Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4022/06.0TCLRS.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
PARTILHA
RESPONSABILIDADE
SÓCIO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDAS AS NULIDADES INVOCADAS E CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES – LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE / ACÇÕES PENDENTES / PASSIVO SUPERVENIENTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA / CAUSAS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Carolinha Cunha, Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação, III Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Outubro, 2014, p. 173 e 174 ; Código das Sociedades Comerciais em Comentário, n.º 2, p. 668;
- Raul Ventura, Dissolução e liquidação de sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2ª reimpressão da 1.ª edição de 1987, Almedina, 1999, p. 480.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 162.º E 163.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 277.º, ALÍNEA E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-03-2013, PROCESSO N.º 7414/09.9TBVNG.P2.S1;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2.
Sumário :

1. Sendo extinta uma sociedade no decurso de acção judicial contra ela interposta, esta poderá prosseguir contra os antigos sócios, desde que estes tenham recebido bens na partilha, ficando a responsabilidade desses sócios pelo passivo social limitada pelo montante que receberam na partilha;
2. Não tendo ficado provado que qualquer dos sócios da R. tenha recebido em partilha algum bem da sociedade, não existe fundamento à luz dos arts. 162º e 163º nº1 do C.S.C. para que a acção prossiga contra esses sócios liquidatários;
3. Na situação indicada deve julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.), já que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais está limitada ao valor do património social de que beneficiaram (indevidamente), quando o mesmo devia ter sido destinado a solver dívidas da sociedade;
4. É correcta a decisão recorrida: “Se há alguma situação que possa pôr em causa a conclusão indicada [em 3.] tal deve ser apurado noutra acção ou deveria antes ter sido introduzida nestes autos através de diferente instituto, mas não através do incidente de chamamento de terceiros, cuja apreciação queda prejudicada pelas razões acima expostas” está correcta;
5. A responsabilidade dos gerentes a que a recorrente alude não se insere no âmbito dos presentes autos, em face do pedido e causa de pedir (a presente acção não é, tal como foi configurada pela autora, uma acção de responsabilidade civil contra os gerentes nem contra liquidatários por actos praticados contra os interesses dos credores sociais)

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Administração Conjunta AA instaurou acção declarativa contra BB, Lda. pedindo a condenação da ré a pagar a diferença entre o valor pago pela A. à Ré - na sequência do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de infra-estruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais, a realizar no casal do [...] - celebrado entre Autora e Ré -, o valor dos trabalhos executados, o valor dos defeitos detectados na empreitada e ainda o valor pago pela reparação dos defeitos da rede de esgotos, na quantia total, incluindo juros vencidos, de €232.374,99, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou e reconveio, pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora a pagar à ré a quantia de € 147.300,00 acrescida de juros à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento.

A autora apresentou réplica em que pugna pela improcedência da excepção de prescrição invocada pela ré e procedente idêntica excepção invocada pela autora e, em qualquer caso, improcedente a reconvenção.

Realizada audiência preliminar, a instância foi suspensa por acordo das partes, tendo em vista a realização de perícia extrajudicial.

Finda a suspensão da instância, sem realização daquela perícia, foi retomada a audiência preliminar na qual, a requerimento da autora, se determinou a suspensão da instância tendo em vista a realização da perícia configurada como motivo justificativo.

Em 24 de Junho 2010, as partes requereram a junção aos autos do Relatório Conjunto de Perícia de fls. 256-306, comprometendo-se a, oportunamente, se for o caso, vir apresentar um eventual acordo, isto sem prejuízo do prosseguimento dos autos.

A fls. 310 a autora esclareceu que pretendia proceder à junção do referido relatório como prova documental, uma vez que a perícia foi realizada extrajudicialmente.

Em 23 de Junho de 2014, no mesmo requerimento em que a autora requeria o andamento do processo, dava conta que teve conhecimento de que a ré se encontrava em fase de “Dissolução e Encerramento da Liquidação’’.

A fls. 383 o tribunal mandou juntar ao processo cópia da matrícula da ré, disponível nas bases de dados, o que foi feito.

Em consequência, apresentou a Autora requerimento no dia 13 de Janeiro de 2015, requerendo a substituição processual da Sociedade Ré pelos seus sócios liquidatários, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 162.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

O tribunal ordenou então a notificação da autora para, ainda nos termos do artigo 162.º 163.º do CSC alegar "que a R. tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito".

A autora veio, em resposta, requerer a Intervenção Principal da Sociedade Original CC, Lda.", bem como dos sócios gerentes liquidatários DD, EE, FF, GG, como Réus, segundo o disposto nos artigos 30.°, 1, parte final, 316.° e seguintes do C.P.C., admitindo ainda a intervenção dos sócios liquidatários atendendo a que a Ré "BB" tinha bens e os mesmos foram partilhados àqueles; e, caso assim não se entendesse, que fossem aqueles sócios demandados na acção nos termos dos artigos 158.° n.º 1 do C.S.C., 78.° do C.S.C, ou, no limite, artigo 1020.° do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 2.° do C.S.C ..

Após tal requerimento veio a ser proferido despacho que, rejeitando a substituição da Ré pelos sócios liquidatários, determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.°, alínea e) do C.P.C).

Inconformada, a autora interpôs recurso para este segundo grau, tendo sido proferido, em 7.4.2016, Acórdão que anulou a decisão recorrida e ordenou que fosse proferida decisão em que se explicitasse com suficiência e clareza a matéria de facto que viesse a fundamentar a nova decisão.

Os autos baixaram ao primeiro grau e aí, em 10.10.2016, a autora requereu ao tribunal:

a) Se digne admitir a intervenção dos sócios liquidatários atendendo a que a ré “BB’’ tinha bens e os mesmos foram partilhados àqueles; e, caso assim não entenda,

b) Sempre sejam aqueles sócios demandados em acção nos termos dos artigos 158.º, n.º1, CSC, 78.º CSC, ou, no limite, artigo 1020.º CC, aplicável ex vi do artigo 2.º CSC,

c) Se digne admitir a intervenção da sociedade CC, Lda., bem como os sócios gerentes liquidatários DD, EE, FF, GG, como réus, segundo o disposto nos art.s 30.º, n.º 1, parte final , 316 e seguintes do CPC.

Em 23.05.2018, foi proferida decisão que não admitiu o chamamento por extemporâneo e julgou de novo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ex art. 277.º, e), CPC.

Inconformada interpôs a autora competente recurso de apelação. Em 17.01.2019 o TRL julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão impugnada.

Novamente inconformada a A. apresentou recurso de revista excepcional, distribuído à formação a que alude o art.º 672.º.

Esta formação veio a indicar, por acórdão, que atendendo à data da propositura da acção, não era aplicável ao recurso o regime do obstáculo dupla conforme, mandando os autos para serem redistribuídos.

2. Nas conclusões da revista diz-se (transcrição):
1. O n.º 3 do art. 721º do Código de Processo Civil consagra a dupla conforme, sendo que é admitido excepcionalmente Recurso de Revista nos termos do artigo 672.º n.º 1, verificadas que esteja alguma das suas alíneas.
2. Assim, nos termos das suas alíneas a) e b), para que seja admitida a Revista Excepcional, exige-se que a questão possa entrar em colisão com valores sócio-culturais e possa suscitar alarme social em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou as normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista pelo facto de os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.
3. Decidindo da forma que fez, não logrou o Tribunal da Relação de Lisboa apreciar as nulidades arguidas no âmbito do recurso interposto pela Recorrente e, bem assim, a admissão da intervenção da sociedade “CC, Lda”ou ainda a intervenção  dos   sócios   como   responsáveis   pessoais,  determinando-se,  a    final   o prosseguimento dos autos, que sempre seria o que resultaria de uma boa aplicação do direito
4. Os interesses comunitários aqui em causa não são “apenas” aqueles que são inerentes à Recorrente enquanto representante de um grupo comunitário, porquanto importa aferir do impacto na comunidade em geral atento o reflexo de decisões que resultem de uma parca ponderação de valores e que, naturalmente, implica a degradação de tais interesses, quando não são atendidos os seus direitos.
5. Não podemos perder de vista que nos presentes autos a Recorrente representa uma associação de moradores de um bairro de génese ilegal, cujo propósito reside na promoção de urbanização de lotes rústicos em avos indivisos a lotes urbanizados para construção, no interesse e mais valias para os respectivos proprietários com adiantamento das comparticipações de cada lote, para fazer face às despesas, os quais são, na sua maioria reformados e pessoas com baixos recursos económicos.
6. Aliás, sempre se dirá que no âmbito de um outro processo, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de ..., sob o n.º de Processo 2835/14.8TCLRS, no qual a ora Recorrente ali Autora também teve de recorrer a este douto Tribunal, foi proferido Acórdão da Formação, que admitiu a Revista Excepcional por se ter considerado estarem em causa interesses de particular relevância.
7. O que se pode comprovar pela matéria sobre a qual versam os presentes autos: um pedido de condenação da Recorrida BB, Lda., no pagamento da diferença do valor pago pela ora Recorrente à Ré – na sequência do incumprimento parcial e do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de infraestruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais, realizado no casal do [..], celebrado entre as partes.
8. Sucede que, em Junho de 2014, no decorrer do processo, teve a Recorrente conhecimento de que a Recorrida se encontrava em fase de Dissolução e Encerramento da Liquidação, contudo, sem existir qualquer publicidade da insolvência da Recorrida
9. E não pode deixar de se referir, nem pode passar despercebido que a Recorrida e os seus sócios bem sabiam que existia para com a Recorrente uma dívida que, embora não reconhecida judicialmente, era objecto destes autos, e assim, praticando o crime de falsas declarações, pois que fizeram constar da acta n.º 20 - a qual   foi   oportunamente   junta   aos   autos que   “em   virtude   da   mesma   não ter qualquer activo ou assivo, considera-se assim liquidada por unanimidade”, registaram imediatamente o encerramento da liquidação e cancelaram a matrícula da sociedade!
10. O certo é que, em momento imediatamente posterior -, 15 dias - foi criada a CC, na qual constava como Sócio Gerente, o Sr. GG, também Gerente da Recorrida entretanto extinta.
11. Ora, como é por demais evidente, a consequente criação da sobredida Sociedade não passou de uma manobra de desresponsabilização da Sociedade Recorrida, uma vez que um dos sócios Gerentes da Recorrida, o Sr. DD, comunicou, num processo crime no qual a aqui Recorrente era Assistente e aquele Arguido, que “em consequência das dificuldades de sucesso económico da empresa BB, que geria com dois dos filhos mais velhos do primeiro casamento, esta empresa foi dissolvida. Em contrapartida, um daqueles filhos criou uma outra empresa de construção civil e serviços – CC -, empresa que absorveu a carteira de clientes da anterior empresa e onde o arguido passou a colaborar”.
12. E não é demais referir que, estamos a falar de um processo crime que se iniciou no ano de 2002 sob o n.º 1228/02.4TALRS e que correu na Secção Criminal - J2 na Comarca de Lisboa Norte da Instância Central de Loures onde, por Sentença datada de 24/04/2009, foi o referido gerente da Recorrida -, DD - condenado pela prática em autoria material e concurso efectivo de 1 (um) crime de falsificação de documento, 1 (um) crime de burla qualificada, tendo sido este condenado na pena de 4 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob condição de, no prazo de, no prazo de 3 (três) meses devolver à ora Recorrente, ali Assistente, lotes de terreno dos quais ilegitimamente se apropriou (através da prática do crime por que foi condenado).
13. A verdade é que a Recorrente tem combatido judicialmente, nos estritos termos da lei, para que seja ressarcida, não só, por via do crédito que detém sobre a Recorrida, mas ainda para acautelar os seus direitos enquanto Comissão representativa dos moradores da AA.
14. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir como decidiu, desvalorizou os interesses dos proprietários moradores daquele bairro, que não só se sentem profundamente lesados e enganados, como desacreditados na via judicial para garantir a liquidação do valor que foi pago em excesso e o ressarcimento pelos trabalhos defeituosos!
15. Sempre se dirá que o resultado da empreitada sempre beneficiaria, em primeira linha, os moradores daquele bairro pois que se tratavam de obras concernentes aos arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais!!
16. Por todo o exposto, só pode concluir-se pelo incumprimento e cumprimento defeituoso que revela que o juízo de prognose efectuado pelo T.R.L. na sentença estava infirmado e que a decisão de improcedência da presente acção por inutilidade superveniente da lide terá consequências devastadoras para toda a comunidade de moradores que se sente desacreditada pelas sucessivas decisões judicias que parecem acompanhar os actos de incumprimento, culposos e ilegais que norteiam o comportamento do Sr. DD, Gerente da Recorrida!
17. Num estado de Direito como aquele em que vivemos e sobretudo numa altura em que a confiança nos meios judiciais deve ser reforçada, não poderão V. Exas., salvo o devido respeito que é muito, compactuar com tais condutas e deixar na impunidade quem tudo fez para prejudicar seriamente os seus concidadãos!
18. O que pretende a Recorrente com este Recurso é acautelar a sua pretensão, impugnando todos os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito, até porque a não ser assim estaria aberto o “Ovo de Colombo” para todos os devedores poderem dissipar dolosamente o seu património, escudando-se de garantir o crédito e satisfazê-lo quando assim fosse determinado, o que reveste particular relevância social, atenta a indispensabilidade do credor ver salvaguardado o pagamento do seu crédito, podendo praticar medidas conservatórias que impeçam a dissipação desses bens.
19. Não pode a Recorrente concordar com a solução jurídica alcançada no sentido de não proceder a requerida Intervenção Principal Provocada dos sujeitos ali elencados, face à extinção ilegal da Recorrida, reconhecendo, por outro lado, a possibilidade de se indagar do recebimento em partilha pelos sócios de algum bem no âmbito de uma nova acção.
20. Razão pela qual o presente Recurso cinge-se a estes pontos, na concreta medida de Recurso da matéria de Direito na decisão de mérito assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que merece censura pelo raciocínio adoptado em violação da lei substantiva, ao determinar a extinção da instância, decidindo do mérito da causa por entender que a extinção da Recorrida, nos termos em que ocorreu -, encerramento da liquidação – implica a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide – o que, no entender da Recorrente, é incompreensível face a toda a conjuntura envolvente.
21. Neste sentido, entende a Recorrente que os sócios sempre serão responsáveis porquanto indicaram falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, com culpa e, também, por não terem procedido à partilha de activo que efectivamente a sociedade tinha!
22. E, tendo esta acção de condenação por base uma relação entre as partes com reflexos patrimoniais graves (um direito de crédito de € 232.374,99 -, valor a que acrescem juros - não esquecendo que se trata de um valor devido a uma Associação de pessoas com elevada carência económica), entende a Recorrente que não foi tomada em linha de consideração o esquema fraudulento que esteve na base da extinção da Recorrida, do qual ainda resultou o soçobro da pretensão da Recorrente.
23. Com a decisão proferida, o Tribunal da Relação de Lisboa atingiu uma solução injusta em si mesma e violadora das normas respeitantes à ratio da extinção de uma sociedade durante a pendência de uma acção judicial, que visa exactamente a satisfação ou acautelamento dos direitos dos seus credores, frustrando as suas expectativas legítimas, ainda para mais, de um credor que representa uma colectividade, centenas de pessoas, com carências e dificuldades económicas que, com as decisões que têm sido proferidas nestes autos perderam a fé na justiça…
24. Assim, apresentam-se as alegações infra, as quais sindicam o processo lógico-dedutivo seguido pelo Tribunal que merece uma correcção apta a garantir uma melhor aplicação do direito – que não foi, até agora, alcançada, mas sim contornada pelo T.R.L.
25. Conforme foi alegado na petição inicial, a presente acção surge no seguimento do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de infraestruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais, realizadas pela Recorrida no Bairro, cuja representação cabe à Recorrente.
26. Esta acção, cujas peças se reduzem à Petição Inicial, Contestação, Réplica, e alguns Requerimentos, culminou na sentença datada de 22-05-2018 que entendeu, sumariamente, que o incidente de intervenção principal provocada era extemporâneo -, não o admitindo - decidindo do mérito da causa por não ter ficado provado que qualquer dos sócios da Recorrida tenha recebido em partilha algum bem da sociedade, não existindo, assim, fundamento para que a acção prossiga contra esses sócios liquidatários.
27. Sucede que, pese embora tenha o Tribunal da Relação de Lisboa decidido, a final, da mesma forma, a verdade é que a fundamentação diverge. Desde logo, porquanto entendeu que o incidente de chamamento de terceiros não é o meio idóneo a satisfazer a pretensão da Recorrente, não se pronunciado sequer pela alegada extemporaneidade. Por seu turno, entendeu ainda que estamos perante um caso em que a extinção da sociedade se deu com o registo do encerramento da liquidação, o qual, contrariamente às situações previstas no artigo 162.º do CSC, implica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
28. Ora, não pode a Recorrente concordar com a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, fixando-se desde já o objecto do presente recurso à matéria de Direito.
29. Desde logo, não se compreende como pode o Tribunal da 1.ª Instância considerar extemporâneo o incidente de Intervenção Principal Provocada apresentado pela Recorrente, e ainda como pode, por seu turno, o Tribunal da Relação de Lisboa considerar   que   esse   mesmo   incidente,   embora   não   se   pronunciando   sobre   qualquer exemporaneidade não consubstancia o meio adequado à pretensão da Recorrente pois que o mesmo deveria ter sido introduzido através de diferente instituto.
30. Face a esta conjuntura, questiona-se a Recorrente, salvo o devido respeito, que instituto é este a que alude o Tribunal da Relação de Lisboa?
31. Ora, como teve e Recorrente oportunidade de explicar, no âmbito do Recurso que subjaz ao presente, teve o Tribunal de 1.ª Instância, desde a data da apresentação em juízo do incidente -, pasme-se, a 5 de Fevereiros de 2015 -, oportunidade para se pronunciar relativamente a esta questão. Sendo que, não se pronunciou minimamente sobre a sua admissibilidade desconsiderando-o por completo. O que só fez, no âmbito da sentença de que ora se recorre -, veja-se, mais de três anos volvidos...!
32. E ainda mais grave, salvo o devido respeito, é o facto de o Tribunal da Relação de Lisboa não ter tido sequer em consideração esta circunstância!
33. Descendo ao detalhe, e face ao exposto, está bom de ver que, não só o facto, mas o próprio conhecimento da Recorrente relativamente à dissolução da Recorrida e bem, assim, à criação da “nova” sociedade, são supervenientes relativamente à propositura da acção e, consequentemente, aos articulados apresentados pela Recorrente que ocorreu em 2006 -, conforme se disse, a dissolução ocorreu em 15-01-2014 e a criação da nova sociedade em 30-01-2014. Por esse motivo, não faria sentido objectar à apresentação de um incidente que apenas tem por fundamento a existência e verificação desse mesmo facto superveniente, sendo que é a própria lei processual civil que prevê a possibilidade de as partes puderem reagir a esses diferentes factos, já após a fase de articulados.
34. Ademais, é entendimento maioritário da jurisprudência, no sentido de admissão deste tipo de intervenções até em audiência de julgamento. Assim, ainda que tal informação não tenha sido trazida ao processo enquanto defesa processual, sempre se deverá considerar o conhecimento de tal facto como suficiente e bastante para justificar tal incidente.
35. Ora, também os Gerentes da sociedade Recorrida serão responsáveis na qualidade de sócios liquidatários, por na acta na qual foi deliberada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, terem intervindo, e por conseguinte, assumido tal posição (como de resto resulta da disposição ínsita no artigo 151.º n.º 1 do C.S.C) e, por isso, responsáveis para com os credores nos termos e para os efeitos do artigo 158.º do C.S.C.
36. Por seu turno sempre se dirá que não pode a Recorrente concordar com o que ficou escrito pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que à eventual propositura de uma nova acção concerne e ainda a desadequação do instituto da intervenção principal provocada, desde logo porquanto entende que Recorrente que a propositura de uma nova acção para apreciação essencialmente dos mesmos factos, viola a ratio do princípio da celeridade e da economia processual, prevalecendo, dessa forma, a decisão de forma sobre a decisão de fundo, ao arrepio do que deve ser o escopo essencial das normas adjectivas!!
37. Mas mais: regressando à intervenção principal provocada propriamente dita, cumpre referir que, em manifesta contrariedade ao preceituado no artigo 608.º n.º 2 do C.P.C., quer na sentença proferida pela primeira Instância, quer no Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em momento algum se fez referência àquilo que a Recorrente entende consubstanciar o cerne de toda esta contenda: o circunstancialismo que envolveu a extinção da Recorrida!
38. Para mais, constatou a Recorrente, que na Acta que determina o encerramento e liquidação da empresa, datada de 14 de Janeiro de 2014, junta aos auto, os sócios prestaram falsas declarações, negando a existência de activo ou passivo da Sociedade quando bem sabiam que o objecto da presente acção passava exactamente pelo reconhecimento de um crédito, já desde 5 de Junho de 2006.
39. Esta conduta é uma clara demonstração de que a Recorrida não pretende (nem nunca pretendeu) assumir qualquer encargo pelo incumprimento das obrigações a que se encontra adstrita e que foram suscitadas nestes autos!
40. Por outro lado, e mais uma vez, tanto o Tribunal da 1.ª Instância como o Tribunal da Relação de Lisboa, recorrido também deixou de se pronunciar quanto à intervenção dos sócios a título pessoal, conforme decorre do artigo 158.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais – na sequência do que foi pedido expressamente pela Recorrente no Incidente a que vimos fazendo referência.
41. Decorre do supra referido comando normativo que sempre que os sócios falsamente declararem que todos os créditos estão plenamente acautelados – não o estando – serão aqueles pessoalmente responsáveis pelos créditos que existam e que ainda não foram satisfeitos.
42. Assim sucedeu, in casu, uma vez que os sócios liquidatários promoveram o encerramento e liquidação da sociedade primitivamente Recorrida, fazendo constar falsamente da correspondente Acta (já junta aos autos como Doc. 1) que “em virtude da mesma não ter qualquer activo ou passivo, considera-se assim liquidada por unanimidade”, tendo de seguida registado imediatamente o encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula da Sociedade.
43. Pelo que não poderia a Recorrida ter registado a dissolução e encerramento da liquidação daquela Sociedade no dia 15 de Outubro de 2014, quando nessa data corriam já os presentes autos há 8 (oito) anos.
44. De facto, entende a Recorrente que, face aos motivos que supra se elencaram, o sobredito incidente não é extemporâneo. Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe sem conceder, sempre se dirá que a sua hipotética rejeição não poderia obstar à apreciação do seu conteúdo até porque, o circunstancialismo envolvente à extinção da Recorrida constava não só da peça de Intervenção Principal Provocada mas ainda em outras peças apresentadas pela Recorrente: a saber, os Requerimentos apresentados nas datas de 23.06.2014, de 13.01.2015, o Recurso interposto para a mesma Secção do Tribunal da Relação de Lisboa na data de 06.05.2015 e ainda -, pasme-se – no âmbito do Recurso que subjaz ao presente!
45. Face ao exposto, apenas se pode considerar estar em causa uma nulidade por omissão de pronúncia no que a estas duas questões concerne, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 alínea d), conjugado com o artigo 607.º, n.º 3 e 4 do ex vi do artigo 674.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, devendo o douto Acórdão ser declarado nulo e substituído por outro que se pronuncie sobre as questões a que supra se aludiu.
46. Por seu turno, sempre se dirá que, não só a sentença prolatada pela 1.ª Instância mas também o Acórdão da Relação de Lisboa, vêm suscitar, no que à Recorrente diz respeito, bastante surpresa, porquanto da sua leitura de ambas, não se desvela na sua plenitude a fundamentação de facto e de direito que culmina na decisão final.
47. E mais: no que à sentença da 1.ª Instância diz respeito, e como a Recorrente teve oportunidade de referir no âmbito do último Recurso interposto para o Tribunal da Relação, não descortina a Recorrente uma qualquer estrutura, como impõe a lei processual civil. Neste sentido, e como não podia deixar de ser arguiu a Recorrente a devida nulidade, ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 al.º b) do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação.
48. Acresce que, não se lia qualquer identificação das partes (artigo 607.º, n.º 2 do C.P.C.), qualquer identificação do objecto do litígio (artigo 607.º, n.º 2 do C.P.C.), ou, bem assim, uma qualquer discriminação factual e jurídica que vá de encontro às imposições constantes no artigo 607.º do C.P.C. Ademais, compulsada a sentença, verificava-se que, pese embora sejam apresentados os factos provados, não se escalpelizam os não provados.
49. Por outro lado, e contendendo de forma expressa com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., não estavam especificados os fundamentos de direito, ao que acresce o facto de o Tribunal da 1.ª Instância apenas se ter baseado na prova documental para proferir tal decisão, desconsiderando de forma eloquente e desacertada todas as restantes provas que entretanto poderiam sobrevier.
50. Sucede que, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão que subjaz ao presente também ignorou olimpicamente todos estes aspectos levantados pela Recorrente: limitando-se a transcrever o que por si ficou consignado no Acórdão proferido na data de 7.4.2016 e o que ficou consignado na sentença da 1.ª Instância relativamente à factualidade dada como provada, dedicando a esta questão-, pasme-se – meia dúzia de linhas.
51. Chegados aqui, cumpre fazer referência a uma questão que no entender da Recorrente terá de relevar: a discrepância dos conteúdos das decisões proferidas pela 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em 2016 e a de que ora se recorre, pois que as convicções  são totalmente díspares. De facto, o Tribunal tanto defende que, só a falta absoluta de fundamentação está contemplada na alínea b) do artigo 615.º, como, do mesmo passo, invoca a fundamentação como um direito internacional e constitucionalmente consagrado!
52. A Recorrente não pode aceitar tal desarmonia de convicções, até porque, e conforme ficou consignado pelo Tribunal, de facto a jurisprudência associa, maioritariamente, a aplicação do vício constante no artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do C.P.C. a uma inexistência por completo de fundamentação, a uma autêntica omissão. Ora, in casu, julga-se que estamos perante um caso paradigmático desta situação.
53. Razão pela qual se verifica a causa de nulidade constante do artigo 615.º, n.º 1 alínea b) ex vi do 674.º, n.º1 alínea c) C.P.C., a qual expressamente se argui, para os devidos efeitos legais.
54. O Tribunal recorrido, à semelhança do Tribunal de 1.ª Instância, acaba por concluir pela extinção dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, dispensando-se de considerar factualidade que, no entender da Recorrente, era essencial a uma boa decisão da causa.
55. Ora, uma vez que efectivamente existiam créditos litigiosos, é por demais evidente que os sócios da Recorrida prestaram falsas declarações na acta que determinou o respectivo encerramento e liquidação, com vista a fugir deliberadamente das suas responsabilidades.
56. Pelo que, estas falsas declarações têm efeito directo no encerramento e liquidação da Sociedade, e, por conseguinte, no direito de que a Recorrente se arroga, não podendo ser legitimadas.
57. Isto porque se a acta a que aludimos é baseada numa mentira, também não se pode fazer fé na declaração de que não havia quaisquer activos ou bens a partilhar.
58. Neste sentido, não pode esta questão ter-se por irrelevante – como parecem considerar os Tribunais recorridos – porquanto se mostra determinante para a aferição de responsabilidade por parte dos sócios liquidatários, que bem sabiam da existência deste crédito litigioso e tudo fizeram para inviabilizar o prosseguimento da acção, impedindo a  descoberta   da  verdade   material  e   impedindo  a  Recorrente   de   se   fazer   pagar   dos créditos que tem sobre a “BB”.
59. Pelo que é inadmissível que um processo que se arrasta há mais de 11 anos termine com uma decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, baseada numa alegada falta de prova relativamente à formalização  de qualquer partilha de bens da Recorrida pelos seus sócios liquidatários.
60. Neste sentido, não poderá proceder a extinção da instância baseada numa alegada falta de prova relativamente à partilha dos bens da sociedade, desde logo, porquanto sempre teria de se relevar o comportamento criminoso dos sócios liquidatários determinando a sua responsabilização pelos créditos que não foram acautelados no encerramento e liquidação da Sociedade Recorrida, ainda que a título pessoal.
61. Ora, não poderia o Tribunal a quo olvidar tão importante mecanismo previsto no artigo 158.º do C.S.C. – face à actuação mentirosa e fraudulenta dos sócios liquidatários – pelo que deveria ter admitido a sua intervenção como Réus no processo, ainda que a título pessoal.
62. Mas mais: sempre se dirá que a menção na acta de que a sociedade não tem activo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371.º do Código Civil, é reconhecida aos documentos autênticos.
63. Assim, sempre que se considere a dívida aqui discutida meramente eventual, por não se encontrar reconhecida judicialmente, sempre se dirá que relativamente às divídas litigiosas, deveriam os sócios da Recorrida acautelar eventuais direitos por meio de caução, tudo conforme o disposto no artigo 154.º n.º 3 do C.S.C.
64. Mais uma vez se diga que bem sabiam os sócios da Recorrida, da posição da Recorrente enquanto cliente e credora da sociedade que resolveram dissolver, procedendo imediatamente à partilha e encerramento da liquidação através da inobservância culposa das disposições legais (nomeadamente o referido artigo 147.º do C.S.C.), deixando assim desprotegida a Recorrente enquanto credora.
65. Pelo exposto, dúvidas não restam de que os liquidatários são responsáveis pela dívida nos termos do artigo 158.º n.º 1 do C.S.C. porquanto indicaram falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, com culpa, porquanto bem sabiam da existência do presente crédito litigioso.
66. E ainda que assim não se entendesse, sempre serão aqueles responsáveis na qualidade de gerentes pela inobservância culposa das disposições legais (como o artigo 147.º e 154.º n.º 3, ambos do C.S.C.) ou contratuais destinadas à protecção dos credores.
67. Pelo exposto, só pode o Acórdão ser declarado nulo por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nos termos acima melhor descritos, e de acordo com o disposto no artigo 615.º n.º 1 alíneas b) e d) do C.P.C.; bem como ser revogado o Acórdão proferido, ordenando o prosseguimento dos autos, e admitindo a intervenção da Sociedade “CC, Lda” e dos sócios liquidatários na qualidade de Réus, conforme o disposto no artigo 162.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, ou, no limite, que admita a intervenção dos sócios como responsáveis pessoais nos termos do artigo 158.º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais – determinando o prosseguimento dos autos.

Nestes termos e nos melhores de direito requer-se a V. Exa. que se digne:
a) Declarar as arguidas nulidades, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1 alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, acima melhor escalpelizadas;
b) Revogar o Acórdão recorrido, ordenando o prosseguimento dos autos, admitindo a intervenção da Sociedade “CC, Lda” e dos sócios liquidatários na qualidade de  Réus,   conforme  o    disposto   no artigo  162.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, ou, no limite, que admita a intervenção dos sócios como responsáveis pessoais nos termos do artigo 158.º, n.º 1 do Código das  Sociedades Comerciais        –determinando o prosseguimento dos autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, importa analisar e decidir.

II. Fundamentação

3. São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados fixados:

1- A dissolução e encerramento da liquidação da R. foram inscritos na Conservatória do Registo Comercial de ... em 15.1.2014 (doc. de fls. 384 e segs.);

2- À data do registo do encerramento da R. eram seus sócios gerentes EE FF e GG (doc. de fls. 384 e segs.);

3- A propriedade do veículo de marca MAN com a matrícula ...-GS-... foi inscrita em nome da R. em 30.5.2012, em nome de HH em 23.12.2013, em nome de EE FF (sócio da R.) em 28.2.2014 e em nome de II, Lda, em 28.5.2014 (doc. de fls. 540-541);

4- A propriedade dos veículos com as matrículas ...-TC (marca Nissan), ...-PF-... (marca Caterpillar) e ...-RG-... (marca Citroen) nunca esteve registada em nome da R. (docs. de fls. 542, 543 e 545);

5- A propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... foi inscrita a favor da R. por compra em 27.2.2008, tendo nesta data e em 15.3.2010 sido inscritas hipotecas voluntárias a favor do Banco ..., S.A. e registada a constituição da propriedade horizontal relativamente a este imóvel em 18.11.2010 (doc. de fls. 548 e segs.).

6- A propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... foi inscrita a favor da R. por compra em 31.10.2005 e registada a constituição da propriedade horizontal relativamente a este imóvel em 11.1.2006 (doc. de fls. 574 e segs.).

Da prova documental constante dos autos não resultou que tenha sido formalizada qualquer partilha dos bens da ré pelos seus sócios.

4. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir, atenta a sua ordem de precedência lógica, consubstanciam-se em saber:

- invalidade do acórdão, por diversas nulidades;

- erro de direito.

5. Mérito do recurso

Disse o tribunal de 1ª instância, já depois de anulada a sentença original, em cumprimento da indicação de que a decisão tinha de ser fundamentada – de facto e de direito- o seguinte:

Com efeito, em face do preceituado nos arts.162º e 163º do C.S.C., sendo extinta uma sociedade no decurso de acção judicial contra ela interposta, esta poderá prosseguir contra os antigos sócios, desde que estes tenham recebido bens na partilha, ficando a responsabilidade desses sócios pelo passivo social limitada pelo montante que receberam na partilha.

Tendo a A. entretanto apresentado os requerimentos de fls. 510 e segs. e 533 e segs., e em face dos documentos que juntou, encontra-se provada a seguinte factualidade:

- A dissolução e encerramento da liquidação da R. foram inscritos na Conservatória do Registo Comercial de ... em 15.1.2014 (doc. de fls. 384 e segs.);

- À data do registo do encerramento da R. eram seus sócios gerentes EE FF e GG (doc. de fls. 384 e segs.);

- A propriedade do veículo de marca MAN com a matrícula ...-GS-... foi inscrita em nome da R. em 30.5.2012, em nome de HH em 23.12.2013, em nome de EE FF (sócio da R.) em 28.2.2014 e em nome de II, Lda, em 28.5.2014 (doc. de fls. 540-541);

- A propriedade dos veículos com as matrículas ...-TC (marca Nissan), ...-PF-... (marca Caterpillar) e ...-RG-... (marca Citroen) nunca esteve registada em nome da R. (docs. de fls. 542, 543 e 545);

- A propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... foi inscrita a favor da R. por compra em 27.2.2008, tendo nesta data e em 15.3.2010 sido inscritas hipotecas voluntárias a favor do Banco Popular Portugal, S.A. e registada a constituição da propriedade horizontal relativamente a este imóvel em 18.11.2010 (doc. de fls. 548 e segs.).

- A propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 3671/20071925 foi inscrita a favor da R. por compra em 31.10.2005 e registada a constituição da propriedade horizontal relativamente a este imóvel em 11.1.2006 (doc. de fls. 574 e segs.).

Da prova documental constante dos autos não resulta que tenha sido formalizada qualquer partilha de bens da R. pelos seus sócios.

E só relativamente a um dos bens acima referidos e indicados pela A. - o veículo de marca MAN com a matrícula ...-GS-... - ficou demonstrado ter a respectiva propriedade sido inicialmente inscrita a favor da R. em 30.5.2012 e posteriormente, em 28.2.2014, em nome de EE FF (sócio gerente da R.), ignorando-se a causa desta transmissão, passando ainda em 28.5.2014 para o nome de II, Lda.

Assim, e não tendo ficado provado que qualquer dos sócios da R. tenha recebido em partilha algum bem da sociedade, não existe fundamento à luz dos arts. 162º e 163º nº1 do C.S.C. para que a acção prossiga contra esses sócios liquidatários.

Nestes termos, indefere-se a al. a) do requerimento de fls. 401 e segs. da A. e, em consequência, julga-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.).

Custas pela R’’.

Por sua vez o TRL, chamado a pronunciar-se sobre se essa decisão seria nula por falta de fundamentação, negou a sua existência, com a seguinte argumentação e fundamentação:

“Como é evidente o inconformismo perante qualquer decisão não justifica que se ataque a decisão desta forma. Por outro lado, mesmo que fosse o caso, que não é, constitui reiterada jurisprudência dos nossos tribunais que só a falta absoluta de fundamentação está contemplado na citada al. b), mas já não uma fundamentação incompleta, não convincente, medíocre até.

Para além disso, se a recorrente não secunda a decisão de facto deveria ter seguido a via do artigo 640.º do Código de Processo Civil (serão deste código as menções a seguir feitas a artigos sem outra referência) o que não fez.

Acresce ainda que a falta de identificação das partes e de identificação do objecto do litígio configuram meras irregularidades.”

O mesmo TRL conheceu ainda do imputado (à sentença) vício de omissão de pronúncia, que rejeitou dizendo:

“Também neste caso não assiste razão à recorrente. O primeiro grau começou por rejeitar o incidente de intervenção principal provocada. Não faria sentido que, depois, se pronunciasse sobre a matéria ao mesmo pertinente.

Acresce que o chamado princípio da completude ou da exaustão não impõe que o juiz conheça de todas as questões suscitadas pelas partes, nem, muito menos, que analise todos os argumentos e linhas de raciocínio por elas deduzidos ou seguidos (v.g. Acs. STJ de 26.04.84, BMJ 336:406, de 27.01.93, BMJ 423:444 e de 07.07.94, BMJ 439:299), mas sim e tão-só as questões efectivamente relevantes para a boa decisão da causa, quer as que tenham sido invocadas pelas partes, quer as que sejam de conhecimento oficioso.

Vem sendo dominantemente entendido que o vocábulo ‘’questões’’ não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se que e por ‘’questões ‘’ as concretas controvérsias centrais a dirimir

Não se vê que a sentença esteja afectada por qualquer vício deste tipo.”

Relativamente à questão de saber se a 1ª instância havia decidido bem declarar a extinção da instância, disse o TRL o seguinte:

Entende a recorrente que, ao contrário da posição sustentada pelo primeiro grau que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, o processo deve prosseguir admitindo-se a intervenção da sociedade CC Lda e dos sócios liquidatários na qualidade de réus, conforme o disposto no artigo 162.º, n.º 1 do CSC, ou, no , limite, admitindo-se a intervenção dos sócios como responsáveis pessoais nos termos do artigo 158.º, n.º do CSC.

Não lhe assiste razão.

Permita-se-nos citar o Acórdão da RL de 17.12.2014, Proc. 7534/13.5TB0ER.L1, www.dgsi.pt, que dá um precioso contributo para a apreciação e decisão do recurso.

“O art. 269.º, n.º 1, alínea a) do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, determina que a instância se suspende quando falecer ou extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Por sua vez estabelece este artigo:

1. As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.º 2, 4 e 5, e 164, n.º 2 e 5.”.
2. A instância não se suspende, nem é necessária habilitação”.
São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos, a dissolução e liquidação da sociedade e a sua extinção.

Com efeito, uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta: a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação (artigo 160º, n.º 2): “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
Dissolvida a sociedade, entra a mesma em liquidação (art.146º, n.º 1), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art. 146º, n.º 2). Com efeito, é o artigo 146.º, n.º 2 que estabelece que “a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade de liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas”. Os seus gerentes passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art. 151º, n. 1), competindo-lhes, então, nomeadamente, tratar dos negócios pendentes e cumprir as obrigações da sociedade (art. 152º).

Com a extinção da sociedade é que deixa de existir a pessoa colectiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º.
Estas disposições normativas tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas, depois de extinta a sociedade
[1].
Assim, no que diz respeito às acções pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na acção, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.

Como resulta do n.º 1 do artigo 163.º “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.

Significa isto que, extinta a sociedade comercial, pelo registo de encerramento da liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculavam transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios.

Portanto, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, mas apenas até ao montante que receberam na partilha. A sua responsabilidade pessoal (…) não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais.
E, por isso, determina o n.º 3 do artigo 163.º que o antigo sócio que satisfazer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
«A extinção opera-se “sem prejuízo do disposto nos art.ºs 162.º a 164.º”, ou seja, do disposto quanto a acções pendentes, activo e passivo supervenientes. Isto não significa que, para os efeitos desse artigo, a sociedade não se considere extinta, mas sim que o facto de a sociedade se extinguir, nos termos referidos, não prejudica as soluções que o legislador criou, nos artigos 162.º a 164.º, para as acções pendentes e para a superveniência de activo ou de passivo».

No mesmo sentido pode também consultar-se o Ac. RP de 26.5.2009, Proc. 275-D/2000.P1, www.dgsi.pt, que concluiu, no contexto de uma acção executiva, que “uma vez que se declarou que a sociedade não possuía activo, daí decorrendo que não houve partilha e que os seus sócios, consequentemente, nada receberam, a presente acção executiva não poderá prosseguir, ao invés do que se entendeu na decisão recorrida.
Na verdade, nesta considerou-se que a acção executiva deveria prosseguir os seus termos, de acordo com o disposto no art. 162 do Cód. das Sociedades Comerciais, solução que, na nossa opinião, só seria acertada se a sociedade extinta dispusesse de activo.
Aliás, o já acima citado art. 163, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, no qual, em conjugação com os arts. 162, nº 1 e 160, nº 2 do mesmo diploma, se teria que ancorar o prosseguimento da acção executiva, apenas permite a responsabilização dos antigos sócios pelo passivo social não satisfeito na medida dos bens que receberam na partilha.
Deste modo, porque na escritura de dissolução da sociedade se consignou que esta não tinha activo, tendo tal dissolução sido registada já na pendência da presente acção executiva, impõe-se que, pese embora se mantenha o crédito exequendo, a instância executiva seja julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287, al. e) do Cód. do Proc. Civil’’.

Pois bem, no caso sujeito, a extinção da sociedade ré que opera com o registo do encerramento da liquidação, ao contrário das situações no artigo 162.º do CSC, implica a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, porquanto não se demonstra a que qualquer dos sócios da ré tenha recebido em partilha algum bem da sociedade.

Se há alguma situação que possa pôr em causa tal conclusão, tal deve ser apurado noutra acção ou deveria antes ter sido introduzida nestes autos através de diferente instituto, mas não através do incidente de chamamento de terceiros, cuja apreciação queda prejudicada pelas razões acima expostas.

A recorrente continua a não se conformar com este entendimento jurisprudencial.

6. Analisemos.

É de sufragar o entendimento expresso no acórdão recorrido quando aí se trata das seguintes questões:

 - afirmar que com a extinção da sociedade comercial deixa de existir a pessoa colectiva, perdendo esta a sua personalidade jurídica e judiciária, sem que daí resulte que as relações jurídicas de que a sociedade era titular se extinguem - artigos 162º, 163º e 164º CSC;

- afirmar que as acções pendentes em que a sociedade seja parte, continuam (após a sua extinção), considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na acção, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios; a instância mantém-se no demais, nomeadamente quanto ao pedido e causa de pedir (A autora apresenta-se como titular de um direito de crédito sobre uma pessoa colectiva - sociedade comercial - com a qual celebrou um contrato de empreitada de infra-estruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais que considerou defeituosamente cumprido pela Ré, pelo que pede a sua condenação em €232.374,99, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento. A causa de pedir que deduz é, portanto, a relação contratual que constitui a fonte jurídica exclusiva da prestação cuja obtenção pretende. A demandada na acção é a pessoa colectiva societária e a acção foi intentada em 2006.)

- afirmar que, por força do n.º 1 do artigo 163.º ,“encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada” (Quando a R. perde a personalidade jurídica o pedido e a causa de pedir não se alteram – há apenas a aplicação do regime de substituição da sociedade na acção pelos antigos sócios, representados pelos liquidatários.

Em apoio desta posição cf. o comentário de Carolinha Cunha, in Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação, III Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Outubro de 2014, pág. 173 e 174, e in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, n.º 2, pág. 668, acompanhando Raul Ventura, in Dissolução e liquidação de sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2ª reimpressão da 1.ª edição de 1987, Almedina, 1999, pág. 480, que “por circunstâncias várias, envolvendo ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pode a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais. Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas. A regra geral é a consagrada pelo art. 163.º: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha. O fundamento da solução legalmente consagrada radica na ideia de sucessão na titularidade daquela relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora à custa dos bens que receberam.

- afirmar que a responsabilidades dos antigos sócios está delimitada – nas sociedades de responsabilidade limitada, como a sociedade por quotas dos autos – até ao montante do que receberam na partilha;

- confirmar que, na falta de prova de que os referidos sócios receberam bens na partilha, a continuação do processo envolve a inutilidade superveniente da lide, já que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais está limitada ao valor do património social de que beneficiaram (indevidamente), quando o mesmo devia ter sido destinado a solver dívidas da sociedade;

- confirmar que a conclusão no sentido de “Se há alguma situação que possa pôr em causa tal conclusão, tal deve ser apurado noutra acção ou deveria antes ter sido introduzida nestes autos através de diferente instituto, mas não através do incidente de chamamento de terceiros, cuja apreciação queda prejudicada pelas razões acima expostas” está correcta.

Adicionalmente, ainda se poderia dizer:

No que respeita ao incidente de chamamento de terceiro e decisão sobre ele proferida, também diz a recorrente que não se conforma com a decisão recorrida “Desde logo, porquanto entendeu que o incidente de chamamento de terceiros não é o meio idóneo a satisfazer a pretensão da Recorrente, não se pronunciado sequer pela alegada extemporaneidade. Desde logo, não se compreende como pode o Tribunal da 1.ª Instância considerar extemporâneo o incidente de Intervenção Principal Provocada apresentado pela Recorrente, e ainda como pode, por seu turno, o Tribunal da Relação de Lisboa considerar que esse mesmo incidente, embora não se pronunciando sobre qualquer extemporaneidade, não consubstancia o meio adequado à pretensão da Recorrente pois que o mesmo deveria ter sido introduzido através de diferente instituto. A recorrente entende que o TR devia ter dito qual o instituto adequado a utilizar pelo A., já que o utilizado não o era.”
Quanto a esta última pretensão, deixa-se já refutada a argumentação do recorrente: é às partes que cabe escolher e decidir sobre qual o incidente ou expediente processual adequado às finalidades pretendidas com a acção, não tendo o tribunal que dar indicações, nem sugestões. As partes encontram-se devidamente representadas por advogado que as deverá aconselhar sobre o ponto.
Tendo o tribunal entendido que o incidente utilizado não era o adequado, não se vê por que motivo se continua a defender que o tribunal devia ter emitido a sua opinião sobre a dedução atempada. As questões de que os tribunais se devem ocupar em recurso são apenas as colocadas pelos recorrentes e que não tenham ficado prejudicadas pela solução dada. Ora, in casu, a questão da extemporaneidade ficou prejudicada por o tribunal ter decidido que não era o instrumento processual adequado à finalidade visada pelo A. em face dos factos apurados.
Ao assim decidir o Tribunal recorrido não incorreu em omissão de pronúncia, nada havendo a apontar.

Finalmente, o recurso de revista também não pode conhecer da questão – o recurso incide sobre o acórdão do TR e não sobre a sentença. Se no acórdão a questão foi tida por prejudicada – e não se considera que haja vício no acórdão nem erro de julgamento –, não incide o recurso sobre a questão.

No dizer da recorrente acrescem ainda, como argumentos ponderosos da sua posição, o seguinte: “também os Gerentes da sociedade Recorrida serão responsáveis na qualidade de sócios liquidatários, por na acta na qual foi deliberada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, terem intervindo, e por conseguinte, assumido tal posição (como de resto resulta da disposição ínsita no artigo 151.º n.º 1 do C.S.C) e, por isso, responsáveis para com os credores nos termos e para os efeitos do artigo 158.º do C.S.C.,” ou “(65.)E ainda que assim não se entendesse, sempre serão aqueles responsáveis na qualidade de gerentes pela inobservância culposa das disposições legais (como o artigo 147.º e 154.º n.º 3, ambos do C.S.C.) ou contratuais destinadas à protecção dos credores.”

Cumpre esclarecer: a responsabilidade dos gerentes a que a recorrente alude não se insere no âmbito dos presentes autos, em face do pedido e causa de pedir (a presente acção não é, tal como foi configurada pela autora, uma acção de responsabilidade civil contra os gerentes nem contra liquidatários por actos praticados contra os interesses dos credores sociais). Por isso o tribunal da Relação disse: “Se há alguma situação que possa pôr em causa tal conclusão, tal deve ser apurado noutra acção ou deveria antes ter sido introduzida nestes autos através de diferente instituto, mas não através do incidente de chamamento de terceiros, cuja apreciação queda prejudicada pelas razões acima expostas.”
É com esta afirmação que o TR responde também à questão suscitada na apelação quando o recorrente invoca – sem razão – omissão de pronúncia sobre a falta de menção expressa a normas indicadas no requerimento de intervenção principal provocada como o art.º 147, 154.º, 78.º do CSC ou 1020.º do CC. Ao decidir o tribunal apenas não esgotou a análise da argumentação do recorrente – não esgotou os argumentos. Mas decidiu a questão.

A recorrente também invoca a nulidade por falta de fundamentação (“não se desvela na sua plenitude a fundamentação de facto e de direito que culmina na decisão final”).
Mais uma vez, e pelas razões também já supra avançadas – e tal como decorre da leitura do acórdão recorrido – a decisão contém fundamentação, de facto e de direito, que permite compreender o sentido decisório. A discordância do recorrente não transforma a fundamentação aduzida numa falta de fundamentação, nem sequer mesmo numa fundamentação insuficiente.

Quanto à questão suscitada na conclusão 48. “Acresce que, não se lia qualquer identificação das partes (artigo 607.º, n.º 2 do C.P.C.), qualquer identificação do objecto do litígio (artigo 607.º, n.º 2 do C.P.C.), ou, bem assim, uma qualquer discriminação factual e jurídica que vá de encontro às imposições constantes no artigo 607.º do C.P.C. Ademais, compulsada a sentença, verificava-se que, pese embora sejam apresentados os factos provados, não se escalpelizam os não provados” – vale aqui o que já se indicou: o recurso de revista incide sobre o Ac do TR e não sobre a sentença; o acórdão conheceu e decidiu a questão oportunamente colocada na apelação, recorrendo ao regime das irregularidades.

A conclusão 51, reportada a contradição decisória, não enferma de tal vício: a interpretação que se pode deduzir do acórdão recorrido é no sentido de as decisões terem de ser fundamentadas e de a fundamentação inadequada/insuficientes ou errada não se confundirem com “falta” de fundamentação.

Nas conclusões 54 a 67 a recorrente entende que o tribunal não fez justiça e está a pactuar com comportamentos inadmissíveis que aponta aos antigos sócios da Ré e à sociedade chamada.
Não se vê como pode ter assim concluído: em momento algum o tribunal disse que os comportamentos alegados eram irrelevantes; em momento algum desculpou ou manifestou apoio a qualquer das partes. Os tribunais são independentes e estão subordinados à lei e à CRP não podendo, porque acham a solução injusta, dela afastar-se, como bem sabe o recorrente. Só respeitando estes princípios os cidadãos podem ter confiança no sistema de Justiça. In casu, o tribunal analisou a pretensão do recorrente à luz da lei, que interpretou, aplicando-a ao caso concreto e tendo concluído que, legalmente, era esta a solução devida e que o incidente utilizado pelo A. não era adequado, decidiu.
 Mais não se pode inferir da decisão recorrida.

A decisão recorrida está de acordo com a orientação já seguida pelo STJ - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2013, proc. 7414/09.9TBVNG.P2.S1, onde se escreveu:
«[u]ma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade» - aplicável com as necessárias adaptações já que o caso decidido naquele acórdão revestia contornos algo diferentes do dos autos, desde logo porque a ali autora instaurou a acção contra os sócios de uma sociedade já extinta, o que manifestamente não é o caso dos autos, uma vez que a sociedade ré se extinguiu na pendência da acção. E, ademais, no caso tratado no acórdão, a falta de alegação e prova de que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade, conduziu à improcedência da acção e não à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Seja como for, parece não haver dúvidas que o ónus de alegação e prova de que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade cabe à autora.
Com efeito, «[o] art.º 163º nº 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342º do C. Civil nºs 1 e 2»[10].
No caso concreto, o momento próprio para essa alegação não poderia ter sido evidentemente a petição inicial, uma vez que a acção foi intentada contra a sociedade muito antes desta se extinguir.
No entanto, como se refere no Acórdão do STJ de 26.06.2008 supra citado:
«A autora podia ter feito a alegação em articulado superveniente, nos termos do art.º 506º do CPC, logo que tomou conhecimento da extinção da sociedade.» e devia ter provado o facto – o que não logrou fazer, pelo que no Ac. recorrido também se disse que a A. podia ter lançado mão da impugnação da matéria de facto, para contraditar os elementos apurados.”

No mesmo sentido cf. Ac. do STJ e 25-10-2018, proc. 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2, com o seguinte sumário:

“Em acção pendente contra a sociedade que veio a ser liquidada e extinta, compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os mesmos sócios nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC.”

Neste acórdão vêm indicadas outras decisões deste STJ que decidiu no mesmo sentido.

Considera-se não existirem razões para nos desviarmos desta orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, entende-se que a existência de partilha de bens entre os sócios da sociedade extinta constitui um facto constitutivo nos termos e para os efeitos do regime do art.º 163.º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

Não tendo feito a prova desse facto, não se justifica o prosseguimento dos autos, pelo que deve ser declarada a inutilidade da lide.

Improcedendo o pedido não se justifica o conhecimento da questão relativa ao incidente de chamamento de terceiro, que assim fica prejudicado.

III. Decisão
Pelos fundamentos indicados, indeferem-se as nulidades invocadas e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


Lisboa,  1 de Outubro de 2019


Fátima Gomes

Acácio Neves

Fernando Samões