.º 2, 638.º, N.º 5, 674.º, N.ºS 1 E 3, 682.º, N.º 2 E 782.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-05-2003, RELATOR MOREIRA CAMILO;
- DE 06-05-2004, RELATOR ARAÚJO DE BARROS;
- DE 07-04-2005, RELATOR SALVADOR DA COSTA;
- DE 18-05-2011, RELATOR PEREIRA RODRIGUES;
- DE 23-02-2012, RELATOR TÁVORA VICTOR;
- DE 15-11-2012, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
- DE 24-02-2015, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
- DE 26-05-2015, RELATOR JOÃO CAMILO;
- DE 19-09-2016, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I Dispõe o artigo 13º do nrar: «1 - Constituindo-se o arrendatário em mora, o senhorio tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50 % do que seja devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.», acrescentando o seu nº2 que « Cessa o direito à indemnização, ou à resolução do contrato, se o arrendatário fizer cessar a mora no prazo de 60 dias a contar do seu início.» e o nº6  que «O arrendatário pode pôr fim à mora oferecendo ao senhorio o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1.».

II Tendo o arrendatário efectuado o pagamento da renda anual em montante deficiente e sendo-lhe exigido o montante em falta, para por fim à mora o arrendatário terá de satisfazer esse montante acrescido do montante correspondente a 50% da renda anual, porquanto o pagamento parcial da renda devida, não equivale a um cumprimento, mantendo-se  a renda em falta, de harmonia com o disposto no artigo 763º, nº1 do CCivil.

III O instituto do enriquecimento sem causa é subsidiário, como fonte de obrigação, e supõe a verificação cumulativa de três requisitos: que alguém obtenha um enriquecimento; que o obtenha à custa de outrem; e que o enriquecimento não tenha causa justificativa, e, segundo os princípios legais, o «enriquecimento» da Ré Locadora, teve razão de ser segundo os princípios legais constantes no nrau, pois a Autora Locatária, para fazer cessar a mora em que incorreu com o pagamento incompleto da renda anual devida, deveria satisfazer a quantia em falta acrescida de 50% da totalidade da renda deficientemente prestada.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I A CASA AGRÍCOLA, LDA, intentou a presente ação declarativa, na forma de processo comum, contra S, LDA, pedindo a sua condenação na restituição da quantia de €65.945,00, que lhe pagou, a título de indemnização por mora no pagamento da renda, que não existiu, acrescida dos juros de mora à taxa legal que se vencerem a partir da citação ou, em alternativa, para o caso de se entender que só não existe mora, quanto à parte da renda paga em 14 de Abril de 2015, €65.298,44, acrescida, também de juros moratórios, calculados nos mesmos moldes, a qual, no saneador, foi julgada improcedente. 

Inconformada com o decidido, apelou a Autora, concluindo pela procedência da ação, recurso esse que veio a ser julgado procedente com a revogação da sentença impugnada e a condenação da Ré/Recorrida a restituir àquela a quantia de €65.298,44, acrescida de juros moratório, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. 

Irresignada com este desfecho, recorre agora a Ré, de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Considerando atentamente os factos considerados provados na sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, a Ré/Recorrente não pode deixar de manifestar o seu desacordo no que respeita à conclusão a que o Tribunal da Relação de Évora chegou de revogação daquele sentença, por entender que as circunstâncias do caso exigem uma conclusão diversa e que a revogação da sentença do tribunal de lã instância, consubstancia uma violação de lei substantiva que consiste no erro de interpretação e de aplicação dos artºs 762º, nº1, 763º, nº 1, 804º, nº 2, 805º, nº2 al. a) do C.Civil e o artº 13º, nºs 1 e 2 do NRAR a que acresce ainda o facto de existir erro na apreciação das provas.

- No que tange aos factos provados, importa mencionar que tendo a acção sido julgada totalmente improcedente pelo tribunal de 1ª instância, à Ré, S., ficou vedada a possibilidade de interpor recurso da sentença, cfr. Artº 631º, nº1 a contrario do CP.Civil, ainda que pretendesse apenas aumentar a factualidade provada, por entender que os factos provados não transmitem na íntegra as circunstâncias do caso concreto.

- Isto é, apesar de ter alegado e demonstrado com prova documental junta à contestação, que a Autora Casa Agrícola do Curveiro, era relapsa no incumprimento no âmbito do contrato de arrendamento rural em causa neste autos,

- Não tendo o tribunal de 1ª instância tido necessidade de lançar mão de tais factos para concluir que não era exigível outro comportamento da Ré/Recorrente,

- A contextualização, que era sobremaneira importante ter sido feita, ficou por fazer pelo Tribunal de 1- instância em sede de factos provados, não podendo a Ré recorrer quanto a isso reclamando a inclusão de factos à matéria de facto provada, uma vez que foi totalmente vencedora.

- A Ré ficou impossibilitada de, na resposta às alegações de recurso de apelação apresentadas pela Autora, pugnar pelo aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos alegados e provados na contestação e não impugnados pela arrendatária:

•            No âmbito do contrato de arrendamento em causa nestes autos, a renda vencida em 15/2/2013, foi paga no dia 7/11/2013 acrescida da indemnização de 50%;

•            A renda vencida a 15/2/2014 foi paga no dia 13/8/2014, acrescida da indemnização de 50%.

- Sucede porém que esta impossibilidade, consequência do facto de ter sido vencedora, é lesiva dos direitos da Ré, porquanto não só não permite contextualizar e conhecer o modo de actuação da arrendatária que ao longo da ainda curta a vida do contrato tem sido, ano após ano, incumpridora dos seus deveres de arrendatária,

- Como dá azo a que o Tribunal da Relação conclua erradamente como concluiu no primeiro parágrafo da parte C-Aplicação do direito aos factos do Acórdão que " não havendo notícia nos autos, que, em 2014, tenha procedido de igual modo."

- Na contestação e na resposta às alegações de recurso de apelação da arrendatária, a Ré S. informou os autos que desde 2013 data do início do contrato de arrendamento a inquilina constitui-se mora, assumindo um comportamento "orgulhosamente" inadimplente,

- Devendo pois tais factos, alegados em duas sedes e não impugnados pela Autora, passar a constar da factualidade provada para assim poderem ser tidos em conta, numa situação em que como a actual a arrendatária se tenta fazer passar por "cordeiro",

- E porque também estes factos deverão ser ponderados na determinação de todas as circunstâncias do caso concreto.

- O que se verifica no caso sub iudice, é que em 2015, relativamente a um contrato cujo início se verificou em Fevereiro de 2013, não houve uma única renda anual que a arrendatária tenha pago na data do respectivo vencimento, não houve uma única vez que a arrendatária não se tenha constituído em mora:

•            Em 2013, a renda vencida em 15/2/2013 foi paga em 7/11/2013;

•            Em 2014, a renda vencida em 15/2/2014 foi paga em 13/8/2014;

•             Em 2015, a renda vencida em 15/2/2015, uma parte da renda foi paga em 14/4/2015 e a outra parte restante foi paga em 7/8/2015.

- Acresce que, em 2015, a renda que deveria ter sido paga até ao dia 15 de Fevereiro de 2015, data do vencimento da renda anual nos termos do contrato de arrendamento rural, só foi paga em 14 de Abril de 2015.

- Atento o disposto nos artº 804º, nºs 1 e 2, 805º, nº2 al. a) do C.Civil e no artº 13º, nºs 1 e 2 doNRAR,

- É inexpugnável que em 14/4/2015, data em que efectuou o pagamento de uma parte da renda a arrendatária estava mora e que assim permaneceu até 7/8/2015, data em que efectuou o pagamento da totalidade da renda.

- É manifesto que tendo pago a renda vencida em 15/2/2015 apenas no dia 14 de Abril de 2015 a arrendatária constituiu-se em mora, nos termos do artº 804º, nº 2, al. a) do Código Civil.

- Pelo que, nos termos do artº 13º, nº 1 do NRAR, à senhoria era lícito exigir além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50%, salvo se o contrato tivesse sido resolvido com base na falta de pagamento.

- No caso concreto dos autos, a Autora tinha até 15/Abril/2015 para fazer cessar o direito do senhorio à indemnização efectuando o pagamento da renda devida, sendo que quando a lei menciona o pagamento da renda, refere-se ao pagamento da totalidade da renda. E só este pagamento desonera a arrendatária considerando-se cumprida a obrigação da prestação a que aquela está obrigada, nos termos dos artºs 762º e 763º do C.Civil.

- O que se verificou foi que em 14/4/2015, a arrendatária efectuou um pagamento parcial da renda vencida em 15/2/2015,

-  Isto é, no que se refere à renda de 2015, a arrendatária constituída em mora desde o dia 16/2/2015, efectua em 14/4/205, um pagamento parcial da renda vencida há dois meses e fá-lo no dia anterior ao termo do prazo que a lei lhe confere para fazer cessar o direito do senhorio à indemnização,

- Pelo que não poderá deixar de se concluir que a Autora assumiu o risco de deixar o pagamento da renda anual para o penúltimo dia do prazo de que dispunha para fazer cessar a mora, não o tendo realizado na íntegra: sibi imputet.

- Sendo que para além do mais, como se demonstrou e provou, a mora da arrendatária no pagamento da renda não foi caso isolado,

- Pelo que as consequências da conduta reiteradamente incumpridora da arrendatária apenas a ela podem ser imputadas.

- O facto de a lei fazer cessar o direito à indemnização ou à resolução da senhoria se a arrendatária fizer cessar a mora no prazo de 60 dias a contar do seu início, não significa que a arrendatária não se constitua em mora quando efectua o pagamento total ou parcial após o dia 15/2, data do vencimento da obrigação na situação em apreço neste autos, cfr. art9 139 n9 2 do DL 294/2009 de 13/10, sendo que no caso concreto a totalidade da renda foi paga após o vencimento - uma parte em 14/4/2015 e a outra em 7/8/2015.

- Ao concluir que a arrendatária não incorreu em mora, o Tribunal da Relação de Évora, violou a lei substantiva designadamente os artºs 762º, nº 1, 763º, nº1, 804º, nº 2, 805º, nº 2, al. a) do C.Civil e o arte 13º, nºs 1 e 2 do NRAR.

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado.

II Põem-se como problemas de direito a dilucidar em sede de Revista, os de saber se há lugar à alteração da matéria de facto e se, na sequência da alteração, se pode manter a ordenada repetição do indevido.

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

A - Mediante escrito particular, intitulado “Contrato de Arrendamento Rural”, datado de 15 de fevereiro de 2013, a Herança de A, representada pelas herdeiras deste, declarou dar de arrendamento à Autora Casa Agrícola, Lda. 227,1250 ha do prédio rústico denominado “Herdade X”, para plantação e exploração de olival intensivo, até 28 de fevereiro de 2034, mediante o pagamento da renda anual de €575,00/ha, atualizável, a ser paga até 15 de fevereiro do ano a que corresponda;

B - Por escritura pública, datada de 8 de fevereiro de 2015, o prédio rústico denominado “Herdade X”, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 2426/19960423, foi adquirido pela Ré S, aquisição esta registada sob a apresentação nº 1047, com a mesma data;

C - Por carta datada de 12 de novembro de 2013, a herança de AF comunicou à Ré, a atualização da renda para o ano de 2014, no valor total de €131.890,00, sendo o valor líquido de €98.917,50;

D - Esse valor manteve-se para o ano de 2015;

E - A Autora Casa Agrícola d, Lda. entregou à Ré S.-Sociedade Imobiliária, Limitada, em 14 de abril de 2015, um cheque, com a mesma data, com o valor líquido de €97,947,66, correspondente ao valor em vigor no ano de 2013;

F - Com data de 14 de abril de 2015, a Ré declarou, por escrito, haver recibo, nessa data, “€97.947,66 - Noventa e sete mil, novecentos e quarenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos, para pagamento da renda relativa ao contrato de arrendamento rural respeitante a 227,1250 hectares do prédio denominado “Herdade X”;

G - Com data de 12 de maio de 2015, a Ré remeteu à Autora Casa Agrícola, Lda. uma carta, onde, além do mais, refere encontrar-se em dívida a quantia de €969,84, relativamente à renda vencida a 15 de fevereiro, reclamando o pagamento desta quantia, acrescida da indemnização correspondente a metade da renda, no valor de €65.945,00;

H - Por cheque datado de 7 de agosto de 2015, a Autora Casa Agrícola, Lda. pagou à Ré a quantia total de €67.827,55, sendo a diferença referente à contabilização dos juros vencidos.

L- Com a mesma data, a Ré emitiu o respetivo recibo.

1.Da alteração à matéria de facto.

Insurge-se a Ré quanto à decisão produzida em sede factual pelo Tribunal da Relação, uma vez que, tendo a acção sido julgada totalmente improcedente pelo tribunal primeiro grau, lhe ficou vedada a possibilidade de interpor recurso da sentença produzida ainda que pretendesse apenas aumentar a factualidade provada, por entender que os factos provados não transmitem na íntegra as circunstâncias do caso concreto, tendo ficado impossibilitada de, na resposta às alegações de recurso de apelação apresentadas pela Autora, pugnar pelo aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos alegados e provados na contestação e não impugnados pela arrendatária - no âmbito do contrato de arrendamento em causa nestes autos, a renda vencida em 15/2/2013, foi paga no dia 7/11/2013 acrescida da indemnização de 50%; a renda vencida a 15/2/2014 foi paga no dia 13/8/2014, acrescida da indemnização de 50% - mas como na contestação e na resposta às alegações de recurso de apelação da arrendatária, tais factos não foram contrariados pela Autora, deverão os mesmos passar a constar da factualidade provada para assim poderem ser tidos em conta e ponderados na determinação de todas as circunstâncias do caso concreto.

Vejamos.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do CPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), de 15 de

Novembro de 2012 e de 24 de Fevereiro de 2015, da ora Relatora, in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 782º, nº3 do CPCivil.

Decorre do disposto no artigo 607º do CPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.

Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

In casu, a Ré/Recorrente não imputa ao Acórdão qualquer erro de direito na fixação dos factos dados como assentes, antes se insurge contra uma omissão factual, ocorrida nas instâncias, no que se refere à materialidade por si versada nos artigos 15º, 16º e 19º da contestação, repristinada no artigo 7º, alíneas a) e f) das suas contra alegações, a qual se pretende ter como assente, porque no dizer da mesma se mostra confessada, porque não impugnada pela Autora.

Prima facie, há que assinalar, que em sede de processo comum, apenas há lugar a réplica, de harmonia com o disposto no artigo 584º, nº1 do CPCivil, no caso de ter sido deduzido pedido reconvencional, o que não aconteceu no caso em apreço, pelo que a invocada «confissão» por ausência de impugnação se mostra impossível.

Secundum, a circunstância de tal factualidade ter sido reiterada nas contra alegações da Ré aquando do recurso de Apelação interposto e de a ela não ter havido resposta, também não equivaleu a qualquer confissão operante, porquanto às contra alegações de recurso não se segue, em termos de rito processual, nenhum outro meio de resposta, de acordo com o disposto no artigo 638º, nº5 do CPCivil, apenas se podendo seguir uma eventual resposta, caso o Recorrido amplie o objecto do recurso, nos termos do nº8, daquele mesmo ínsito, o que podendo ter acontecido, não ocorreu no caso sub judice, pois a Ré não requereu na Apelação interposta pela Autora o apontado alargamento do conhecimento do objecto da impugnação, onde poderia ter suscitado, vg, a ampliação da matéria de facto.

A circunstância de a Ré ter tido ganho de causa em primeiro grau, embora a tivesse impedido de interpor recurso, nos termos do artigo 631º, nº1 do CPCivil, não obstaria a que exercitasse a possibilidade que lhe é conferida pelo artigo 636º, nº2 do CPCivil, isto é de poder ainda enquanto Recorrida «[n]a respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão sobre pontos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.».

Nestas precisas circunstâncias literais, não pode, pois, este Supremo Tribunal de Justiça, exercer qualquer fiscalização sobre aqueles factos, porquanto não se vislumbra que tenha havido a violação do dispositivo legal a que alude o artigo674º, nº3 do CPCivil, maxime, que o segundo grau tenha preterido alguma disposição expressa da Lei que impusesse um determinado meio de prova, taxado portanto, para algum dos factos dados como assentes, asserção esta, que nem sequer foi aduzida em sede de alegatório recursivo pela Ré, a qual se limitou à necessidade de se dar como assente aqueloutra factualidade.

Tudo o que se acabou de expor nos conduz à conclusão da total improcedência do tema recursivo, porquanto, atenta a argumentação aventada pela Ré, transcende a mesma os poderes deste Supremo Tribunal de Justiça que lhe são conferidos neste particular pelo artigo 674º, nº3 do CPCivil, levando-nos  à conclusão apontada no segmento normativo a que alude o artigo 682º, nº2 do mesmo diploma «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, (…)».

2.Da decisão de direito: a repetição do indevido.

A vexata quaestio que aqui se coloca é a de saber se a exigência pela Ré, aqui Recorrente, à Autora/Recorrida do correspondente a 50% da renda devida, pelo pagamento em atraso do montante da mesma, constituiu um abuso de direito.

Estamos face a um contrato de arrendamento de prédio rústico para exploração agrícola, o qual se denomina arrendamento rural nos termos do artigo 2º do DL 294/2009, de 13 de Outubro (novo regime do arrendamento rural).

De harmonia com o preceituado no artigo 11º, nº1, daquele mesmo diploma, a renda é anual, sendo satisfeita até ao último dia do ano a que respeita, salvo disposição em contrário, nº4 do mesmo artigo, sendo que, como resulta da alínea A) da factualidade assente, as partes acordaram que a renda seria satisfeita até ao dia 15 de Fevereiro do ano a que respeitasse.

No ano de 2015, a Autora procedeu ao pagamento da renda correspondente a esse ano, através de cheque datado de 14 de Abril, no montante de € 97.947,66.

Insurge-se a Ré contra a decisão ínsita no Aresto impugnado, uma vez que na sua tese é manifesto que tendo pago a renda vencida em 15 de Fevereiro de 2015 apenas naquela data a arrendatária constituiu-se em mora, nos termos do artigo 804º, nº 2, alínea a) do CCivil, pelo que, nos termos do artigo 13º, nº 1 do nrar, à senhoria era lícito exigir além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% e por isso, assiste-lhe o direito de conservar a quantia total de €67.827,55, que lhe foi satisfeita  pela Autora por cheque datado de 7 de agosto de 2015, correspondente à diferença de €969,84, relativamente à renda vencida a 15 de Fevereiro, acrescida da indemnização correspondente a metade da renda, no valor de €65.945,00 (e juros vencidos contabilizados), quantias essas que lhe foram solicitadas por aquela, através de carta de 12 de maio de 2015, quando constatou que o montante da renda anual satisfeito não correspondia ao montante devido no valor de €98.917,50, conforme resulta das alíneas C) a G) da matéria assente.

Quid inde?

Dispõe o artigo 13º do nrar:

«

1 - Constituindo-se o arrendatário em mora, o senhorio tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50 % do que seja devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.

2 - Cessa o direito à indemnização, ou à resolução do contrato, se o arrendatário fizer cessar a mora no prazo de 60 dias a contar do seu início.

(…)

6 - O arrendatário pode pôr fim à mora oferecendo ao senhorio o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1.

(…)».

Entendeu-se, menos bem, que a Autora havia oferecido o pagamento da renda – embora de montante incorrecto – para além dos 60 dias aludidos no nº2 do artigo 13º do nrau.

Mas assim não foi.

Efectivamente a Autora ao efectuar o pagamento da renda respeitante a 2015 através de cheque datado de 14 de Abril de 2015, fê-lo no 58º dia após o termo do prazo contratual, fixado em 15 de Fevereiro, dado que o mês de Fevereiro de 2015 teve 28 dias, sobraram 13 dias deste mês, aos quais se somam 31 do mês de Março e 14 dias do mês de Abril.

O problema não está no prazo, porque a Autora estaria em tempo de fazer cessar a mora, o problema está antes no montante satisfeito o qual não correspondia ao montante devido, estando em falta a quantia de €969,84, pelo que a renda continuava em falta.

Ora, como deflui do nº6 do normativo supra extractado, a Autora só podia fazer cessar a mora com o pagamento do montante em falta acrescido de 50% do valor da renda, o que aquela veio a fazer em Maio do mesmo ano.

Entendeu no entanto o segundo grau:

«[A] recorrente/arrendatária Casa Agrícola do Curveiro, Lda. pagou a renda respeitante a 2015, sem ter em consideração a atualização comunicada em 12 de novembro de 2013, não havendo notícia, nos autos, que, em 2014, tenha procedido de igual modo. Ou seja: em vez de pagar €98.917,50, pagou €97.947,66 - menos €969,84.

Por ser turno, a recorrida/senhoria S, Limitada passou recibo da dita quantia, declarando que a recebeu “para pagamento da renda relativa ao contrato de arrendamento rural respeitante a 227,1250 hectares do prédio denominado “Herdade X”.

Cerca de um mês depois, dando-se conta que se encontrava em dívida a quantia de €969,84, relativamente à renda de 2015, veio a dita senhoria reclamar o pagamento da mencionada importância, que foi paga, com juros, não reclamados, por sinal.

Em causa, pois um mero lapso, resolvido, nesta parte, “com a lealdade, a correção, a diligência e a lisura exigíveis”. Procederam, assim, as partes de boa fé.

Acontece, porém, que a recorrida/senhoria S, Limitada - fazendo já tábua rasa da boa-fé - reclamou, também, o pagamento de uma indemnização correspondente a metade da renda, no valor de €65.945,00, a titulo de mora, que, também, veio a ser paga.

Dada as citadas circunstâncias do caso, nomeadamente, o montante da quantia em falta - cerca de 1% da renda - não incorreu a recorrente/arrendatária Casa a Agrícola, Lda., no critério desta Relação, em mora, tudo se passando como um mero erro/lapso de processamento da renda.

Mesmo que assim não se entenda, caberia acionar a “válvula de segurança” do abuso de direito, despojando-se do crédito dos €65.945,00 a citada a senhoria, sob pena de se cometer uma grave injustiça, que o sentimento jurídico dominante não aceitaria, uma vez que objetivo da recorrida/senhoria S, Limitada, ao reclamar a dita indemnização foi, apenas, o de “causar danos na esfera alheia”.

Inexiste, pois, tal crédito.».

Não se compreende, ou mal se compreende, como é que se chega à conclusão de que o crédito inexiste.

Efectivamente, resulta do disposto no artigo  no artigo 762º, nº1 do CCivil que «O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.», acrescentando o artigo 763º, nº1 que «A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.», o que nos leva a concluir que aquele pagamento parcial da renda devida, não equivaleu a um cumprimento, mantendo-se assim a renda em falta e a Autora em mora, mesmo que tivesse havido um lapso.

De outra banda, veja-se que a Ré acusou a falta da importância em dívida e solicitou o pagamento da mesma crescida da indemnização, um mês depois de ter recebido o cheque emitido pela Autora, o que esta se aprontou desde logo a satisfazer, podendo ter efectuado o depósito da mesma nos termos do artigo 14º, nº1 do nrau :«O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo.», comunicando ao senhorio por escrito  o depósito, bem como as razões que o levaram a assim proceder, mas não o fez, tendo antes dado cumprimento célere, vindo dois anos depois com a presente acção a solicitar a devolução do indevido, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa.

Dispõe o normativo inserto no artigo 473º, nº1 do CCivil que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.», acrescenta o artigo 474º que «Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.».

Na espécie, o que está em causa é a aplicabilidade do artigo 13º do nrau, o qual afasta, a se, a possibilidade de se recorrer àquele instituto do enriquecimento sem causa, que aqui se não tem cabimento, atenta a sua natureza subsidiária, pois este instituto, como fonte de obrigação, supõe a verificação cumulativa de três requisitos: que alguém obtenha um enriquecimento; que o obtenha à custa de outrem; e que o enriquecimento não tenha causa justificativa, cfr Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4ª edição, 136.

In casu, como se vê, não se encontra verificado o terceiro requisito, porquanto segundo os princípios legais, o «enriquecimento» da Ré, aqui Recorrente, tinha razão de ser segundo os princípios legais constantes no nrau, pois a Autora Recorrida para fazer cessar a mora em que incorreu com o pagamento incompleto da renda anual devida, deveria satisfazer a quantia em falta acrescida de 50% da totalidade da renda deficientemente prestada, cfr neste sentido em sede de arrendamento urbano, inter alia os Ac STJ de 19 de Setembro de 20016 (Relator Sebastião Póvoas) e 13 de maio de 2003 (Relator Moreira Camilo), in www.

 Quer dizer, não estamos perante um resultado ajurídico, no sentido de substancialmente ilegítimo ou injusto que pudesse ter baseado o petitório com fundamento no aludido instituto, mas apenas, eventualmente, perante um resultado formalmente antijurídico, que não é susceptível de consubstanciar a aludida fattispecie, cfr Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento, 222, ; Ac STJ de 26 de Maio de 2015 (Relator João Camilo), in www.dgsi.pt.

Por último no que toca ao abuso de direito por banda da Ré, na exigência à Autora das quantias por esta prontamente satisfeitas, vejamos se se verifica esta situação de «válvula de escape» desenhada no Aresto impugnado.

O artigo 334º do CCivil prescreve que «É ilegimimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».

Significa a boa fé, que as partes devem ter um comportamento correcto e leal, não defraudando a expectativa legítima que os outros depositam na sua actuação, cfr Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso De Direito, 55; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 4ª edição, 298/300.

O apontado instituto pode-nos surgir com a forma de vários comportamentos típicos abusivos, tais como: o venire; inegabilidade; supressio; tuquoque; e o desiquilibrio, cfr Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, in Estudos em em Honra do Prof. Doutor António Castanheira Neves .

Segundo a aludida classificação doutrinária o venire contra factum proprium, postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo, sendo a primeira - o factum proprium - contraditada pela segunda — o venire ; a inegabilidade, traduzida pela a situação da pessoa que, por exigências do sistema, não se possa prevalecer da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma; a supressio, abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé; o tuquoque, exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: i) ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente ii) ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio iii) ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada; e o desequilíbrio no exercício das posições jurídicas constitui um tipo extenso e residual de actuações contrárias à boa fé, comportando diversos subtipos, entre os quais: i) o exercício danoso inútil ii) dolo agit qui petit quod statim redditurus est iii)  desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem, Menezes Cordeiro, ibidem.

Tendo em atenção as apontadas situações típicas de abuso e a fundamentação colhida no Acórdão recorrido, aí se subsumiu a actuação da Ré ao enviar a carta à Autora a solicitar-lhe o remanescente do pagamento da renda anual em falta, acrescida da indemnização de 50% correspondente à renda, que afinal das contas não havia sido paga pontualmente e na totalidade, de harmonia com o disposto no artigo 13º, nº1 do nrau, teria agido com o propósito de sic “causar danos na esfera alheia”, mas não se analisou, como se deveria ter analisado, que a Autora deu de imediato cumprimento ao que lhe foi solicitado, fazendo acrescer os juros que nem sequer lhe tinham sido pedidos e só dois anos depois, a 17 de Abril de 2017 vem instaurar a presente acção.

Embora se conceda que o montante correspondente a 50% da renda é elevado, porque elevada é a renda anual e porque paga anualmente, o encargo é maior e mais pesado, não se pode ignorar que a Autora, Recorrida, enquanto arrendatária, bem sabia qual era o montante daquela prestação a qual já vigorava desde o ano anterior, alíneas C) e D) da matéria assente, e efectuou o pagamento do que se encontrava em falta, sem manifestar qualquer contrariedade, ou invocar qualquer lapso no sucedido, ou mesmo, reclamar de qualquer actuação menos correcta, leal ou ilegítima da Ré, aqui Recorrente, a qual se não antolha e por isso não há lugar à devolução da quantia recebida.

As conclusões, procedem, pois, na totalidade.

III Destarte, dá-se provimento à Revista, revogando-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido e repristinando-se a decisão de primeiro grau, embora com uma fundamentação algo diversa.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 4 de Julho de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho