Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1989/05.9TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INFRAÇÃO ESTRADAL
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO TOMAR CONHECIMENTO DAS REVISTAS INTERPOSTAS NAS AÇÕES APENSAS E CONCEDER EM PARTE A REVISTA INTERPOSTA NA AÇÃO PRINCIPAL PELA RÉ
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A apensação não unifica as acções numa única acção, mantendo, ao invés, cada uma das acções apensadas a sua autonomia e individualidade, pelo que se mantêm também distintos os pedidos formulados em cada uma delas, havendo que atender, para efeitos de admissibilidade do recurso, aos pressupostos de recorribilidade de cada acção individualmente considerada.

II. A verificação da dupla conforme prevista no art.º 671.º, n.º 3, do CPC, nas acções instauradas depois de 1 de Janeiro de 2008, impede a admissibilidade da revista normal, ainda que se encontrem apensas a acção instaurada em data anterior.

III. Ocorrendo o acidente entre duas viaturas que efectuavam manobras proibidas, em simultâneo, violando regras estradais e preceitos regulamentadores de trânsito, não podem ambos os respectivos condutores deixar de ser civilmente responsabilizados, a título de culpa, pelo mesmo acidente e, consequentemente, as respectivas seguradoras, fixando-se o grau de culpa em função da contribuição de cada um para o sinistro.

IV. O dano biológico tanto pode ter a natureza de dano patrimonial como de dano não patrimonial, dependendo dos factos em que o mesmo se traduz, devendo ser qualificado e valorizado como dano patrimonial  quando tiver como consequência uma perda ou diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade de exercício da sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, implique, como no caso do autor, um maior esforço ou penosidade no desempenho dessa actividade.

V. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

VI. Deve, no entanto, ser alterado o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


AA, BB e CC instauraram, em 20/6/2005, a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.,  depois Seguradoras Unidas, S.A., actualmente, Generali Seguros, S.A. e Mapfre Companhia de Seguros, S.A., (actualmente denominada, Mapfre Seguros Gerais, S.A.), todos melhor identificados nos autos, pedindo que as Rés sejam condenadas no pagamento, de acordo com a respectiva responsabilidade no evento danoso, das seguintes quantias indemnizatórias:

1) ao primeiro Autor:

a) a quantia de € 2.460,47 por danos patrimoniais no seu veículo automóvel de matrícula ...-...-LE;

b) a quantia de € 750 pela desvalorização do seu veículo em consequência do acidente;

c) a quantia de € 1.312,50 por danos patrimoniais resultantes da paralisação, à data da petição inicial, do mencionado veículo, calculada à razão de € 17,50/dia, e as demais quantias que se vencerem até à reparação e entrega do dito veículo, por este não dispor de meios económicos para suportar tal reparação;

d) as quantias que se apurarem ao nível dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das lesões que sofreu, em consequência do sinistro e cuja quantificação no seu montante global relega para execução de sentença;

2) ao terceiro Autor:

a) a quantia de € 8.428,95 por danos patrimoniais no seu veículo automóvel de matrícula ...-...-US e os demais danos que se apurem com a desmontagem do referido veículo e cuja quantificação relega para execução de sentença por não serem ainda determináveis;

b) a quantia de € 1.000,00 pela desvalorização do mencionado veículo automóvel em resultado do descrito acidente;

3) ao segundo Autor: a quantia de € 1.312,50 por danos patrimoniais sofridos resultantes da paralisação, à data da petição inicial, do veículo automóvel de matrícula ...-...-US que por si era utilizado, calculada em € 17,50/dia e as demais quantias que se vencerem até à reparação e entrega a si do dito veículo, por não dispor, nem o terceiro Autor, de dinheiro para custear a referida reparação;

4) todas as quantias referidas nas alíneas anteriores, vencidas e a vencerem-se deverão ser atualizadas segundo a taxa de inflação que se operar entre a data do acidente e a do pagamento, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos e vincendos, contados desde a citação e até efetivo pagamento.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:

No dia 26/2/2005, pela 1h30m, na EN n.º …., ao Km37,100, circulava, no sentido …-…., o veículo automóvel, de matrícula ...-...-QC, com seguro na primeira ré, pertencente a DD e conduzido pelo seu filho EE, a velocidade superior a 120Km/h e completamente distraído, o qual embateu no veículo automóvel de matrícula XN-...-..., pertencente a FF, segurado na segunda ré e conduzido pelo filho deste GG, quando este se encontrava a efectuar inversão do sentido de marcha, em local com linha contínua e com lomba, ocorrendo o embate por culpa de ambos os condutores dos aludidos veículos.

Na sequência desse embate, foram atingir o Autor AA que se encontrava de pé, junto à parte lateral esquerda do veículo com a matrícula ...-...-LE e o Autor BB que se encontrava sentado no lugar do condutor do veículo com a matrícula ...-...-US , os quais se encontravam estacionados na berma do lado direito, atento o sentido …..-…….

Em consequência desse embate, os Autores sofreram danos que pretendem ver indemnizados nos termos peticionados.


A primeira Ré contestou, apresentando versão diferente do acidente, de forma a imputar a culpa ao condutor do XN, defendendo, nomeadamente, que este veículo se encontrava estacionado na berma direita, atento o sentido em que seguia o QC, observando as normas estradais, quando se atravessou à sua frente, a menos de 10 metros de distância, aquele veículo sem accionar os dispositivos luminosos, cortando-lhe a linha de trânsito, não conseguindo evitar o embate, não obstante ter travado e desviado à esquerda.


A segunda Ré contestou, apresentando também versão diferente, mas de forma a imputar a culpa na ocorrência do embate ao condutor do QC, afirmando que o condutor do XN accionou o sinal luminoso para a sua esquerda e aproximou-se do eixo da via, em local onde é permitida a inversão de marcha, que pretendia efectuar, quando foi embatido por aquele veículo que circulava a velocidade superior a 100 km/h, do que resultou a projeção do XN para a frente, que acabou por se imobilizar na hemi-faixa esquerda, atento o sentido …..-….., sem embater em qualquer veículo; por sua vez, o QC, em consequência do embate e devido à velocidade que lhe era imprimida, entrou em despiste, rodopiou para a esquerda indo embater com o seu painel traseiro esquerdo no painel traseiro esquerdo do LE que se encontrava estacionado, projetando-o contra a parede e, após esse embate ainda foi chocar com a sua frente esquerda na frente esquerda do US que se encontrava estacionado, projectando-o para trás e para a direita e embatendo no muro em pedra, acabando por se imobilizar perpendicularmente ao sentido que levava. Alegou, ainda, que, na peritagem que ordenou aos veículos LE e US, apurou que, para reparação do primeiro, seria necessário e suficiente a quantia de € 1.705,59, com IVA, sendo estimado o tempo de reparação em 5 dias e, para o segundo, a reparação ascendia a € 6.664,34 com IVA incluído e um período de 10 dias úteis, pelo que não faz sentido privação tão extensa como foi pedida.

Os autores replicaram.


Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais.

Seguiu-se a selecção dos factos assentes e controvertidos, com elaboração da base instrutória, sem reclamações.


O primeiro Autor formulou ampliação do pedido com vista à condenação das Rés no pagamento, a título de danos patrimoniais, de € 2.536 pelo período de incapacidade temporária profissional total e € 15.000,00 pela IPP de que padece, com o acréscimo verificado por ter de desenvolver esforços suplementares para exercer a sua actividade profissional e, a título de danos não patrimoniais na quantia de € 30.000,00, bem como juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a notificação e até efectivo pagamento.

Alega, em síntese, que do acidente resultaram traumatismos e lesões nos membros inferiores e escoriações dispersas no corpo, foi transportado ao Hospital de ....., onde foi assistido, medicado e sujeito a tratamentos, designadamente, com imobilização gessada dos joelhos e permaneceu acamado no domicílio até 16 de Maio de 2005, foi seguido na consulta externa até 13 de Abril do mesmo ano; contudo, por sofrer de intercorrência infeciosa do terço inferior da perna direita, foi internado no Serviço de Cirurgia Plástica daquele Hospital de 16 a 24 de Maio para correção do esfacelo que apresentava, designadamente, limpeza e enxerto de pele, tendo continuado em consultas até 31 de Agosto de 2005, por persistência da infeção; por essas razões, esteve impossibilitado de exercer qualquer atividade profissional desde a data do sinistro até inícios de Setembro de 2005; a nível de sequelas no membro inferior direito ficou com o perímetro da coxa de 54 cm, cicatriz de 5 x 3 cm da face anterior da coxa, terço médio, resultante da recolha de pele para enxerto, cicatriz de 7 x 5 cm com zona central de 3 x 2,5 cm, esta hipercrómica, localizada na face anterior da transição do terço superior para o terço médio e instabilidade do joelho no sentido antero-posterior e, no membro inferior esquerdo, perímetro da coxa de 54 cm, instabilidade do joelho no sentido antero-posterior.

À data tinha 19 anos, ficou afetado de IPP de 4%, quantum doloris de grau 3 e dano estético de grau 1; apesar das cirurgias e tratamentos, apresenta dificuldades em subir e descer escadas, pela redução de mobilidade de ambos os joelhos, sofre de dores persistentes em ambos os joelhos, com predomínio no esquerdo e apresenta edema após esforço, acentuadas com as variações das condições meteorológicas, grande dificuldade em dobrar as pernas, ajoelhar-se e permanecer aninhado, o que impossibilita a realização de quaisquer trabalhos de ….. ou outros em tais posturas, com perdas de rendimentos; também deixou de praticar …., atividade desportiva de que era aficionado, chegando a competir em torneios; essas situações trazem-lhe desespero e desgosto com decorrente afetação psicológica; era activo e trabalhador, tendo, actualmente, forte diminuição da sua condição física e mobilidade e irá necessitar de cuidados médicos toda a vida, computando em € 15.000,00 as perdas de rendimentos derivadas da IPP, € 2.536 pelo período em que esteve impedido de trabalhar; pretendendo uma compensação de € 30.000,00 pelo sofrimento.


A primeira Ré exerceu o contraditório impugnando a matéria alegada.


O primeiro Autor apresentou nova ampliação do pedido alegando que teve de recorrer a assistência médica no Hospital .... tendo pago consultas, assistências no serviço de urgência, no montante de € 78,40; pagou medicamentos no montante de € 29,40 e realizou exame por ressonância magnética a ambos os joelhos, o que custou € 550, pretendendo o seu pagamento pelas Rés.

A primeira Ré exerceu o contraditório invocando a prescrição relativamente a todas as despesas suportadas durante o ano de 2005; acrescenta que apenas é admissível a ampliação do pedido para contemplar danos verificados ou conhecidos em data posterior à entrada da ação em Juízo, o que apenas se verifica quanto a taxas moderadoras e exames médicos datados de 28 de Junho, 30 de Agosto de 2005 e 2 de Julho de 2008, sendo o último um encargo suportado para conclusão do exame médico-legal a considerar em custas de parte.

A segunda Ré contrapôs que as despesas são anteriores à data da entrada em Juízo da ação, o Autor tinha delas conhecimento, pelo que não são consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, defendendo também que a despesa dos exames deve ser incluída nas custas de parte.

Foi proferido despacho interpretando o requerimento do Autor como liquidação do pedido e considerou inseridos na base instrutória os factos que dela não constassem já.


*


Foi determinada a apensação a estes autos dos processos n.ºs 2129/08…., 527/08….. e 1698/09……, constituindo agora os apensos A, B e C), respectivamente.           

No processo sumaríssimo a que corresponde agora o apenso A, o Centro Hospitalar  ...., EPE, pediu a condenação da Ré Tranquilidade no pagamento da quantia de € 4.095,12, acrescida de juros vincendos sobre o capital de € 3.656,36, até efetivo e real embolso, pelos cuidados de assistência hospitalar, médica e medicamentosa, que prestou ao sinistrado GG, entre 26 de Fevereiro e 29 de Junho de 2005, na sequência do supra aludido acidente.

A ré contestou, apresentando versão idêntica à já referida sobre a dinâmica do acidente e impugnando a assistência prestada.

Apenso B           

Trata-se de uma acção declarativa, com processo ordinário, instaurada por GG contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., actualmente, Generali Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 69.484,50 e, perante a alternativa de optar entre a indemnização actualizada nos termos do artigo 566.º n.º 2 do Código Civil e juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805.º do mesmo diploma, declarou optar pelos segundos, mesmo com referência a danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese, ter sido vítima do acidente já descrito, por ser embatido pelo QC que circulava a velocidade superior a 90Km/h, apesar de estar limitada a 50Km/h, depois de ter procedido à ultrapassagem de um veículo pesado de mercadorias numa zona onde existia uma linha longitudinal contínua no eixo da via e poder aperceber-se da presença do XN a efectuar a referida manobra a mais de 100 metros de distância, sendo que o condutor do QC tinha a sua hemi-faixa completamente livre e desimpedida, por aí podendo passar sem perigo de colidir com o XN, mas decidiu ultrapassá-lo, ocorrendo o embate na hemi-faixa esquerda.

Em consequência do embate, sofreu traumatismo crânio-encefálico com amnésia para o sucedido, 15/15 na escala de coma de Glasgow, traumatismo da mão direita com fractura do segundo metacarpo e ferida inciso-contusa no dorso da mesma, traumatismo da bacia com fractura dos ramos íleo-isquio-púbicos à esquerda, traumatismo da perna esquerda com fractura do terço distal da tíbia e do perónio, traumatismo do tornozelo direito, com fratura bimaleolar e traumatismo do pé direito com ferida inciso-contusa ao nível do dorso do pé; foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital  ...., em ......, onde foi assistido e submetido a estudo radiológico e imobilização gessada do membro inferior esquerdo e do tornozelo direito, após o que foi transferido para o Hospital de ......, ….., onde ficou internado no Serviço de Ortopedia; em 1 de Março foi submetido a intervenção cirúrgica ao tornozelo direito para redução da fractura do maléolo tibial e osteossíntese com dois parafusos metálicos, sendo-lhe feita nova imobilização gessada do membro inferior esquerdo e imobilização do segundo dedo e do segundo metacarpo da mão direita com tala de Zymmer, tendo alta hospitalar no dia 10 desse mês; recolheu a casa, manteve-se em repouso cerca de um mês e passou a ser seguido na consulta externa de ortopedia do segundo Hospital, efectuando tratamento fisiátrico entre 13 de Maio e 28 de Junho de 2005 e retomou a sua actividade profissional a 7 de Julho seguinte.

Apesar dos tratamentos, ficou a padecer definitivamente de sinais e sintomas compatíveis com síndrome pós-traumático caracterizado por cefaleias, dismnésia com amnésia para o sucedido, irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, consolidação em posição viciosa da fractura do segundo metacarpo com deformidade no dorso da mão e dor na preensão, consolidação das fracturas da tíbia e do perónio em posição viciosa com angulação de convexidade posterior, ligeiro varismo e rotação interna do joelho, duas cicatrizes viciosas na região maleolar e supramaleolar externa por esmagamento dos tecidos moles, rigidez da articulação tíbio-társica direita, com limitação da mobilidade na flexão plantar entre 0º e 20º, cicatriz distrófica de 9 cm localizada na região maleolar interna e cicatriz distrófica de 2,5 x 2 cm secundária a esmagamento dos tecidos moles, localizada no dorso do pé direito e dolorosa quando faz flexão dos dedos, determinantes de IPP de 27%, quantum doloris de grau 5/7, prejuízo de afirmação pessoal de grau 1 ou 2 numa escala de 1 a 5, por estar impossibilitado de jogar ….., o que fazia com regularidade e lhe permitia ter amplo convívio com os amigos; as sequelas de que ficou a padecer provocam-lhe dores físicas intensas, incómodo e mal estar que o vão acompanhar por toda a vida e se exacerbam com as mudanças de tempo; à data tinha 19 anos, era saudável, bem constituído, dinâmico, alegre e sociável, perdeu o convívio com os amigos por ter deixado a actividade desportiva e devido à irritabilidade fácil e exacerbada de que ficou afectado, com constantes alterações de humor sem motivo aparente; pretende a quantia de € 20.000 para compensação pelos danos não patrimoniais.

Acrescenta que é carpinteiro, com um salário mensal de € 412,02 catorze vezes por ano, acrescido da quantia mensal de € 25 em horas extra onze vezes por ano; devido às lesões e tratamentos esteve sem poder trabalhar até 6 de Julho de 2005, tendo deixado de ganhar € 7.560,05 em salários, subsídios de férias e de Natal e horas extra, recebendo € 1.044,23 da Segurança Social; calculou em € 41.982,88 a perda futura de ganho; despendeu € 414 em honorários médicos, € 76,80 em taxas moderadoras e € 175 em transportes para receber tratamentos, tendo ficado com casaco, camisa, calças e sapatos, nos valores de € 150, € 50, € 75 e € 45, completamente inutilizados.

A Ré contestou apresentando a versão do acidente já aludida no processo principal e impugnando os factos alegados neste processo apenso quanto ao mesmo.

Na sequência de citação, o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital  ...... apresentou articulado pedindo a condenação da Ré a reembolsá-lo da importância total de € 1.044,23 paga a título de subsídio de doença ao Autor, no período de 26 de Fevereiro a 6 de Julho de 2005, pelo acidente de viação ocorrido em 26 de Fevereiro de 2005, e, em consequência dele, ter sofrido incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional.

A ré contestou, também, o pedido de reembolso, expondo a mesma versão sobre a dinâmica do acidente, concluindo que não é responsável pelo pagamento da quantia peticionada.

O Autor replicou.

Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais. E foram seleccionados os factos assentes e controvertidos, com elaboração da base instrutória, sem reclamações.

Apenso C           

Este processo apenso é constituído pela acção declarativa, com processo ordinário, intentada  por EE contra a Mapfre Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta Ré a pagar-lhe quantia de € 219.620,50 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si liquidados e na indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos de que futuramente virá a sofrer em consequência do acidente em apreço, designadamente, os decorrentes das despesas de assistência médica e medicamentosa, agravamento da incapacidade permanente parcial já determinada e demais danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar e juros compensatórios devidos até à data da propositura da ação por via da depreciação da moeda e os que se vencerem até efetivo pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, que:

O supra mencionado acidente ocorreu numa recta, composta por duas faixas de rodagem, separadas por uma linha contínua, ladeada de bermas, sendo a do lado direito, atento o sentido ...... – ......, com a largura de 1,7 m e a do lado esquerdo com 3,10m.

Circulava, proveniente de ...... em direção a ......, a velocidade não superior a 50 km/h, sem qualquer outro veículo à sua frente; de súbito, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XN-...-..., pertencente a FF e conduzido por GG, que se encontrava estacionado na berma do lado direito, atento o aludido sentido, iniciou a marcha, invadiu a hemi-faixa de forma perpendicular por pretender atravessar a EN e estacionar na berma contrária em frente ao Café …, no momento em que o QC se encontrava a distância inferior a 10 metros, ficando o XN completamente atravessado na hemi-faixa, atenta a mudança de 90º empreendida pelo condutor, obstruindo a passagem do QC; logo que se apercebeu da manobra, accionou o sistema de travagem e tentou guinar para a esquerda, o que não resultou em virtude de o XN não ter detido a marcha, nem corrigido a trajetória, ocorrendo embate entre a frente do QC e a lateral esquerda do XN, concretamente, na porta do condutor e painel compreendido entre os rodados da frente e traseiros, na faixa onde circulava, próximo da linha delimitadora das duas hemi-faixas.

Devido ao acidente, chocou contra o volante, o que lhe causou escoriações na face, sobrolho direito e couro cabeludo e no tórax; foi transportado pelo INEM ao Hospital ...., em ......, onde recebeu assistência de urgência, com sutura das escoriações e recomendação de repouso, recolhendo a casa; pelas 16h00 desse dia, por agravamento do seu estado de saúde, foi conduzido ao Hospital ....., onde foi observado e de novo recomendado repouso; porque continuava a piorar, recorreu ao Hospital Particular …., no final da tarde, onde, após vários exames médicos, foi diagnosticado traumatismo abdominal fechado, com rotura do rim e vesícula, tendo sido efetuada laparotomia exploradora e esplenectomia total, permanecendo internado até 2 de Março seguinte; passou para o serviço de ambulatório, com deslocações de dois em dois dias até 17 de Março, ficando de baixa; em 13 de Agosto e 1 de Setembro de 2005, foi reoperado por eventração tendo alta médica em 21 de Dezembro de 2006; em 12 de Outubro de 2006, após recidiva relativa a pequeno quisto, foi operado com internamento de um dia; em 7 de Setembro de 2007, foi observado na consulta externa apresentava uma queloide da cicatriz da laparotomia mediana e desvio do septo nasal, tendo sido operado com exérese dessa cicatriz; foi considerado clinicamente curado em 27 de Novembro de 2007, com retoma da atividade profissional; durante todo o período de doença, esteve impossibilitado de trabalhar, deixando de auferir € 18.205,00 de salários, € 3.783,00 de subsídio de alimentação e € 3.300,00 de outros direitos laborais conexos.

Continua sob vigilância médica por ter prognóstico reservado quanto à evolução da doença, por não estar excluída a hipótese de ter contraído ou venha a contrair doença grave da função hepática ou renal; apresenta como sequelas permanentes esplenectomia, cicatrizes abdominais dolorosas, cicatriz queloide com mais de 16 cm e desvio do septo nasal, que determinam uma IPP de 57,5%; é previsível o agravamento da doença e da incapacidade, com despesas médicas e medicamentosas.

À data do acidente, tinha 21 anos, era robusto, saudável, bem constituído, sem qualquer incapacidade ou deformidade. Actualmente, as sequelas refletem-se no exercício da atividade profissional de cortador de carnes verdes, designadamente, nos desempenhos manuais que exigem maior esforço físico, sendo frequentes as dores provenientes da cicatriz e do abdómen, bem como dificuldades de respiração, calculando em € 125.054,00 a indemnização.

Suportou € 8.528,00 em despesas de saúde, no momento do acidente usava vestuário no valor de € 500,00, que pereceu, e teve despesas de € 250,00 em deslocações a estabelecimentos de saúde.

Sofreu dores no momento do acidente e durante os tratamentos, angústia pelo tempo passado em internamentos hospitalares, na incerteza da cura por via de complicações pós-operatório, que lhe provocaram depressão e ansiedade; as debilidades físicas de que está afectado impedem-no da prática desportiva, que tinha duas vezes por semana na companhia dos amigos, o que acarreta frustrações e lhe dificulta o convívio por se sentir diminuído face aos demais; a sua deficiência é revelada pela cor da sua pele, tem de renunciar a géneros alimentares e à realização de tarefas de índole doméstica; a cicatriz queloide impede-o de se expor ao sol e constrange-o na exposição pública; devido ao desvio do septo nasal tem grande dificuldade na respiração; pretende compensação de € 60.000,00.

A Ré contestou, apresentando uma versão do sinistro idêntica à que consta no processo principal, acrescentando que o XN circulava a cerca de 30 km/h e que, após ter percorrido cerca de 18 metros até ao entroncamento da EN ...... com a Rua do …., situada no lado esquerdo, atento o sentido ...... – ….., onde pretendia mudar de direção, sinalizou, certificou-se que não existia sinalização que impedisse a manobra, nem trânsito a circular em sentido contrário ou a ser ultrapassado, abrandou a marcha, aproximou-se o mais possível do eixo da via, momento em que foi embatido pelo QC que iniciou a sua ultrapassagem pela esquerda, circulando a velocidade superior a 150 km/h, apesar de estar no local limitada a 50 km/h e com sinal vertical de proibição de ultrapassagem.

Contrapôs que o condutor do XN é filho do proprietário do veículo que no momento do acidente lho havia emprestado não retirando daí qualquer lucro ou vantagem; impugnou os danos invocados.

Na sequência de citação para o efeito, o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital ...... apresentou articulado, pedindo a condenação da Ré a reembolsá-lo da quantia de € 3.015,13 no período de 26 de Fevereiro a 2005 a 2 de Fevereiro de 2006, alegando ter pago ao Autor tal quantia a título de subsídio de doença pelo período que esteve com incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional em consequência do acidente de viação no aludido período.

A Ré também contestou o pedido de reembolso dando por reproduzida a versão do acidente anteriormente apresentada, concluindo que o pagamento não é da sua responsabilidade; impugnou o período e o montante do subsídio de doença.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, e houve selecção da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória.

Em sede de audiência final:

- O Autor AA formulou ampliação do pedido originalmente formulado sob a alínea a) para a quantia de € 2.625,45, acrescida de juros de mora vencidos desde 21 de Novembro de 2005 e a “redução do pedido” alusivo à paralisação por referência à data de entrega quantificando-o em € 4.725,00;

- O Autor BB requereu a “redução do pedido” alusivo à paralisação por referência a 22 de Dezembro de 2005, quantificando-o em € 5.250,00;

- O Autor CC requereu a ampliação do pedido originalmente formulado sob a alínea a) para a quantia de € 9.984,81, acrescida de juros de mora vencidos por referência aos dois momentos em que procedeu ao respectivo pagamento, € 5.000,00 em 22 de Dezembro de 2005 e € 4.984,81 em 12 de Fevereiro de 2007.

Alegaram, respetivamente, que o veículo ...-...-LE lhe foi entregue reparado em 21 de Novembro de 2005, tendo despendido € 2.625,45; que o veículo ...-...-US  foi disponibilizado ao segundo em 22 de Dezembro de 2005 e, o terceiro, que a reparação lhe custou € 9.984,81.

As Rés impugnaram os factos alegados, excepcionando a primeira que logo no início de Março de 2005 o terceiro Autor comprou outro veículo que passou a ser utilizado por si e pelo segundo Autor, não havendo prejuízos decorrentes da privação do US.

Os Autores CC e BB exerceram o contraditório argumentando que o novo veículo se destinou a substituir outro usado pelo primeiro e pela esposa, que fora entregue para abate.

Os requerimentos formulados pelo primeiro e segundo Autores do processo principal foram admitidos como incidente de liquidação, ao passo que a pretensão do terceiro Autor foi indeferida devido a intempestividade da invocação dos factos supervenientes.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal aplicável, após o que foi proferida sentença, em 22/12/2019, que terminou com o seguinte dispositivo:

I. Julgando a ação correspondente ao processo principal parcialmente provada e procedente:

1) absolve a Ré Mapfre Companhia de Seguros, S. A. dos pedidos formulados pelos Autores AA, BB, CC;

2) condena a Ré Seguradoras Unidas, S. A. a pagar o seguinte:

a) ao Autor AA as quantias de:

i) € 29.983,69 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 24 de Janeiro de 2019 até integral e efetivo cumprimento;

ii) € 30.041,49 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento;  

b) ao Autor BB a quantia de € 1.807,10, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 24 de Janeiro de 2019 até integral e efetivo cumprimento;

c) ao Autor CC a quantia de € 10.153,80, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 24 de Janeiro de 2019 até integral e efetivo cumprimento.

Custas a cargo dos Autores e da Ré identificada em 2) na proporção de 9/100 e 91/100, respetivamente.

II. Julgando a ação correspondente ao apenso A) parcialmente provada e procedente, condena a Ré Seguradoras Unidas, S. A. a pagar ao Autor Centro Hospitalar do ...., EPE a quantia de € 2.804,85, acrescida de juros à taxa legal de 4%, até integral e efetivo cumprimento desde:

i) desde 8 de Agosto de 2005, relativamente ao montante de € 2.490,69;

ii) desde 10 de Outubro de 2005, relativamente ao montante de € 133,76;

iii) desde 5 de Junho de 2008, relativamente ao montante de € 180,40.

Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção de 22/100 e 78/100 respetivamente.

III. Julgando a ação correspondente ao apenso B) parcialmente provada e procedente, condena a Ré Seguradoras Unidas, S. A. a pagar ao Autor GG o seguinte:

i) a quantia de € 18.539,58, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 15 de Fevereiro de 2008 até integral e efetivo cumprimento;

ii) o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 119) c) e 120) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 80%;

iii) a quantia de € 28.000, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento.

Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção de 33/10 e 67/10, respetivamente.

IV. Julgando o articulado próprio apresentado no apenso B) pelo Interveniente Principal Instituto da Segurança Social, IP condena a Ré Seguradoras Unidas, S. A. pagar-lhe a quantia € 835,38 a título de reembolso de subsídio de doença pago ao Autor identificado em III), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 29 de Setembro de 2008 até integral e efetivo cumprimento;

Custas a cargo do Interveniente Principal e da Ré na proporção de 20/10 e 80/10 respetivamente.

V. Julgando a ação correspondente ao apenso C) parcialmente provada e procedente, condena a Ré Mapfre Companhia de Seguros, S. A. a pagar ao Autor EE:

i) € 1.198,30 a título de indemnização por danos patrimoniais, reportados ao ponto 145) da fundamentação de facto, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 15 de Maio de 2009 até integral e efetivo cumprimento;

ii) o que vier a ser liquidado relativamente a perdas de rendimento, por referência aos pontos 138) e 139) da fundamentação de facto, com dedução do montante de € 3.015,13, referido no ponto 124), até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%;

iii) o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 146) e 147) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%;

iv) o que vier a ser liquidado relativamente ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica identificado no ponto 142) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%;

v) € 9.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento;

Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção de 84/100 e 16/100 respetivamente.

VI. Julgando o articulado próprio apresentado no apenso C) pelo Interveniente Principal Instituto da Segurança Social, IP condena a Ré Seguradoras Unidas, S. A. pagar-lhe a quantia € a título de reembolso de subsídio de doença pago ao Autor identificado em V), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 30 de Novembro de 2009 até integral e efetivo cumprimento[3];

Custas a cargo do Interveniente Principal e da Ré na proporção de 80/10 e 20/10 respetivamente.

Registe e notifique.”

Dessa sentença, interpuseram recurso de apelação o autor EE e a ré Seguradoras Unidas, S.A, (ambos recursos independentes); bem como o autor GG e a ré Mapfre, S.A., (estes recursos subordinados).

A Relação ….., por acórdão de 15/10/2020, deliberou julgar:

“- Improcedentes o recurso principal apresentado pelo autor Eugénio e os recursos subordinados apresentados pelo autor GG e ré Mapfre Seguros Gerais SA.

Custas dos recursos a pagar pelos respectivos recorrentes os quais decaíram nas suas pretensões.

- Parcialmente procedente o recurso principal apresentado pela ré Seguradoras Unidas SA e em consequência:

- Condena-se as rés Seguradoras Unidas SA e Mapfre Companhia de Seguros SA a pagarem as quantias fixadas na decisão recorrida a título de indemnização e compensação aos autores AA; BB e CC na proporção da responsabilidade na produção deste acidente e suas consequências mais precisamente 80% e 20%.

- Condena-se a ré Mapfre Seguros Gerais SA a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP a quantia de € 603,03 (seiscentos e três euros e três cêntimos) a título de reembolso de subsídio de doença pago ao Autor identificado em V), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 30 de Novembro de 2009 até integral e efectivo cumprimento.

Custas deste recurso a pagar pelas rés Seguradores Unidas SA e Mapfre Companhia de Seguros SA na proporção de 80/10 e 20/10 respectivamente.

Confirmando e mantendo o demais decidido na 1ª instância.”

Para esta decisão relevou o facto de a Relação ter entendido, à semelhança da 1.ª instância, que ambos os condutores tiveram culpa na produção do acidente, sendo a responsabilidade de 80% para o condutor do QC e de 20% para o do XN e, por conseguinte, das respectivas seguradoras.

A única divergência verifica-se apenas quanto à responsabilidade pelos danos sofridos pelos autores AA, BB e CC, que a 1.ª instância fixara ser totalmente da ré Seguradoras Unidas, SA, mas que a Relação repartiu pelas respectivas seguradoras de acordo com aquela proporção que o Tribunal da 1.ª instância já tinha fixado.

No mais, manteve a Relação o decidido.

 Irresignados, interpuseram recurso de revista o autor do apenso C e apelante EE e a ré Generali Seguros, S.A., e apresentaram as correspondentes alegações com as seguintes conclusões:

A) Do autor EE:

“1.º - Da matéria fáctica assente nos autos ao Recorrente somente é atribuída o facto de circular na via em velocidade superior ao limite previsto para o local;

2.º - Dos autos resulta que o acidente de trânsito ficou a dever-se, em maior grau, ao condutor do veículo matrícula XN-...-..., segurado da Ré Mapfre, e como tal deverá ser atribuída;

3.º - A conduta culposa do condutor do veículo matrícula XN contribuiu, de forma elevada, para a produção do acidente, uma vez que a sua atuação, consubstanciada em três manobras seguidas: de inversão de marcha; ida à berma e sua saída para a faixa de rodagem da estrada nacional que liga as cidades de ...... a …. e mudança de direção, para esquerda, com atravessamento da hemi-faixa onde circulava o veículo QC, impediu o Recorrente de prosseguir a sua marcha;

4.º - Tendo presente as características da via, estrada nacional, com duas faixas de rodagem separada por linha longitudinal contínua, a velocidade atribuída ao veículo conduzido pelo Recorrente não deverá ser considerada como causa principal para o produção do acidente, uma vez que o mesmo ocorreu por via da entrada inopinada do XN na via, a curtíssima distância e sem qualquer pré-sinalização da manobra, a cerca de dois metros de distância do QC, tornando inevitável para qualquer veículo animado por velocidade superior a 30 km/h, pois o tempo normal de reação do condutor (2 segundos) seria superior ao espaço percorrido pela viatura, i.é. manter-se-ia a inevitabilidade do acidente;

5.º - Sobre o condutor do XN recai a presunção de culpa, como se extrai da factualidade dada como provada nos pontos 4 e 5 da douta sentença e o princípio legal aplicável.

6.º - Na distribuição da responsabilidade pelos condutores, atendendo às circunstâncias concretas (apuradas) da ocorrência do acidente, ainda a culpa a atribuir ao Autor na sua produção não deverá exceder a percentagem de 20% (vinte por cento);

7.º - Na liquidação do dano patrimonial, com referência a perdas salariais, deverá ser calculado tudo quanto o Recorrente deixou de ganhar em consequência do acidente, entre a data do acidente e a de fixação da incapacidade permanente, o que deverá ser calculado tendo por base o salário e os direitos laborais previstos no Código do Trabalho;

8.º - O período de doença considerado na douta sentença não está conforme o período de incapacidade do Autor/Apelante para o exercício da atividade profissional, esta determinada no “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corpora!” elaborado pelo GML-… em 18/8/2015;

9.º - Na douta sentença foi considerado, quanto a perdas salariais, o período compreendido entre 26/02/2005 e 02/02/2006, bem como o período compreendido entre 12/10/2006 e 21/12/2006, não levando em consideração o período fixado naquele relatório do GML-F, num total de 639 dias de incapacidade e repercussão temporária na atividade profissional, o que é relevante da determinação do dado patrimonial pela perda de ganho;

10.º - A distinta fixação do período de incapacidade está desconforme com o aludido “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal” e nas doutas decisões não se alcança fundamento para a preterição do resultado da perícia.

11º - Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por danos futuros - frustração de ganho - deverá ter em conta o período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida e não em função da duração da vida profissional activa do lesado (até atingir a idade normal de reforma);

12.º - A esperança média de vida está a ser considerada, nos homens, cerca de 80 e mais anos de idade;

13.º - O Autor entende, face à lesão grave da sua saúde, da integridade física e o padecimento físico e psíquico sofrido, as dores sentidas a quando do acidente e das três cirurgias a que foi submetido, a angústia de ter de viver com uma deformidade, sem baço (esplenectomia) e uma extensa cicatriz com queloide que o marca e condiciona a sua vida, o longo período de doença e restabelecimento, num total de 1.004 dias, o dano moral é significativamente expressivo num jovem que contava 21 anos de idade, deverá ser compensado em valor superior ao fixado na douta sentença, no que considera adequada a quantia de 60.000,00 €.

14.º - Deverá o acórdão recorrido ser revogado e proferida nova decisão a fixar distinta repartição de responsabilidades entre os condutores dos veículos “QC” e “XN” na proporção de 20% para o primeiro e 80% para o segundo, e assim determinada e fixada a indemnização devida ao Autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente nos autos.

NESTES TERMOS,

deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e,

em consequência, revogado o douto acórdão recorrido c decidindo

nos termos alegados, assim,

farão VV Exªs, Senhores CONSELHEIROS, a habitual

JUSTIÇA!”

B) Da ré Generali Seguros, S.A.:

“I - Em face dos factos dados como provados, a única infração imputável ao condutor do QC é a circulação a uma velocidade excessiva

II - Porém, da factualidade provada resulta perfeitamente estabelecido que, a dado passo, o XN, provindo da berma, sem sinalização prévia, invadiu a faixa de rodagem da EN …, pela qual circulava o QC, ocupando a respetiva linha de rumo e dando causa ao acidente.

III - Por outro lado, em face dos factos dados como provados nos pontos 9, 10 (primeiro), 13 e 10 (segundo) do elenco da factualidade dada como demonstrada, não pode retirar-se outra conclusão senão a de que o condutor do XN, quando iniciou a manobra de o levou a abandonar a berma onde estava imobilizado, poderia ver o QC em aproximação.

IV - A conduta do tripulante do XN, ao invadir a faixa de rodagem da via onde circulava o QC, surge em clara violação das normas dos artigos 12º, 29º e 35º do Código da Estrada.

V - Por outro lado, apesar de o QC circular a uma velocidade superior à permitida, o condutor do XN, se conduzisse com a devida atenção, ter-se-ia apercebido da aproximação daquele carro e abster-se de realizar a manobra que levou a efeito.

VI - Assim, o condutor do XN poderia e deveria ter-se apercebido da aproximação do QC, ainda que em excesso de velocidade, o que o deveria ter levado a aguardar pela respetiva passagem, ao invés de ocupar a via de transito.

VII - Face ao exposto, considerando as circunstâncias em que ocorreu o acidente, surge como muito mais censurável a conduta do tripulante do XN, quando comparada com a do autor EE.

VIII - Daí que se imponha a revogação do douto acórdão e a prolação de nova decisão que, repartindo a responsabilidade entre o condutor do QC e do XN na proporção de 30% para o primeiro e 70% para o segundo, reduza as prestações que se entenda serem devidas pela Ré quanto a todos os demandantes com direito de indemnização – pelos valores dos danos apurados na sentença e douto acórdão quanto aos AA CC, BB, Centro Hospitalar e ISS, IP e nos termos que adiante melhor se exporão quando ao AA e GG – para aquela percentagem de 30%, o que se requer.

IX - E se se entender que essa repartição de responsabilidade não é adequada, sempre se imporia uma diferente distribuição daquela que foi operada no douto acórdão, graduando-se a responsabilidade do EE em percentagem inferior à de 80%, e a do condutor do XN em percentagem superior à de 20%, o que, subsidiariamente, se requer, reduzindo-se as prestações que se entenda serem devidas pela Ré quanto a todos os demandantes com direito de indemnização – pelos valores dos danos apurados na sentença e douto acórdão quanto aos AA CC, BB, Centro Hospitalar e ISS, IP e nos termos que adiante melhor se exporão quando ao AA e GG – para a percentagem que vier a ser fixada, o que, subsidiariamente, se requer.

X - A ré não suscitará neste recurso a questão da quantificação das indemnizações devidas a estes autores pelos danos decorrentes do acidente.

XI - Porém, como já acima se salientou, a responsabilidade da ora recorrente pelas consequências do acidente deve ser graduada em não mais de 30%, ou, se assim não se entender, em percentagem sempre inferior à de 80%.

XII - Logo, deve ser revogado o douto acórdão na parte em que condenou a Ré a pagar ao CC, ao BB, ao Centro Hospitalar e ao ISS, IP 80% dos valores que lhe são devidos e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que condene a Ré a pagar, apenas, 30%, ou assim não se entendendo, a percentagem dos danos sofridos por estes lesados que corresponde à percentagem da responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado EE

XIII - O pedido global do AA ascendia a 56 319,25€ e a Ré foi condenada na sentença de primeira instância a pagar-lhe 60 025,18€., ou seja, acima do pedido, o que, na perspetiva da Ré, determinou a nulidade dessa decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea e) do CPC, a qual invocou nas alegações do recurso de apelação.

XIV- Porém, tal nulidade não foi atendida no douto acórdão sob censura, com o fundamento de que foram peticionados juros moratórios.

XV - No que toca às prestações indemnizatórias reclamadas, o limite da condenação não pode ser outro senão o do pedido correspondente, não podendo este ser ultrapassado com o fundamento de que lhe acrescem juros.

XVI - O pedido de condenação em juros apenas permite a atribuição dessa concreta prestação e não prestações indemnizatórias não pedidas

XVII - Consequentemente, por ser nula a sentença, deve ser revogado o douto acórdão na parte em que não atendeu a tal nulidade, declarando-se agora essa mesma nulidade.

XVIII - Do mesmo passo, porque no douto acórdão também a Ré foi condenada para além do pedido e em objeto diverso deste, deve esse doutro acórdão ser anulado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigo 615º n.º 1 alíneas d) e e) do CPC, o que impõe a anulação dessa douta decisão e sua substituição por outra que supra tal vício.

XIX - Em face da factualidade dada como provada, a Ré entende que se provou que o AA sofreu os seguintes prejuízos, cuja quantificação não põe em causa: 2.625,45 respeitantes ao custo da reparação do LE, 692,50€ pela privação do uso desse carro e 638,69€ referentes a despesas médicas.

XX - Porém, a responsabilidade da Ré quanto a esses danos só existirá na percentagem de 30%, ou outra que venha a ser fixada, nos termos já acima referidos, pelo que, nesse caso, deve ser revogado o douto acórdão na parte em que condenou a Ré a pagar aos A AA 80% daqueles montantes e, em sua substituição, deve a Ré ser condenada, apenas, a suportar a percentagem ou parte deles que corresponder à responsabilidade que vier a ser atribuída ao EE na respetiva produção, absolvendo-se a Ré do remanescente, ou condenando-se a Mapfre a satisfazê-lo.

XXI - Tendo em conta os factos dados como provados, as perdas salariais do AA ascendem a 2.657,52, pelo que, caso se entenda que sobre a Ré recai a obrigação de indemnizar, deverá ser revogado, nesta parte o douto acórdão e a Ré condenada, apenas, a pagar a percentagem desse valor que corresponda à contribuição do EE para a produção do acidente.

XXII - Uma vez que não existe, ou não se provou uma efetiva perda de rendimentos futuros, o principal critério na fixação desta indemnização é a equidade, sem prejuízo de se atender a critérios coadjuvantes, como as portarias que enquadram a proposta razoável, as tabelas financeiras e decisões em casos análogos.

XXIII - Recorrendo às regras da aludida portaria, a compensação do A pelo dano biológico de 4 pontos ascenderia a valor entre 3 549,96€ e 4 268,16

XXIV - Já numa perspetiva de ressarcimento de uma efetiva perda de rendimentos, considerando uma retribuição anual líquida de 4.547,40€ uma esperança de vida ativa de 51 anos, uma taxa de crescimento salarial anual de 1%, uma incapacidade de 4 pontos e uma taxa de capitalização de 2%, chegaríamos a verba de cerca de 8.000€.

XXV - Em face do exposto, tendo em conta as considerações acima expendidas, afigura-se adequado a indemnizar o dano decorrente da incapacidade permanente/dano biológico do autor AA a verba de 7.000,00€.

XXVI - E, se assim não se entender, sempre deverá essa indemnização o ser fixada em valor inferior, o que, subsidiariamente, se requer

XXVII - Sendo que, da quantia que vier a ser fixada, a Ré apenas deverá ser responsabilizada na proporção da responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, se se entender que esta existe, reduzindo-se a prestação devida nesses termos, o que se requer.

XXVIII - Em dos factos provados, considera a Ré que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A AA se deveria fixar na verba de não mais de 7.500,00€.

XXIX - E, mesmo que se entendesse não ser adequada a verba sugerida – o que não se concede – sempre se imporia a redução da quantia fixada a este título no douto acórdão, o que, subsidiariamente, se requer.

XXX - Sendo que, apenas será devida a percentagem dessa quantia correspondente à porção da responsabilidade que viesse a ser atribuída ao A EE.

XXXI - Na fixação da indemnização pelo dano biológico do AA o julgador ateve-se ao momento mais recente que lhe era lícito considerar, ou seja, o do encerramento da discussão em 1ª instância, pelo que a aplicação ao valor atribuído (ou a qualquer outro que viesse a ser fixado) de critérios de atualização corresponde a uma clara duplicação.

XXXII - Assim, deve ser revogado o douto acórdão na parte respeitante em que procedeu à atualização da indemnização devida ao AA pelo seu dano biológico, atribuindo-se, em sua substituição, uma indemnização já de si atualizada nesta data e de valor inferior ao fixado, nos termos que acima se sustentaram.

XXXIII - E por essa indemnização atualizada a ré deverá, apenas, responder, se sobre si recair a obrigação de indemnizar, na proporção da responsabilidade que vier a ser atribuída ao seu segurado EE.

XXXIV - Em face da factualidade dada como provada, a Ré entende que se provou que o GG sofreu o dano de 358,90€, referente a honorários médicos, pelo que deve esta ser condenada, apenas, a suportar a percentagem ou parte dessa quantia que corresponder à responsabilidade que vier a ser atribuída ao EE na respetiva produção, absolvendo-se a Ré do remanescente, ou condenando-se a Mapfre a satisfazê-lo

XXXV - As perdas salarias do GG, depois de abatida a verba que recebeu a título de subsídio de doença, ascendem a não mais de 580,17€

XXXVI - Pelo que deverá ser revogado, nessa parte, o douto acórdão e a Ré condenada a pagar ao A GG, apenas, a percentagem desse valor de 580,17€ que corresponder à contribuição do EE para a produção do acidente, o que se requer.

XXXVII - Também em relação ao GG não se provou que o seu défice funcional acarrete qualquer efetiva perda de rendimentos futura, devendo recorrer-se a critérios de equidade na sua fixação.

XXXVIII - De acordo com os critérios estabelecidos na portaria 679/2009, a compensação do dano biológico do A deve situar-se em quantia de entre 6 586,92€ e 7 664,22€ (cfr Anexo IV dessa portaria).

XXXIX - Já numa perspetiva de ressarcimento de uma efetiva perda de rendimentos, considerando uma retribuição anual líquida de 4 525,36€ uma esperança de vida ativa de 51 anos, uma taxa de crescimento salarial anual de 1%, uma incapacidade de 4 pontos e uma taxa de capitalização de 2%, chegaríamos a verba de cerca de 10.000€.

XL - Em face do exposto, tendo em conta as considerações acima expendidas, afigura-se adequado a indemnizar o dano decorrente da incapacidade permanente/dano biológico do autor AA a verba de 9.000,00€.

XLI - E ainda que se venha a considerar que a verba sugerida pela Ré não é a adequada, sempre se imporia a redução da quantia fixada no douto acórdão, porque manifestamente exagerada, com a responsabilização da Ré apenas na proporção da responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, se se entender que esta existe.

XLII - Sendo que, dessa quantia, a Ré apenas deverá ser responsabilizada na proporção da responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, se se entender que esta existe.

XLIII - Tendo em conta os factos dados como provados, a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A GG deve ser fixada na verba de não mais de 10.000,00€.

XLIV - E, mesmo que se entendesse não ser adequada a verba sugerida – o que não se concede – sempre se imporia a redução da quantia fixada a este título no douto acórdão, o que, subsidiariamente, se requer.

XLV - Sendo que, caso se entendesse que recai sobre a Ré o dever de indemnizar, apenas seria devida a percentagem dessa quantia correspondente à porção da responsabilidade que viesse a ser atribuída ao A EE.

XLVI - indemnização pelo dano biológico do GG foi fixada tendo em conta o momento mais recente que o Tribunal poderia atender, que era o do encerramento da discussão em primeira instância.

XLVII - Deve, pois, ser revogado o douto acórdão na parte em que condenou a Ré a pagar ao GG juros moratórios sobre a indemnização fixada a título de dano biológico – seja ela a que se fixou na sentença, seja a que se vier a atribuir em sede de recurso – substituindo-se essa decisão por outra que condene a Ré a pagar esses juros desde a sentença de primeira instância.

XLVIII - O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 483.º, 570.º, 496º e 566º do Cod Civil

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se ou anulando-se o douto acórdão e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar

JUSTIÇA”

Contra-alegaram:

- a ré Mapfre Seguros Gerais, S.A., sustentando a inadmissibilidade dos recursos de revista, dada a verificação de dupla conforme, e, subsidiariamente, a improcedência de ambos os recursos com a consequente confirmação do acórdão recorrido;

- o autor AA, pugnando pela integral confirmação do acórdão recorrido.

Os recursos interpostos foram admitidos e mandados subir, com a efeito meramente devolutivo.

Neste Tribunal, no despacho liminar, o Relator relegou para a conferência a apreciação da (in)admissibilidade dos recursos interpostos, suscitada pela recorrida Mapfre, o que se passa a fazer, a título de questão prévia:

Vejamos:

Estando em causa quatro acções – uma principal e três apensas -, não obstante ter sido proferida uma única decisão, nesta foram conhecidos, individual e particularmente, cada um dos pedidos formulados em cada uma dessas acções.

Com efeito, conforme vem sendo entendido pelo STJ, e já o dissemos no nosso acórdão de 19/5/2020, proferido no processo n.º 376/15.5T8VFR.P1.S1, “a apensação de acções não as unifica numa única acção, mantendo, ao invés, cada uma delas a sua autonomia e individualidade e, consequentemente, mantêm-se também distintos os pedidos formulados em cada uma das acções apensadas, tal como os valores processuais de cada uma delas e daí que, para efeitos de admissibilidade do recurso, se deva atender aos pressupostos de recorribilidade de cada acção individualmente considerada, assim sucedendo com o valor, com a sucumbência e com a dupla conforme”.

Veja-se, a este propósito, as seguintes decisões assim sumariadas:

I - A apensação de acções não as unifica numa única acção, mantendo cada uma a sua autonomia e individualidade, já que a razão de ser da apensação entronca no princípio da economia processual, além de visar evitar decisões contraditórias. Consequentemente, mantêm-se distintos os pedidos formulados em cada uma das acções apensadas, como são distintos os valores processuais de cada uma delas, havendo que atender ao valor processual de cada acção individualmente considerada, bem como à respectiva sucumbência, para efeitos de recurso.

(…)

09-03-2010

Revista n.º 94/2001.P1.S1 - 1.ª Secção[4]

I - A tramitação processual conjunta dos processos apensados, razão de ser da própria apensação, não contende com a autonomia substancial de cada um dos processos, que se mantém.

II - Apesar da apensação, permanece a individualidade própria de cada acção, assim como se mantém a autonomia dos pedidos formulados em cada uma, cuja utilidade económica continua distinta dos demais, nomeadamente para efeitos da determinação do valor processual, sucumbência ou tributários.

III - Tendo-se efectuado o julgamento conjunto e proferida uma única sentença que conheceu do mérito das pretensões do autor formuladas nas duas acções apensas, a apelação tem de ser intentada no processo principal, onde foi proferida a sentença unitária, como determina o art. 687.º do CPC.

IV - Havendo uma sentença única, existirá também um único recurso.

24-05-2011

Agravo n.º 850-C/2001.C1.S1 - 1.ª Secção[5]

I - Havendo apensação de processos, a decisão jurisdicional, proferida no processo principal, é única, devendo conhecer, individual e particularmente, de cada um dos pedidos formulados em cada uma das acções apensadas.

II - Prolatada uma decisão jurisdicional única e verificada uma situação de dupla conformidade relativamente ao pedido formulado numa das acções – no caso, naquela que foi apensa –, fica vedado ao vencido recorrer da parte que decidiu de mérito o pedido formulado na acção apensa, por relativamente a ela se ter constituído caso julgado.

III - Pese embora a dupla conformidade decisória precludir ou esgotar a via do recurso ordinário na ordem jurisdicional comum, nada obsta que o reclamante/recorrente defenda os seus direitos, na jurisdição constitucional.

05-05-2015

Revista n.º 1805/08.0TTBVLG.P1-A.S1 - 1.ª Secção[6]

I - Na apensação de ações, mantêm-se distintos os pedidos deduzidos pelos vários autores nas ações apensadas e permanece, para cada um deles, a utilidade económica das demandas, pelo que não se altera o valor do processo principal.

(…)

07-06-2018

Revista n.º 418/13.9TBCDV.L1.S1 - 2.ª Secção[7]

Importa, assim, aferir da admissibilidade das revistas interpostas e, por conseguinte, da existência ou não de dupla conforme por referência a cada uma das acções – principal e apensas -, individualmente consideradas e pelos segmentos decisórios respeitantes a cada um dos pedidos que aí foram deduzidos.

Relativamente à acção principal, é óbvio que não se verifica a dupla conforme, atenta a data em que a mesma foi instaurada (20/6/2005) e visto que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC, onde aquela está prevista, foi excepcionado pelo art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o mesmo Código.

Mas o mesmo já não sucede quanto às acções apensas, visto que foram todas instauradas depois de 1 de Janeiro de 2008, como facilmente se alcança através da sua numeração, pelo que, relativamente a elas, funciona a dupla conformidade prevista no n.º 3 do citado art.º 671.º.

No que concerne às acções apensas, verifica-se que existe dupla conforme, uma vez que as decisões a elas referentes, proferidas pela 1.ª instância, foram confirmadas, “sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente”, pelo Tribunal da Relação que as confirmou integralmente com os mesmos fundamentos.

Com efeito, a decisão relativa ao apenso A), respeitante a acção instaurada pelo Centro Hospitalar do ...., EPE, em que a ré Seguradoras Unidas, S. A., foi condenada a pagar ao Autor a quantia de  2.804,85 €, acrescida de juros à taxa legal de 4%, até integral e efectivo cumprimento desde 8 de Agosto de 2005, relativamente ao montante de  2.490,69 €; 10 de Outubro de 2005, relativamente ao montante de 133,76 €; e desde 5 de Junho de 2008, relativamente ao montante de 180,40 € (cfr. ponto II da parte dispositiva da sentença) foi confirmada na íntegra pela Relação.

A decisão referente à acção correspondente ao apenso B), instaurada pelo GG contra a Seguradoras Unidas, S. A., e em que esta foi condenada a pagar àquele autor a quantia de 18.539,58 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 15 de Fevereiro de 2008 até integral e efectivo cumprimento; o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 119) c) e 120) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 80%; e a quantia de  28.000,00 €, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a data da sentença até integral e efectivo cumprimento, também foi integralmente confirmada (cfr. ponto III do dispositivo). Também foi confirmada a decisão relativa ao articulado apresentado, na mesma acção, pelo Interveniente Principal Instituto da Segurança Social, IP, onde foi condenada a Ré Seguradoras Unidas, S. A., a pagar àquele a quantia 835,38 € a título de reembolso de subsídio de doença pago ao Autor identificado em III), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 29 de Setembro de 2008 até integral e efectivo cumprimento (cfr. ponto IV do dispositivo da sentença e parte decisória do acórdão).

Foi, ainda, confirmada a decisão, referente ao apenso C), que condenou a ré Mapfre Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao autor EE no seguinte: 1.198,30 €  a título de indemnização por danos patrimoniais, reportados ao ponto 145) da fundamentação de facto, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 15 de Maio de 2009 até integral e efectivo cumprimento; o que vier a ser liquidado relativamente a perdas de rendimento, por referência aos pontos 138) e 139) da fundamentação de facto, com dedução do montante de € 3.015,13, referido no ponto 124), até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%; o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 146) e 147) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%; o que vier a ser liquidado relativamente ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica identificado no ponto 142) da fundamentação de facto, até ao limite máximo peticionado, reduzido a 20%; 9.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento (cfr. ponto V). A Relação julgou, ainda, totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor EE, confirmando integralmente a sentença.

Finalmente, foi confirmada a decisão proferida no mesmo apenso C), referente ao pedido do Interveniente Principal Instituto da Segurança Social, IP, que condenou a Ré Seguradoras Unidas, S. A., a pagar-lhe a quantia a título de reembolso de subsídio de doença pago ao Autor identificado em V), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 30 de Novembro de 2009 até integral e efectivo cumprimento (cfr. ponto VI do dispositivo da sentença e parte decisória do acórdão).

Quanto às decisões proferidas relativas às acções apensas, verificando-se a dupla conforme, constituiu-se caso julgado, pelo que estamos impossibilitados de as reapreciar aqui.

Pela mesma razão, está vedado aos recorrentes suscitar na revista questões a elas referentes, pelo que não são admissíveis os recursos de revista na parte incidente sobre os pedidos deduzidos nas acções apensas, aqui se incluindo, como é óbvio, o recurso de revista interposto pelo autor/apelante EE (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

No que se refere ao recurso de revista interposto pela ré Generali, não se vislumbra que existam obstáculos à sua admissibilidade, restrita à acção principal

Cumpre, assim, apreciar e decidir o mérito do recurso que acabou por ser admitido.

Considerando o acima exposto no que toca à inadmissibilidade parcial da revista da ré Generali e atendendo a que o objecto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações (art. 635.º, n.º 4, do CPC), são as seguintes, por ordem de precedência lógica, as questões decidendas:

1. Nulidade do acórdão recorrido;

2. Responsabilidade pela ocorrência do acidente;

3. Correcção das quantias indemnizatórias fixadas aos autores AA, BB e CC.


II. Fundamentação

1. De facto

As instâncias consideraram provados os seguintes factos (excluindo-se aqui a referência às peças da sua proveniência, porque inútil):

I. Dinâmica do acidente:

1. No dia 26 de Fevereiro de 2005, pela 1 hora e 30 minutos, seguia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-QC, na EN nº ….., no sentido de ...... para ......, tripulado por EE.

2. O QC pertencia a DD, pai do condutor.

3. Entre o referido DD e a primeira Ré seguradora, foi celebrado contrato de seguro titulado pela apólice nº ….. através da qual transferiu para aquela a responsabilidade civil por danos que decorressem de acidente que envolvesse o veículo ...-...-QC, seguro esse que se encontrava em vigor à data da ocorrência do acidente em apreço.

4. O veículo automóvel de matrícula XN-...-... pertencia a FF, pai do Autor GG.

5. Entre FF e a segunda Ré seguradora foi celebrado contrato de seguro titulado pela apólice nº ….. através da qual transferiu para aquela a responsabilidade civil por danos que decorressem de acidente que envolvessem o veículo XN-...-..., encontrando-se esse seguro em vigor à data do acidente.

6. O veículo ...-...-LE pertencia a AA.

7. O veículo ...-...-US , pertencia a CC, pai do Autor BB.

8. No local a estrada configura uma reta com uma hemi-faixa em cada sentido.

9. No sentido ...... – …. a reta referida em 8) tem extensão superior a 500 metros e pendente ligeiramente ascendente na sua fase final.

10. Nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar, o estado do tempo era bom, propiciando-se boas condições de visibilidade.

11. No local do embate, a faixa de rodagem da EN n.º …. media 6,70 metros de largura.

12. A EN é ladeada de bermas, a do lado direito, atento o sentido ....../...., com a largura de 1,70 m e a do lado esquerdo com a largura 3,10 m.

13. No sentido ...... – ...., existe uma lomba situada a mais de 100 metros do local onde o XN se encontrava imobilizado.

14. Na aproximação ao km 37,10 as hemi-faixas encontravam-se divididas por uma linha longitudinal contínua aposta no pavimento, tendo adjacente pela esquerda, considerando o sentido .... – ..., uma linha descontínua na aproximação da Rua de …, que entronca desse lado com a EN …., sendo descontínua no alinhamento dessa rua para os dois sentidos de trânsito.

10 -A[8]. O veículo de matrícula …-…-QC circulava com os faróis dianteiros na posição de médios.

11 -B. Não circulava qualquer veículo à frente do QC.

12 -C. O XN encontrava-se imobilizado completamente na berma direita, considerando o sentido ...... – ......, nas imediações do portão de uma habitação ali exis-tente.

13 -D. A dado passo, o condutor do XN decidiu prosseguir a marcha com vista a virar à esquerda.

14 -E. Nesse momento não era avistável qualquer veículo à retaguarda do XN, no sentido ...... - ...., nem este se encontrava a ser ultrapassado.

15. O XN saiu da berma e iniciou a sua marcha pela hemi-faixa destinada ao sentido ...... – .....

16. O condutor do XN não acionou o dispositivo luminoso do pisca-pisca esquerdo para sinalizar a manobra referida em 13-A.

17. O XN percorreu cerca de 18 metros desde portão referido em 12) ficando alinhado com a entrada do parque de estacionamento de um edifício de exposição de mobiliário situado do lado esquerdo da EN ......, considerando o sentido ...... – ...., sita ao km 37,10.

18. No momento referido em 17), o XN circulava a cerca de 30 km/h.

19. Quando se encontrava em posição oblíqua em relação ao eixo da via, na hemi-faixa do sentido ...... – ...., no local referido em 18), o XN foi embatido pelo QC.

20. Ao aproximar-se do XN, o condutor do QC infletiu-o na direção do eixo da via.

21. O QC circulava a velocidade entre 85-95 km/h.

22. No momento referido em 19) não circulava qualquer veículo no sentido .... – .......

23. O veículo XN foi embatido pela frente do veículo QC na lateral esquerda sobre o pilar da porta, que sofreu uma deformação de trás para a frente.

24. O embate referido em 19) e 23) ocorreu na hemi-faixa do sentido ...... – …., sensivelmente sobre o eixo da via.

25. No momento referido em 1) o veículo LE estava imobilizado dentro da berma do lado direito considerando o sentido ...... – ......, estando o seu condutor no exterior, igualmente dentro da berma.

26. No mesmo momento, o US encontrava-se imobilizado logo atrás do LE, também no interior da berma, estando o Autor BB sentado no lugar do condutor.

27. Em consequência do embate no XN e da velocidade que o animava naquele mo-mento, o QC entrou em despiste, rodopiou para a esquerda indo embater com o seu painel traseiro esquerdo no painel traseiro esquerdo do veículo LE projetando-o contra o muro aí existente à sua direita.

28. O Autor AA foi também embatido pelo QC.

29. O QC também foi embater na frente esquerda do US.

30. O veículo US foi, então, projetado para trás e para a direita indo, igualmente, embater no muro de pedra referido em 27).

31. Depois do embate no LE e no US, o QC imobilizou-se na faixa destinada ao sentido .... – ......, com a frente na perpendicular em relação ao segundo.

32. Do embate referido em 19) e 23) resultou a projeção do veículo XN para a frente, que acabou por se imobilizar sem embater nos veículos LE e US.

33. Depois de se imobilizar, o XN ficou a ocupar parte da berma e parte da hemi-faixa destinada ao sentido .... – .......

34. No local existiam casas de habitação e de comércio de um e do outro lado da estrada.

35. FF havia emprestado o XN ao Autor GG para este se encontrar com amigos.

II. Consequências do acidente:

» Processo Principal:

36. Em consequência do embate referido em 28) o Autor AA sofreu lesões em ao nível dos joelhos e no tornozelo direito.

37. Foi transportado de ambulância para o Hospital  ..... em .......

38. Foi submetido a exames radiológicos, que não revelaram fraturas, tendo alta após imobilização Robert-Jones por stress valgar e suspeita de lesão do ligamento cruzado anterior, bem como realização de penso gordo no esfacelo do tornozelo.

39. Foi seguido na consulta externa do referido hospital até 13 de Abril de 2005.

40. Por sofrer de intercorrência infeciosa com perda de substância na perna direita, pós-traumática foi internado no serviço de cirurgia plástica do mesmo Hospital de 16 a 24 de Maio de 2005 para correção do esfacelo.

41. Foi submetido a cirurgia de limpeza e enxerto de pele.

42. Por persistência da infeção o Autor manteve-se em tratamento até 31 de Agosto de 2005, data em que teve alta.

43. Na data referida em 1) o Autor AA tinha a idade de 19 anos.

44. O Autor AA trabalhava para a sociedade comercial com denominação “S......., Ld.ª”, com sede no lugar de …., ….., ......, onde exercia funções de …...

45. O Autor auferia o salário ilíquido de € 365 catorze vezes por ano, com desconto de 11% para a Segurança Social, bem como € 2,5 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho.

46. Devido às lesões e tratamentos o Autor esteve sem trabalhar entre 26 de Fevereiro e 31 de Agosto de 2005.

47. O Autor esteve impedido de realizar com razoável autonomia as atividades da vida diária, familiar e social entre 26 de Fevereiro e 15 de Março e 16 e 24 de Maio de 2005.

48. Apesar dos tratamentos, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes:

a) cicatriz de 5 x 3 cm da face anterior da coxa, terço médio resultante da recolha de pele para enxerto;

b) cicatriz de 7 x 5 cm com zona central de 3 x 2,5 cm, esta hipercrómica, localizada na face anterior da transição do terço superior para o terço médio;

c) ligeira instabilidade dos joelhos no sentido antero-posterior, sem derrame e sem alterações de mobilidade.

49. As sequelas identificadas em 48) c) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, compatível com a atividade profissional, mas a exigir esforços acrescidos.

50. As lesões, os tratamentos e o processo de recuperação provocaram ao Autor dores de grau 3 numa escala de 1 a 7.

51. As cicatrizes identificadas em 48) a) e b) correspondem a dano estético de grau 1 numa escala de 1 a 7.

52. O Autor tem dificuldade em subir e descer escadas em grande número, ajoelhar-se e aninhar-se.

53. Sofre de dores em ambos os joelhos, com maior intensidade no esquerdo, bem como edema neste quando faz esforços.

54. As dores referidas em 53) e as dificuldades referidas em 52) provocam ao Autor desgaste físico e psíquico.

55. As dores acentuam-se com as variações climatéricas.

56. Antes do acidente o Autor praticava …. entrando em competições, o que lhe dava satisfação.

57. Devido às sequelas o Autor deixou desenvolver a atividade referida em 56), o que o desgosta.

58. Em consequência do acidente o Autor submeteu-se a tratamentos tendo despendido:

- o valor unitário de € 4,10 em taxas moderadoras por consultas no Hospital de .... em 16 de Março, 13 de Abril, 10, 31 de Maio, 7, 14, 28 de Junho, 30 de Agosto de 2005;

- € 1,70 em taxa moderadora relativa a meios complementares de diagnóstico realizados em 16 de Março do mesmo ano;

- € 43,90 em taxas moderadoras de assistência no serviço de urgência do mesmo Hospital em 26 de Fevereiro,16 de Março, 18 de Abril, 2 de Maio de 2005.

59. Em consequência do acidente o Autor suportou a despesa de € 10,29 na aquisição de medicamentos, dos quais € 2,52 após a entrada da ação.

60. Para realização da perícia o Autor submeteu-se a ressonância magnética a ambos os joelhos tendo despendido € 550.

61. Em consequência do embate e na sequência de desmontagem, o LE revelou danos na porta esquerda traseira, no painel lateral esquerdo, na coluna traseira direita, no farolim traseiro direito, no resguardo e guarda lamas traseiro direito, no amortecedor traseiro direito, no eixo traseira, no vidro do farolim traseiro esquerdo, no vidro esquerdo traseiro.

62. A reparação do LE implicou a substituição de peças e mão de obra de chapeiro, eletricista e pintor.

63. A reparação do LE ascendeu a € 2.625,45.

64. Em virtude de o Autor AA não dispor de recursos económicos, a reparação do LE só ficou concluída em meados de Outubro de 2005.

65. O ...-...-LE, era o veículo diariamente utilizado pelo Autor AA, para as suas deslocações de ordem profissional e pessoal.

66. Após a alta e até ao momento referido em 64), por não ter qualquer outro veículo para as suas deslocações, o Autor era transportado pelo irmão que tinha com ele em comum o local de trabalho, socorrendo-se do empréstimo de veículos de familiares para momentos de lazer.

67. Na zona onde o Autor AA habita existe carência de transportes públicos.

68. Em consequência do acidente e na sequência de desmontagem, o US revelou danos na sua frente, capot, em ambas as suas partes laterais e na sua parte traseira.

69. A reparação do US implicou a substituição de peças e mão de obra de chapeiro, eletricista e pintor, ascendendo a € 8.428,25.

70. Na primeira quinzena de Março de 2005, o Autor CC comprou o veículo … matrícula …-…-ZP.

71. O veículo referido em 70) destinou-se a substituir o veículo … matrícula XO-…-…, habitualmente conduzido pela esposa do Autor CC nas suas deslocações diárias, designadamente, para o trabalho e pelo casal nas deslocações de lazer ao fim de semana.

72. A matrícula do XO foi cancelada em 11 de Abril de 2005, na sequência de entrega para abate.

73. O US era utilizado pelo Autor BB nos dias úteis, em horário diurno, para as suas deslocações para o trabalho e de natureza particular ao fim de semana, bem pelo Autor CC nas deslocações para o trabalho, em horário noturno.

74. Em virtude de o Autor CC não dispor de disponibilidade económica para custear a reparação do US, a mesma foi concretizada em Dezembro de 2005, com a respetiva entrega no dia 22.

75. O Autor BB não dispunha de transportes públicos, que pudessem satisfazer as suas necessidades de deslocação.

76. Desde 26 de Fevereiro até ao momento referido em 74), o Autor BB teve de recorrer ao auxílio de familiares e amigos para as suas deslocações, sujeitando-se aos seus horários e disponibilidades.

» Apenso A):

77. O Autor Centro Hospitalar ....., E.P.E. é uma instituição hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde.

78. No exercício da atividade que desenvolve o Autor prestou assistência hospitalar ao Autor GG entre 26 de Fevereiro e 29 de Junho de 2005.

79. Em 26 de Fevereiro de 2005 o Autor GG deu entrada nos serviços de urgência do Autor CH…..

80. Daí GG foi transferido para o serviço de internamento de ortopedia onde permaneceu até 10 de Março de 2005.

81. Após andou em tratamento ambulatório frequentando o serviço de consulta externa do Autor CH….. nos dias 15, 22, 29 de Abril, 25 de Maio, 3 e 29 de Junho de 2005.

82. Frequentou ainda o serviço de fisioterapia do Autor CH… em 13, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 30 de Maio, 2, 7, 9, 21, 23 e 28 de Junho de 2005.

83. Em cada um dos serviços foi-lhe prestada a necessária assistência médica e medicamentosa que consistiu em:

- cirurgia ao fémur esquerdo e mão direita a 26 de Fevereiro de 2005;

- tratamento das escoriações e contusões em várias partes do corpo afetadas;

- tratamento de outros traumatismos no tornozelo e na bacia [resposta ao artigo 7º da petição inicial do apenso A)].

84. A assistência referida em 78) a 83) foi prestada na sequência das lesões sofridas no acidente ocorrido na data e local referidos em 1).

85. Da assistência prestada pelo Autor CH…. ao Autor GG resultaram despesas discriminadas nas seguintes faturas emitidas em nome da Ré Tranquilidade:

a) nº …..96, com data de 4 de Março de 2005, no montante de € 30,70;

b) nº ……01, com data de 5 de Abril de 2005, no montante de € 3.079,36;

c) nº …..88, com data de 3 de Maio de 2005, no montante de € 43,50;

d) nº …..17, com data de 10 de Maio de 2005, no montante de € 17;

e) nº ……70, com data de 9 de Junho de 2005, no montante de € 127,20;

f) nº …..87, com data de 29 de Junho de 2005, no montante de € 17;

g) nº ……21, com data de 29 de Junho de 2005, no montante de € 24,10;

h) nº …..57, com data de 8 de Julho de 2005, no montante de € 167,20.

86. Em data não concretamente apurada, anterior a 11 de Maio de 2005, o Autor CH.... solicitou à Ré o pagamento das faturas identificadas em b), d) e f).

87. Em data não concretamente apurada, anterior a 13 de Julho de 2005, o Autor CH.... solicitou à Ré o pagamento da fatura identificada em h).

88. A Ré devolveu ao Autor as faturas identificadas em 86) e 87) declinando a responsabilidade.

» Apenso B):

89. Na altura do acidente o Autor GG tinha 19 anos de idade.

90. O Autor GG é beneficiário da Segurança Social através do Centro Distrital de Segurança Social  ......, sob o nº …….

91. O ISS IP ...... pagou ao Autor a quantia de € 1.044,23 a título de subsídio de doença, no período de 26 de Fevereiro a 6 de Julho de 2005, em resultado do acidente dos autos.

92. Em consequência do embate o Autor GG sofreu:

1. – traumatismo crânio-encefálico, com:

- amnésia para o sucedido;

- 15/15 na escala de coma de Glasgow;

2. – traumatismo da mão direita, com:

- fratura do 2º metacarpo;

- ferida inciso-contusa no dorso da mão direita;

3. – traumatismo da bacia, com fratura dos ramos íleo-ísqueo-púbicos à esquerda;

4. – traumatismo da perna esquerda, com fratura do terço distal da tíbia e peróneo;

5. – traumatismo do tornozelo direito, com fratura bimaleolar;

6. – traumatismo do pé direito, com ferida inciso-contusa ao nível do dorso do pé.

93. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital de ..... – .......

94. Foi assistido e submetido a estudo radiológico.

95. Foi-lhe feita a imobilização gessada do membro inferior esquerdo e do tornozelo direito.

96. Foi medicado e sujeito a vigilância.

97. Foi depois transferido para o Hospital  ...... – .....

98. Aí ficou internado no Serviço de Ortopedia.

99. No dia 1 de Março de 2005 foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica ao tornozelo direito para redução da fratura do maléolo tibial e osteossíntese com 2 parafusos metálicos.

100. Foi-lhe feita nova imobilização gessada do membro inferior esquerdo e imobilização do 2º dedo e 2º metacarpo da mão direita com tala de Zymmer.

101. No dia 10 de Março de 2005 teve alta hospitalar.

102. Após, recolheu a sua casa, onde se manteve em repouso durante cerca de um mês.

103. Depois passou a ser seguido na Consulta Externa de Ortopedia do Hospital ..... – .....

104. Nesse Hospital efetuou tratamento fisiátrico entre 13 de Maio e 28 de Junho de 2005.

105. Retomou a sua atividade profissional em 7 de Julho de 2005.

106. Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente das seguintes sequelas:

a) do traumatismo crânio-encefálico: sinais e sintomas compatíveis com o Síndrome Pós-traumático ligeiro, caracterizado por cefaleias, dismnésia com amnésia para o sucedido e irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares;

b) do traumatismo da mão direita consolidação em discreta posição viciosa da fratura do 2º metacarpo da mão direita e discreta deformidade no dorso da mão e dor na preensão;

c) ligeira rigidez do tornozelo esquerdo;

d) cicatriz distrófica de 2,5 x 2 cm secundária a esmagamento de tecidos moles, localizada no dorso do pé direito e dolorosa quando faz flexão dos dedos.

107. As sequelas referidas em 106) a), b), c) determinam para o Autor um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas a implicar esforços acrescidos.

107. As lesões e tratamentos provocaram ao Autor dores de grau 4 numa escala de 1 a 7.

108. Antes do acidente o Autor jogava ….. com regularidade.

109. A atividade desportiva referida em 108) permitia ao demandante ter um amplo convívio com os seus amigos habituais.

110. Devido às sequelas o Autor tem dificuldades nessa prática desportiva.

111. A dificuldade referida em 110) corresponde a prejuízo de afirmação pessoal de grau 1 numa escala de 1 a 5.

112. As sequelas aludidas em 106) b) e c) provocam ao Autor dores residuais ligeiras que o vão acompanhar durante toda a vida.

113. Antes do acidente o Autor era bem constituído e sociável.

114. Por força da irritabilidade fácil e exacerbada, bem como alterações de humor sem motivo aparente, o Autor passou a afastar-se dos amigos, perdendo o respetivo convívio.

115. O Autor era e é …….

116. À data do acidente o Autor auferia um salário mensal médio ilíquido de € 363,19 catorze vezes por ano.

117. O valor referido em 116) incluía trabalho extraordinário.

118. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter, o demandante esteve sem poder trabalhar até ao dia 6 de Julho de 2005.

119. Em consequência do acidente o Autor despendeu:

a) € 358,50 em honorários médicos e meios complementares de diagnóstico;

b) € 68,30 € em taxas moderadoras;

c) montante não concretamente apurado em deslocações para receber tratamentos.

120. Em consequência do acidente, a roupa e o calçado que o Autor envergava, de valor não concretamente apurado, ficaram inutilizados.

» Apenso C):

121. O Autor EE nasceu em 5 de Setembro de 1983.

122. O Autor está inscrito no Centro Distrital  ...... como beneficiário sob o n.º ….

123. Enquanto beneficiário da Segurança Social, o A. apresentou incapacidade temporária para o exercício de atividade profissional, resultante de acidente de viação, durante o período de 26 de Fevereiro de 2005 a 2 de Fevereiro de 2006.

124. Durante este período e em consequência do acidente em apreço, o Instituto da Segurança Social pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, a importância de € 3.015,13.

125. Por via embate do QC com o XN, o LE e o US o Autor sofreu traumatismo abdominal e escoriações.

126. Foi imediatamente transportado pelo INEM - Bombeiros Voluntários …. – ao Hospital .... sito em ......, onde foi assistido.

127. Aí foi observado tendo, na mesma madrugada, alta para o domicílio.

128. Devido a dores intensas no hemitórax esquerdo, pela hora de almoço, o Autor foi conduzido ao Hospital ...., onde foi observado no Serviço de Urgência, tendo novamente alta para o domicílio.

129. Uma vez que o estado de saúde continuava a piorar, o Autor recorreu aos serviços do Hospital Particular  …., onde deu entrada no Serviço de Urgência pelas 17h15 do mesmo dia.

 130. Após vários exames médicos, foi diagnosticado ao Autor traumatismo abdominal fechado, com rotura do baço.

131. Foi de imediato submetido a cirurgia de que consistiu em laparotomia exploradora e esplenectomia total.

132. O Autor permaneceu internado naquela unidade hospitalar até ao dia 2 de Março de 2005.

133. Nessa data teve alta, passando para o regime ambulatório com consultas a 4 e 9 e pensos a 4, 7, 9, 11 de Março de 2005.

134. Após a alta de cirurgia na última data referida em 133) o Autor continuou de baixa médica e em recuperação, com acompanhamento pelo médico de família.

135. Em 1 de Setembro de 2005 o Autor foi submetido a nova cirurgia em regime de ambulatório para extração de corpo estranho supra-aponevrótico.

 136. Em 12 de Outubro de 2006, o Autor foi submetido a cirurgia plástica de exérese de cicatriz da parede abdominal, realizada na Casa de Saúde …., onde esteve internado durante um dia.

137. O Autor teve alta definitiva em 21 de Dezembro de 2006.

138. Devido ao acidente o Autor esteve impedido de trabalhar entre os períodos de incapacidade apenas podem ser fixados entre 26 de Fevereiro de 2005 e 2 de Fevereiro de 2006, 12 de Outubro e 21 de Dezembro de 2006.

139. À data do acidente o Autor exercia a profissão de …. auferindo salário de valor não concretamente apurado.

140. Apesar da alta médica, o Autor tem de continuar a ser acompanhado pelo médico de família em regime de consultas periódicas e a realizar análises clínicas.

141. Em consequência do acidente o Autor ficou a padecer definitivamente de esplenectomia e cicatriz cirúrgica queloide com cerca de 13 cm de comprimento por 3 cm de largura desde a ponta terminal do esterno até ao umbigo.

142. As sequelas referidas em 141) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos compatível com a atividade habitual mas a implicar esforços acrescidos.

143. O transporte de …, a operação de … e …. exigem desempenhos manuais com maior esforço físico.

144. O Autor sente dores na cicatriz e no músculo abdominal, o que o impede de realizar as tarefas referidas em 141).

145. O Autor suportou o custo de internamentos, cirurgias, consultas, pensos, medicamentos no valor global de € 5.991,49.

146. A camisa que o Autor envergava no momento do acidente, de valor não concretamente apurado, ficou danificada.

147. O Autor despendeu quantia não concretamente apurada em deslocações entre a sua casa e os estabelecimentos de saúde onde recebeu assistência.

148. No momento do acidente, durante os tratamentos e o período de convalescença o Autor sofreu dores de grau 4 numa escala de 1 a 7.

149. Durante o período de recuperação o Autor sofreu angústia devido às complica-ções que determinaram a realização das segunda e terceira cirurgias.

150. Os tratamentos e a duração do período de convalescença causaram-lhe mal estar e ansiedade.

151. Antes do acidente, o Autor jogava ...... duas vezes por semana com os amigos.

152. Devido à fragilidade referida em 144) o Autor sente receio de continuar essa prática desportiva.

153. O Autor sente-se diminuído e frustrado devido às sequelas.

154. Devido à esplenectomia o Autor apresenta coloração reveladora da ausência do baço.

155. O Autor necessita de ter cuidados alimentares, nomeadamente, evitando fritos, sumos gaseificados, bebidas alcoólicas e dando preferência a peixe e legumes cozidos.

156. A cicatriz referida em 141) exige especiais cuidados de proteção na exposição solar.

157. A cicatriz referida em 141) constrange o Autor na exposição pública, o que corresponde a dano estético de grau 2 numa escala de 1 a 7.

2. De direito

2.1. Da nulidade do acórdão por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido:

 O art.º 615.º do CPC (também aplicável aos acórdãos, por força da remissão do art.º 666.º, n.º 1, do mesmo Código) dispõe que a sentença é nula quando o juiz condene “em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” [al. e)].

 Como é sabido, esta causa de nulidade resulta da violação da regra fundamental estabelecida no art.º 609.º do mesmo Código sobre os limites da condenação, o qual proclama, no seu n.º 1, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”[9].

 Por força desta regra, o juiz não pode, na sentença (ou no acórdão), extravasar os pedidos formulados pelas partes, encontrando-se limitado por eles.

Por isso, “… a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida”[10].

E, por força do estatuído no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, o juiz deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.

Mas não pode o juiz “conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes[11], sendo nula a sentença em que o faça. 

“É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância … não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido”[12].

Trata-se de um mero corolário do princípio do dispositivo, consagrado no art.º 5.º do CPC.

Por força deste princípio, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (n.º 1), só podendo o juiz servir-se dos factos articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do mesmo preceito. E também têm o ónus de impulso processual inicial, como vertente do mesmo princípio do dispositivo, consagrado, ainda, no art.º 3.º, n.º 1, do CPC[13]

Sustenta a ré/recorrente que o acórdão recorrido padece destes vícios relativamente à sua condenação na indemnização ao AA no montante total de 60.025,18 €, quando havia pedido apenas 56.319,25 €.

Na apelação, a recorrente já havia invocado a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, com base na invocada condenação em quantidade superior.

A Relação julgou que o aludido vício não se verificava, por “às quantias indemnizatórias que constam dos pedidos deduzidos em tal articulado, foi peticionado acrescerem juros de mora à taxa legal, desde a notificação aos Réus desta ampliação e até o efectivo pagamento. Ademais por aplicação do disposto no art.º 609 nº 1 do CPC o valor da compensação por danos não patrimoniais fixado em € 35.000,00 foi reduzido para € 30.041,49”.

Insiste a recorrente que continua a verificar-se o mesmo vício, agora do acórdão recorrido, porquanto, para além de manter a condenação em quantidade superior ao pedido, ao considerar os juros moratórios, transforma “a condenação em objeto diverso do peticionado, na medida em que a prestação decorrente da mora é transformada em prestação indemnizatória do próprio dano”, defendendo que existe nulidade na parte excedente e invocando o disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do citado art.º 615.º (cfr. conclusões XIII a XVIII). A invocação da alínea d) só pode dever-se a mero lapso, porquanto a mesma não se refere a qualquer uma das nulidades invocadas, mas à omissão ou excesso de pronúncia, que não se verificam, manifestamente, no presente caso.

E, com o devido respeito, também se nos afigura que não existe nulidade por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Isto, pela simples razão de que foi formulado um pedido, logo na petição inicial, sob a alínea d) de condenação do pagamento das “quantias que se apurarem ao nível dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das lesões que sofreu, em consequência do sinistro e cuja quantificação no seu montante global relega para execução de sentença”.

Assim, não obstante o pedido global, que foi concretizando ao longo do processo, mediante as três “ampliações” a que procedeu, se situar aquém da condenação, não se condenou “em quantidade superior”, nem “em objeto diverso do pedido”, atento o mencionado pedido, inicialmente formulado, o qual se manteve até à decisão que apreciou os fundamentos invocados como causa de pedir da acção – o acidente e as suas consequências.

Por isso, respeitando a indemnização fixada aos danos sofridos em consequência do acidente e ficando a condenação aquém do pedido formulado, independentemente da concretização que foi feita dos mesmos, sem considerarmos incluídos para este efeito os juros moratórios, por terem natureza diferente, como bem refere a recorrente, afigura-se-nos que inexiste qualquer uma das nulidades imputadas.

A realização da justiça no caso concreto foi conseguida, como devia, no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no art.º 20.º, n.º 4, da CRP[14].

E foi observado o princípio do pedido.

Para além de se ter considerado o pedido formulado, atendeu-se à causa de pedir em que o mesmo assentou.

Como escreveu o Prof. Lebre de Freitas, a “pretensão (ou pedido, como a nossa lei a usa chamar) apresenta-se duplamente determinada: no seu conteúdo, ao direito material, consiste na afirmação duma situação jurídica subjetiva atual ou, na ação constitutiva, da vontade dum efeito jurídico (situação jurídica a constituir) baseado numa situação subjetiva actual, ou ainda na afirmação da existência ou inexistência dum facto jurídico; na sua função, consiste na solicitação duma providência processual para tutela do interesse do autor”[15].

O acórdão recorrido manteve-se, como devia, quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor, sem que tenha transposto os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto.

Destarte, não se vislumbra violação do princípio do dispositivo, nem inobservância dos limites da condenação.

De referir que a “interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão”[16].

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016: “é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”[17].

Não é este o caso dos autos, pois o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, limitou-se a reapreciar a questão da nulidade tal como lhe foi colocada.

Improcede, por conseguinte, a arguição das nulidades imputadas ao acórdão recorrido.


2.2.  Da responsabilidade pelo acidente:

Entendeu a Relação, no acórdão recorrido, à semelhança da 1.ª instância cujo respectivo excerto transcreveu, que ambos os veículos, intervenientes no acidente, contribuíram para a sua produção, tendo fixado a medida da responsabilidade do veículo de matrícula ...-...-QC, seguro na ré/recorrente em 80% e a do veículo de matrícula XN-...-..., seguro na ré Mapfre, em 20%.

A ré Generali sustenta, no entanto, em sede de revista, que a responsabilidade deve ser repartida em 30% para o condutor do veículo QC e em 70% para o condutor do veículo XN, ou, subsidiariamente, outras proporções inferiores às fixadas.

Para tanto, alega que a única infracção que é imputável ao condutor do QC é o excesso de velocidade, enquanto o condutor do XN cometeu três infracções ao Código da Estrada, porquanto invadiu a faixa de rodagem sem sinalizar a mudança de direcção, quando iniciou esta manobra poderia ver o QC a aproximar-se e procedia a ela em local não permitido, pois existia uma linha longitudinal contínua a separar ambas as faixas de rodagem (cfr. conclusões I a IX).

A ré Mapfre, por seu turno, entende que deve manter-se a proporção fixada, pois o QC circulava com excesso de velocidade e efectuava uma ultrapassagem num entroncamento, enquanto ao condutor do XN apenas é imputada a falta de sinalização da mudança de direcção à esquerda.

Afigura-se que não assiste razão à recorrente, não sendo, em consequência, o acórdão recorrido, nesta parte, merecedor de censura.

Senão vejamos:

Conforme se refere no acórdão impugnado, reproduzindo a sentença, foi ponderado o seguinte:

Neste aspecto e no contexto da factualidade provada estamos perfeitamente de acordo com a análise efectuada pelo tribunal recorrido cujo teor é o seguinte e para o qual se remete: Revertendo para o sinistro em apreço precisamos de atentar que o mesmo ocorreu na EN ...... ao km 37,10 nas proximidades de um entroncamento formado pela Rua  ....., situada do lado esquerdo da via, considerando o sentido ...... – ......, antecedida de um parque de estacionamento de um edifício de exposição de mobiliário.

Trata-se de uma via situada numa localidade, o que é evidenciado apenas pela existência de edifícios destinados à habitação nas duas margens, não se provando que existissem placas de limitação da velocidade; assim, os veículos em circulação não podiam exceder 50 km/h.

Por outro lado, perante a proximidade do entroncamento em causa, exigia-se que a velocidade fosse especialmente moderada.

O local em causa é formado por uma reta com mais de 500 metros e pendente ligeiramente ascendente, existindo uma lomba a mais de 100 metros do local onde o Autor GG imobilizara o …. matrícula XN-...-..., momentaneamente, na berma direita considerando o sentido ...... – ...., que media 1,70 m, junto a um portão situado a 18 metros do km 37,10.

O Autor GG decidiu prosseguir a marcha com vista a virar à esquerda, não tendo sido possível apurar se tinha em vista entrar no dito parque de estacionamento ou na Rua ....., porquanto o acidente ocorreu no alinhamento da entrada para o primeiro.

No momento em que tomou essa decisão não era avistável em circulação qualquer veículo no sentido ...... – ...., nem estava em curso qualquer manobra de ultrapassagem; o XN iniciou a marcha, saindo da berma e passando a circular na hemi-faixa destinada ao aludido sentido, a cerca de 30 km/h.

Por seu turno, o Autor EE tripulava o veículo ….. matrícula ...-...-QC no mesmo sentido, com os faróis acionados na posição de médios, a velocidade compreendida entre 85 e 95 km/h, manifestamente inadequada para o local, atento o limite máximo de velocidade instantânea previsto, assim como para a aproximação do entroncamento.

No momento, o bom estado do tempo propiciava boas condições de visibilidade, o que significa que, pelo menos a partir da lomba, o Autor EE podia avistar a deslocação do XN na mesma hemi-faixa a partir da berma em direção ao eixo da via, sendo certo que, no momento, do início de marcha do XN, o QC não era avistável.

No entanto, o XN apenas percorreu 18 metros a ponto de ficar alinhado com a entrada do parque de estacionamento do edifício de exposição de mobiliário, já anteriormente referido, coincidente com km 37,10, tendo sido embatido na lateral esquerda sobre o pilar da porta pela frente do QC, quando se encontrava ainda na hemi-faixa destinada ao sentido ...... – ...., sensivelmente sobre o eixo da via.

Dadas as respetivas velocidades, enquanto o Autor GG percorria 8,3 metros/segundo, o Autor EE percorria 23,6 - 26,4 metros/segundo, o que significa que desde a lomba o QC alcançou o XN em aproximadamente 4,5 – 5 segundos, não tendo praticamente tempo para reagir, adotando uma manobra instintiva e errada, porquanto perante um obstáculo a decisão correta e eficaz traduzir-se-ia numa travagem e inflexão para a direita. A manobra de recurso com inflexão para a esquerda traduzia-se numa ultrapassagem em local proibido porquanto existia no pavimento uma linha longitudinal contínua, que tinha adjacente pela esquerda uma linha descontínua que apenas permitia ultrapassagens aos condutores que circulassem no sentido .... – .......

Tão pouco o Autor GG atuou em conformidade com as regras estradais, na medida em que, querendo mudar de direção à esquerda, teria de sinalizar a manobra acionando o pisca-pisca esquerdo, o que não fez; encontrava-se em posição anómala na medida em que apenas lhe era permitido virar à esquerda no entroncamento da Rua de ....., onde a linha longitudinal era descontínua, efetuando para o efeito uma manobra na perpendicular ao eixo da via de forma a entrar pela metade da direita dessa artéria, ao passo que estava posicionado o. Caso assinalasse a manobra, a sua intenção seria percetível e era suscetível de alertar o Autor EE para a necessidade de infletir para a direita, sendo que a posição paralela ao eixo da via conduziria a um embate na traseira do XN, caso a referida manobra do QC não fosse suficiente para o evitar, potenciando a diminuição da gravidade das lesões do Autor GG, uma vez que a porta do condutor não seria, como foi, atingida.

Estas duas circunstâncias contribuíram para a eclosão do acidente, embora em menor medida do que o comportamento do Autor EE, pois foi o excesso de velocidade a falta de perícia que o impediu de reduzir a velocidade e criar a oportunidade de se manter na hemi-faixa em que circulava, passando incólume.

Neste contexto, atendendo à gravidade da ilicitude e da negligência, a responsabilidade deve corresponder a 80% para o condutor do QC e de 20% para o XN e, respetivamente, para a Ré Seguradoras Unidas, S.A e Mafre - Companhia de Seguros, S. A., ao abrigo dos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrados com os proprietários, DD e FF.”

Concordamos com esta análise feita por ambas as instâncias por corresponder à factualidade provada e ao que dela resulta sobre a dinâmica do acidente e por se mostrar correctamente alicerçada nas normas jurídicas aplicáveis ao caso, sem que, portanto, seja digna de reparo a interpretação que delas foi feita.

Para rebater as aludidas fundamentação e conclusão, que se mostram vertidas no acórdão recorrido, sustenta a recorrente que o condutor do XN iniciou a marcha sem assinalar a sua intenção e sem adoptar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente, sem ceder a passagem ao QC e propunha-se fazer a inversão do sentido de marcha sem atentar que a podia fazer sem perigo ou embaraço para o trânsito, ancorando-se, para tanto, no disposto nos art.ºs 12.º, 29.º e 35.º, do Código da Estrada[18], dos quais pretende retirar uma maior responsabilização daquele condutor.

Crê-se, porém, que é manifesto que não lhe assiste razão.

Com efeito, desde logo, há que desconsiderar a referência que faz à “linha longitudinal contínua”, visto que foi excluída dos factos provados sob o n.º 8, embora seja mencionada no n.º 14, mas referindo-se “à aproximação ao km 37,10”, sendo que, no alinhamento da Rua de …., a linha era “descontínua” “para os dois sentidos de trânsito”, como ali também é referido.

O veículo XN não iniciava a marcha, visto que já se encontrava na via onde o acidente ocorreu, quando o QC apareceu em termos de poder ser visto pelo condutor daquele.

Pela mesma razão não lhe cedeu passagem, como era imposto pelo art.º 29.º, n.º 1, do Código da Estrada.

O que a recorrente pretenderia referir, mas não disse, devia ser a falta de sinal de mudança de direcção à esquerda, para assinalar a intenção do condutor do XN, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, do Código da Estrada, e a aproximação, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, como impunha o art.º 44.º, n.º 1, do mesmo Código.

No caso vertente, o embate deu-se quando os condutores de cada um dos veículos intervenientes no acidente se encontravam a efectuar manobras proibidas: o condutor do veículo XN, a manobra de mudança de direcção para a esquerda; e o condutor do veículo QC, a de circulação com excesso de velocidade, em local onde devia ser especialmente moderada.

À semelhança das manobras de ultrapassagem e de mudança de direcção, como tem sido realçado pelo STJ, a simultaneidade da sua execução suscita, nos acidentes entre os veículos envolvidos nessas manobras, um conflito cuja resolução não tem sido pacífica, mas que, segundo um critério temporal (um dos que tem sido utilizados), deverá, em regra, ser resolvido a favor do condutor que, em primeiro lugar, iniciou uma dessas manobras.

Contudo, ocorrendo o acidente entre os dois veículos no momento em que os respectivos condutores efectuavam as ditas manobras em violação de regras estradais e de preceitos regulamentadores de trânsito, não podem ambos deixar de ser civilmente responsabilizados, a título de culpa pelo acidente.

O comportamento do condutor do QC é, sem dúvida, mais censurável, visto que circulava com velocidade manifestamente excessiva e não conseguiu controlar o veículo que conduzia, de forma a fazê-lo parar “no espaço livre e visível à sua frente”, como devia, ou, então, desviá-lo para a sua direita assim evitando o embate no XN, o qual já se encontrava a fazer a manobra de mudança de direcção.

Em consequência, afigura-se-nos que, in casu, face à dinâmica do acidente descrita nos factos provados, o desvalor da actuação do condutor do veículo QC é consideravelmente mais elevado e merecedor de maior censura ético-jurídica do que o desvalor e a censura que merece a actuação do condutor do veículo XN, o que faz com que se tenha por correcta a medida da contribuição da culpa de cada um deles para o sinistro, fixada em 80% para o condutor do veículo QC e em 20% para o condutor do veículo XN.

Com relevância, para a decisão desta questão, com alguma similitude, e no sentido indicado, podem ver-se, os seguintes arestos, cujos sumários aqui se transcrevem:

I - Constitui matéria de direito, da competência deste Supremo, a determinação da culpa (e da respetiva graduação), quando fundada na valoração dos factos à luz da normatividade, ainda que a avaliação sobre a inobservância de uma qualquer norma legal coenvolva, por regra, uma indagação no plano da violação de deveres gerais de prudência e diligência. Acresce que, gerando uma contraordenação estradal a presunção «juris tantum» de negligência do seu autor, o Supremo também poderá censurar o uso pela Relação de presunções a que houver conduzido a violação de normas legais.

II - Sendo o acidente o resultado da ação conjugada de manobras de condução expressamente proibidas efectuadas por ambos os condutores intervenientes, impõe-se fazer o cotejo de tais manobras para a determinação da medida da culpa dos respetivos autores, pois a sua averbada proibição, por recair sobre ambas, não oferece, por si só, a solução para aquela questão, antes suscita um conflito que acaba por relativizar qualquer dessas proibições.

III - Com tal desiderato, desde logo, justifica-se a aplicação analógica do critério estabelecido para a condução pelo art. 7.º do CEst, segundo o qual «as prescrições resultantes dos sinais prevalecem sobre as regras de trânsito», na ponderação da censurabilidade relativa de cada uma das ditas manobras, apesar de ambas serem proibidas: uma, de ultrapassagem, por força de uma regra de trânsito, e outra por força do (desrespeito ao) sinal B2 (“stop”). Em segundo lugar, deve aferir-se o grau de cumprimento ou incumprimento dos demais deveres especiais e gerais de cuidado por parte do autor de cada manobra proibida. Por fim, o conflito suscitado pela simultaneidade da execução de tais manobras proibidas, «segundo um critério temporal, deve ser resolvido a favor do condutor que, em primeiro, iniciou uma dessas manobras».

27-10-2016

Revista n.º 2855/12.7TJVNF.G1.S1 - 1.ª Secção[19]

I - Mostrando-se violadas pelos dois intervenientes no acidente de viação regras de trânsito, em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas.

(…)

15-02-2018

Revista n.º 455/13.3TBMMC.G1.S1 - 6.ª Secção[20]

Pelas razões supra aduzidas, improcede, também nesta parte, o recurso.

2.3. Da correcção das quantias indemnizatórias fixadas ao autor AA a título de perdas salariais, dano biológico e de danos não patrimoniais:

2.3.1. O tribunal da 1.ª instância atribuiu a este autor, a título de perdas salariais, a quantia de 3.628,32 €, por cujo pagamento foi a ré/recorrente responsabilizada em 80%, englobando aquela quantia os seguintes valores:

-  3.248,00 € relativo a salários[21] que após o desconto para a Segurança Social[22] se queda em 2.890,72 €;

- 320,00 € de subsídio de alimentação[23];

-  208,80 € relativo a proporcionais de subsídio de Natal[24] em 2005; e

- 208,80 € relativo a proporcionais de subsídio de férias em 2006.

            O Tribunal da Relação, sobre esta questão que lhe foi colocada na apelação, concluiu:

“Confrontando a factualidade provada com os cálculos efectuados não se encontra o alegado erro na apreciação desta parte da decisão que assim se mantém.”

Na revista, a recorrente insiste que naquele cálculo foi considerado “um período de incapacidade temporária superior ao que se provou (232, contra os 186 efetivamente verificados)” e que, “atribuiu, ainda, ao demandante, em duplicação, proporcionais de férias e subsídio de Natal”.

Com relevo para esta matéria, mostra-se provado que:

Na data do acidente (26/2/2005), o Autor AA tinha a idade de 19 anos (n.º 43).

Trabalhava para a sociedade comercial com denominação “S......., Ld.ª”, onde exercia funções de .... (n.º 44).

Auferia o salário ilíquido de € 365 catorze vezes por ano, com desconto de 11% para a Segurança Social, bem como € 2,5 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho (n.º 45).

Devido às lesões e tratamentos, esteve sem trabalhar entre 26 de Fevereiro e 31 de Agosto de 2005 (n.º 46).

É beneficiário da Segurança Social através do Centro Distrital de Segurança Social de ...... (90).  

Com o devido respeito, também nós não vemos que o cálculo efectuado esteja errado, nomeadamente que nele tenha sido considerado um período de incapacidade temporária superior à que resulta dos factos provados, nem que inclua qualquer duplicação de proporcionais de férias e subsídio de Natal, atenta a natureza diversa e a data de vencimento de cada um deles.

Improcede, assim, sem mais considerações, esta questão.

2.3.2. O acórdão recorrido fixou a indemnização pelo dano biológico em 18.000,00 €, confirmando a decisão da 1.ª instância (sendo que o autor havia pedido 15.000,00 €, na primeira ampliação a que procedeu), tendo em conta os factos provados e, sobretudo, com recurso à equidade.

A recorrente discorda sustentando que a indemnização fixada é manifestamente excessiva e que, embora seja devida indemnização pelo dano biológico, porque não foi provado dano patrimonial, deve ser considerado apenas enquanto dano não patrimonial, com valor a calcular mediante juízos equitativos com recurso a tabelas financeiras, à legislação respeitante à quantificação das indemnizações pelas seguradoras e à jurisprudência. Defende, assim, que a indemnização não deve ultrapassar 7.000,00 €.

Não lhe assiste inteiramente razão, mas apenas parte.

Do acórdão recorrido resulta que a indemnização foi fixada a título de dano patrimonial futuro pela diminuição de capacidades funcionais e maior esforço que ela implica, mesmo que sem reflexos no exercício da sua actividade profissional habitual e sem perda de rendimentos do trabalho, sendo o valor fixado com base na equidade, considerando a retribuição mensal, a idade do autor e o défice funcional permanente de 4 pontos.

A recorrente aceita estes factores, mas discorda da qualificação como dano patrimonial, sustentando que apenas se verifica a vertente não patrimonial.

Porém, a pretendida alteração de qualificação não faz sentido, uma vez que o dano futuro considerado tem a natureza de dano patrimonial, pois foi atendendo a factores dessa natureza que foi calculado e atribuída a respectiva indemnização. Acresce que o dano biológico tanto pode ter a natureza de dano patrimonial como de dano não patrimonial, dependendo dos factos em que o mesmo se traduz. Além daqueles factores, há ainda que considerar a esperança média de vida, que nesta altura, é de cerca de 80 anos para os homens, e não da vida activa. E o critério fundamental de fixação do valor das indemnizações por danos patrimoniais futuros, tal como por danos não patrimoniais, é a equidade (art.ºs 496.º, n.º 3, e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil).

É o que tem entendido, ultimamente e desde há algum tempo, este Supremo como se pode ver, entre outros, nos seguintes acórdãos assim sumariados na parte que aqui releva:

- acórdão 10-09-2019, revista n.º 16/13.7TVPRT.P1.S1 - 6.ª Secção[25]:

“I - O dano biológico tem por consequência uma perda ou diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade de exercício da sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, vai exigir, como no caso da autora, um maior esforço ou penosidade no desempenho dessa actividade, esse dano deve ser qualificado e valorizado como dano patrimonial.

…” 

-  acórdão de 23/5/2019, revista  n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção[26]

“…V - Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução….”;

- acórdão de 29-10-2019, revista n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2 - 6.ª Secção[27]:

“I - O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e da integridade psico-somática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária).

II - Na fixação dos valores de lucros cessantes, os montantes obtidos através da aplicação de processos objetivos assentes em fórmulas e tabelas matemáticas constituem auxiliar e indicador relevante para uma tradução do quantum indemnizatório, sem que tal obste nem de todo impeça o papel corrector e de adequação da ponderação judicial assente na equidade, perante a gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, as circunstâncias específicas do facto e do agente e as variantes dinâmicas que escapam aos referidos cálculos objectivos.

III - A avaliação e quantificação do lucro cessante traduzido no dano biológico patrimonial implica não só atender às perdas salariais resultantes da interrupção de uma carreira profissional motivada pela incapacidade definitiva (resultante de acidente de viação) para o exercício da profissão, mas também reflectir, na indemnização arbitrada com recurso à equidade (art. 566.°, n.º 3, para fixar os danos no contexto de aplicação do art. 483.°, n.º 1, sempre do CC), a privação de oportunidades profissionais futuras por parte do lesado e o esforço acrescido de reconversão profissional que (nomeadamente se relevante) o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional e económico-empresarial.”;

- acórdão de 16-03-2017, revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 - 2.ª Secção[28]:

“(…)

IV - Estando em causa a fixação de indemnização pela perda de capacidade geral de ganho com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, não é aceitável convocar, como critério base, uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade permanente (total ou parcial) para o exercício da profissão habitual.

V - Nestes casos, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou complementar o resultado obtido pela aplicação daquelas fórmulas financeiras….

VI - A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão –, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões fisicopsíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).

….” 

- acórdão de 25-05-2017, revista n.º 394/09.2TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção[29]:

“I - Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, já que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. 

II - A este propósito podem projectar-se dois planos: (i) a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir; (ii) a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. 

III - A capacidade de ganho não pode ser olhada estritamente sob o ângulo de um fator económico produtivo, mas antes sob um prisma mais amplo que compreenda ainda o seu potencial de realização pessoal, na perspetiva de assegurar a dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1.º da CRP. 

IV - A perda dessa capacidade de ganho não se reduz a um custo económico estrito, mas representa um mais abrangente custo económico-social que postula a ponderação, segundo a equidade, dos meros cálculos financeiros. 

….”.

No mesmo sentido, o nosso recente acórdão de 26 de Janeiro de 2021, processo n.º 688/18.6T8PVZ.P1.S1[30], donde foram extraídos os sumários acabados de transcrever.

Conforme vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, já tivemos oportunidade de escrever, nomeadamente, no acórdão de 19/5/2020, processo n.º 376/15.5T8VFR.P1.S1[31] e reproduzimos no referido acórdão de 26/1/2021, “o juízo de equidade de que se socorrem as instâncias, na fixação de indemnização, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (art.ºs 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC).

No que respeita ao dano biológico, na medida em que o mesmo afecta a integridade físico-psíquica do lesado, constituindo, em si, um dano real ou evento, dele pode derivar quer a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício da sua profissão habitual ou para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, quer a perda ou diminuição da sua capacidade para os gastos correntes do dia-a-dia.

Tratando-se de dano futuro deve o mesmo ser fixado com recurso à equidade, já que quer as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria 679/2009, de 25-06, quer as fórmulas matemáticas habitualmente utilizadas, não servem, por si só, para o respectivo cálculo, limitando-se a funcionar como critérios orientadores ou referenciais ou até como ponto de partida, devendo o resultado assim obtido ser corrigido em função do circunstancialismo de cada caso (art.ºs 564.º, e 566.º, n.º 3, do CC).”

O juízo de equidade de que se socorreu a Relação, porque assente na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, como tem vindo a sublinhar reiteradamente este STJ[32].

No caso sub judice, não se vislumbra ofensa na aplicação de critérios normativos, os quais, de resto, foram observados.

Porém, o recurso à equidade não permite manter o montante fixado, uma vez que se afasta dos padrões adoptados na jurisprudência, mesmo numa perspectiva actualista, impondo-se a sua redução por forma a não abalar a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade. O valor adequado, segundo estes critérios, afigura-se-nos ser de 12.000,00 €. Relembre-se que o lesado apenas ficou com 4 pontos de défice funcional permanente, compatível com a sua actividade profissional, embora com esforços acrescidos, e tinha 19 anos de idade à data do acidente.

Indicam-se aqui, a título de exemplo, alguns acórdãos proferidos pelo STJ em casos similares, isto é, em que foram atribuídas indemnizações a título de dano biológico decorrentes de défices funcionais permanentes da integridade físico-psíquica de baixo índice.

Assim:

- Incapacidade de 3 pontos, compatível com a actividade habitual, embora implicando esforços suplementares para o exercício da actividade profissional à data do embate, mas não já para o exercício da actual actividade, 19 anos de idade, indemnização de € 8 500,00 [Acórdão de 20-12-2017, Revista n.º 871/12.8TBPTL.G1.S1- 1.ª Secção, Roque Nogueira (Relator) Alexandre Reis Pedro Lima Gonçalves, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_12.pdf];

- Incapacidade de 5 pontos, com dificuldades acrescidas na realização de tarefas que impliquem esforço e força, 56 anos de idade, indemnização de € 10 000,00 [Acórdão de 27-04-2017 - Revista n.º 1343/13.9TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção - Tomé Gomes (Relator), Maria da Graça Trigo e João Bernardo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_04.pdf];

- Incapacidade de 2 pontos, 15 anos de idade, indemnização de € 6 000,00 [Acórdão de 16-03-2017 - Revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 - 2.ª Secção - Maria da Graça Trigo (Relatora), Bettencourt de Faria e João Bernardo, disponível em www.dgsi.pt];

- Incapacidade de 7 pontos, sem afectação da capacidade e do exercício da actividade profissional habitual, 35 anos de idade, indemnização de € 10 000,00 [Acórdão de 06-10-2016, Revista n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1 - 7.ª Secção, António Joaquim Piçarra (Relator) *, Fernanda Isabel Pereira, Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt];

- Incapacidade de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, 32 anos de idade, indemnização de € 10.000,00 [Acórdão de 02-06-2016, Revista n.º 959/11.2TBSJM.P1.S1 - 7.ª Secção, António Joaquim Piçarra (Relator) *, Fernanda Isabel Pereira, Olindo Geraldes, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf];

- Incapacidade de 2 pontos, compatível com actividade profissional, embora com limitações, 25 anos de idade, indemnização de € 11.000,00 [Acórdão de 02-06-2016, Revista n.º 6244/13.8TBVNG.P1.S1 - 2.ª Secção, Álvaro Rodrigues (Relator), Bettencourt de Faria, João Bernardo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf];

- Incapacidade de 3 pontos, compatível com actividade habitual, com esforços suplementares, 42 anos de idade, indemnização de € 15.000,00 [Acórdão de 07-04-2016 - Revista n.º 121/12.7T2AND.P1.S1 - 2.ª Secção, Oliveira Vasconcelos (Relator), Fernando Bento e Távora Victor, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf];

- Incapacidade de 4 pontos, implicando esforços suplementares numa actividade normal, 10 anos de idade, indemnização de € 12.500,00 [Acórdão de 11-02-2015, Revista n.º 3329/09.9TBVLG.P1.S1 - 1.ª Secção, Martins de Sousa (Relator), Gabriel Catarino, Maria Clara Sottomayor, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2015.pdf].

Porque a quantia foi fixada, tendo em consideração o momento do encerramento da discussão em 1.ª instância (23/1/2019), vence juros moratórios a partir dessa data, como consta da parte decisória da sentença, mantida, nessa parte, pelo acórdão recorrido [cfr. AUJ n.º 4/2002, in DR n.º 146, de 27/6/2002 e art.ºs 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil].

Procede, em conformidade, apenas em parte, esta questão.

2.3.3. A Relação fixou em 35.000,00 € o valor da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor AA [tal como o havia feito a 1.ª instância, embora na sentença tivesse condenado apenas em “€ 30.041,49 – cfr. I, 12, a) ii) do dispositivo], remetendo para considerações já efectuadas no acórdão a outro propósito.

A recorrente insurge-se contra aquele montante, considerando-o exagerado, atentos os factos provados, entendendo que não deve exceder o valor de 7.500,00 €.

Assiste-lhe razão, embora não totalmente.

Vejamos:

Resulta dos factos provados que o autor AA sofreu os seguintes danos, aqui relevantes:

Em consequência do acidente, sofreu lesões nos joelhos e no tornozelo direito (n.º 36 dos factos provados);

Foi transportado de ambulância para o Hospital ..... em ......, onde foi submetido a exames radiológicos, que não revelaram fracturas, tendo alta após imobilização Robert-Jones por stress valgar e suspeita de lesão do ligamento cruzado anterior, bem como realização de penso gordo no esfacelo do tornozelo (n.ºs 37 e 38);

Foi seguido na consulta externa do referido hospital até 13 de Abril de 2005 (n.º 39);

Por sofrer de intercorrência infecciosa com perda de substância na perna direita, pós-traumática, foi internado no serviço de cirurgia plástica do mesmo Hospital de 16 a 24 de Maio de 2005 para correção do esfacelo (n.º 40);

Foi submetido a cirurgia de limpeza e enxerto de pele (n.º 41);

Por persistência da infeção, manteve-se em tratamento até 31 de Agosto de 2005, data em que teve alta (n.º 42);

Esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social entre 26 de Fevereiro e 15 de Março e 16 e 24 de Maio de 2005 (n.º 47);

Apesar dos tratamentos, ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes:

a) cicatriz de 5 x 3 cm da face anterior da coxa, terço médio resultante da recolha de pele para enxerto;

b) cicatriz de 7 x 5 cm com zona central de 3 x 2,5 cm, esta hipercrómica, localizada na face anterior da transição do terço superior para o terço médio;

c) ligeira instabilidade dos joelhos no sentido antero-posterior, sem derrame e sem alterações de mobilidade (n.º 48);

Estas sequelas correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, compatível com a atividade profissional, mas a exigir esforços acrescidos (n.º 49);

As lesões, os tratamentos e o processo de recuperação provocaram ao Autor dores de grau 3 numa escala de 1 a 7 (n.º 50);

As cicatrizes identificadas em 48) a) e b) correspondem a dano estético de grau 1 numa escala de 1 a 7 (n.º 51);

O Autor tem dificuldade em subir e descer escadas em grande número, ajoelhar-se e aninhar-se (n.º 52);

Sofre de dores em ambos os joelhos, com maior intensidade no esquerdo, bem como edema neste quando faz esforços (n.º 53);

As dores referidas em 53) e as dificuldades referidas em 52) provocam ao Autor desgaste físico e psíquico (n.º 54);

As dores acentuam-se com as variações climatéricas (n.º 55);

Devido às sequelas o Autor deixou desenvolver a atividade de ...., que praticava, o que o desgosta (n.ºs 56 e 57).

Não há dúvida de que o montante da indemnização/compensação pelos danos não patrimoniais foi fixado com recurso à equidade, como manda o n.º 4 do art.º 496.º do Código Civil.

Neste caso, à semelhança do que se disse relativamente à indemnização pelo dano biológico, obedecendo a compensação pelos danos não patrimoniais a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística dos factos tidos por provados, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos, não cabe ao STJ a “determinação exacta do valor pecuniário a fixar por não se tratar, em rigor, de uma “questão de direito” mas tão somente da verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo formulado pelas instâncias”[33].

Por isso, conforme tem sido afirmado pelo STJ, e já o dissemos supra, “tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.”[34]

Tem sido esta a jurisprudência constante do STJ, desde há algum tempo, como se pode ver, ainda, no acórdão de 5/12/2017, revista n.º 1452/13.4TBAMT.P1.S1 - 1.ª Secção[35], referente à fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, transcrevendo-se, por ser ilustrativo do entendimento aqui sufragado, o trecho do seguinte sumário: (…)  “V - Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, se o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.”

Tendo em conta os factos supra enunciados, dados como provados, bem como os critérios ou padrões jurisprudenciais que vêm sendo seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos idênticos[36], crê-se que a indemnização de 35.000,00 €, fixada pela Relação, a título de danos não patrimoniais, se afasta, de forma substancial, dos ditos padrões (ultrapassando até o pedido, nessa parte, feito pelo autor – de 30.000,00 €!).

Com efeito, tal quantia não se mostra consentânea com a gravidade dos danos sofridos pelo autor, nem se situa dentro dos parâmetros que vêm sendo fixados pela jurisprudência deste Supremo, situando-se o juízo prudencial e casuístico que foi feito pelo tribunal recorrido fora da margem de discricionariedade que lhe é legalmente consentida, com recurso à equidade.

Considerando todos estes critérios, mesmo atendendo a que nenhuma culpa teve o autor na eclosão do acidente, afigura-se-nos mais adequada e justa a importância de 25.000,00 €, pelo que se fixa neste valor.

Há, pois, que alterar o decidido para 25.000,00 €, fixando neste valor a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor AA.

Nesta conformidade, procede, apenas em parte, a pretensão da recorrente.

Como é óbvio, pelo pagamento desta e da quantia fixada a título de indemnização pelo dano futuro biológico, a responsabilidade da recorrente será apenas na percentagem de 80%, por ser essa a quota de responsabilidade do condutor do veículo seu segurado na eclosão do acidente.

2.4. Da correcção das quantias indemnizatórias fixadas aos autores BB e CC

A questão da correcção das quantias indemnizatórias atribuídas a estes autores encontra-se prejudicada, uma vez que tinha como único pressuposto a alteração da quota de responsabilidade de cada um dos condutores intervenientes no acidente, pois a ré/recorrente conformou-se com a quantificação daquelas indemnizações (cfr. conclusões IX e X).

Não logrando a recorrente alcançar o seu desiderato da pretendida alteração, mantendo-se as quotas fixadas pelas instâncias, é manifesto que fica prejudicada a apreciação desta questão, o que se declara.

Sumário:

I. A apensação não unifica as acções numa única acção, mantendo, ao invés, cada uma das acções apensadas a sua autonomia e individualidade, pelo que se mantêm também distintos os pedidos formulados em cada uma delas, havendo que atender, para efeitos de admissibilidade do recurso, aos pressupostos de recorribilidade de cada acção individualmente considerada.

II. A verificação da dupla conforme prevista no art.º 671.º, n.º 3, do CPC, nas acções instauradas depois de 1 de Janeiro de 2008, impede a admissibilidade da revista normal, ainda que se encontrem apensas a acção instaurada em data anterior.

III. Ocorrendo o acidente entre duas viaturas que efectuavam manobras proibidas, em simultâneo, violando regras estradais e preceitos regulamentadores de trânsito, não podem ambos os respectivos condutores deixar de ser civilmente responsabilizados, a título de culpa, pelo mesmo acidente e, consequentemente, as respectivas seguradoras, fixando-se o grau de culpa em função da contribuição de cada um para o sinistro.

IV. O dano biológico tanto pode ter a natureza de dano patrimonial como de dano não patrimonial, dependendo dos factos em que o mesmo se traduz, devendo ser qualificado e valorizado como dano patrimonial  quando tiver como consequência uma perda ou diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade de exercício da sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, implique, como no caso do autor, um maior esforço ou penosidade no desempenho dessa actividade.

V. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

VI. Deve, no entanto, ser alterado o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.               


III. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:

a) Rejeitar o recurso de revista interposto pelo EE (autor do apenso C) e, bem assim, pela ré Generali Seguros, S.A., na parte concernente às acções apensas;

b) Conceder a revista interposta pela ré Generali Seguros, S.A., na parte em que foi condenada a pagar as quantias fixadas a título de indemnização pelo dano biológico e de compensação pelos danos não patrimoniais ao autor AA, as quais passam a ser, respectivamente, de 12.000,00 € e 25.000,00 €, reduzidas à sua quota de responsabilidade, ou seja, de 80%.

c) Negar a revista na parte restante, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

 


*


Custas das revistas:

- do autor EE, pelo recorrente;

- da ré Generali Seguros, S.A., por esta e pelo autor AA, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).


*


STJ, 23 de Março de 2021


Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.


Fernando Augusto Samões (Relator)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

_________

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de …. – Juízo Central Cível de …. - Juiz …...
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Esta parte decisória foi rectificada pelo Tribunal da Relação nos termos que constam do dispositivo do acórdão quando refere a condenação da ré Mapfre, em vez da ré Seguradoras Unidas, a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de 603,3 €.
[4] Moreira Alves (Relator), Alves Velho e Moreira Camilo, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2ce215c733b4c268802576f20043ec66?OpenDocument
[5] Moreira Alves (Relator), Alves Velho e Moreira Camilo
[6] Gabriel Catarino (Relator), Maria Clara Sottomayor e Sebastião Póvoas, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a891c3884f07d53d80257e3d003bea0a?OpenDocument
[7] Rosa Tching (Relatora) *, Rosa Ribeiro Coelho e João Bernardo
[8] Repetido, bem como os que se seguem, pelo que optámos por lhes adicionar letras do alfabeto, para não interferir com a numeração dos restantes.
[9] Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, págs. 675 e 691, a propósito do correspondente art.º 661.º do CPC de 1961, de igual teor.
[10] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina págs. 714 e 715.
[11] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ibidem, pág. 737.
[12] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, pág. 737.
[13] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, págs. 6 e 14 e os acórdãos de 19 de Março de 2019, processo n.º 8174/15.0T8LSB.L1.S1, de 19 de Setembro de 2019, proc.º n.º 461/17.9T8GMR.G1.S1 e de 6/1/2020, processo n.º 95390/16.YIPRT.G1.S2, por nós relatados, que vimos seguindo e reproduzindo, nesta parte.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2017, proc. n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[15] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, págs. 64/65.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2017, proc. n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016, proc. n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[18] Obviamente, embora não o diga, na redacção da Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, por ser a vigente na data da ocorrência do acidente – 26/2/2005.
[19] Alexandre Reis (Relator) *, Pedro Lima Gonçalves  e Sebastião Póvoas, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ba9196555651d02d8025807a00560c47?OpenDocument
[20] Henrique Araújo (Relator), Maria Olinda Garcia e Salreta Pereira
[21] 365 € x 14 = 5.110 €
[22] 3.248  € x 11% = 357,28 €
[23] 2,5 € x 128 dias úteis.
[24] 365: 12 = € 30,42 x 11% = € 3,35; € 30,42 - € 3,35 = € 27,07: 30 = 0,90 x 362. 
[25] Pinto de Almeida (Relator), José Rainho e Graça Amaral
[26] Maria dos Prazeres Beleza (Relatora), Olindo Geraldes e Maria do Rosário Morgado
[27] Ricardo Costa (Relator) *, Assunção Raimundo  e Ana Paula Boularot, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a820ab2b3565a5bb802584a30034f30a?OpenDocument.
[28] Maria da Graça Trigo (Relatora) *, Bettencourt de Faria e João Bernardo, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e25636fdcb50688802580eb0038ef50?OpenDocument
[29] Tomé Gomes (Relator), Maria da Graça Trigo e João Bernardo
[30] Disponível em www.dgsi.pt.
[31] Disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ
[32] Cfr., entre outros, os acórdãos de 17/5/2018, revista n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 - 7.ª Secção, de 23/5/2019, revista n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção e de 30/5/2019, revista n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção, todos disponíveis em www.dgsi.pt e os nossos já citados acórdãos de 3/3/2020 e de 19/5/2020.
[33] Extracto do sumário do citado acórdão de 23/5/2019 e do nosso mencionado acórdão de 19 de Maio de 2020.
[34] Citado acórdão de 30/5/2019 e o nosso de 19/5/2020, também citado.
[35] Disponível em www.dgsi.pt.
[36] Cfr. citado acórdão de 1/5/2018.