Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1986/10.2TXCBR-M.P1-C.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DA PENA
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
CUMPRIMENTO SUCESSIVO
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
PENA DE PRISÃO
REMANESCENTE DA PENA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL / LIBERDADE CONDICIONAL EM CASO DE EXECUÇÃO SUCESSIVA DE VÁRIAS PENAS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime 1976, p. 17;
- M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 354.
- M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Volume I, Rei dos Livros, 4.ª edição, 2014, p. 885 e 878;
- M.L.Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, Almedina, 14.ª edição, p. 220 ; 18.ª edição, 2007, p. 248;
- Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina 2017, p.104 ; As Consequências Jurídicas do Crimes, Lições para os alunos da disciplina de direito penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007-2008, p. 52;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2015, p. 337 ; Lisboa 2008, p. 217;
- Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris?, 2008, p. 203.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 63.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-06-2008, PROCESSO N.º 2184/08, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-07-2018, PROCESSO N.º 4057/10.8TXLSB-K.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2019, PROCESSO N.º 6533/07.0TDLSB-F.S1;
- DE 23-01-2019, PROCESSO N.º 51/17.6GBCMN-G.S1.
Sumário :
«Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no art. 63.º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.»
Decisão Texto Integral:




Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça

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No processo n.º 204/07.5IDBRG.G1-A.S1 da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, AA, recluso, em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, notificado a 19-07-2018 do Acórdão datado de 11 de Julho de 2018, no qual lhe foi negado provimento e, consequentemente, mantido o despacho recorrido, veio interpor RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXACÃO DE JURISPRUDÊNCIA, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal (CPP) ex vi dos arts. 240.º, n.ºs 1 a 3, 241.º, alínea b), e 246.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (C.E.P.M.P.L), aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, nos termos e com os seguintes fundamentos:

“1. Questão prévia
1.1.Do prazo de interposição de recurso
            Nos termos do disposto no art. 438.º,n.º 1 do Código de Processo Penal, o recurso extraordinário para fixação de recurso, é interposto no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
Como resulta dos presentes autos, no 1.° Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi decidido que o remanescente da pena de prisão a cumprir pelo recorrente, após uma revogação da liberdade condicional, deve ser cumprida por inteiro, não beneficiando da aplicação da liberdade condicional ope legis, ou seja, após o cumprimento efectivo de 5/6 da pena.
Desta decisão o arguido AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por decisão de 11.07.2018, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
Não obstante o supra referido acórdão não ser passível de recurso o Ilustre defensor oficioso do condenado, Dr. ..., interpôs recurso Ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça. Por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto, inesperadamente, admite o recurso.
Entretanto e desconhecendo o condenado que o seu defensor oficioso havia interposto um recurso ordinário, constituiu nova mandatária que veio, em 16.08.2018, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, convencida de que o acórdão proferido a 11.07.2018 se encontrava transitado em julgado. Porém, em face da admissão do recurso ordinário, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 11.07.2018 não havia transitado em julgado, por esse facto o recurso de Fixação de jurisprudência foi recusado.

Considerando que o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão sumária de 29.11.2018, notificada ao recorrente a 04.12.2018, rejeitou o recurso ordinário, o acórdão do qual se interpõe agora recurso extraordinário transitou a 18 de dezembro de 2018, pelo que o presente recurso é, agora, apresentado tempestivamente.
Assim, o presente recurso está em tempo, o arguido é parte legítima e identifica/acompanha uma cópia do acórdão (não certificada) do mesmo Tribunal da Relação do Porto, que se encontra em clara oposição com o último proferido nos presentes autos.
Nos termos do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal o presente recurso pode ser interposto pelo arguido e é obrigatório para o Ministério Público.
Os acórdãos em oposição, foram proferidos no domínio da mesma legislação, versam sobre matéria de direito, com base na mesma factualidade e apresentam soluções opostas.
3. O tema em decisão
O tema em análise, cuja resolução do conflito se requer, versa sobre a execução das penas e medidas privativas da liberdade.

O acórdão invocado pela defesa na sua fundamentação do recurso, que não obteve provimento, é muito recente e foi proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, em 26 de Abril de 2017.
Por sua vez, o último acórdão proferido, do qual se interpõe recurso, tem uma extensa declaração de voto vencido, cujos fundamentos apresentados vão de encontro à pretensão da defesa, compaginando a solução que consideramos ser a que melhor se adequa à letra e ao espírito da Lei.

Nesta declaração de voto, é feita alusão ao facto de, muito recentemente, no mesmo Tribunal da Relação, a temática ter sido abordada e decidida em sentido oposto. Ac. da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 441/l3.3.TXPRTwL.Pl, datado de 26 de Abril de 2017 e publicado em www.dgsi.pt.
O presente recurso de uniformização de jurisprudência visa a Unidade do Direito e afigura-se-nos de imperiosa necessidade, face à imensa dispersão de respostas judiciais quanto à mesma questão judicial, conduzindo a um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados rigorosamente na mesma situação, mantendo reclusos detidos por mais tempo do que aquilo que o legislador previu quando desenhou instituto da Liberdade Condicional.
A actual dispersão de decisões e de pareceres do Ministério Público põe em causa o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, princípio que ganha ainda maior relevo quando se decide pela liberdade de um cidadão.
A questão que carece de ser apreciada e uniformizada é complexa e as soluções interpretativas que a lei nos dá não são, de facto, inequívocas. Também nós consideramos que a doutrina que conhecemos não resolve esta questão satisfatoriamente. Por sua vez, muitos acórdãos enveredam por responder à matéria recorrendo, com o devido respeito, à solução mais fácil, que não é, seguramente, a mais adequada e muito menos a que respeita o regime legal da Liberdade Condicional.
Apresentar como resposta à questão, sobre possibilidade de concessão de nova liberdade condicional cumpridos cinco sextos de uma pena, quando há outra pena autónoma para executar, com a afirmação de que a solução é alcançável por simples interpretação declarativa do art. 63.º do Código Penal, é redutora e fica muito aquém da solução adequada que nos fornece o nosso ordenamento jurídico,

Com efeito, resulta do art.º 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).
Consideramos que no acórdão de 26 de Abril de 2017, proferido no processo 441/13.3TXPRT, foi feito um trabalho de grande rigor, designadamente, por estar em causa, como o próprio refere "uma área extremamente sensível em que se jogam direitos fundamentais e princípios estruturantes do processo penal, é valente a insegurança jurídica e a incerteza na aplicação do direito, com reclusos que cumprem integralmente as penas e outros que, exactamente na mesma situação, são libertados aos cinco sextos.
Defendemos, firmemente, que a posição que perfilhamos, conjuntamente com a jurisprudência mais recente e com Pareceres do Ministério Público, é aquela que mais se adequa, não só ao pensamento legislativo, mas à própria letra da Lei. A análise à "letra da lei" deve ser vista à luz da unidade do sistema, composto por artigos que se complementam e integram o instituto da Liberdade Condicional e no regime legal que foi conferido.

4. Os pontos divergentes.
Os pontos divergentes onde se alicerçará a defesa deste recurso extraordinário, prende-se com a seguinte matéria:
1ª Questão:
Revogada uma liberdade condicional a um recluso, que cumpria uma pena originária superior a 6 anos de prisão, regressando o recluso [ao] Estabelecimento Prisional para cumprimento do remanescente da pena, após o trânsito em julgado da decisão que determinou a revogação, a liquidação da pena deve efectuar-se pelo quantum em falta repuxar-se todo o tempo cumprido anteriormente e descontar-se o que havia cumprido?
Ou, de outra forma, efectuar-se uma liquidação de pena contabilizando apenas o tempo que faltava cumprir, como se de uma nova pena se tratasse?
2ª Questão:
Na presença de uma pena originária superior a 6 anos de prisão, na qual o recluso beneficiou da Liberdade condicional LC dita facultativa (meio, dois terços ou renovação de instância), depois de ter regressado ao Estabelecimento Prisional, por força da revogação da LC, tem o recluso direito à concessão ope legis da liberdade condicional - artigo 64.º n.º 3 do Código Penal por via do artigo 61° do mesmo diploma?
Entendemos que o recluso deve cumprir a pena originária, até perfazer os cinco sextos, como determina a Lei, porém o presente acórdão negou esse direito ao arguido.
Por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 441/13.3TXPRT-L.Pl, de 26 de Abril de 2017 disponível em www.dgsi.pt, acolhe a interpretação e solução que defesa reclama para o arguido, visível pelo seguinte atalho: htto: //www. dgs i.lJt~itrp. riS {;/5 6a6e 7121657(9/ eSQ] 5 7cdaOQ 38//d/! hOeOb09cfbd.:/.0ge 780258} 2900460906 .'lO nen Document.

Sobre a mesma questão jurídica, o acórdão recorrido dá uma resposta totalmente diferente da que foi apresentada pelo acórdão invocado pela defesa e negou provimento ao recurso.
A questão de direito: a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal por via do artigo 61.º do mesmo diploma.
Consideramos, com o devido respeito, que o acórdão recorrido comete um equívoco, quando afirma que não se aplica a regra do artigo 63.º do Código Penal, quando esta norma diz respeito ao cumprimento de penas sucessivas.
As penas sucessivas a que se refere o artigo 63.º do Código Penal são, a título de exemplo, penas de prisão efectivas de arguidos que cumprem penas suspensas, entretanto revogadas, e convertidas em prisão efectiva, bem como nas situações de cumprimento de penas de prisão subsidiárias (assim convertidas por não pagamento de multas) ou as antigas penas de prisão por dias livres que não foram cumpridas.

A questão que se coloca é a de se saber se: quando um recluso é alvo de revogação de liberdade condicional, numa pena originária superior a 6 anos, tem ou não que beneficiar da libertação obrigatória pelos 5/6 da pena desde que tenha prestado o necessário consentimento?
Acolhemos integralmente a criteriosa e aprofundada fundamentação do acórdão proferido no processo 441/13.3TXPRT-L.PI, de 26 de Abril de 2017. Mas gostaríamos de acrescentar o seguinte: a vingar a tese veiculada pelo acórdão recorrido, os arguidos que no decurso de uma liberdade condicional cometerem um novo crime, que conduza à sua revogação, serão triplamente punidos pela prática desse crime, se não vejamos: primeiro serão condenados pela prática de um novo crime, depois porque cometeram um novo crime, da mesma natureza e durante o período de cumprimento de uma liberdade condicional, verão a liberdade condicional ser-lhes revogada e, por último, sofrem ainda como consequência, a não aplicação do regime legal obrigatório de concessão da liberdade condicional ope legis na pena originária, pelo facto de terem outra pena para cumprir. Com o devido respeito, não é esta a solução que o C.P. e o C.E.P.M.P.L nos apresentam e não pode ser esta a resposta dos nossos Tribunais!
O artigo 64.º n.º 3 do Código Penal remete para o artigo 61.º do Código, este mesmo artigo 61.º tem contemplado no seu n.º 4 que "sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena".
Assim, a melhor e correta interpretação da expressão "é colocado", é um conceito imperativo, é que qualquer arguido que tenha cumprido cinco sextos da sua pena seja devolvido à liberdade para adaptação à mesma, mesmo que isso implique iniciar essa liberdade condicional, após cumprimento de uma segunda pena. As únicas duas condições a respeitar são: que já tenha prestado o necessário consentimento e que os cinco sextos tenham sido atingidos (dois únicos pressupostos cumulativos!).
Posto isto, nenhuma decisão pode manter alguém preso, depois de ter atingido os 5/6 da pena, sob pena de cometer denegação de justiça.
Contudo,
O Acórdão recorrido vem dizer que até admite que, para alguns casos em que é revogada a liberdade condicional se possa voltar a beneficiar dessa medida, seja antes ou até pelos cinco sextos obrigatórios, mas tudo depende do motivo que levou à revogação.
Este pensamento não está correcto. Para efeitos da liquidação da pena e do respectivo cumprimento da liberdade condicional revogada, não importa o que levou à revogação.
Vejamos,
Há dois momentos históricos no processo da liberdade condicional: 1) os motivos da revogação, que são os motivos pelos quais foi revogada, sendo essa decisão passível de recurso para o Tribunal da Relação; depois, já num segundo momento, a forma de execução dessa revogação, ou seja, se o recluso estava a cumprir, por exemplo, 12 anos de prisão e foi-lhe concedido o meio da pena (6 anos), regressado ao EP para cumprir a revogação, não tem direito a ser-lhe apreciada nova liberdade condicional depois de ter retomado o cumprimento da pena? Entendemos que sim e decorre da Lei.
O artigo 64.º «Regime da Liberdade Condicional), no seu n.º 3 do C.P. prevê que: "relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º [do Código Penal]".
Tem o direito imperativo de ver apreciada a liberdade condicional pelos dois terços da pena a que faz referência artigo 61.º n.º 3 do Código Penal por força da remissão efectuada no n.º 3 do artigo 64.º do mesmo diploma.
O recluso tem o direito a que lhe seja apreciada a liberdade condicional, outra situação bem diferente é ser-lhe a mesma concedida. Na primeira situação verifica-se uma obrigação de apreciação na segunda, já só é concedida se o Juiz entender que estão preenchidos os requisitos subjectivos que fazem depender a liberdade condicional facultativa, nomeadamente as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º do C.P.

A letra da lei não podia ter sido mais clara ao ter dito que, depois de revogada a liberdade condicional, pode, ser concedida nova liberdade condicional, como resulta do artigo 64.º n.º 3 do Código Penal.
Não podemos deixar de citar, novamente, o invocado pelo Excelentíssimo Senhor Jui Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, Doutor João Pedro Nunes Maldonado:
"(...) um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados rigorosamente na mesma situação e impossibilitam observar o principio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito estabelecido no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil. "
O acórdão do processo 441/13.3TXPRT-L.PI foi de tal forma rigoroso, que testou e explicitou todos os caminhos e interpretações que levavam ao resultado que mais se coaduna com o instituto da liberdade condicional - o recluso, em liberdade, cumpriria, simultaneamente, o regime condicional estabelecido nos dois processos.
***
FACE A TODO O EXPOSTO:
Entende o recluso estarem cabalmente preenchidos os pressupostos para ser admitido o presente Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, seguindo-se a demais tramitação processual, desde já se adiantando que, na ótica da defesa deve ser fixada a seguinte jurisprudência:
I - A revogação de anterior liberdade condicional não impede a concessão de nova liberdade condicional na execução da mesma pena.
II - No cálculo dos prazos do segundo período de liberdade condicional tem-se em conta a pena originária.
III - A possibilidade de concessão de nova liberdade condicional nos termos referidos não é afastada pelo facto de haver outra pena autónoma para executar.
IV - O regime mais favorável de execução conjunta previsto no artigo 63° é apenas aplicável ao cumprimento sucessivo de penas inteiras, as penas parciais resultantes da revogação de liberdade condicional anterior têm um regime de execução autónomo.
V - Essa execução autónoma da primeira pena - se superior a 6 anos de prisão e se o condenado consentir - interrompe-se aos cinco sextos, passando o condenado a cumprir a segunda pena; no momento em que houver de ser libertado da seguida, por extinção da pena ou em regime de liberdade condicional, completa-se a execução da primeira em liberdade condicional.
Assim, requer-se a admissão do presente recurso extraordinário, aguardando a defesa o convite por parte do Supremo Tribunal de Justiça para serem apresentadas as respectivas motivações já aqui um pouco elaboradas) e as suas conclusões.”
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Respondeu o Ministério Público `à motivação do recurso no sentido de que “Analisada a motivação do recurso e respetivas conclusões, no confronto com o teor dos mencionados acórdãos, propendemos considerar que estão verificados os requisitos para a admissão e apreciação do mesmo nos termos do art. 437° do CPP.”

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             Neste Supremo, o Digmo. Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer onde assinala que “verificados os requisitos formais e substanciais respectivos, é o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça de parecer que o recurso extraordinário deve prosseguir (art.ºs 440.º e 441.º do CPP).”

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Colhidos os vistos legais, foi proferido acórdão preliminar que decidiu “concluir pela oposição de julgados, prosseguindo o recurso, nos temos da 2.ª parte do artigo 441.º, n.º 1, e cumprindo-se o disposto no art.º 442.º, n.º 1, ambos do CPP.”

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Notificados os sujeitos processuais para apresentarem no competente prazo as alegações escritas, apresentaram alegações:

O arguido recorrente concluindo da seguinte forma:

“III. CONCLUSÕES

1. O arguido/recluso AA interpõe o presente Recurso de Uniformização para fixação de jurisprudência, devido à existência de, pelo menos, um acórdão contrário ao seu, onde foi decidido entender-se e aplicar-se o Direito Penal num outro sentido, tendo como consequência, naquele outro processo a libertação do recluso, e neste a continuação da sua reclusão por mais tempo, o que configura diretamente uma violação cabal do princípio da igualdade entre os cidadãos e, ainda, do princípio da legalidade, como se irá demonstrar.

2. A disparidade da situação é de tal ordem séria que colide com um bem precioso do Ser Humano: A LIBERDADE que, numa escala de valores, a liberdade é o segundo valor mais importante, logo a seguir ao direito à vida.

3. Manter-se uma pessoa presa depois de esta ter atingido os cinco sextos da sua pena é uma prisão arbitrária, expressamente proibida pelo artigo 9.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (D.U.D.H.) e, ainda, artigo 12.º e 7.º da mesma Declaração, violações que estão a decorrer de forma grosseira no nosso País a centenas de reclusos.

4. No caso que nos ocupa, não é compreensível dizer-se que, pelo facto de o recluso ter beneficiado anteriormente de liberdade condicional e esta lhe ter sido revogada, agora já não pode beneficiar de uma nova, quando a lei diz precisamente o oposto.

5. Um dos princípios orientadores do nosso Ordenamento Jurídico é o artigo 8º n.º 2 do Código Civil que prescreve o seguinte: “ o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”, mais se dizendo no n.º 3 do mesmo artigo o seguinte: “ nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

6. No caso presente, verificamos que uma parte dos MM. Juízes do TEP parece não concordar com o normativo descrito no n.º 3 do artigo 64.º do C.P., como tal têm dito que este normativo que prevê uma nova liberdade condicional sobre uma liberdade condicional anteriormente concedida e posteriormente revogada "sofre uma limitação, uma compressão”, não tendo aplicabilidade ao caso de ter sido revogada a liberdade condicional.

7. Salvo o devido respeito, este fundamento configura uma autêntica desobediência ao preceito legislativo, com um pensamento subjacente e implícito de que consideram não ser merecedor de nova liberdade condicional alguém que dela já beneficiou e não a soube aproveitar.

8. Consideramos este pensamento ancestral e que em nada contribui para a tão desejada ressocialização e reintegração dos reclusos, mais a mais num país do Século XXI, como é Portugal, que pertence a uma Europa da Era Moderna onde tais pensamentos são considerados (e bem) totalmente retrógrados e contra a dignidade da pessoa humana.

9. Os Tribunais devem obediência à Lei, pelo que não deverão ser permitidas interpretações e “redesenhamentos” que contrariam a norma, a unidade do sistema jurídico-penal e do direito à liberdade constitucionalmente consagrado.

10. A admitir-se o contrário estaremos perante uma flagrante e intolerável interferência entre os distintos órgãos de Soberania. Na verdade as leis emanadas da Assembleia da República ou do Governo passaram pelo crivo da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias e, ainda, no crivo do Presidente da República.

11. Por meio das presentes alegações pedimos que o acórdão de uniformização de jurisprudência de que se aguarda tenha presente, que o resultado do mesmo terá impacto na vida de centenas de reclusos que estão na mesma posição que o arguido AA, uma vez que se trata, porventura, da mais importante jurisprudência a ser fixada no âmbito das execuções de penas de prisão.

12. A questão que se coloca a saber é a seguinte: Quanto é concedida uma liberdade condicional numa pena superior a 6 anos de prisão, antes de se ter atingido os 5/6 da pena (ou seja, ao meio da pena, dois terços ou renovação de instância nos termos do artigo 180.º, n.º 1, do C.E.P.M.P.L.), e caso essa liberdade condicional venha a ser revogada – seja qual for o motivo da revogação, entretanto transitada em julgado (a revogação), o recluso terá direito à libertação obrigatória aos cincos sextos dessa mesma pena nos termos conjugados dos artigos 64.º, n.º 3, do Código Penal e 61.º, n.º 4, do mesmo diploma?

13.A questão que se coloca é a de se saber se: quando um recluso é alvo de revogação de liberdade condicional, numa pena originária superior a 6 anos, tem ou não que beneficiar da libertação obrigatória pelos 5/6 da pena, desde que tenha prestado o necessário consentimento?

14.Acolhemos integralmente a criteriosa fundamentação do acórdão proferido no processo 441/13.3TXPRT-L.P1, de 26 de Abril de 2017, dando a mesma por integralmente reproduzida no presente recurso.

15.O artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal remete para o artigo 61.º do Código, este mesmo artigo 61.º tem contemplado no seu n.º 4 que “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

16. Assim, é nosso entender que a melhor e mais correta interpretação da expressão “é colocado”, que é um conceito imperativo, é a de que qualquer arguido que tenha cumprido cinco sextos da sua pena seja colocado em liberdade, para adaptação à mesma, mesmo que isso implique iniciar essa liberdade condicional, após cumprimento de uma segunda pena. As únicas duas condições a respeitar são: que já tenha prestado o necessário consentimento e que os cinco sextos tenham sido atingidos (os dois únicos pressupostos cumulativos).

17.O artigo 64.º «Regime da Liberdade Condicional», no seu n.º 3 do C.P. prevê que: “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º [do Código Penal]”.

18. Assim, se a norma do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal prevê que pode ser concedida nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º do mesmo diploma, não tendo o Senhor Presidente da República e o Provedor da Justiça suscitado a inconstitucionalidade desta mesma norma, leva-nos a concluir, sem margem para qualquer dúvida, que: nos termos do n.º 3 do artigo 64.º do CP o recluso pode beneficiar de nova liberdade condicional “em cima” da liberdade condicional anteriormente revogada, sendo de carácter obrigatório a sua libertação aos cinco sextos da pena, caso a pena originária tenha sido superior a 6 anos.

19. Debatemos e decidir-se-á sobre a liberdade das pessoas, não podemos aceitar que no cumprimento de pena de prisão efetiva sejam adotados diferentes caminhos para a mesma questão jurídica.

20. Reclusos colocados na mesma situação, uns saem outros ficam presos. O princípio da igualdade impõe que, para casos semelhantes os tratamentos têm que ser idênticos.

21. Chegados aqui, não podemos também deixar de invocar a questão inconstitucional que nos parece existir caso o sentido da uniformização da jurisprudência não acolha a tese que defendemos, e por isso, pela maior e mais prudente cautela processual, desde já a invocaremos, para, se for caso disso e houver essa necessidade, recorrermos ao Tribunal Constitucional e mais além até, onde o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem terá uma palavra a dizer, por força do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que atestam que Portugal, Estado Membro, respeitará e cumprirá todas a Leis, Tratados e Convenções que tenha ratificado.

22.Assim, temos para nós que, a apelidada “restrição ou compressão” à regra CONSAGRADA no artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal referida em acórdãos e despachos do TEP invocados nas motivações deste recurso, que amputam direito à nova liberdade condicional são inconstitucionais e manifestamente ilegais, configurando um Abuso de Direito e beliscando a Denegação de Justiça.

INCONSTITUCIONALIDADE

23.A dimensão normativa dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º, n.º 4, do Código Penal, quando interpretados e aplicados, de forma genérica ou abstrata, no sentido de não se conceder, dado o necessário consentimento do recluso, a liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos de uma pena de prisão superior a 6 anos de prisão, com o fundamento de que pelo facto de já ter beneficiado de uma liberdade condicional que anteriormente lhe foi concedida e lhe foi revogada, deixa de ser obrigatória a sua libertação aos cinco sextos dessa referida pena superior a 6 anos porque as normas sofrem uma “limitação/restrição ou compressão, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da dignidade de pessoa humana, estado de direito democrático, proteção da confiança jurídica, legalidade e igualdade, ínsitos nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, 20.º e 29.º, todos da Constituição da República Portuguesa, artigos 7.º, 9.º e 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

24.A correta interpretação normativa e consequente aplicação da lei face aos parâmetros constitucionais é a seguinte:

a) Quando é revogada uma liberdade condicional numa pena superior a 6 anos de prisão, o recluso pode beneficiar de nova liberdade condicional se tiver saído do Estabelecimento Prisional antes de perfazer os cinco sextos da pena.

b) Se o recluso der o seu consentimento à liberdade condicional pelos cinco sextos, a liberdade condicional é obrigatória aos cinco sextos da pena, independentemente dos motivos que levaram à revogação anterior dessa mesma pena.

26.O acórdão do processo 441/13.3TXPRT-L.P1 foi de tal forma rigoroso, que testou e demonstrou todos os caminhos e interpretações que levavam ao resultado que mais se coaduna com o instituto da liberdade condicional e o espirito do legislador, na ressocialização do Homem.

27. Por decisão datada de Janeiro de 2019, que aqui se junta em anexo, o MM. Juiz demonstra ser possível existirem duas liberdades condicionais e que os reclusos podem ser dela merecedores, no processo 441/13.3.TXPRT-L.P1 (acórdão fundamento), enquanto este recurso de uniformização de jurisprudência chegava ao STJ, o Tribunal de Execução de Penas do Porto concedeu liberdade condicional facultativa ao recluso na pena de 5 anos e 4 meses, mais tendo ficado com a outra liberdade condicional (obrigatória) sobre a liberdade anteriormente revogada.

28.O recluso saiu do EP com duas liberdades condicionais, o que determinará o cumprimento das duas LC distintas, mas seguidas.

29. Na decisão do TEP datada de Janeiro de 2019, o MM. Juiz do TEP concluiu que o recluso merecia uma outra liberdade condicional facultativa numa pena de 5 anos e 4 meses de prisão, tendo já estado preso com uma outra liberdade condicional revogada, porque o recluso demonstrou, ao fim e ao cabo, que ocorreu um “tourning point” na sua vida e que não voltará a delinquir, daí o Legislador ter acautelado essas mesmas situações e deixar a possibilidade de os reclusos terem nova liberdade condicional em “cima” da liberdade condicional revogada.

30.O MM. Juiz do TEP não estava obrigado a conceder esta Liberdade Condicional na pena de 5 anos e 4 meses, mas concedeu-a, por a considerar justa e adequada.

31. Contudo, uma vez que a jurisprudência está oscilante e incerta, mais do que este acórdão de fixação de jurisprudência, é importante ver esclarecido que, numa liberdade condicional revogada, é obrigatória a apreciação de nova liberdade condicional nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do CP. Vejamos, pois, o que diz a lei:

32. No artigo 141.º alínea j) do Código de Execução de Penas (CEP), onde se diz o seguinte compete “ao representante do Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas; em caso de revogação de licença de saída ou da liberdade condicional, calcular as datas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º do Código Penal e submeter o cômputo à homologação do juiz”.

33. O artigo 185.º, n.º 8, do Código de Execução de Penas reitera: “em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efetua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado.”

34. É a própria lei do Código de Execução de Penas, aprovada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, com as respetivas atualizações, sendo a última delas em 2017, que atesta categoricamente que, em caso de revogação da liberdade condicional a recontagem da pena implica que sejam indicadas os “marcos históricos” da liberdade condicional por referência aos dois terços, r

35. As expressões utilizadas pelo legislador ao ter dito “pode” e “nova” significam que se há uma “nova” é porque já houve, pelo menos, uma anterior e a expressão “pode”, significa que pode caso estejam reunidos os pressupostos que a lei descreve naquele art.º 61.º.

36. Concluindo-se assim que, para penas de prisão originariamente superiores a 6 anos, em caso de revogação, o recluso sairá aos cinco sextos da pena, em caso de penas inferiores a 6 anos o recluso poderá sair em liberdade condicional facultativa caso o TEP entenda que preenche os requisitos, tal e qual como aconteceu no processo 441/13.3TXPRT, que aqui se junta cópia em documento n.º 1 e 2.

37. É de referir também já há um novo acórdão datado de 12 de Setembro de 2018, do Tribunal da Relação do Porto, no processo 1374/10.0TXCBR-G.P1, que aqui se anexa cópia em documento n.º 3, para os devidos efeitos legais, e voltou a conceder razão à defesa do recluso, concluindo que tem direito a essa liberdade obrigatória e que a contagem da pena se faz pela pena originária.

CONTAGEM DA PENA, questão terá de ser abordada uma vez que tem interferência em toda a decisão, bem como por forma a esclarecer, o que tem suscitado diferentes posições nas instâncias inferiores.

38. Revogada uma liberdade condicional a um recluso, que cumpria uma pena originária superior a 6 anos de prisão, regressando o recluso Estabelecimento Prisional para cumprimento do remanescente da pena, após o trânsito em julgado da decisão que determinou a revogação, a liquidação da pena deve efetuar-se pelo quantum em falta ou repuxar-se todo o tempo cumprido anteriormente e descontar-se o que havia cumprido? Ou, de outra forma, efectuar-se uma liquidação de pena contabilizando apenas o tempo que faltava cumprir, como se de uma nova pena se tratasse?

A nossa resposta é simples:

39. Defendemos a tese de que, a liquidação da pena se faz tendo em conta, sempre, a pena originária, pois a pena de prisão que foi fixada na sentença/acórdão que transitou em julgado é aquela que está lá escrita e não “as sobras” do que falta cumprir. Aliás, é isso que diz o artigo 141.º alínea j) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, bem como pelo n.º 8 do artigo 185.º do CEP onde se lê o seguinte: “em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efetua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado.”.

40. É esta última norma que diz expressamente “para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal”.

INCONSTITUCIONALIDADE.

41. As disposições conjugadas dos art.ºs 61.º, n.º 4, 64.º, n.ºs 2 e 3, do C.P. e art.ºs 138.º, n.º4, al. p), e 141.º, al. j), e 185.º, n.º 8, todos do C.E.P., quando interpretados e aplicados no sentido de que, ao recluso a quem foi revogada a liberdade condicional, anteriormente concedida, numa pena originária superior a 6 anos de prisão e essa libertação tenha ocorrido antes de completar aqueles 5/6, ao efetuar-se uma liquidação de pena aplicando como cálculo o “remanescente da pena” e não a “pena originária” e, consequentemente, não se indicando nessa liquidação as datas do art.º 61.º que ao caso couberem pela contagem da pena originária (já descontado o tempo anteriormente cumprido), mormente os 5/6 da pena, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, Estado de Direito Democrático, legalidade, ressocialização e finalidade das penas, ínsitos nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 18.º, 20.º e 30.º da C.R.P., artigos 7.º, 9.º e 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que a pena revogada tem uma origem decretada por acórdão de sentença e é pelo quantum dessa pena descrita nessa mesma sentença originária que se efetuam os cálculos para efeitos do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal e 185º, n.º 8, do Código de Execução de Penas.

TERMOS EM QUE, EM CONSONÂNCIA COM AS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES ACIMA DESCRITAS, O SENTIDO DE JURISPRUDÊNCIA A SER FIXADO É O SEGUINTE:

a) Nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal, quando foi revogada uma liberdade condicional anteriormente concedida por referência ao meio da pena, dois terços ou renovação de instância (artigo 180.º. n.º 1. do CEP), retomado o cumprimento da pena por via dessa revogação, é obrigatória a concessão dos cinco sextos da mesma pena, por referência ao artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal, desde que o recluso preste o necessário consentimento e a pena originária seja superior a 6 anos de prisão, não sofrendo nenhuma “compressão” nem “restrição” a norma consagrada do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal.

b) Quando a lei refere, no artigo 64.º, n.º 2, do Código Penal que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, não quer dizer que essa execução tenha de ocorrer dentro do estabelecimento prisional até ao fim da pena, pode a mesma ser executada em nova liberdade condicional caso o TEP conclua que o recluso reúne essas mesmas condições, independentemente de ter sido revogada anteriormente.

c) Perante uma liberdade condicional revogada, a contagem da pena é feita por referência à “pena originária” e não ao “remanescente” da pena, sendo feita nessa recontagem referência aos tempos cumpridos anteriormente com referência às datas a que se referem os artigos 61.º,64.º, n.º 3, do Código Penal e, ainda, 141.º, alínea j), e 185.º, n.º 8, do CEP.

d) No caso da liberdade condicional revogada ser oriunda de uma pena originária inferior a 6 anos de prisão, para a qual não está legalmente previsto os cinco sextos obrigatórios, caso o recluso tenha sido libertado ao meio da pena, tem o direito a ser-lhe apreciada a nova liberdade condicional, a que faz referência o artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal aos dois terços da pena. Caso tenha sido libertado aos dois terços da pena, tem direito a ser apreciada a nova liberdade condicional à renovação de instância nos termos do artigo 180.º do CEP, caso o “quantum” da pena assim o permita.

e) A apreciação da liberdade condicional e a sua a concessão são situações distintas. Mostrando-se cumpridos os quantuns definidos pelo legislador, a apreciação é obrigatória, o que não significa concessão obrigatória da Liberdade Condicional.

DECIDINDO-SE ASSIM, O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA FARÁ A COMPETENTE JUSTIÇA QUE, O CASO MERECE, QUE A LEI IMPÕE E QUE AQUI SE PUGNA.”


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 O Ministério Público, através do Digníssimo Procurador-Geral Adjunto concluindo:

A.            Do recurso.
(1). Recorre extraordinariamente para fixação de jurisprudência – art.os 437.º e ss. do CPP –  o arguido AA do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Julho de 2018, proferido no Proc. n.º 1986/10.2 TXCBR-M.P1.
(2). Indica como Acórdão-Fundamento o do Tribunal da Relação do Porto de 24.11.2017, proferido no Proc. n.º 441/13.3TXPRT-L.P1
(3). Alega que, colocados, no domínio mesma legislação, perante a mesma situação de revogação de liberdade condicional concedida aos 2/3 do cumprimento da pena de prisão superior a 6 anos – art.º 61.º n.os 1 e 3 do CP – por via da comissão de crime durante o período respectivo – art.os 64.º n.os 1 e 2 e 57.º n.º 1 b) do CP – por que o recluso veio a ser condenado em pena de prisão, proferiram decisões completamente divergentes,
(4). O Acórdão Recorrido dizendo que, ao cumprimento desta e do remanescente daquela se aplica o regime da execução sucessiva previsto no art.º 63.º do CP, com a consequência de aquele remanescente ter de ser cumprido por inteiro, por imposição do n.º 4 da norma,
(5). O Acórdão-Fundamento que tal remanescente deve ser cumprido em regime de execução autónoma nos termos do previsto no art.º 61.º do CP, com a consequência de, se o condenado o consentir, se interromper ao 5/6 da pena originária, nos termos dos art.os 61.º, n.º 4, e 64.º, n.º 3, do CP, passando ele a cumprir a segunda pena e completando-se a execução da primeira em regime de liberdade condicional assim que libertado da segunda.
(6). Quer que se supere a divergência, fixando-se jurisprudência no sentido do Acórdão-Fundamento.
(7). A oposição de julgados foi verificada pelo douto Acórdão de 27.2.2019, que mandou seguir o recurso.

B. Sobre o fundo do recurso.
(8). Também o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça está do lado do Acórdão-Fundamento.
Na verdade:

(9). A liberdade condicional visa promover a ressocialização do condenado a prisão de média e longa duração e é um incidente de execução da pena justificado à luz da finalidade preventivo-especial de integração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela dos bens jurídicos.
(10). O art.º 63.º do CP tem que ser interpretado no contexto do instituto da liberdade condicional em que se integra e à luz a das ideias da unidade e da harmonia do sistema – art.º 9.º, n.º 1, do Cód. Civil –, por isso que em articulação com os art.os 61.º e 64.º do mesmo diploma.
(11). O art.º 61.º do CP define os pressupostos e duração da liberdade condicional fazendo-a depender, entre o mais, do consentimento do condenado e de se atingirem determinados marcos temporais de cumprimento da pena.
(12). O regime da liberdade condicional – mormente, no tocante às consequências da sua revogação e à possibilidade de concessão de nova liberdade condicional –, está definido no art.º 64.º.
(13). As actas n.os 7 e 42 da Comissão da Revisão do Código Penal que culminou na Reforma de 1995, evidenciam que o actual art.º 63.º cuida, e só cuida, da questão da liberdade condicional na situação de execução sucessiva de penas.
(14). Norma que veio preencher uma lacuna.
(15). O n.º 4 do preceito, ao excluir a aplicação do disposto nos «números anteriores», apenas quer dizer que, revogada a liberdade condicional, o remanescente da pena já não se somará às restantes penas (que estavam com ela em relação de sucessão) e, além disso, que não contará para efeitos do limite dos seis anos a que alude o n.º 3.
(16). E não que não possa beneficiar de nova liberdade condicional, se verificados os respectivos pressupostos.
(17). De outro lado, o art.º 64.º, n.º 3, do CP permite, inequivocamente, que, relativamente à pena (remanescente) de prisão que vier a ser cumprida, possa haver lugar a nova liberdade condicional.
(18). Apesar de o art.º 64.º do CP em causa nunca utilizar as expressões «remanescente da pena» ou «cumprimento sucessivo» de penas, essa é a única solução que garante a harmonia do sistema.
(19). O remanescente de uma pena não é uma pena autónoma, antes o resto de uma «pena de prisão» ainda não cumprida e, portanto, passível de cair na previsão do art.º 64.º n.º 3 do CP.
(20). O entendimento que se vem sustentando – o do Acórdão-Fundamento –, vai, ainda, ao encontro da filosofia da Reforma Penal de 2007, orientada no sentido da antecipação do momento da concessão da liberdade condicional e da flexibilização do seu regime.

Deve, pois:
─ Fixar-se jurisprudência no seguinte sentido:
─ Havendo lugar à execução de várias penas de prisão, caso seja revogada a liberdade condicional com fundamento na prática de um crime por que venha a ser condenado em nova pena de prisão, o arguido pode beneficiar de nova liberdade condicional no cumprimento do remanescente da primeira pena, por força do disposto nos artigos 64.º, n.os 2 e 3, e 61.º do CP.
─ Resolver-se, em conformidade, o conflito jurisprudencial em favor do Acórdão-Fundamento.
─ Revogar o Acórdão Recorrido e ordenar a devolução do procedimento ao Tribunal da Relação do Porto, para decisão sobre o pedido de concessão de liberdade condicional do arguido AA.

<>

Colhidos os vistos legais, e reunido o Pleno, cumpre deliberar.

                        I

Sobre a oposição de julgados

Uma vez que o acórdão que reconheceu a existência de oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais, há que reapreciar a mesma questão.

Reapreciando:

Dos termos do petitório retira-se que o recorrente pretendeu interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando a oposição de julgados entre dois acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, o recorrido, proferido no processo n.º 204/07.5IDBRG.G1-A.S1 da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, que transitou em julgado em 18 de Dezembro de 2018.e o acórdão fundamento constante dos autos n.º 441/13.3TXPRT-L.Pl, de 26 de Abril de 2017, que também transitou em julgado

A exigência de oposição de julgados, de que não se pode prescindir na verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 437.º, n.º 1, do CPP, é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. - v.v.g. Ac. do STJ 10-01-2007, Proc. n.º 4042/06 - 3.ª Secção


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Consta do acórdão recorrido, referente aos autos n.º 1986/10.2TXCBR-M.P1. do Tribunal da Relação do Porto:

“Processo n.º 1986/10. 2 TXCBR-M. P1- 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1. Por decisão proferida no 1º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, a 05/03/2018, no âmbito do Processo n.º 1986/10.2TXCBR-M, e por entender que a pena em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, deverá ser cumprida por inteiro, foi dada a concordância e respetiva homologação ao cômputo de pena efetuado pelo Ministério Público, fixando-se como remanescente da pena a cumprir os 3 anos e 4 meses, e o termo de tal pena em 30/03/2021.

1.2. Não se conformando com tal decisão dela veio interpor recurso o recluso, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:

A - O presente recurso vem interposto do douto Despacho proferido nos autos que condena o arguido AA, na pena ora em execução, resultante da liberdade condicional, a ser cumprida por inteiro.

B - Entende o Recorrente, que, face à factualidade provada e ao direito aplicável, a imposição da pena ora em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, ser cumprida por inteiro, com que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.º, n.º 3, do CP, revela-se pouco criteriosa, demasiado subjetiva e desequilibradamente aplicada, violando os princípios constitucionais vigentes.

C - O Recorrente foi condenado no Processo n.º 456/07.0GAMGL, por decisão transitada em julgado, a uma pena de 10 de prisão.

D - Foi fixada a data de 19/01/2018 para o termo do período da liberdade condicional, tendo o arguido sido libertado em 19/09/2014. O arguido foi colocado em liberdade condicional no Processo n.º 456/07.0GAMGL em sede de dois terços da pena.

E - Por decisão transitada em julgado foi revogada a liberdade condicional no Processo n.º 456/07.0GAMGL.

F - Os cinco sextos da pena estavam calculados para 19/05/2016 e o seu termo para 19/01/2018.

G - Por despacho de 06/03/2018, proferido pelo Douto Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi decidido que, na pena ora em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, há de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.º, n.º 3, do CP.

H - Ora o Douto Despacho violou as normas dos artigos 61.º, 63.º, n.º 2, e 64.º, n.º 3, do Código Penal.

1- Nos termos dos artigos 61.º, n.º 4, do Código Penal, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

J - É obrigatória a concessão da liberdade condicional prevista no artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal, nas penas superiores a 6 anos de prisão em que o arguido já tenha cumprido 5/6 da pena.

K - O único requisito previsto é o consentimento do condenado.

L - No presente caso, a pena inicial é de 10 anos de prisão, no qual a liberdade condicional concedida foi revogado, está sujeita a ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 da pena, pois o único requisito exigível é o decurso do tempo e o consentimento do ora recorrente

M - De acordo com o artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal "pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”, isto significa que essa concessão há de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo, por força da lei, à que se refere o artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal.

N - Entendimento também seguido no Acórdão do STJ de 25.06.2008, proferido no Processo n.º 08P2184 e Acs do TRP de 22-02-2006, proferido no Processo n9 0640101, Ac. de 03.02.2010, proferido no Processo n9 3670/10.8TXPRTD.P1.

O - O arguido ora recorrente foi condenado no Processo n9 456/07.0GAMGL a uma pena de prisão superior a seis anos, tratando-se de uma pena que sofre de tratamento autónomo por força do regime especial legalmente previsto nos artigos 6.º9, n.º 3, e 63.º, n.º 4, do Código Penal.

P - O presente caso concreto não configura um cumprimento sucessivo de penas, mas antes o restante de uma pena nova, mas o que ficou por cumprir de uma pena.

Q -Por decisão transitada em julgado em 10/10/2016, proferida no processo n.º 76/15.6 PABCL, veio o mesmo a ser condenado na pena de 8 anos de prisão

R - Deve, pois, ser revogado o Despacho, de que se recorre, que só fez menção ao termo da pena e que sofre a limitação da regra consagrada no artigo n.º 64.º, n.º 3, do Código Penal, o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumprimento e substituído por outro no qual se fixe o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumprimento.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Factos a considerar

2.1.1. No âmbito do processo n.º 456/07.0GAMGL, o recorrente foi condenado numa pena de 10 anos de prisão.

2.1.2. O cumprimento de metade de tal pena ocorreu em 19/01/2013 e os dois terços em 19/09/2014, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional com o seu termo fixado para 19/01/2018.

2.1.3. Por acórdão proferido no processo n.º 76/15.6PABCL, e por factos praticados desde 13/03/2015 até 27/04/2015, foi o recorrente condenado na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

2.1.4. Iniciou o cumprimento desta pena em 27.04.2015.

2.1.5. Em virtude desta condenação, foi revogada a liberdade condicional ao recorrente e ordenado o cumprimento da pena remanescente, encontrando-se por cumprir o remanescente de 3 anos e 4 meses de prisão.

2.1.6. Em 30.11.2017 interrompeu-se o cumprimento da pena referida em 2.1.3. e iniciou-se o cumprimento do remanescente da primeira pena, cujo termo está previsto para 30.03.202.

2.2.      Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos

Como referimos supra, a questão fundamental a resolver consiste em saber se, faltando cumprir 3 anos e 4 meses de prisão, a revogação da liberdade condicional com fundamento na prática de um crime pelo qual veio a ser aplicada uma pena de 8 anos de prisão, implica ou não o cumprimento do remanescente daquela pena por inteiro, e desse modo o afastamento das regras dos n.ºs 1 a 3 do art.º 63.º do CP.

A solução do problema é alcançável, a nosso ver, por simples interpretação declarativa do art.º 63.º do CP, dada a circunstância de ser ele, como desde logo resulta da respetiva epígrafe) que regula a liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas.

Diz tal artigo o seguinte:

"Art.º 63.º

(Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas)

1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão) a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.

2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea) relativamente à totalidade das penas.

3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.

Lidos os n.ºs 1 a 3, facilmente se conclui que os mesmos contemplam todas as hipóteses que o cálculo do período de liberdade condicional pode implicar na execução de várias de penas, isto é, um terço, dois terços ou cinco sextos, procedendo-se para tal à interrupção no cômputo da primeira pena, a metade do cumprimento desta, concedendo depois o n.º 2 daquele artigo uma grande latitude ao Tribunal para decidir sobre a liberdade condicional, no momento em que possa fazê-lo relativamente à totalidade das penas, tendo precisamente por base a soma delas. Sendo que no n.º 3 se torna depois claro que, se a soma das penas exceder 6 anos, o condenado só será colocado em liberdade, logo que se encontrem cumpridos 5/6 da soma das penas, se dela antes não tiver aproveitado (visando-se precisamente excluir da plenitude da estatuição deste segmente normativo também os casos em que relativamente a uma das penas de prisão a cumprir o recluso já haja beneficiado de liberdade condicional).

Assim sendo, se tais preceitos cobrem todas as possibilidades de determinação da liberdade condicional nos casos de cumprimento de várias penas, então, o seu n.º 4, ao dizer expressamente que o disposto nos números anteriores não é de aplicar ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, implica claramente que esta última pena deve ser integralmente cumprida, porquanto deixa de poder integrar qualquer soma de penas em relação à qual pudesse vir a ser determinado o cálculo do período de liberdade condicional a conceder ao recluso

[…]

Ou seja, a quem haja já beneficiado de liberdade condicional, no cumprimento sucessivo com base num novo crime praticado nesse período de liberdade, impõe-se o regime do art.º 63.º, e em especial o seu n.º 4, o qual, obstando claramente a qualquer interrupção da pena anterior ou a sua integração na soma dos 5/6 a que alude o n.º 3 daquele artigo, para efeitos de concessão de liberdade condicional, implica logicamente o cumprimento integral do remanescente dessa pena.

O art.º 64.º, n.º 3, por seu turno, terá verdadeiro sentido para os casos em que a revogação existe, não com fundamento numa nova pena e num novo crime cometido no período de liberdade condicional, mas sim na violação das condições impostas à liberdade condicional concedida, nas situações de pena única, e se torne conveniente, senão mesmo necessário, deixar um período final, ainda que mínimo, de cumprimento condicional da pena em liberdade. Possibilidade esta que resulta sempre alcançável nos casos como o que é posto, e relativamente ao qual deve ser aplicado com todo o rigor (aplicação justificada pela estreita conexão entre o crime sucessivo e a circunstância de o mesmo ter sido praticado no período de liberdade condicional) o art.º 63.º, n.º 4, do CP. Havendo, por isso, também uma clara relação de especialidade entre normas, que obsta à aplicação ao caso do art.º 64.º, n.º 3, do CP.

Por sua vez consta do acórdão fundamento proferido em 26-04-2017, nos autos de recurso n.º 441/13.3TXPRT-L.P1

            “1. Relatório

1.1 Decisão recorrida

Por despacho proferido em 14 de Novembro de 2016, o tribunal de execução de penas indeferiu o requerimento no qual o recluso B. havia solicitado que lhe fosse oportunamente concedida a liberdade condicional aos cinco sextos da pena de 6 anos e 8 meses de prisão em que foi condenado no processo 669/05.0PABCL, da qual se encontrava por cumprir, à data do requerimento, o remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias, na sequência de revogação de anterior liberdade condicional concedida. Fundamentalmente, entendeu o tribunal que, tendo o recluso outra pena de 5 anos e 4 meses de prisão para cumprir à ordem do processo 573/13.8GBBCL, resulta do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal (referem-se a este código todas as normas sem outra indicação) que aquele remanescente terá de ser cumprido por inteiro, sem possibilidade de concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena.

1.2 Recurso

O recluso interpôs recurso invocando erro na interpretação e aplicação do direito e pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que considere imperativa a concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da referida pena. No essencial, concluiu a motivação do recurso invocando o seguinte:

- O remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão que tem de cumprir não é uma nova pena mas apenas parte da pena originariamente aplicada no processo 669/05.0PABCL, em consequência da revogação de liberdade condicional; como tal, é-lhe aplicável a regra do artigo 61.º, n.º 4.

- Deve-lhe ser concedida nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena, em conformidade com o disposto no artigo 61.º, n.º 4, pois para que tal ocorra basta o decurso do tempo e a concordância do condenado

[…]

2. Questões a decidir no recurso

A controvérsia que emerge do confronto entre o despacho recorrido e a posição do Ministério Público junto do tribunal de execução de penas, por um lado, e o recurso e o parecer do Ministério Público neste tribunal, por outro, enuncia-se sinteticamente assim: ao recluso que cumpria pena de 6 anos e 8 meses de prisão, que viu a respectiva liberdade condicional ser-lhe revogada quando restavam para cumprir 2 anos, 2 meses e 13 dias e que tem ainda para cumprir uma outra pena de 5 anos e 4 meses de prisão, é aplicável a regra da libertação condicional ope legis aos cinco sextos, ou, por virtude da impossibilidade legal de aplicação das regras da execução sucessiva de várias penas, tem de cumprir a primeira pena integralmente, só depois se iniciando o cumprimento da segunda?

3. Fundamentação

3.1. Factualidade processual relevante

1) No âmbito do Processo na 669/05.0PABCL, O recorrente foi condenado numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão. Em 29ABR2010 foi-lhe concedida liberdade condicional com termo previsto para 12JUL2012.

2) Por decisão transitada em julgado, proferida no Processo na 573/13.8GBBCL, foi O recorrente condenado noutra pena de 5 anos e 4 meses de prisão. Iniciou o cumprimento desta pena, cujo termo estava previsto para 2SET2018.

3) Em virtude desta condenação, foi revogada a liberdade condicional ao recorrente, por decisão transitada em julgado em 140UT2016, encontrando-se por cumprir o remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão. Em 140UT2016 interrompeu-se o cumprimento da pena referida em 2) e iniciou-se o cumprimento do remanescente da primeira pena, cujo termo está previsto para 27DEZ2018.

4) Em 3NOV2016 o recorrente requereu ao tribunal que considerasse que aquele remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão não tem de ser integralmente cumprido, uma vez que terá direito à liberdade condicional nos cinco sextos da pena originária de 6 anos e 8 meses de prisão.

5) Depois de colhida a opinião do Ministério Público, que foi negativa, o tribunal proferiu o despacho recorrido.

[…]

Do que temos vindo a dizer decorre já que aderimos à tese interpretativa de que após uma revogação da liberdade condicional, para os efeitos do artigo 64.º, n.º 3, o cômputo dos prazos do artigo 61.º se faz tendo em conta toda a pena originária e não apenas a parte dela não cumprida. Quer isto dizer que um arguido libertado a meio ou aos dois terços de uma pena de prisão superior a 6 anos e que viu a liberdade condicional revogada beneficiará ainda da libertação ope legis aos cinco sextos da pena. Consequentemente, se a liberdade condicional revogada for a concedida aos cinco sextos da pena, o recluso não terá direito a nova liberdade condicional, independentemente do resto que faltar cumprir.

[…]

De todo o modo, para nós é claro que a revogação de liberdade condicional anterior não exclui a possibilidade de concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos, desde que a sua medida originária o permita e o condenado a aceite, nos termos do artigo 61.º, n.º 4, para o qual remete o artigo 64.º, n.º 3. O que está vedado é que tal remanescente seja ponderado em conjunto com uma outra pena integralmente por executar, por impossibilidade lógica e exclusão legal expressa.

[…]

3.2.4. Chegámos assim às seguintes conclusões:

- A revogação de anterior liberdade condicional não impede a concessão de nova liberdade condicional na execução da mesma pena;

- No cálculo dos prazos do segundo período de liberdade condicional tem-se em conta a pena originária;

- A possibilidade de concessão de nova liberdade condicional nos termos referidos não é afastada pelo facto de haver outra pena autónoma para executar;

- O regime mais favorável de execução conjunta previsto no artigo 63.º é apenas aplicável ao cumprimento sucessivo de penas inteiras; as penas parciais resultantes da revogação de liberdade condicional anterior têm um regime de execução autónomo;

- Essa execução autónoma da primeira pena - se superior a 6 anos de prisão e se o condenado consentir - interrompe-se aos cinco sextos, passando o condenado a cumprir a segunda pena; no momento em que houver de ser libertado da segunda, por extinção da pena ou em regime de liberdade condicional, completa-se a execução da primeira em liberdade condicional.”

Como é fácil de ver pelo confronto de ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - há oposição de julgados relativamente a cumprimento de pena de prisão em que houve revogação da liberdade condicional concedida, optando por soluções diferentes para a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, em situação fáctica idêntica.

Os acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma legislação, ou seja, na vigência dos artigos 61.º, n.ºs 1 e 4, 63.º, n.º 4, e 64.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Penal (CP) e deram respostas opostas à questão de direito enunciada.

Como se refere no acórdão da 3.ª secção criminal, proferido em 27 de Fevereiro de 2019 ao abrigo do artigo 441.º do CPP, ambos os acórdãos – recorrido e fundamento - colocados, no domínio da mesma legislação, perante a mesma situação de revogação de liberdade condicional concedida aos 2/3 do cumprimento da pena de prisão superior a 6 anos – art.º 61.º, n.ºs 1 e 3, do CP – por via da comissão de crime durante o período de liberdade condicional respectivo – art.ºs 64.º, n.ºs 1 e 2, e 57.º, n.º 1, al. b), do CP – por que o recluso veio a ser condenado em pena de prisão, perfilharam soluções de direito opostas, decidindo o Acórdão Recorrido que, ao cumprimento desta e do remanescente daquela se aplica o regime da execução sucessiva previsto no art.º 63.º do CP, com a consequência de aquele remanescente ter de ser cumprido por inteiro, por imposição do n.º 4 da norma, ao passo que no Acórdão-Fundamento se determinou que tal remanescente deve ser cumprido em regime de execução autónoma nos termos do previsto no art.º 61.º do CP, com a consequência de, se o condenado o consentir, se interromper ao 5/6 da pena originária, nos termos dos art.ºs 61.º, n.º 4, e 64.º, n.º 3, do CP, passando ele a cumprir a segunda pena e completando-se a execução da primeira em regime de liberdade condicional assim que libertado da segunda.

Procedendo a oposição de julgados, prossegue o recurso para fixação de jurisprudência – art.º 441.º, n.º 1, do CPP.


II

Identificação do objecto do presente recurso

Como salienta o Recorrente, a questão que se coloca é a de se saber se: quando um recluso é alvo de revogação de liberdade condicional, numa pena originária superior a 6 anos, tem ou não que beneficiar da libertação obrigatória pelos 5/6 da pena desde que tenha prestado o necessário consentimento
Ou seja:
“Quando é concedida uma liberdade condicional numa pena superior a 6 anos de prisão, antes de se ter atingido os 5/6 da pena (ou seja, ao meio da pena, dois terços ou renovação de instância nos termos do artigo 180.º, n.º 1, do C.E.P.M.P.L.), e caso essa liberdade condicional venha a ser revogada – seja qual for o motivo da revogação, entretanto transitada em julgado (a revogação), o recluso terá direito à libertação obrigatória aos cincos sextos dessa mesma pena nos termos conjugados dos artigos 64.º, n.º 3, do Código Penal e 61.º, n.º 4, do mesmo diploma?”
Ou ainda, como conclui o Ministério Público:
“Havendo lugar à execução de várias penas de prisão, caso seja revogada a liberdade condicional com fundamento na prática de um crime por que venha a ser condenado em nova pena de prisão, o arguido pode beneficiar de nova liberdade condicional no cumprimento do remanescente da primeira pena, por força do disposto nos artigos 64.º, n.os 2 e 3, e 61.º do CP.”?

Em suma:

A questão objecto do presente recurso centraliza-se exclusivamente em saber se, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma das penas com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no art.º 63.º, n.º 4, do CP, ou se poderá ainda beneficiar de nova liberdade condicional quanto à pena no âmbito da qual ocorreu a revogação, nos termos do art.º 64.º, n.º 3, do CP.


III

As normas legais pertinentes


           A secção IV do título I do Livro I do Código Penal estabelece as regras legais da liberdade condicional, nas seguintes normas legais:


Artigo 61.º

Pressupostos e duração


1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.


Artigo 62.º

Adaptação à liberdade condicional


Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.


Artigo 63.º

Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas


1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.

2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional


Artigo 64.º

Regime da liberdade condicional


1 - É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º, nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, no n.º 1 do artigo 56.º e no artigo 57.º

2 - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.

3 - Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º

IV
Fundamentação

  

IV.1. Os argumentos dos acórdãos em oposição


No esmiuçamento da temática o acórdão recorrido ao defender que em caso de revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade do condenado de beneficiar de nova liberdade condicional, considerou
 “Em abono do supra exposto, temos ainda as atas e o Projeto da Comissão de Revisão do Código Penal (Ata n.º 8).

Era do seguinte teor o art.º 61.º-A do projeto de revisão:

"Artigo 61.º-A

(Liberdade condicional em caso de execução de várias penas)

1- Se houver lugar à execução sucessiva de várias penas de prisão, a execução da pena que deva se cumprida em primeiro lugar será interrompida:

a)        Quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, no caso da alínea b) do n.º 2 do artigo anterior;

b)         Quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, nos casos restantes.

2 - O disposto no n.º anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional.

3 - No caso previsto no n.º 1, o tribunal decidirá sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

4 - Se a soma das penas que devam se cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, fogo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas,"

Além de resultar da própria letra e do espírito da lei que não é aplicável qualquer interrupção ou cálculo daí adveniente para efeitos de concessão da liberdade condicional no cumprimento de várias penas, isto é, nas situações em que a execução de uma das penas resultar de revogação da liberdade condicional, a verdade é que tal interpretação sai ainda reforçada pela leitura das atas da Comissão de Revisão.

O atual n.º 4 era o n.º 2 do projeto de revisão, e o atual n.º 3 era o n.º 4. Qual era a consequência? Poder eventualmente pensar-se que o afastamento da possibilidade de aplicação do regime de interrupção da execução da pena anterior só abrangeria as situações de interrupção dessa pena a metade da pena (e no mínimo de 6 meses) ou a dois terços da pena. Porquê? Porque como o n.º 2 vinha logo a seguir ao n.º 1, e se referia apenas ao disposto "no número anterior", quando dizia que o ali estabelecido não valia para o caso em que a execução da pena resultasse de revogação da liberdade condicional, deixava de fora o n.º 4 do projecto de alteração, o qual estabelecia: "Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas". Um tal desenvolvimento do artigo não seria o melhor, do ponto de vista hermenêutico, porquanto no n.º 2 deixava expressa e inequivocamente de fora os dois primeiros casos (interrupção a metade da pena ou a dois terços), nas hipóteses em que a execução da pena resultasse de revogação da liberdade condicional, mas autonomamente, ainda que com um mesmo sentido normativo daquele ali previsto, excluísse, pelo menos na sua integral verificação, a possibilidade de a libertação ocorrer forçosamente aos 5/6 da soma das penas, nos casos em que o condenado já tivesse beneficiado da liberdade condicional. Ou seja, mesmo na ordem inicialmente estabelecida no projecto, parecia claro que, em caso de execução sucessiva de penas, para a qual tivesse havido revogação da liberdade condicional, e a execução de uma delas resultasse dessa revogação, não seria aplicável o n.º 1/ al.. a) e b), do Projecto, por determinação expressa do seu n.º 2. Mas também não seria aplicável o regime do n.º 4 do projeto, pelo menos integralmente, pese embora não estivesse afastado pelo n.º 2 que o antecedia, pois, o próprio preceito dizia expressamente que a liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas só ocorreria se o condenado não tivesse beneficiado antes dessa liberdade condicional.

Mesmo assim, e pensamos que argutamente, o Senhor. Procurador-Geral da República manifestou a sua discordância quanto à redacção proposta em tal artigo, a qual ficou a constar da respetiva acta (Acta n.º 8 e já antes na Acta n.º 7, ao dizer que a solução do n.º 2 deveria valer para todos os casos), nos seguintes termos:

"O Senhor Procurador-Geral da República exprimiu a sua discordância quanto ao desenvolvimento lógico do artigo.

Exemplificando com o n.º 4, questionou se, na hipótese das penas em apreço, uma resultar da revogação da liberdade condicional e outra ser uma pena autónoma, a sua doutrina se aplicaria.

Não se aplicando, como parece ser correto, então o n.º 4 deveria estar ligado ao n.º 2.

A Comissão aprovou então a seguinte alteração da numeração:

- O actual n.º 2 passou a n.º 4, com a alteração para o plural ('o disposto nos números anteriores');

- O actual n.º 3 passa a n.º 2;

- O actual n.º 4 passa a n.º 3.[1]

Ou seja, a Comissão concluiu claramente que a doutrina dos atuais n.ºs 1 a 3 do art.º 63.º (antes da revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, correspondia ao art.º 62º do CP, o qual, sublinhamos, contempla todas as hipóteses de interrupção de execução da primeira pena ou com base nela o cálculo e a determinação do período de liberdade condicional na execução de penas sucessivas ou de várias penas) não é de aplicar aos casos em que uma delas resultar de revogação da liberdade condicional e a outra ou outras serem penas autónomas. O que implica o cumprimento integral do remanescente da pena antecedente, isto é, da pena em cujo período de liberdade condicional, no que interessa ao caso dos presentes autos, foi cometido o novo crime que levou à revogação dessa mesma liberdade condicional, e cuja pena de prisão, relativamente a esse novo crime, terá de ser cumprida sucessivamente àquela, sendo apenas relativamente a esta última que serão aplicáveis, nos termos gerais, as regras de concessão de liberdade condicional, ou então as dos n.ºs 1 a 3 do art.º 63.º, caso além dela haja outras penas autónomas de prisão para cumprir sucessivamente, isto é, desde que de entre elas fique excluída aquela primeiramente referida - aquela em cujo período de liberdade condicional foi cometido o crime sucessivo.

A solução exposta foi consagrada na sequência da revisão operada pelo DL n.º 48/95, de 15/03, precisamente para por cobro à discussão adveniente da lacuna até aí existente[2], relativamente aos casos em que se registasse a condenação em mais do que uma pena de prisão, e designadamente ao questionamento que desde logo implicava o modo de determinação do momento em que a liberdade condicional pudesse, em tais casos, ocorrer[3].

Depois de tal revisão, entendemos que a questão passou a estar legalmente resolvida, nos termos acima expostos.

Razão por que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

E, assim, veio a decidir “Negar provimento ao recurso interposto pelo recluso AA, mantendo-se a decisão recorrida.”

           

No acórdão recorrido foi produzida uma declaração de voto do seguinte teor: A consequência, na execução de duas penas de prisão, da revogação da liberdade condicional concedida ope juris numa delas (nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º) nomeadamente na aplicabilidade da concessão ope legis de liberdade condicional aos cinco sextos (nos termos do n.º 4 do artigo 61.º) foi recentemente abordada por esta relação no seu acórdão de 26 de Abril de 2017 proferido no processo n.º 441/13.3TXPRT-L.Pl, consultável no sítio da DGSI, subscrito pelo ora declarante que aborda a imensa dispersão de respostas judiciais à mesma (por parte do STJ e das relações, incluída a do Porto, dispersão que atravessa o próprio MºPº nesta relação, traduzida em pareceres antagónicos) que revelam um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados rigorosamente na mesma situação e impossibilitam observar o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.

A resposta terá de ser encontrada, em primeiro lugar, no instituto da liberdade condicional e no regime legal que lhe foi conferido.

A concessão de liberdade condicional (artigo 61.º do Código Penal) é avaliada em três momentos temporais, em que os requisitos se vão tornando cada vez menos exigentes. Num primeiro momento, ao meio da pena, estão em causa razões de prevenção geral e especial, num segundo, aos dois terços, já só importam as razões de prevenção especial, e no terceiro, aos cinco sextos, aquelas razões deixam de ser consideradas e importa apenas preparar o recluso para a liberdade face ao requisito da medida concreta da pena a cumprir, superior a seis anos ainda que com a clara assunção dos riscos sociais que pode comportar. A concessão ope legis da liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento não envolve qualquer juízo de prognose de futura adequação comportamental do recluso. Visa a libertação dos efeitos estigmatizadores da privação da liberdade e a adaptação à vida em liberdade plena.

Por tal motivo, a aplicação da liberdade condicional obrigatória não depende das vicissitudes do cumprimento da pena. As referidas vicissitudes, entre elas a revogação da liberdade condicional facultativa, nem sequer obstam à concessão de nova liberdade condicional facultativa, nos termos em que deve ser compreendida a redacção do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal. Neste sentido claramente se pronunciam M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, CP anotado, Rei dos Livros, 4~ edição, pág.885, e M.L.Maia Gonçalves (CP anotado, Almedina, 14ª edição, pág.220).

Também as declarações dos participantes nos trabalhos da comissão de revisão do Código Penal com base no anteprojecto de Julho de 1987 (cfr. actas e projecto da comissão de revisão, Ministério da Justiça 1991, Rei dos Livros) apontam neste sentido.

Em relação à redacção do artigo 61.º, n.º 3, do anteprojecto em apreciação (Se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores - liberdade condicional facultativa - o condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena) teve intervenção o professor Figueiredo Dias e o Procurador-Geral da República no sentido de se definir de forma clara a norma em questão, se a mesma afastaria a possibilidade de aplicação da liberdade condicional obrigatória contemporânea ao cumprimento de 5/6 da pena de prisão nos casos em que o recluso havia beneficiado de liberdade condicional facultativa revogada.

A comissão entendeu, claramente, que não. O ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade justificava, mesmo nos casos em que já havia beneficiado da liberdade condicional facultativa, a liberdade condicional obrigatória, tendo acordado que a redacção da referida norma seria a seguinte; o condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena (cfr. acta n.º 8, pág.70).

Ulteriormente, porque ainda poderiam surgir dúvidas sobre a aplicação da liberdade condicional obrigatória nos casos em que ocorreu liberdade condicional facultativa anterior, foi acordada a seguinte redacção do artigo 61.º, n.º 3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores o condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena (cfr. acta n.º 16, pág.156) - tendo o limite da pena sido alterado para 6 anos posteriormente (cfr. acta n.º 41, pág.471)

Em segundo lugar, teremos que perceber a teleologia das normas relativas à execução sucessiva de penas (artigo 63.º do Código Penal), assente num claro propósito de não perpetuar a privação da liberdade do condenado através de um sistema que traduziria a acumulação material de penas de prisão na fase de execução.

O regime em causa, instituído em claro benefício do condenado, permite uma liquidação conjunta das penas de prisão nos seguintes termos:

1º A execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar interrompe-se logo que atinja a sua metade e inicia-se o cumprimento de pena seguinte e assim sucessivamente:

2º Quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses e/ou todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, pode ser concedida a liberdade condicional de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal respectivamente;

3º Se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos é concedida a liberdade condicional cumpridos cinco sextos da referida soma.

O referido regime pressupõe, claramente, apenas as situações em que as penas sucessivas estão por cumprir integralmente.

"Cada uma das penas é cumprida até ao tribunal poder decidir, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, mas caso haja razões para colocar o condenado em liberdade condicional, esta é relativamente à totalidade das penas em execução, num único juízo" - Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina 2017, pág.104).

Por tal motivo, o legislador excluiu a sua aplicação aos casos de cumprimento sucessivo de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional com uma pena de cumprimento integral - artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal. Melhor se compreenderá tal solução legislativa através da consulta aos trabalhos da supra referida Comissão (cfr. acta n.º 7, págs. 63 e 64), onde o professor Figueiredo Dias apresentou o regime da liberdade condicional em caso de execução de várias penas (artigo 61.º-A do anteprojecto) exemplificando uma situação de duas condenações, sem relação de concurso, por cumprir integralmente. A norma contida no n.º 2 do referido artigo (O disposto no número anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte da revogação da liberdade condicional) foi deslocalizada para o n.º 4 do mesmo artigo por sugestão, ulteriormente objecto de anuência da totalidade da Comissão, do Procurador-Geral da República, que “( ... ) fez notar que a sua solução deveria valer para todos os casos( ... )". Quis a comissão, anuindo à sugestão em causa, porque outra interpretação não nos parece plausível, excluir do regime de concessão de liberdade condicional em caso de execução de várias penas de prisão, também, os casos em que a soma das penas a cumprir sucessivamente excedesse 8 anos de prisão (ulteriormente alterada para 6 anos de prisão - cfr. acta n.º 42, pág. 476, solução que constava originariamente do n.º 4 do artigo 61.º-A do anteprojecto, projectado para o artigo 62.º, n.º 2, do projecto, quando uma delas resultasse da revogação da liberdade condicional.

Dito de forma distinta, na situação em que está por executar o remanescente de uma pena em resultado da revogação de liberdade condicional anterior e outra pena integralmente não existe uma relação de execução sucessiva de penas.

As penas em causa, neste caso, terão de merecer tratamento autónomo e, nestes termos, obedecem singularmente ao regime legal previsto, consagrado no artigo 61.º do Código Penal.

Não significa tal entendimento que, beneficiando o condenado da liberdade condicional obrigatória em relação ao cumprimento da pena de prisão aplicada em primeiro lugar, seja proporcionada a referida adaptação à liberdade seguida, após a extinção da pena, ao cumprimento da segunda pena de prisão, entorse dogmático que é utilizado pelos defensores do cumprimento integral da primeira pena, facilmente desmontável - seguramente que as finalidades da liberdade condicional não podem ser acauteladas existindo uma pena de prisão para executar.

A liberdade condicional (a obrigatória, uma vez que a facultativa pode ser condicionada a compressões dos direitos do cidadão) pressupõe a existência livre e, nesse sentido, não pode ser testada, verificada, em situação de reclusão. Só em liberdade poderá o comportamento do recorrente ser objecto de apreciação (no que concerne, exclusivamente, ao cometimento de crimes nesse período pelos quais venha a ser condenado) e nada impede (raciocínio inquestionável em relação à execução simultânea de penas substitutivas de prisão - a suspensão da execução de penas - sucessivamente aplicadas) sem relação de concurso) o cumprimento simultâneo com aquela (liberdade condicional) que lhe será, pelo menos obrigatoriamente, concedida no processo em que foi condenado posteriormente.

Entendo, assim, que o recorrente cumpre a pena do processo 456/07.0GAMLG até perfazer os cinco sextos. O seu recurso traduz, sem equivocidade, o seu consentimento na liberdade condicional obrigatória, pelo que se interromperia o cumprimento dessa pena nesse marco e retomaria o cumprimento da pena do processo 76/15.6PABCL até neste beneficiar da liberdade condicional (facultativa ou obrigatória). Em liberdade, cumpriria, simultaneamente, o regime condicional estabelecido nos dois processos.”

           Por sua vez, o acórdão fundamento ao defender por seu turno que a exclusão imposta pelo n.º 4 do art. 63.º do CP apenas impede a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional à pluralidade das penas em execução mas não que aquela cuja execução resulta de revogação da liberdade condicional seja tratada autonomamente admitindo uma nova liberdade condicional, nos termos dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º, n.º 4, ao analisar a situação jurídica explanou:

           “Na sua aparente simplicidade, a questão que temos de analisar é muito complexa e as soluções interpretativas que a lei nos dá não são inequívocas. A redacção da lei é tudo menos clara, com normas que parecem contradizer-se umas às outras. A doutrina que conhecemos também não resolve esta questão satisfatoriamente. E ao contrário do que se afirmou no despacho de sustentação do recurso, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria não são uniformes; nem as desse tribunal nem as das Relações. O que se verifica, isso sim, é uma imensa dispersão de respostas judiciais à mesma questão e um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados exactamente na mesma situação, sem que seja possível observar o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil (CC). Numa área extremamente sensível, em que se jogam direitos fundamentais e princípios estruturantes do processo penal, é patente a insegurança jurídica e a incerteza na aplicação do direito, com reclusos que cumprem integralmente as penas e outros que exactamente na mesma situação são libertados aos cinco sextos.

Como veremos, apesar dos fundamentos persuasivos de ambas as teses interpretativas em confronto, nenhuma apresentou ainda argumentos cruciais, decisivos e plenamente convincentes. Sendo assim, porque aquilo que nos ocupa não é um exercício académico sobre uma hipótese abstracta, mas sim a situação concreta de um recluso que está diante de duas penas de prisão cuja soma atinge os 12 anos e da prossecução das finalidades ressocializadoras subjacentes ao instituto da liberdade condicional, teremos de testar as duas soluções e de ver qual nos dá a resposta mais adequada.

[…]

Vejamos então as diversas alterativas de interpretação da lei e as suas consequências práticas.

O que está em causa é saber que consequência tem na execução de duas penas de prisão a revogação da liberdade condicional concedida ope judicis numa delas (nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.°), nomeadamente se é ou não, em que termos e em que pena ou penas, aplicável a concessão ope legis de liberdade condicional aos cinco sextos (nos termos do n.° 4 do artigo 61.°). Tratando-se da execução de só uma pena de prisão, a resposta é mais simples mas ainda apresenta dificuldades. Nesse caso, ocorrendo a revogação da liberdade condicional, resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.º que a pena ainda não cumprida tem de ser executada, mas que pode beneficiar da concessão de nova liberdade condicional: quer a ope judicis, se estiverem preenchidos os pressupostos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º, quer a ope legis prevista no seu n.º 4. Neste caso não é aplicável a exclusão do artigo 63.° n° 4, estabelecida apenas para as situações de execução sucessiva de uma pluralidade de penas.

Esta solução apresenta-se-nos como inequívoca, uma vez que é a única que se compatibiliza com a letra dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.° e que salvaguarda o princípio subjacente no n.º 4 do artigo 61.º, de que nas penas longas há necessidade de assegurar ao condenado um período de adaptação para a liberdade, ainda não seja positivo o prognóstico de satisfação das finalidades de ressocialização e de defesa da ordem e paz social.

A generalidade da jurisprudência aceita que nestas situações de execução de uma única pena não obsta à concessão da liberdade condicional aos cinco sextos da pena o facto de ter havido uma anterior revogação da liberdade condicional ao meio ou aos dois terços.

[…]

Como argumento favorável a esta solução pode ainda recorrer-se ao acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2006, de 23NOV2005 (DR 6 série I-A, de 9JAN2006) - do seguinte teor: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal [a que hoje correspondem, respectivamente, os artigos 61.º, n.º 4, e 63.º, n.º 3, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional" - que retirou relevância ao argumento de que revogação da liberdade condicional impede a concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena, visto esta estar prevista apenas para as penas longas cumpridas ininterruptamente.

Todavia, mesmo parecendo estabilizado o entendimento de que a revogação da liberdade condicional não impede a concessão de nova liberdade condicional havendo uma só pena a executar, ainda assim há divergência importante e com consequências práticas imensas sobre a questão de saber se para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 64.º, o cálculo dos respectivos prazos se deve fazer tendo em conta ainda a pena originária ou já apenas a pena remanescente que falta cumprir. Encontrar solução para esta problemática é crucial, como se demonstra com o seguinte exemplo: numa pena originária de 12 anos de prisão, com liberdade condicional concedida ao meio da pena e depois revogada, se para o cômputo dos novos prazos de liberdade condicional contarem apenas os 6 anos remanescentes, o recluso terá ainda direito a nova reapreciação ope judicis dos pressupostos à metade ou aos dois terços desses 6 anos (ou seja, aos 9 e aos 10 anos da pena originária), mas como o remanescente não ultrapassa os 6 anos poderá cumprir a pena até ao fim, por não lhe ser aplicável o limite dos cinco sextos; já se o cômputo tiver em conta a medida da pena originária, o recluso verá a sua liberdade condicional reapreciada ope judicis aos dois terços (aos 8 anos da pena originária) e ope legis aos cinco sextos dessa pena (aos 10 anos), não lhe podendo ser imposto o cumprimento integral da pena. Há vozes relevantes a dizer que o cálculo dos prazos para a concessão de liberdade condicional nos momentos subsequentes à revogação da primeira liberdade condicional se faz tendo em conta a pena remanescente que falta cumprir, ou dito de outro modo, de que o remanescente da pena não cumprida é tido como pena autónoma para esse efeito.

Figueiredo Dias e Paulo Pinto de Albuquerque consideram que a aplicação de nova liberdade condicional depende de a medida do remanescente da pena ainda não cumprida o permitir, como seria caso se tratasse de uma pena autónoma. No mesmo sentido se pronunciaram João Luís Morais Rocha e Sandra de Oliveira e Silva. Também António João Latas, dizendo que «o período remanescente vale para efeitos de concessão de liberdade condicional como se fosse uma nova e autónoma pena de prisão».

São também vários os acórdãos que localizámos que decidiram neste sentido:

[…]

Porém, se testarmos a tese de que os prazos para a nova liberdade condicional se contam em função do resto não cumprido da pena, chegamos a resultados que temos de reputar como muito duvidosos.

Imaginemos a situação de um recluso condenado a uma pena de 20 anos de prisão, a quem foi revogada a liberdade condicional concedida ao meio da pena. Se o cômputo dos prazos para a concessão da liberdade condicional subsequente se fizer em função do remanescente da pena, de cada vez que ocorrer nova revogação haverá outro remanescente de pena passível de beneficiar de nova liberdade condicional. E assim, neste exemplo de uma pena de 20 anos, o recluso poderá beneficiar ao todo de cinco períodos de liberdade condicional, o primeiro ao meio da pena originária (aos 10 anos) e os restantes ao meio de cada uma das "novas penas": 5 anos e depois aos 2 anos e 6 meses, a 1 ano e 3 meses e aos 7 meses e 15 dias. Certamente não pode ter sido esta a solução pretendida pelo legislador, na medida em que é manifestamente contrária aos propósitos de ressocialização e defesa da ordem e paz social subjacentes ao gradualismo e regras estabelecidos no artigo 61.º.

Mas vejamos ainda o mesmo exemplo da pena de 20 anos de prisão, desta vez com a concessão de liberdade condicional apenas aos cinco sextos da pena, isto é, com 16 anos e 8 meses cumpridos. Havendo revogação da liberdade condicional, se considerarmos o remanescente de 3 anos e 4 meses de pena não cumprida como uma "nova pena", temos que o recluso poderá ainda beneficiar de nova condicional ao meio desse remanescente, quando perfizer 1 ano e 8 meses do novo período, e se revogada uma vez mais, poderá ainda ser-lhe concedida de novo a medida ao meio da parte ainda não cumprida da pena, quando perfizer mais 10 meses de prisão. E deste modo, num caso em que não se verificaram na pena originária os pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional ope judicis nos momentos próprios do artigo 61.º n.ºs 2 e 3, o recluso que ainda assim violasse os deveres inerentes à liberdade condicional concedida ope legis no derradeiro momento dos cinco sextos, teria novas possibilidades de apreciação judicial dos pressupostos materiais que já antes tinham sido tidos como não verificados. Também não pode ter sido este o propósito do legislador. Um recluso que numa pena longa não conseguiu oferecer as garantias de ressocialização suficientes para ser libertado condicionalmente ao meio ou aos dois terços da pena, só o vindo a ser aos cinco sextos, com base em pressupostos diferentes, decorrentes da necessidade de lhe permitir uma adaptação à liberdade, uma vez revogada a liberdade condicional não pode vir a beneficiar novamente dessa medida.

E atentemos noutro exemplo final: o do condenado que cumpre pena de 12 anos de prisão e a quem é concedida liberdade condicional aos dois terços (8 anos cumpridos). Contando-se o prazo para a concessão a nova liberdade condicional tendo apenas em conta o remanescente de 4 anos que falta cumprir, retira-se ao condenado a possibilidade de beneficiar da libertação condicional obrigatória aos cinco sextos da pena, na medida em que a pena originária o permitia mas o remanescente, se tido como pena autónoma para o efeito do novo cálculo, o não permite.

Em defesa desta tese interpretativa de que para os efeitos do artigo 64.º, n.º 3, o cômputo dos prazos do artigo 61.º se faz tendo o remanescente da pena não cumprida como uma nova pena, usa-se um exemplo para afirmar que a solução contrária conduz a resultados indesejáveis. Um recluso condenado numa pena de 6 anos e 6 meses de prisão, que beneficia da liberdade condicional aos dois terços da pena mas que por atraso na estabilização da sua situação prisional só é efectivamente libertado quando já cumpriu 5 anos; nesse caso, se violar de imediato a liberdade condicional e esta lhe for revogada, regressa ao cumprimento da pena, que no entanto será de novo interrompida poucos meses depois com a concessão da liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena (aos 5 anos e 6 meses). Diz-se que há aqui uma incongruência sistemática, na medida em que o recluso que acabou de demonstrar que não reúne as condições de ressocialização em liberdade inerentes à liberdade condicional volta a beneficiar dessa medida quase imediatamente.

Pensamos que esta objecção improcede. Se atentarmos bem nas diferentes razões da concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da pena vemos que não há qualquer incongruência. Na metade e aos dois terços a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos materiais de garantia da ressocialização e de defesa da ordem e paz social que o recluso tem de demonstrar. Aos cinco sextos de penas superiores a seis anos (desde que o recluso consinta) a concessão de liberdade condicional é automática e visa proporcionar um período de adaptação à liberdade, ainda que sejam evidentes a perigosidade e o risco social da libertação. Nessa medida, não há diferença substancial entre colocar em liberdade condicional aos cinco sextos da pena o recluso que dela nunca beneficiou antes por existir um elevado risco de reincidência e o recluso que viu a anterior liberdade condicional revogada por terem falhado os pressupostos de ressocialização que a tinham determinado.

Do que temos vindo a dizer decorre já que aderimos à tese interpretativa de que após uma revogação da liberdade condicional, para os efeitos do artigo 64.º, n.º 3, o cômputo dos prazos do artigo 61.º se faz tendo em conta toda a pena originária e não apenas a parte dela não cumprida. Quer isto dizer que um arguido libertado a meio ou aos dois terços de uma pena de prisão superior a 6 anos e que viu a liberdade condicional revogada beneficiará ainda da libertação ope legis aos cinco sextos da pena. Consequentemente, se a liberdade condicional revogada for a concedida aos cinco sextos da pena, o recluso não terá direito a nova liberdade condicional, independentemente do resto que faltar cumprir.

São vários os argumentos a favor deste entendimento.

Nos termos literais do artigo 64.º, n.º 2, a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida (sublinhado nosso). Não se trata, portanto, da execução de uma pena autónoma mas sim de parte da pena originária. Por isso, quando no n.º 3 do mesmo artigo se preceitua que pode ser concedida nova liberdade condicional "relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida", deve entender-se que se refere ainda à pena em execução - que é a mesma e não pode ser outra.

Na redacção originária do preceito do Código Penal (do Decreto-Lei n° 400/82, de 23SET) o artigo 63.º n.º 2, dispunha a este propósito que "a revogação da Liberdade condicional determina a execução da pena ainda não cumprida" e "relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional". A redacção actual foi introduzida com a revisão do Decreto-Lei n.º 48/95, de 23AGO. Nas Actas e Projecto da Comissão de Revisão, diante da dúvida levantada a esse propósito por Lopes da Rocha, que perguntava "qual é a pena que se deve considerar, a inicial ou a parte restante?", Figueiredo Dias respondeu que para ele "o n.º 2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto desta". Este argumento tem sido utilizado para dizer que o actual artigo 64.º, n.º 3, consagra a solução de se calcular o período da nova liberdade condicional tendo em conta apenas o remanescente da pena não cumprida.

Não nos parece que este elemento de auxílio interpretativo seja decisivo para chegar àquela conclusão. Por um lado, na mesma resposta Figueiredo Dias acabou por fazer uma afirmação que parece contraditória com a anterior. Disse ele que "quanto à concessão de nova liberdade condicional, é uma verdadeira e importante questão de política criminal que está aqui em jogo. Houve uma tentativa de ressocialização que falhou por razões relevantes (por exemplo, a prática de um crime); não faz sentido, posteriormente, levantar periodicamente a questão da liberdade condicional para além do previsto nos termos gerais (artigo 61.º)". Ora, como vimos nos exemplos que demos atrás, a única maneira de garantir que a concessão da liberdade condicional não se faz para além dos três momentos e do gradualismo previstos no artigo 61.º, é precisamente ter em conta para o novo cálculo a pena originária e não o resto dela por cumprir. Por outro lado, vigorava à data o artigo 486.º, n.º 1, do CPP, que dispunha que no caso de revogação da liberdade condicional, se a prisão houvesse de prosseguir por mais um ano, a instância se renovaria - este era um elemento de interpretação favorável àquela leitura da resposta de Figueiredo Dias. Só que tal norma foi substituída pelo artigo 180.º do CEPMPL, onde já só se prevê a renovação da instância ano a ano no caso de a liberdade condicional não ter sido concedida nos prazos do artigo 61.º e não no caso de ter sido revogada.

Também há quem diga que se o n.º 3 do artigo 64.º dispõe que a nova liberdade condicional "pode" ser concedida, isso significa que só o será nos casos em que a nova medida da pena não cumprida o permitir. Também este argumento é reversível. A lei determina que a concessão de nova liberdade é uma possibilidade e não uma obrigação, porque remete globalmente para o artigo 61.º, em que se prevêem dois momentos de liberdade condicional facultativa; e também porque a liberdade condicional obrigatória aí prevista pode igualmente não ser concedida, nos casos em que a medida originária da pena o não permita ou em que a revogação tenha já ocorrido em relação à liberdade condicional concedida aos cinco sextos. Daí que aquela expressão "pode" tenha um significado diferente do que por vezes se lhe atribui.

Devemos reconhecer que a lógica do gradualismo prevista no artigo 61.º se perde completamente quando se interpreta o artigo 64.º, n.ºs 3 e 4, de maneira contrária à nossa. A concessão de liberdade condicional deve ser avaliada em cada pena apenas em três momentos temporais, em que os requisitos se vão tornando cada vez menos exigentes. Numa primeira vez, ao meio da pena, estão em causa razões de prevenção geral e especial, na segunda vez, aos dois terços, já só importam as razões de prevenção especial, e na terceira, aos cinco sextos, a aquelas garantias deixam de ser consideradas e importa apenas desabituar o recluso da vida em prisão e prepará-lo em transição para a liberdade, ainda que à custa de riscos sociais. Como vimos nos exemplos que demos, no caso de revogação da liberdade condicional essa lógica é completamente desvirtuada se for tida em conta para o cálculo dos novos períodos só o resto da pena. Em vez daqueles três momentos de avaliação por uma ordem decrescente de exigências, poderemos ter quatro, cinco ou mais momentos de avaliação da liberdade condicional na mesma pena, em que têm de ser ponderadas as exigências referidas fora da sua ordem própria.

Fica pois definido este ponto de partida para a solução do caso em apreço. Ao contrário do argumento pelo tribunal recorrido no despacho de sustentação da sua decisão, o facto de o remanescente da pena a cumprir pelo recorrente ser inferior a 6 anos de prisão não impede que ele possa beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos da pena originária.

Mas a controvérsia não está ainda toda resolvida.

3.2.3. Temos agora de ver a questão subsequente: pode o recluso beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos da pena em que já tinha beneficiado dessa medida, quando tem outra pena de prisão para ser executada?

Também aqui encontramos respostas dos tribunais muito díspares. Para simplificar, há de um lado quem entenda que a resposta àquela questão é negativa, porque o n.º 4 do artigo 63.º exclui a aplicabilidade do seu n.º 3 (solução defendida no despacho recorrido e apoiada pelo Ministério Público em primeira instância); e quem do outro lado entenda que a resposta é positiva, visto que a exclusão imposta por aquele n.º 4 apenas impede a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional à pluralidade das penas em execução mas não que aquela cuja execução resulta de revogação da liberdade condicional seja tratada autonomamente, nos termos dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º, n.º 4 (solução propugnada no recurso e apoiada pelo Ministério Público nesta instância).

A favor da solução adoptada no despacho recorrido pronunciou-se Paulo Pinto de Albuquerque dizendo que a pena resultante do remanescente da liberdade condicional revogada deve ser cumprida por inteiro, devendo executar-se em primeiro lugar, pois a ordem de sucessão da execução das penas deve coincidir com aquela em que transitaram em julgado as respectivas condenações.

Neste sentido foi decidido nos seguintes acórdãos:

[…]

Vamos agora ver os argumentos favoráveis à solução defendida no recurso e sustentada no parecer do Ministério Público na Relação - de que a revogação da liberdade condicional anterior não impede a concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena, mesmo havendo outra para cumprir.

Maia Gonçalves considerava que “a pena residual resultante da revogação de liberdade condicional não entra na soma com as penas resultantes das novas condenações, para os efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 63.°, devendo ser cumprida autonomamente, mas podendo ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos do artigo 61.º, por força do disposto no artigo 64.º, n.º 3".

Encontrámos essa opinião defendida nos seguintes acórdãos:

.[…]

3.2.4. A visita guiada que acabámos aos argumentos das duas teses interpretativas em confronto confirma a nossa referência inicial de que numa matéria tão crucial não foi ainda possível encontrar uma maneira uniforme de aplicar a lei e de conferir aos reclusos nas mesmas condições um tratamento idêntico. Temos no entanto de encontrar uma solução para o caso em apreço que se adeqúe às regras de interpretação do direito, respeite os princípios estruturantes da liberdade condicional e seja adequada à justiça concreta do caso.

Para nós, o regime da avaliação conjunta dos pressupostos da liberdade condicional no caso de execução sucessiva de várias penas, previsto no artigo 63.º, foi pensado apenas para as situações em que essas penas estão por cumprir integralmente. Por exemplo, com duas penas, uma de 3 anos de prisão e outra de 4 anos, o recluso interrompe o cumprimento da primeira ao fim de 1 ano e 6 meses (n° 1) e passa a cumprir a segunda; cumpridos 2 anos desta segunda pena são avaliados os pressupostos da liberdade condicional do artigo 61.º, n.º 2, e se não for concedida nesse momento o cumprimento conjunto avança até aos 4 anos, que correspondem aos dois terços da soma das duas penas, altura em que se avaliam os pressupostos do artigo 61.º, n.º 2 (n.º 2); se nesse momento também não for concedida a liberdade condicional, então ela ocorrerá ope legis aos cinco sextos da soma das penas (n.º 3). Este regime é mais favorável ao condenado do que a execução autónoma das duas penas porque (i) permite uma avaliação global e uniforme dos pressupostos da liberdade condicional relativamente às duas penas, (ii) não implica atraso na concessão da liberdade condicional na primeira pena por força da necessidade de executar a segunda e (iv) permite a concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da soma das penas, o que não aconteceria se fossem tratadas autonomamente.

Todavia, na situação em que estão por executar o remanescente de uma pena em resultado da revogação de liberdade condicional anterior e outra pena integralmente, verdadeiramente não existe uma situação de execução sucessiva de penas. As regras do artigo 63.º não foram concebidas para esses casos. Isso mesmo foi afirmado também no já referido acórdão do TRP de 140UT2015, quando se considerou ser esse o sentido da referência feita no n.º 2 à "totalidade das penas". Na verdade, desde logo, se uma das penas já foi antes interrompida com uma liberdade condicional - nunca antes do meio da pena - é evidente a impossibilidade lógica de lhe aplicar a regra do n.º 1, que prevê a interrupção a meio de uma pena (para quem, como nós entenda que o novo cálculo se faz a partir da pena originária e não do remanescente). Esta norma só faz sentido para uma pena cuja execução nunca foi interrompida desde o seu início. Daí que se compreenda o alcance lógico da exclusão do n.º 4, que no fundo significa que a uma pena parcialmente cumprida não se aplicam as regras da execução sucessiva de penas.

Mas isso não significa que a pena que foi objecto de revogação de liberdade condicional tenha de ser integralmente cumprida. Essa conclusão não tem apoio expresso em qualquer norma e pelo contrário o que resulta dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º, n.º 4, é que essa pena pode ou não beneficiar de nova concessão de liberdade condicional aos dois terços ou aos cinco sextos, tendo em conta o momento em que foi concedida a primeira liberdade condicional e a sua medida originária ser ou não superior a 6 anos de prisão.

Parece-nos que esta conclusão era muito mais clara na versão originária do artigo 61.º-A submetida à Comissão de Revisão do Código Penal em 1989, pois a norma equivalente ao actual n.º 4 do artigo 63.º encontrava-se no n.º 2 e visava excluir do regime da avaliação conjunta da liberdade condicional de uma pluralidade de penas ao meio da pena e dos dois terços. No n.º 4 do mesmo artigo 61.º-A previa-se ainda que o benefício da libertação condicional automática aos cinco sextos da soma das penas executadas em conjunto só teria lugar se o recluso "dela não se tivesse antes aproveitado". Isto queria dizer que nos casos em que várias penas estivessem a ser executadas em conjunto e submetidas a uma avaliação unitária dos pressupostos da liberdade condicional, não seria admissível conceder a liberdade condicional aos cinco sextos se já o tivesse sido antes na metade ou nos dois terços das penas. Porém, por sugestão do Procurador da República o n.º 2 do projecto passou para o n.º 4 e a exclusão que nele se previa passou também a abarcar a possibilidade de libertação condicional aos cinco sextos. Com tal alteração a norma ficou mais confusa e talvez até redundante, visto que o n.º 3 diz que a concessão de liberdade condicional aos cinco sextos não é aplicável se tiver havido liberdade condicional anterior - "se dela não tiver antes aproveitado" - e o número 4 diz que o n.º 3 não é aplicável se a liberdade condicional anterior tiver sido revogada.

De todo o modo, para nós é claro que a revogação de liberdade condicional anterior não exclui a possibilidade de concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos, desde que a sua medida originária o permita e o condenado a aceite, nos termos do artigo 61.º, n.º 4, para o qual remete o artigo 64.º, n.º 3. O que está vedado é que tal remanescente seja ponderado em conjunto com uma outra pena integralmente por executar, por impossibilidade lógica e exclusão legal expressa.

A tese do despacho recorrido e dos acórdãos em que o mesmo se louvou leva a resultados que nos parecem inaceitáveis. Vejamos, por exemplo, uma pena de 20 anos de prisão com libertação condicional a meio: o condenado que no período de liberdade condicional praticasse outro crime pelo qual fosse condenado numa pena de 6 meses de prisão e que por isso visse a liberdade condicional revogada teria de cumprir integralmente as duas penas. Não beneficiaria de liberdade condicional sequer aos cinco sextos da pena de 20 anos porque o artigo 63.º, n.º 4, não o permitia; também não beneficiaria da liberdade condicional na segunda pena porque a medida desta era inferior a 1 ano. Pensamos que este exemplo demonstra que a solução preconizada no despacho recorrido não pode estar certa.

Sendo assim, para avançarmos mais um passo, podemos já dizer que o recorrente tem de beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de 6 anos e 8 meses, se na altura consentir.

Porém, isso ainda não resolve todos os problemas. Como compatibilizar na prática a liberdade condicional aos cinco sextos da primeira pena e ao mesmo tempo a execução da segunda pena? Por impossibilidade lógica, o recorrente não pode estar ao mesmo tempo em liberdade condicional e em cumprimento de pena, dentro e fora da prisão. Também não é admissível que seja libertado para cumprir o resto da primeira pena em liberdade condicional e depois regresse à prisão para cumprir o que falta da segundam até eventualmente nesta lhe ser concedida nova liberdade condicional, pois isso seria contrário às suas finalidades ressocializadoras - a preparação para a liberdade pressupõe que esta seja definitiva.

Sendo assim, a única solução que se nos afigura possível é a seguinte: o recorrente cumpre a pena do processo 669/05.0PABCL até perfazer os cinco sextos; nesse momento, se consentir na liberdade condicional, interrompe-se o cumprimento dessa pena e retoma o cumprimento da pena do processo 573/13.8GBBCL até neste beneficiar eventualmente de liberdade condicional num dos prazos do artigo 61.º; no momento em que houver de interromper ou cessar o cumprimento da pena de segundo processo - por concessão de liberdade condicional ou extinção da pena - deve então cumprir-se o remanescente da pena do processo 669/05.0PABCL em regime de liberdade condicional, eventualmente seguida da liberdade condicional da pena do processo 573/13.8GBBCL. Desta forma compatibiliza-se a execução autónoma da Liberdade condicional obrigatória da primeira pena com a liberdade condicional facultativa da segunda.

A solução a que chegámos afasta o argumento de que não é possível cumprir o objectivo legal de facultar ao recluso um período de adaptação à liberdade por existir outra pena para cumprir. Vimos que é possível conciliar na prática a libertação condicional na primeira pena com a execução da segunda pena.

Por outro lado, o argumento de que o falhanço do prognóstico anterior sobre a capacidade do condenado viver em liberdade afasta a hipótese de lhe ser concedida nova liberdade condicional aos cinco sextos também não nos merece aceitação. A liberdade condicional aos cinco sextos da pena está estabelecida em função das exigências de prevenção criminal e de ressocialização do condenado, de modo a permitir que depois de um longo período de reclusão se liberte dos efeitos estigmatizadores da privação da liberdade e se adapte à vida em liberdade. Se não é admissível negar essa medida ao condenado que nunca beneficiou de liberdade condicional por oferecer riscos de reincidência, também não o pode ser como retribuição por um comportamento igualmente desconforme tido durante a liberdade condicional anterior.”

           E, assim, o acórdão fundamento decidiu conceder provimento ao recurso e “revogar a decisão recorrida, que deve ser oportunamente substituída por outra que reconheça ao recorrente o direito a beneficiar de liberdade condicional aos cinco sextos da pena em que foi condenado no processo 669105.0PABCL, nos termos supra referidos”

IV.2. Posição da Jurisprudência

2.1 Dos Tribunais da Relação

A jurisprudência das Relações encontra-se claramente dividida acerca da questão colocada na presente fixação.

Por um lado, encontramos acórdãos das Relações que à semelhança do acórdão recorrido defendem que em caso de revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade do condenado beneficiar de nova liberdade condicional.

Distribuem-se estes acórdãos por vários dos Tribunais da Relação do país, pelo que, mencionaremos, só a título exemplificativo, entre outros, os seguintes acórdãos:

- Acórdão da Relação do Porto de 14-10-2015, Proc. 2669/10.9TXPRT-E.P1 (muito embora estivesse em causa o recurso de uma decisão que tinha recusado a liberdade condicional num pena que o tribunal considerou ser a única em execução, na fundamentação do acórdão, aborda também a solução para as situações em que se executa uma pluralidade penas em que uma é objecto de revogação da liberdade condicional) [4].

- Acórdão da Relação do Porto de 26-03-2014, Proc. 1236/11.4TXPRT-C.P1[5];

- Acórdão da Relação do Porto de 11-11-2015, Proc. 2407/10.6TXPRT-E.P1[6];

-Acórdão da Relação de Lisboa de 22-09-2016, Proc. 1421/12.1TXTLSB.B.L1-9 [7];

-Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2017, Proc. 220/14.0TXLSB-C.L1-3 [8];

Encontramos também acórdãos que defendem que, em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão em que não seja aplicável o disposto nos n,ºs 1 e 2 do art. 63.º do CP, por força do estatuído no n.º 4 do mesmo dispositivo em virtude da revogação da liberdade condicional e onde, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro, o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, mas que, nada obsta a que excepcionalmente se proceda de forma diversa, caso de tal aplicação resulte uma situação concretamente mais favorável ao recluso.

Nesse sentido, vejam entre outros, a título exemplificativo os seguintes acórdãos:

- Acórdão da Relação de Évora de 31-05-2011, Proc. 1279/10.5TXEVR-F.E1 [9];

- Relação da Relação de Évora de 07-02-2012, Proc. n.º 1405/03.0TXEVR-B.E1 [10];

- Acórdão da Relação de Évora de 15-12-2016, Proc. 4057/10.8TXLSB-I.E1 [11];

No essencial, todas estas decisões à semelhança do que sucede com o acórdão ora recorrido assentaram a sua fundamentação na circunstância de que o n.º 4 do artigo 63.º exclui a aplicabilidade do seu n.º 3.

Os argumentos evidenciados nestas decisões judiciais, são essencialmente os seguintes:

- A interpretação literal do artigo 63.º n.º 4, que exclui a aplicabilidade dos n.ºs 1, 2 e 3, em que se prevêem as diversas modalidades de liberdade condicional nos casos de execução sucessiva de várias penas de prisão;

- O n.º 3 desse artigo, ao dispor que a colocação em liberdade condicional do condenado só ocorre “se dela não tiver antes aproveitado”, afasta a possibilidade de conceder essa medida nas situações em que tiver havido revogação anterior;

- O artigo 64.º, n.º 3, ao dispor “pode” está a afastar o regime automático do n.º 4 do artigo 61.º, remetendo somente para as modalidades facultativas de liberdade condicional previstas nos seus n.ºs 2 e 3;

- Se o objectivo da liberdade condicional aos cinco sextos da pena é facultar ao recluso um período de adaptação à liberdade, tal objectivo não pode ser cumprido quando esse recluso tem outra pena a cumprir e a liberdade condicional não pode executar-se;

- A regra do artigo 61.º, n.º 4, cuja razão de ser tem a ver com as privações prolongadas de liberdade, pressupõe, por isso mesmo, que a pena seja cumprida ininterruptamente, o que não acontece quando foi objecto de concessão anterior de liberdade condicional que veio a ser revogada;

- Não é congruente com a ratio do sistema colocar em liberdade aos cinco sextos da pena um condenado que acabou de retomar o cumprimento da pena por lhe ter sido revogada a liberdade condicional, uma vez que aquela medida é uma válvula de segurança para evitar a privação prolongada da liberdade;

- Se o condenado deu provas de incapacidade de em liberdade se adaptar à vida livre, se falhou o prognóstico sobre a sua capacidade de viver em liberdade de acordo com o direito, tudo comprovado pela revogação da liberdade condicional que implica um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial, isso afasta a hipótese de lhe ser concedida nova liberdade condicional aos cinco sextos;

- Existe uma impossibilidade prática de conciliar a libertação condicional numa pena com a execução simultânea de outra pena.

Em contraponto, outra parte da jurisprudência das Relações entende que a exclusão imposta pelo n.º 4 do art. 63.º do CP apenas impede a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional à pluralidade das penas em execução mas não que aquela cuja execução resulta de revogação da liberdade condicional seja tratada autonomamente admitindo uma nova liberdade condicional, nos termos dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º n.º 4 (solução propugnada no acórdão fundamento), inclinando-se no sentido de relevar, na renovação da instância, todos os momentos da liberdade condicional anteriores à revogação dessa liberdade.

Entende-se em tais acórdãos que o art. 64.º, n.º 2 do Código Penal ao dispor que a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, origina um retrocesso ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional.

Isto é, se a liberdade condicional foi concedida a meio da pena – e antes desse momento não poderá ser concedida – então, após a revogação da liberdade condicional, na renovação da instância, o condenado só poderá beneficiar da liberdade condicional aos 2/3 e aos 5/6 da pena em que foi condenado, esta já como liberdade condicional obrigatória.

Neste sentido, entre outros, apontam os seguintes acórdãos:

- Acórdão da Relação do Porto de 22-02-2006, Proc. 0640101 [12];

- Acórdão da Relação do Porto de 15-09-2010, Proc. 3670/10.8TXPRT-D.P1 [13];

- Acórdão da Relação do Porto de 03-10-2012, Proc. 3944/10.8TXPRT-H.P1 [14];

- Acórdão da Relação do Porto de 04-02-2015, no Proc. 3242/10.7TXPRT-B.P1[15];

- Acórdão da Relação do Porto de 12-9-2018, no Proc. 1374/10.0TXCBR-G.P1[16];

- Acórdão da Relação de Coimbra de 15-12-2010, Proc. 444/96.0TXEVR-B.C1 [17];

 - Acórdão da Relação de Évora de 06-02-2018, Proc. 736/10.8TXEVR-N.E1 [18];

 - Acórdão da Relação de Coimbra de 07-04-2010, Proc. 694/96.0TXPRT-C.C1 [19];

 - Acórdão da Relação de Évora de 06-02-2018, Proc. 736/10.8TXEVR-N.E1 [20];

Os argumentos evidenciados nestas decisões judiciais, são essencialmente os seguintes:

- O artigo 63.º n.º 4 exclui para as situações de pluralidade de penas a executar a aplicabilidade dos seus n.ºs 1, 2 e 3, mas não exclui a aplicabilidade do artigo 64.º n.º 3, que por sua vez remete para as três modalidades de liberdade condicional do artigo 61.º;

- O artigo 64.º n.º 3, ao dispor “pode” não visa afastar o regime automático de concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da pena mas apenas esclarecer que nada obsta à concessão da liberdade condicional ao condenado que dela já beneficiou anteriormente;

- O acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2006 (que já referimos atrás), ao considerar irrelevante a descontinuidade no cumprimento da pena à qual se deva conceder a liberdade condicional, motivada por ausência ilegítima do condenado, é aplicável por maioria de razão às situações em que essa descontinuidade resultou da concessão de liberdade condicional que veio a ser revogada;

- O efeito do artigo 63.º n.º 4 é apenas excluir do regime de execução sucessiva, mais favorável ao condenado, a pena em que veio a ser revogada liberdade condicional anteriormente concedida, que passa a ser cumprida e sujeita à avaliação da liberdade condicional autonomamente.

Em sentido um pouco diverso, outra parte da jurisprudência das Relações defende que da revogação da liberdade condicional resulta, para efeitos de concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º do Código Penal, uma pena que deve ser tratada juridicamente como autónoma e é com base nessa pena remanescente que se deverá apreciar da verificação dos pressupostos quanto à admissibilidade da liberdade condicional.

É a posição que parece resultar, designadamente, do acórdão da Relação de Coimbra de 16-02-2017, Proc. 646/11.1TXCBR-J.C1[21].

2.2 Do Supremo Tribunal de Justiça

O Supremo Tribunal de Justiça tem sido chamado a pronunciar-se quanto a esta questão em sede de “habeas corpus”.

Analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça verificamos que, num primeiro momento, esta propendeu para o sentido defendido pelo acórdão fundamento de que a exclusão imposta pelo art. 63.º, n.º 4, do Código Penal, apenas impede a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional à pluralidade das penas em execução mas não que aquela cuja execução resulta de revogação da liberdade condicional seja tratada autonomamente, nos termos dos artigos 64.º n.ºs 2 e 3 e 61.º n.º 4, do Código Penal.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-06-2008, no Proc. n.º 2184/08 - 5.ª Secção (Relator: Simas Santos) [22], no qual se decidiu que:
“IV - De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do CP, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º. 
V - Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4, que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena». 
VI - Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º. 
VII - E, face ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2006, de 23-11-2005, DR I Série, de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente. 
VIII - Por outro lado, como decidiu o Ac. do STJ de 06-01-2005, Acs STJ XIII, 1, pág. 162, a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do CP (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade.” 

Segundo outros acórdãos deste Supremo Tribunal posteriormente proferidos, porém, quando uma das penas a executar numa execução sucessiva de várias penas constitui o remanescente de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma, tendo de ser cumprida integralmente (art. 61.º, n.º 4, do CP), não podendo ser objecto de nova concessão de liberdade condicional.

Esta segunda orientação, cedo se generalizou, passando a ser maioritária neste Supremo Tribunal de Justiça.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal:

- Acórdão do STJ de 14-08-2009, Proc. n.º 490/09.6YFLSB.S1 - 3.ª Secção (Relator: Maia Costa, que teve como 1.º adjunto o ora relator) :
II - O condenado em pena de prisão superior a 6 anos é, automática e obrigatoriamente, colocado em liberdade condicional quando atinge os 5/6 da pena. Esta liberdade condicional automática distingue-se da facultativa, prevista nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, por não exigir qualquer juízo sobre a personalidade e comportamento futuro do condenado ou sobre a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem ou da paz social, sendo o seu único pressuposto o decurso daquele lapso de tempo.
III - A especificidade desta espécie de liberdade condicional reside na necessidade de preparação para a liberdade, que o cumprimento de uma longa pena de prisão envolve; são os interesses de ressocialização que impõem a previsão de um período intercalar entre a prisão e a liberdade plena e, por estarem em causa os anteditos interesses, compreende-se que este regime especial de liberdade condicional seja extensivo aos casos em que, havendo penas de prisão a cumprir sucessivamente, a soma das mesmas exceda 6 anos de prisão.
IV - Todavia, quando uma das penas a executar constitui o remanescente de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma, tendo de ser cumprida integralmente (art. 61.º, n.º 4, do CP), não podendo ser objecto de nova concessão de liberdade condicional.”

- Acórdão do STJ de 04-02-2010, Proc. n.º 2329/00.9TXLSB-A.S1 - 3.ª Secção   (Relator: Armindo Monteiro) [23]
“I - O legislador, após as alterações ao CP, introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, manteve a distinção do antecedente entre liberdade facultativa e obrigatória; aquela ao meio da pena, mostrando-se, além do mais, satisfeitas as exigências de prevenção geral e especial, ou seja, desde que o condenado dê mostras de conduta socialmente responsável e não ponha em causa a defesa da ordem e paz social; aos 2/3 desde que ajustada às razões de prevenção especial, ou seja, àquela condução de vida, posto que o não seja às razões de prevenção geral; aos 5/6, como princípio-regra, obrigatória – art. 61.º, n.ºs. 2, als. a) e b), 3 e 4, do CP –, porém sempre dependente do consentimento do recluso.
II - Norma inovadora é a que se contém no art. 62.º do CP, em que se prevê a antecipação em 1 ano, no máximo, quanto à colocação em liberdade condicional, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de obrigações especiais, que acrescem a outras impostas.
III - Introduz-se ao paradigma descrito, o regime especial do art. 63.º, n.º 3, do CP, outorgando a liberdade condicional aos 5/6 da pena para os condenados a cumprir penas sucessivas se excederem 6 anos de prisão.
IV - No n.º 4 do mesmo art. 63.º do CP proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que “a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial.
(…)
VI - No caso, o arguido cumpre uma pena de 6 anos, 5 meses e 22 dias de prisão, resultante da revogação da liberdade condicional, pelo que está afastada a hipótese de lhe dever ser concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena conjunta, estando o termo da pena previsto para 13-11-2011, o que leva a concluir, sem mais, que lhe faltam razões para fundar a providência de habeas corpus com base em excesso de prisão.”

- Acórdão do STJ de 01-10-2015, Proc. n.º 114/15.2YFLSB.S1 - 5.ª Secção (Relatora: Helena Moniz) [24]:
I - Por força do art. 63.º, n.º 4, do CP, o regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da liberdade condicional anteriormente concedida. Pelo que, uma vez revogada a liberdade condicional, estando o recorrente a cumprir o remanescente e havendo uma pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.
II - Após o integral cumprimento do remanescente, e reiniciando o cumprimento da pena autónoma aplicada no processo B, deverá então reequacionar-se o problema da concessão (ou não) da liberdade condicional a metade da pena aplicada no processo B, aos 2/3 e em renovação anual da instância.”

- Acórdão do STJ de 10-12-2015, Proc. n.º 7164/10.3TXLSB-L.S1 - 3.ª Secção (Relator: Raúl Borges):
II - No caso presente a soma das penas atinge seis anos e 2 meses de prisão integrando tal somatório: a pena de 22 meses de prisão, aplicada no Proc. X; e o remanescente de 4 anos, 2 meses e 22 dias, resultante de revogação da liberdade condicional - das penas únicas de 3 anos e de 5 anos que se encontrava a cumprir à ordem do Proc. Y e Proc. Z, respectivamente. Nenhuma das penas englobadas pela soma atinge os seis anos de prisão, o que só é alcançado com a soma da pena cumprida e do remanescente.
III - De acordo com o n.º 3 do art. 63.º do CP o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional se dela não tiver antes aproveitado. Acontece que o requerente anteriormente aproveitou da medida, mas não o fez da melhor maneira, pois que no período estabelecido cometeu crime por que foi condenado em pena de prisão, acabando por ser revogada. E nessa situação diz o n.º 4 que o disposto no n.º 3 não se aplica ao caso em que a execução da pena resultar da revogação da liberdade condicional. A concessão de liberdade condicional aos 5/6 não é automática em caso de prévia revogação de liberdade condicional.

- Acórdão do STJ de 03-02-2016, Proc. n.º 6/16.8YFLSB.S1- 3.ª Secção (Relator: João Silva Miguel):
III - Não se verifica uma alegada ilegalidade da prisão por excesso de prazo, se o recorrente se encontra a cumprir o remanescente de 4 anos, 8 meses e 23 dias de uma pena de prisão, em resultado da revogação da liberdade condicional, e cujo termo só ocorrerá em 28-05-2017, porquanto, considerando isoladamente a pena autónoma referida, não sendo de medida superior a 6 anos, a lei não impõe a atribuição automática da liberdade condicional, logo que cumpridos os 5/6 da pena, e, mesmo que se tratasse de pena de medida superior a 6 anos, da qual tivessem sido cumpridos 5/6, estando em causa a execução de pena resultante de revogação de liberdade condicional, o n.º 4 do art. 63.º do Código Penal a tanto se opunha.
IV - O despacho que determinou a execução do remanescente da pena barrou, com apoio na doutrina, a reapreciação da situação prisional do requerente até ao termo do cumprimento dessa pena. Este despacho transitou em julgado e não cabe nos poderes do STJ, no quadro da concreta situação de facto, emitir qualquer juízo sobre o mesmo.
V - Mesmo a considerar-se, segundo certa jurisprudência, que o cumprimento autónomo da pena residual resultante da revogação da liberdade condicional envolve a reapreciação dos pressupostos da concessão da mesma, nos termos e prazos estabelecidos no art. 61.º do CP, o desrespeito pelos prazos aí estabelecidos não inquina a prisão de ilegal, sendo jurisprudência uniforme deste STJ que o não cumprimento dos prazos relativos ao processo de liberdade condicional ou a sua não apreciação tempestiva não constitui fundamento legal da providência de habeas corpus.”

- Acórdão do STJ de 13-07-2016, Proc. n.º 46/16.7YFSLB.S1 - 3.ª Secção (Relator: Raúl Borges):
“I - É de indeferir o pedido de “habeas corpus” interposto pelo recorrente com o fundamento de que atingiu os 5/6 da pena de prisão sem que lhe tenha sido concedida a liberdade condicional, se a pena em execução corresponde ao remanescente da pena que o peticionando se encontrava a cumprir quando beneficiou de liberdade condicional, que acabou por ser revogada em virtude da prática no período estabelecido de crime pelo qual peticionante foi condenado em pena de prisão, pois a liberdade condicional em tal situação não é automática, atento o disposto nos arts. 63.º, n.º 4 e 64.º, n.º 2, ambos do CP.
II - A jurisprudência fixada no AFJ 3/2006, de 21-11-2005, não se aplica ao presente caso em que não ocorreu ausência ilegítima do condenado, sendo que o requerente já beneficiou de liberdade condicional, tendo a sua situação sido definida na decisão de revogação da liberdade condicional, de acordo com a qual o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro, não se colocando a possibilidade prevista no n.º 3 do art. 64.º do CP.

- Acórdão do STJ de 13-07-2016, Proc. n.º 570/11.8TXPRT-F1.S1 - 3.ª Secção (Relator: Oliveira Mendes que teve como 1.º Adjunto o ora relator):
Estabelecendo o n.º 4 do art. 63.º do CP, sob a epígrafe de “liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas", que o disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, tal significa que o peticionante relativamente à pena de 8 anos de prisão que lhe foi imposta no processo X, ou seja, à ordem do qual se encontra actualmente preso a cumprir o remanescente de 2 anos e 16 dias de prisão, em virtude de revogação da liberdade condicional, não pode beneficiar do instituto da liberdade condicional, em qualquer das suas vertentes, inclusive da apelidada liberdade condicional obrigatória, sendo de indeferir a petição de habeas corpus interposta com tal fundamento.

- Acórdão do STJ de 12-08-2016, Proc. n.º 1314/11.0TXPRT-N.S1 - 3.ª Secção (Relator: Manuel Augusto de Matos) [25]:
III - Estando o requerente a cumprir o remanescente da pena aplicada no Proc. A, por lhe ter sido revogada a liberdade condicional, apenas findo o remanescente deverá continuar a cumprir a pena aplicada no Proc. B. Após o integral cumprimento do remanescente, e reiniciado o cumprimento da pena aplicada no Proc. B, deverá então reequacionar-se o problema da concessão (ou não) da liberdade condicional a metade da pena aplicada no proc. B, aos 2/3 e em renovação anual da instância.
IV - O regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas (art. 63.º, n.º 3, do CP) não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da liberdade condicional anteriormente concedida (art. 63.º, n.º 4 do CP).

- Acórdão do STJ de 23-08-2016, Proc. n.º 782/10.1TXEVR-P.S1 - 5.ª Secção (Relatora: Isabel São Marcos):
 “II - Estando em causa uma situação de execução sucessiva de penas, o comando a convocar é o art. 63.º, do CP, por força do qual haverá lugar à avaliação da liberdade condicional depois de o condenado atingir o cumprimento de metade da soma das penas, ou 2/3 (n.ºs 1 e 2) sendo que, quando a soma das penas a cumprir sucessivamente exceder 6 anos de prisão o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver aproveitado antes, logo que se encontrarem cumpridos 5/6 da soma das mesmas penas (n.º3).
III - No caso o condenado tem um remanescente de cerca de 4 anos da pena de 10 anos de prisão aplicada no proc. X, a cumprir sucessivamente com outra pena de prisão imposta no Proc. Y. Aquele remanescente de pena por cumprir foi resultado de revogação de liberdade condicional. De harmonia com o prescrito no n.º 4 do art. 63.º do CP, o estatuído nos números anteriores do mesmo preceito, maxime no seu n.º 3, não é aplicável quando a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.
IV - Uma vez revogada a liberdade condicional concedida e tendo o condenado a cumprir uma outra pena autónoma, o remanescente da pena, advindo da aludida revogação, deverá ser cumprido por inteiro.
V - As consequências decorrentes da revogação da liberdade condicional em caso de cumprimento sucessivo de penas, não foi objecto de tratamento no AFJ 3/2006, na medida em que a questão que neste foi apreciada e decidida prende-se tão-só com a possibilidade, ou não, de concessão da liberdade condicional aos 5/6 de cumprimento de uma pena de medida superior a 6 anos quando, durante o mesmo cumprimento, o condenado se ausentou ilegitimamente do EP.

- Acórdão do STJ de 24-07-2018, Proc. n.º 4057/10.8TXLSB-K.S1 - 3.ª Secção (Relator: Vinício Ribeiro) [26]:
 “I - Revogada a liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão, integrada numa execução sucessiva de várias penas, deve ser integral, sem possibilidade de autorização de nova liberdade condicional (art. 63.º, n.º 4 do CP).
II - Para a hipótese, diferente, prevista no n.º 3 do art. 64.º do CP, na concessão de nova liberdade condicional deve atender-se à pena que falta cumprir e não à pena originária.

- Acórdão do STJ de 23-01-2019, Proc. n.º 6533/07.0TDLSB-F.S1 - 3.ª secção (Relator: Nuno Gonçalves que teve como 1.º Adjunto o ora relator):
 “I - Revogada a liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão, integrada numa execução sucessiva de várias penas, deve ser integral, sem possibilidade de autorização de nova liberdade condicional. Interpretação que é a adoptada maioritariamente na doutrina e na jurisprudência.
II - No caso, por força do disposto no n.º 4 do art. 63.º do CP, a pena de prisão remanescente (1 ano e 4 meses de prisão) não pode ser objecto de qualquer desconto, ou de nova concessão de liberdade condicional, tendo que ser cumprida na sua totalidade.
III -     A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo ou das decisões judiciais nele proferidas, nem é sucedâneo dos recursos ordinários, pelo que, a pretensão impugnatória da decisão judicial do TEP que revogou a liberdade condicional e determinou ao cumprimento da pena remanescente não pode ser reapreciada nesta providência.

- Acórdão do STJ de 23-01-2019, Proc. n.º 51/17.6GBCMN-G.S1 - 3.ª secção (Relator: Nuno Gonçalves que teve como 1.º Adjunto o ora relator):
 “I - O n.º 4 do art. 63.º do CP é claro: o remanescente resultante de revogação da liberdade condicional anteriormente concedida não conta para efeitos de se alcançarem os 5/6 de cumprimento das várias penas em execução, e consequente concessão da liberdade condicional. Uma vez revogada a liberdade condicional e havendo uma pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.
II - A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo ou das decisões judiciais nele proferidas, nem é sucedâneo dos recursos ordinários, pelo que, a pretensão impugnatória da decisão judicial do TEP não pode ser reapreciada nesta providência.

Em contraponto, no Acórdão do STJ de 24-09-2015, no Proc. n.º 112/15.6YFLSB.S1 - 5.ª Secção (Relatora: Isabel Pais Martins)[27], decidiu-se que, em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão em que não seja aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 63.º do CP, por força do estatuído no n.º 4 do mesmo dispositivo em virtude da revogação da liberdade condicional e onde, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro, o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, mas que, nada obsta a que excepcionalmente se proceda de forma diversa, caso de tal aplicação resulte uma situação concretamente mais favorável ao recluso.

É o seguinte o sumário do referido acórdão:
I - Não constitui prisão ilegal, fundamento do pedido de habeas corpus, o cumprimento sucessivo pelo requerente de uma pena de prisão (a pena que foi aplicada no processo Y) e de um remanescente de uma pena de prisão, em consequência da revogação da liberdade condicional (o que lhe faltava cumprir da pena aplicada no processo O, quando lhe foi concedida a liberdade condicional).
II - A revogação da liberdade condicional determina a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, nos termos do art. 64.º, n.º 2, do CP, não se aplicando a esse remanescente da pena as normas dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 63.º, do CP, que têm um campo de aplicação limitado à execução sucessiva de várias penas autónomas, como é expressamente imposto pelo n.º 4 deste último artigo.
III - De acordo com o art. 64.º, n.º 3, do CP, no caso de remanescente de pena a cumprir, o cômputo para efeitos de nova concessão de liberdade condicional incide sobre a parte da pena a cumprir e não sobre a totalidade da pena (a parte cumprida e a parte ainda não cumprida), pelo que, ainda que o requerente só tivesse a cumprir o remanescente da pena de prisão à ordem do processo O, o resto da pena a cumprir (5 anos e 25 dias de prisão) não consentia a liberdade condicional aos 5/6 do remanescente, nos termos do art. 61.º, n.º 4, do CP, dado o remanescente ser inferior a 6 anos de prisão.
IV - Se o condenado se dever manter preso à ordem de outro processo e não podendo funcionar o sistema “da soma” previsto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 63.º, do CP, pois o n.º 4 do mesmo preceito o proíbe, a liberdade condicional só poderá ser concedida relativamente a uma das penas a cumprir (seja a pena autónoma ou o remanescente).
V - O que se deverá ponderar é qual o processo que deve ser escolhido para esse efeito, escolha que será sempre feita em função do que se apresente com mais possibilidades de beneficiar o condenado.
VI - Ao colocar o requerente em cumprimento do remanescente da pena do processo O para, terminado o cumprimento desse remanescente de 5 anos e 25 dias, ser novamente ligado ao processo Y, para cumprimento da pena autónoma de 11 anos e 8 meses de prisão, o tribunal da Relação assegurou a possibilidade de o requerente, relativamente à pena autónoma deste último processo, poder vir a beneficiar da concessão da liberdade condicional facultativa, em tese até mesmo ao meio da pena, e, seguramente, de obter a liberdade condicional obrigatória, aí sim, sendo colocado em liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento da pena global, sendo de indeferir a petição de habeas corpus apresentada, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, al. a), do CPP).

IV. 3 A doutrina nacional

A doutrina nacional que se tem debruçado sobre a interpretação do art. 63.º, n.º 4 e sobre a sua articulação com o disposto no art. 64.º, n.º 3, do Código Penal também se encontra claramente dividida acerca da questão colocada na presente fixação.

Com efeito, alguns autores vêm propendendo, para o entendimento vertido no acórdão recorrido no sentido de que revogada a liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão, integrada numa execução sucessiva de várias penas, deve ser integral, sem possibilidade de autorização de nova liberdade condicional, face ao disposto no art. 63.º, n.º 4 do Código Penal.
Assim, nesta linha Paulo Pinto de Albuquerque pronunciando-se quanto à liberdade condicional nos casos de execução sucessiva de várias penas defende igualmente que “se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir”, devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois “a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações”.[28]

M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio em anotação ao artigo 63.º do Código Penal e pronunciando-se quanto ao modo como se efectiva a liberdade condicional nas situações execução sucessiva de várias penas defendem por seu turno que “Atende-se à soma das penas de prisão para, a partir dessa soma, se calcular a metade, os dois terços ou os cinco sextos a que o art. 61.º manda atender, excepto se essa soma exceder 6 anos de prisão, caso em que se aplicará o dispositivo do n.º 3. Se, porém a execução de uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará, por razões óbvias, nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente[29].


Maia Gonçalves referia em anotação ao art. 63.º do Código Penal que “Este artigo resolve o momento em que o condenado é colocado em liberdade condicional no caso de deverem ser executadas várias penas de prisão. Atende-se à soma das penas de prisão das penas de prisão para, a partir dessa soma, se calcular a metade, os dois terços ou os cincos sextos a que o art. 61.º manda atender, nos seus n.º 2, 3 e 4, excepto se essa soma exceder 6 anos de prisão, caso em que se aplicará o dispositivo do n.º 3. Se, porém, a execução de uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará, por razões óbvias, nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente.[30].

Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette acompanhavam essa posição expressa por Maia Gonçalves, ressalvando porém a aplicação do art. 64.º, n.º 3, do CP e falam a este propósito que “a doutrina da soma” (para os casos regulados nos n.º 1 a 3 do artigo 63.º) “cede o passo à doutrina da diferenciação” (para a situação prevista no n.º 4 desse artigo) [31].

Por seu turno, Simas Santos e Leal Henriques em comentário ao artigo 63.º do Código Penal pronunciam-se relativamente a esta temática da seguinte forma: “De notar o limite à concessão da liberdade condicional imposto pelo n.º 4: a mesma não poderá ser aplicada se a execução de pena resulta de revogação da liberdade condicional. É, assim, afastada a regra do n.º 3 do art. 64.º (relativamente à prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º).[32] 

Face à divisão existente na doutrina e na jurisprudência quanto à questão suscitada no presente recurso para fixação de jurisprudência nos termos supra explanados e tendo presente o disposto no art. 9º do Código Civil e os critérios de interpretação histórico, teleológico e sistemático que acolhe, importa pois, antes de mais, reconstituir o pensamento legislativo na procura da mens legis – procurando desta forma perscrutar as razões da opção legal, os valores e interesses que elegeu e que quer tutelar –, para o que nos socorreremos aos elementos históricos ao alcance – v. g., trabalhos preparatórios, evolução da norma ao longo do tempo – analisando as conexões e interconexões da norma com os preceitos e institutos que lhe estão próximos, de molde a atribuir-lhe um sentido que se quadre com o respectivo conjunto, salvaguardando a unidade e a coerência interna do sistema jurídico.

É pois, um problema leginterpretativo, traduzido no conteúdo e espírito da lei, nos meios e resultados de interpretação, no âmbito de uma teleologia funcional decorrente do princípio da legalidade que integra a dogmática jurídico-penal, que, de harmonia com a lex legum sobre interpretação da lei, decorre do artigo 9º do Código Civil:

“1. A interpretação não deve cingir-se á letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que á aplicada.

2. Não pode porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Há assim, que ter em conta o elemento literal (as palavras da lei), juntamente com o elemento gramatical: (a análise filológica, constituindo ambos o texto da lei; o elemento lógico: averiguação da mens legislatorispara se encontrar a mens legis, a ratio legis, o espírito da lei; o elemento sistemático: análise da lei na sua relação com o ordenamento jurídico adoptado pelo legislador; o elemento histórico: antecedentes normativos procurando reconstruir e revelar a vontade da lei através dos antecedentes e modificações sofridas ou conformidade, com a lei anterior, verificando-se a relação da lei com o momento da sua edição (occasio legis); o elemento teleológico: o fim (social) da lei, isto é, o fim que o legislador quis alcançar, ao elaborá-la, e também, o elemento sociológico: a finalidade social a que a lei se destina

Como salienta FIGUEIREDO DIAS: - “Que o intérprete está indissoluvelmente ligado aos juízos de valor, aos sentidos, às finalidades ou ao thelos – não às representações fácticas – do legislador histórico, é coisa que deve ter-se por adquirida e fora de questão. Mas igualmente óbvio é que o intérprete pode (e deve) tomar em conta novas realidades, novas descobertas, novos instrumentos e mesmo novas concepções que não poderiam ter estado no campo de representação do legislador histórico, desde que o tomá-las em conta não implique ultrapassar o teor literal da regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum das palavras que naquela foram utilizadas.”[33]

Para o efeito importa pois, numa primeira análise, elencar a evolução legislativa da liberdade condicional no direito português para depois analisar, em concreto, tal evolução no que respeita ao actual art. 63.º do Código Penal.

IV.4. A evolução legislativa da liberdade condicional no direito português

O instituto da liberdade condicional surge na ordem jurídica nacional, com o projecto do Código Penal de 1861, revestindo já uma forma próxima e visando finalidades muito semelhantes às que se encontram actualmente consagradas e veio a obter assento legal na lei de 6 de Julho de 1893 e no regulamento de 16 de Novembro de 1893, assumindo a natureza de um incidente de execução da pena de prisão, dependente do assentimento do condenado e com duração não superior ao tempo de prisão que restasse cumprir.

Com a reforma prisional de 1936 (operada pelo Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936) foram introduzidas profundas alterações de concepção e de regime, distinguindo, designadamente, a liberdade condicional dita «facultativa» da «obrigatória» e concebeu-a como verdadeira medida de segurança e não como incidente de execução da pena de prisão[34].

Sendo então obrigatório, nos casos de criminalidade altamente perigosa ou de difícil correcção, que os reclusos antes de soltos passassem por um período de liberdade condicional, em regra a iniciar-se depois de cumprida a totalidade da pena em que tivessem sido condenados.

Esse período de transição era então justificado por uma dupla finalidade de defesa da sociedade, que passava pelo estabelecimento de «condições» e pela vigilância do condenado levada a cabo pelas autoridades e também pela protecção do próprio delinquente da provável má influência do meio e bem assim para acompanhamento da sua socialização [35].

Por seu turno, a reforma de 1954 (operada pelo Decreto-Lei n.º 396 588, de 5 de Junho de 1954) manteve aquilo que Almeida Costa[36] designa como como uma estrutura «híbrida» do instituto da liberdade condicional, pois este surgia quer como incidente da execução da pena quer com o carácter de verdadeira medida de segurança, confundindo-se com a «liberdade vigiada».

O Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de Maio, veio rever o Código Penal, vigente ao tempo, no que se refere ao instituto da liberdade condicional que recuperou a natureza de «forma de execução da pena de prisão», distinguindo-se da verdadeira medida de segurança que a «liberdade vigiada» constituía, estabelecendo-se que a liberdade condicional não podia exceder o lapso de tempo de prisão que ao condenado restasse cumprir, como medida de execução da parte final da pena que era, e eliminando-se a liberdade condicional obrigatória introduzida pela reforma prisional de 1936.

O Código Penal de 1982 (aprovado pelo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 Setembro), entendendo a liberdade condicional como um incidente ou meio de execução da pena privativa de liberdade (determinada e relativamente indeterminada), com que se visava ainda a ressocialização do delinquente, deixou de condicionar a sua concessão ao consentimento do condenado, que era assim privado de manifestar a sua anuência quanto ao tratamento que se propunha ressocializá-lo[37].

É paradigmática a esse respeito a alusão contida na introdução do Código Penal segundo a qual “É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61.º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

Com tal medida - que pode ser normalmente decretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.º, n.º 1) - espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixação de mínimos de duração para o período da liberdade condicional (artigo 61.º, n.º 3) e, por outro, a obrigatoriedade da pronúncia dela, decorridos que sejam cinco sextos da pena, nos casos de prisão superior a 6 anos (artigo 61.º, n.º 2). Por outro lado, a imposição de certas obrigações na concessão da liberdade (artigo 62.º, com referência aos n.ºs 2 e 3 do artigo 54.º) e a possibilidade do apoio de assistentes sociais (artigo 62.º, com referência ao artigo 55.º) atenuarão, certamente, a influência de várias "componentes exteriores da perigosidade", com o que melhor se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva.

A revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, mantendo a natureza de incidente ou meio de execução da pena privativa de liberdade, da liberdade condicional, passou a exigir o consentimento do condenado para a sua concessão e a consagrar o tempo de prisão que faltasse cumprir ao recluso como limite da duração da liberdade condicional.

Persistiu, porém, a distinção, consagrada nos artigos 61.º a 64.º do Código Penal de 1982, na versão original, entre liberdade condicional «facultativa» (artigo 61.º, n.º 1) e «obrigatória» (artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal em vigor), terminologia que segundo Figueiredo Dias assenta numa designação imprópria, uma vez que, reunidos os pressupostos formais e materiais de que depende a sua concessão, o tribunal não dispõe de qualquer margem de discricionariedade, impondo-se-lhe decretá-la (cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, 1.ª Ed., p. 543).

Em 2007, o Código Penal aprovado pela Lei 400/82 e alterado pelo Decreto-Lei de 95, voltou a sofrer alterações (levadas a cabo pela Lei 59/2007).

Esta vigésima terceira alteração a este diploma teve consequências ao nível da liberdade condicional.

Desde logo, foi eliminada a limitação constante do n.º 4 do art. 61.º, introduzida pelo diploma de 95, passando assim a liberdade condicional a ser sempre susceptível de ser concedida uma vez cumprida metade da pena, independentemente da sua duração ou do tipo de crime cometido.

Outra alteração muito importante da nova redação está relacionada com a duração da liberdade condicional. Assim, consagra-se expressamente no actual n.º 5 do art. 61.º, que «em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».

Em suma, face à evolução legislativa do instituto da liberdade condicional supra elencada podemos assim afirmar que esta «constitui uma forma de individualização da pena com vista à ressocialização do condenado em pena privativa de liberdade» e não uma medida de «premiar o bom comportamento, apenas e só, do recluso, neste caso seria um mero incidente e não uma medida de execução da sanção privativa da liberdade»[38].

Segundo dispõe o art. 40°, n° 1, do Código Penal, a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade". E "a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" - art. 42°, n° 1, do CP.

Portanto, a ressocialização é perspectivada pela lei portuguesa como escopo essencial do ius puniendi.

Também a ressocialização dos criminosos se apresenta, em face dos pressupostos jurídico-constitucionais próprios do Estado de Direito material e das considerações humanitárias, como um imperativo de carácter ético, vale dizer, como "concretização de um dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrem carecidas"[39].

O objectivo da liberdade condicional é, segundo o n° 9 do Preâmbulo do Decreto-Lei n° 400/82, de 23 de Setembro, "criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão". Este tem, pois, uma "finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização" [40].

Como refere Figueiredo Dias [41], a "finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre - e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever - ser jurídico- penal - visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele”.

Aliás, segundo o mesmo Ilustre Professor Figueiredo Dias, o instituto da liberdade condicional foi preconizado “na doutrina sob uma forma próxima e com finalidades análogas às que apresenta hoje, pela primeira vez em França, no ano de 1846, por Boneville de Marsangy. Recolhendo uma tradição que se encontrava já no instituto da liberte provisoire, vigente desde 1832 relativamente a jovens delinquentes, bem como no sistema dos tickets of leave no Reino Unido e aí consagrado em 1853, o instituto da liberdade condicional surgiu como tal, pela primeira vez, na lei francesa de 1885.” [42]

O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão, visa assim eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno de tal pena e o consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade a que pertencem, terminado que seja o respectivo cumprimento[43].

Trata-se, portanto, de um "simples incidente ou forma de execução da prisão[44].

A colocação do condenado em liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61.º, do Código Penal.

E uma vez concedida, nos termos do art. 57.º Código Penal, aplicável por força do art. 64.º, n.º 1 Código Penal, a pena é considerada extinta, se, decorrido o período de liberdade condicional, não houver motivos que possam conduzir à respectiva revogação.

O que, desde logo, pressupõe, de forma inequívoca, que o arguido cumpriu a parte final da sua pena mediante a forma de liberdade condicional.

Na situação de liberdade condicional “O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (…), vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade[45]

Essa prognose, segundo este mesmo Autor, pode até em certa medida ser “menos exigente” da que vigora para a suspensão da execução da pena. Isto porque, tendo cumprido parcialmente a condenação imposta, dela “se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização”[46].

IV.5 O artigo 63.º do Código Penal

Reportando-nos, no que ora releva, à liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas (contida actualmente no art. 63.º do Código Penal), cumpre referir que o regime da execução sucessiva de várias penas de prisão só surge no nosso ordenamento jurídico com o Dec. Lei n.º 48/95, de 15-03, que entrou em vigor em 01 de Outubro de 1995, então ainda com o número 62.º e só viria a ganhar a actual numeração – artigo 63.º - com a Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro.

Antes de 1995 (vigorava então a 6ª versão do C.P. com as últimas alterações ocorridas com os Dec. Lei n.º 101-A/88, de 26/03 e n.º 132/93, de 23/04) o Código Penal continha o regime de liberdade condicional nos mesmos quatro artigos – 61.º a 64.º, da seguinte forma: o artigo 61.º consagrava os pressupostos e duração; o artigo 62º disciplinava (directamente e por remissão) o seu regime; o artigo 63.º regulava a sua revogação; e o artigo 64.º dispunha sobre a extinção da pena.

Nenhum dos indicados artigos dispunha de qualquer comando sobre o regime da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de penas.

Com efeito, a mencionada alteração legislativa teve na sua génese a tentativa de resolver a lacuna até aí existente no ordenamento nacional que conduzia a muitas dúvidas interpretativas quanto ao modo de determinação do momento em que a liberdade condicional podia ocorrer nos casos de execução sucessiva de penas onde não se opere o cúmulo jurídico, dúvidas essas a que Figueiredo Dias fazia alusão na sua obra “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, reflectindo este autor que a «solução da soma» já seguida pela jurisprudência portuguesa se antevia como uma solução viável, com vantagens sobre uma «solução diferenciada» da situação relativamente a cada uma das penas[47].

Na mesma linha de pensamento, refere Maria João Antunes que o art.º 63.º do CP introduzido pelo DL n.º 48/95, surge como forma de preencher uma lacuna até então existente e que «justifica uma previsão especial, comparativamente com a de condenação em pena única, em caso de concurso de crimes» [48].

Acrescentando que, deste modo, se evita que «o condenado esteja, ao mesmo tempo, em liberdade condicional e em cumprimento de pena de prisão. Esta situação, político-criminalmente indesejável, verificar-se-ia se a execução da pena que deva ser interrompida em primeiro lugar não fosse interrompida. […] Só depois de decorrido o prazo de que depende a concessão da liberdade condicional das várias penas é que tem lugar o juízo sobre os pressupostos materiais desta concessão (artigo 61.º n.º 2 alíneas a) e b) do CP».

Assim, a regulamentação no C.P. da “execução sucessiva de penas” para efeitos de liberdade condicional surge com as alterações introduzidas em 1995, em virtude da constatação dessa lacuna na ordem jurídica nacional e largamente influenciado pela solução legislativa germânica, que consagrava já a «solução da soma» no artigo 454º, b) do StPo (Código de Processo Penal Alemão) [49].

E na alteração projectada em 1991 que iria vigorar a partir de 1995 mantinham-se os mesmos quatro artigos (61.º a 64.º) e a solução para a “execução sucessiva de penas” foi consag-rada no artigo 61.º-A do ante-projecto discutido na Comissão de Revisão do Código Penal com quatro números, sob a epígrafe «Liberdade condicional em caso de execução de várias penas», com a seguinte redacção [50]:

Artigo 61.º-A

1 - Se houver lugar à execução sucessiva de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar será interrompida:

a) Quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, no caso da alínea b) do n.º 2 do artigo anterior;

b) Quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, nos casos restantes.

2 – O disposto no número anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional.

3 – No caso previsto no n.º 1, o tribunal decidirá sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

4 – Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

Porém a redacção inicialmente atribuída ao n.º 2 por referência ao “disposto no número anterior”, conduzia ao entendimento equivoco de que o afastamento da possibilidade de aplicação do regime de interrupção da execução da pena anterior em casos de revogação da liberdade condicional só abrangeria as situações de interrupção dessa pena a metade da pena (e no mínimo de 6 meses) ou a dois terços da pena, porque deixava de fora a situação descrita no n.º 4 do projeto de alteração, ou seja, os casos em que a soma da penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 8 anos, impondo ao tribunal a colocação do condenado em liberdade condicional, “se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

Mas em contraponto também não parecia admitir a liberdade condicional nessas situações, pois pese embora não estivesse afastada a sua aplicação pelo n.º 2, o próprio n.º 4 previa expressamente que a liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas só ocorreria se o condenado não tivesse beneficiado antes dessa liberdade condicional.

Pelo que, um tal desenvolvimento do artigo não seria o melhor, do ponto de vista hermenêutico.

Daí que na Comissão de Revisão do Código Penal, o Senhor Procurador-Geral da República manifestasse a sua discordância quanto à redacção proposta em tal artigo, a qual ficou a constar da respetiva acta (Acta n.º 8 [51] e já antes na Acta n.º 7 [52], ao exprimir que a solução do n.º 2 “deveria valer para todos os casos”), nos seguintes termos:

O Senhor Procurador-Geral da República (Dr. Cunha Rodrigues) exprimiu a sua discordância quanto ao desenvolvimento lógico do artigo. Exemplificando com o n.º 4, questionou se, na hipótese das penas em apreço, uma resultar da revogação da liberdade condicional e outra ser uma pena autónoma, a sua doutrina se aplicaria. Não se aplicando, como parece ser correto, então o n.º 4 deveria estar ligado ao n.º 2.

A Comissão aprovou então a seguinte alteração da numeração:

- O atual n.º 2 passou a n.º 4, com a alteração para o plural (‘o disposto nos números anteriores’);

- O atual n.º 3 passa a n.º 2;

- o atual n.º 4 passa a n.º 3.[53]

Essa solução legal viria a ser consagrada no artigo 62.º do projecto com três números, sob a epígrafe «Liberdade condicional em caso de execução de várias penas»:

1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, o tribunal decide sobre a liberdade condicional, nos termos dos nsº 2 e 3 do artigo anterior, quando se mostrarem cumpridos, respectivamente, metade ou dois terços da soma das penas.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, se a soma das penas exceder 6 anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, nos termos do n.º 4 do artigo anterior, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

3 - O disposto nos números anteriores não vale para o caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.[54]

As vicissitudes do projecto legislativo viriam a consagrar a redacção do actual artigo 63.º (que antes da revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, correspondia ao art.º 62º do CP), retomando uma epígrafe que havia sido recusada pela Comissão de Revisão (o termo “sucessiva”, mas apenas aqui, na epígrafe, pois que o n.º 1 mantém a exclusão) «Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas» e estipula em quatro números:

1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.

2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.

Das mencionadas actas da Comissão de Revisão do Código Penal resulta também com relevo para a presente fixação que o Prof. Figueiredo Dias referindo-se à concessão da liberdade condicional prevista no actual n.º 4 do artigo 64.º (n.º 2 do Projecto) esclareceu, no âmbito da Comissão Revisora do Código Penal - a que presidiu - que este preceito “nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena principal, mas sim o resto” (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, ed. Ministério da Justiça, 1993, pág. 157) [55].

Após aprovação da nova redacção do artigo 62º do projecto, o Prof. Figueiredo Dias relembrou que “Chegado o momento de colocar a questão da liberdade condicional, o juiz encara a questão relativamente à totalidade das penas. A liberdade condicional só é apreciada quando se verificarem os seus pressupostos relativamente a todas as penas”.

Explicitando igualmente em momento posterior dos trabalhos dessa comissão que “A execução de penas é que é sucessiva, só se somando para efeitos de concessão de liberdade condicional[56]

Do que se acaba de expor e do que resulta das declarações dos membros da Comissão de Revisão do Código Penal supra referidas, podemos assim concluir claramente que o artigo 63.º do Código Penal teve na sua génese legislativa a tentativa de resolver a lacuna até aí existente no ordenamento nacional que conduzia a múltiplas dúvidas interpretativas quanto ao modo de determinação do momento em que a liberdade condicional podia ocorrer, nos casos de execução sucessiva de penas onde não se opere o cúmulo jurídico, criando para o efeito uma norma especial para regular essas situações.

Desta forma, constituindo o art. 63.º do Código Penal uma norma especial que regula a liberdade condicional nos casos de execução sucessiva de várias penas, forçoso é concluir que os 4 números do referido preceito regulam todas as possibilidades de determinação da liberdade condicional nos casos de cumprimento de várias penas.

Assim, o seu n.º 4, ao dizer expressamente que o disposto nos números anteriores não é de aplicar ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, implica claramente que esta última pena deve ser integralmente cumprida, porquanto deixa de poder integrar qualquer soma de penas em relação à qual pudesse vir a ser determinado o cálculo do período de liberdade condicional a conceder ao recluso.

            Com efeito, para a Comissão de Revisão do Código Penal a doutrina dos actuais n.ºs 1 a 3 do art.º 63.º (que antes da revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, correspondia ao art.º 62º do CP), o qual, contempla todas as hipóteses de interrupção de execução da primeira pena ou com base nela o cálculo e a determinação do período de liberdade condicional na execução de penas sucessivas ou de várias penas, não era de aplicar aos casos em que uma delas resultar de revogação da liberdade condicional e a outra ou outras serem penas autónomas.

Podemos também concluir que de acordo com a referida Comissão de revisão chegado o momento de colocar a questão da liberdade condicional, o juiz deveria encarar a questão relativamente à totalidade das penas. A liberdade condicional só será apreciada quando se verificarem os seus pressupostos relativamente a todas as penas e a execução de penas é sucessiva, só se somando para efeitos de concessão de liberdade condicional, nos casos em que é de aplicar o disposto no art. 63.º do Código Penal.

            Assim, é de concluir, do enquadramento histórico-legislativo e teleológico supra efectuado, que a intenção legislativa no que ao caso concreto releva foi a de afastar expressamente a aplicação dos n.ºs 1 a 3 do art.º 63.º nos casos em que uma das penas resultar de revogação da liberdade condicional, devendo a pena remanescente ser cumprida autonomamente, não entrando na soma de penas que cabe cumprir.

Sendo essa, como pensamos ser, a ratio legis do regime, não nos parece que o legislador admitisse que quanto ao remanescente da pena no âmbito da qual ocorreu a revogação da liberdade condicional possa ser admitida uma nova liberdade condicional nos termos do disposto no art. 64.º, n.º 3, do CP.

Seria como se refere no acórdão recorrido “deixar entrar pela janela o que o legislador não quis que entrasse pela porta”.

IV.6. Posição a adoptar

Nesta ordem de ideias, entendemos que partindo da mencionada ratio legis, bem como, do elemento literal e da existência de uma clara relação de especialidade entre as normas contidas nos artigos 63.º, n.º4 (aplicável à revogação da liberdade condicional na execução de penas sucessivas) e 64.º, n.º 3, do CP (aplicável às situações de revogação da liberdade condicional em pena única), a única interpretação possível que permite harmonizar as disposições contidas nos artigos 63.º, n.º4 e 64.º, n.º 3, do CP, é a seguinte:

Aos casos de cumprimento sucessivo de penas em que o condenado que haja já beneficiado de liberdade condicional viu a mesma revogada com base na prática de um novo crime nesse período de liberdade, impõe-se a aplicação do regime previsto do art.º 63.º, e em especial o seu n.º 4, o qual, obstando claramente a qualquer interrupção da pena anterior ou a sua integração na soma dos 5/6 a que alude o n.º 3 daquele artigo, para efeitos de concessão de liberdade condicional, implica logicamente o cumprimento integral do remanescente dessa pena.

Por seu turno o art.º 64.º, n.º 3, do CP, apenas terá verdadeiro sentido para os casos em que a revogação existe, não com fundamento numa nova pena e num novo crime cometido no período de liberdade condicional, mas sim na violação das condições impostas à liberdade condicional concedida, isto é, nas situações de cumprimento de pena única pelo condenado [57].

           

Tal interpretação é aliás reforçada se escalpelizarmos, o modo como, na prática, deve ser realizado o cumprimento de penas sucessivas, neste caso específico, em que uma delas se reporta a pena remanescente, resultante de revogação de liberdade condicional.

A lei expressa no art. 63.º do Código Penal a solução legislativa da “soma” no que se refere aos requisitos temporais de apreciação de concessão de liberdade condicional, quando estamos perante o cumprimento de penas sucessivas.

Em breve síntese, a pena que deve ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se alcança o seu meio, iniciando-se então o cumprimento da outra (ou outras) pena(s) (cfr. art. 63.º, n.º 1, do CP).

Assim que, em relação a todas as penas sucessivas que o arguido terá de cumprir, se tenha atingido o momento em que, em relação a cada uma delas, se individualmente consideradas, o tribunal se pudesse pronunciar sobre a liberdade condicional, fá-lo-á em simultâneo, em relação a todas as condenações (cfr. art. 63.º, n.º 2, do CP).

Se a soma das penas a cumprir sucessivamente exceder 6 anos, o condenado é colocado imperativamente em liberdade condicional (se antes da mesma não tiver beneficiado), quando se mostrem cumpridos 5/6 da soma das penas (cfr. art. 63.º, n.º 2, do CP).

O problema, no caso apresentado na presente fixação de jurisprudência, é que esta solução legislativa é apenas aplicável ao caso de cumprimento sucessivo de penas, quando nenhuma delas se refere a pena remanescente em resultado de revogação de liberdade condicional.

Na verdade, a lei é taxativa e, no n.º 4 do mencionado art.º 63 do Código Penal mostra-se vertido o comando de inaplicabilidade do disposto nesse artigo nos casos em que a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional.

            Ora, no caso de cumprimento sucessivo de penas, sendo uma delas pena remanescente resultante de revogação da liberdade condicional, a primeira conclusão a retirar do referido art. 63.º, n.º 4, do Código Penal, é que o cumprimento das penas impostas ao condenado em tal situação não pode ser realizado nos termos prescritos no art.º 63 do Código Penal.

Na verdade, em face da regra especial prevista no artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal, não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efectuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.º 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional.

As penas em presença são, deste modo, alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos n.ºs 1 a 3 do artigo em referência, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução de nenhuma delas resulta de revogação de liberdade condicional.

Tem assim de concluir-se que, em tal caso, a pena ora (novamente) em execução, em resultado de revogação de liberdade condicional, há-de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal.

Com efeito, essa pena terá assim de ser cumprida na íntegra pelo condenado, por duas razões fundamentais:

Em primeiro lugar porque, atenta a inaplicabilidade do disposto no art.º 63 do Código Penal, não se mostra possível a interrupção do cumprimento da pena remanescente, não se podendo igualmente proceder à soma das penas para proceder ao cálculo de 5/6 de cumprimento relativamente a todas as penas.

Em segundo lugar porque, embora o art.º 64 n.º3 do C. Penal refira que possa haver, no seu âmbito, lugar a concessão de nova liberdade condicional, nos termos do art.º 61, a verdade é que essa disposição, por razões legais e de ordem prática, apenas opera nos casos em que um recluso não tem penas sucessivas a cumprir.

Note-se que, em sede de cumprimento sucessivo de penas, a decisão de concessão de liberdade condicional é uma única, tendo de abarcar, na apreciação que realiza, toda a situação prisional do condenado, isto é, tendo de equacionar todas as penas que tem para cumprir e de averiguar, em relação a cada uma delas, se se mostram sequer preenchidos os requisitos para aplicação de tal instituto.

Como refere Maria João Antunes “Cada uma das penas é cumprida até ao tribunal poder decidir, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, mas caso haja razões para colocar o condenado em liberdade condicional, esta é relativamente à totalidade das penas em execução, num único juízo[58].

Ora, não sendo possível a suspensão de cumprimento prevista no art.º 63 do C. Penal, o que decorre do cumprimento sucessivo em que uma das penas tem a natureza de pena remanescente é que, existindo ainda uma pena por cumprir, embora em termos teóricos pudesse haver lugar à apreciação de liberdade condicional, de facto a mesma nunca será viável precisamente porque existe uma outra condenação, que o arguido ainda terá de cumprir e que servirá, até ao termo do cumprimento da pena remanescente, de obstáculo efectivo à possibilidade de concessão de liberdade condicional.

Na verdade, por manifesta impossibilidade lógica o condenado não pode estar ao mesmo tempo em liberdade condicional e em cumprimento de pena, dentro e fora da prisão.

Também não é admissível que seja libertado para cumprir o resto da primeira pena em liberdade condicional e depois regresse à prisão para cumprir o que falta da segunda até eventualmente nesta lhe ser concedida nova liberdade condicional, pois tal seria necessariamente contrário às suas finalidades ressocializadoras – a preparação para a liberdade pressupõe que esta seja definitiva.

É precisamente dessa impossibilidade lógica que é referida no acórdão deste Supremo de 01-10-2015, no Proc. 114/15.2YFLSB.S1 (Relatora: Helena Moniz) supra referido, ao mencionar que “Estando então a cumprir o remanescente, e tendo ainda uma pena autónoma para cumprir, e não se aplicando o disposto no art. 63.º, do CP, resta a pergunta de saber se deve cumprir o remanescente por inteiro, ou se deve haver avaliação da possibilidade de concessão da liberdade condicional a metade e aos 2/3 — caso em que a seguirmos esta possibilidade o condenado vê-se a ser avaliado para concessão da liberdade condicional, e mesmo que esta avaliação seja positiva nunca será libertado, dado que terá que cumprir a outra pena. É caso para perguntar se todo o sistema judicial deve ser mobilizado (nomeadamente com a realização de parecer pelos técnicos sociais, audição do arguido pelo juiz....) para a realização de um ato que se torna inútil uma vez que não haverá possibilidade de o condenado ser liberto.

Se, por um lado, a liberdade condicional está prevista para permitir uma melhor adaptação do criminoso à vida em sociedade e se, por outro lado, não pode sair da prisão, logo o objetivo básico que preside à concessão da liberdade condicional não está preenchido. Acresce que o legislador foi claro quando criou o art. 63.º, n.º 4, do CP, inviabilizando expressamente a aplicação daquele regime quando se trata de uma execução sucessiva de penas decorrente de uma revogação da liberdade condicional. É certo que ainda poderíamos entender que nestes casos se aplicaria o regime geral previsto no art. 61.º, do CP. Mas, fará sentido, por exemplo, pedir ao condenado para consentir na sua libertação (cumprindo o art. 61.º, n.º 1, do CP) quando ele não vai ser liberto? Além disto, fará sentido avaliar, por exemplo, se o condenado uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável? Não nos parece. Pelo que consideramos que uma vez revogada a liberdade condicional e havendo uma pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.

Assim, haverá que concluir que, no caso do cumprimento sucessivo de penas em que, pelo menos uma delas, tem a natureza de pena remanescente, não sendo possível a interrupção de cumprimento de penas (isto é, sendo inaplicável o disposto no art.º 63 do C. Penal), a pena remanescente no âmbito da qual ocorreu a revogação da liberdade condicional terá sempre, forçosamente, de ser cumprida na integralidade.

Desse modo, quem comete um crime no período de liberdade condicional, não pode beneficiar, relativamente à primeira pena, da concessão de um novo período de tempo de liberdade condicional pois a prática do crime sucessivo só veio reforçar, por um lado, a necessidade de cumprimento da pena que já antes, aquando da condenação, se considerou necessária à satisfação das necessidades de prevenção e, por outro, a sua (re)adaptação a meio livre sempre estará suficientemente salvaguardada pelo período de liberdade condicional que lhe vier a ser concedido na segunda pena ou no cômputo das demais penas que haja de cumprir.

Na verdade, dificilmente se compreenderia que um condenado a quem já foi dada, uma vez, a hipótese de se integrar, e dela não fez bom uso, pudesse beneficiar, de novo, de concessão de liberdade condicional na mesma pena.

Podemos assim concluir que, como se refere no acórdão deste Supremo, de 04-02-2010, no Proc. n.º 2329/00.9TXLSB-A.S1 – 3.ª Secção (Relator: Armindo Monteiro) que «No n.º 4 do mesmo art. 63.º do CP proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que “a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial.»

Além disso, se se admitisse a solução oposta, implicaria que estar-se-ia a colocar em liberdade condicional um condenado que tem uma pena de prisão efectiva à ordem de outro processo para cumprir, fora das circunstâncias previstas no art. 63.º do Código Penal, sem que, tal possibilidade tenha consagração legal.

Assim, se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando por isso, na soma das penas que cabe cumprir, sendo que, na senda do preconizado por Paulo Pinto de Albuquerque entendemos que a ordem de sucessão de execução das penas será a ordem pela qual transitam as respectivas condenações [59].

Efectivamente, o artigo 64.º, n.º 2, do Código Penal, estabelece que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”.

E esta norma deve ser interpretada no sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e como tal deduzido no tempo de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional. E tal interpretação não viola a garantia prevista no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.

Acresce que esta solução não é contrariada pela jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, publicada no Diário da República, n.º 6, Série I -A, de 9/1/2006, pp. 175 e seg., no qual o problema que foi colocado é distinto, pois que então foi fixada a seguinte jurisprudência: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º [atual artigo 61.º, n.º 4] e 3 do artigo 62.º [atual artigo 63.º, n.º 3] do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional” (já na altura o disposto no atual art. 64.º, n.º 2 e 3, do CP, tinha a redação que tem neste momento).

O sentido da jurisprudência então adoptada não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa. Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima (situação em que o condenado a prisão é um fugitivo, um acossado pelas autoridades, não possuindo condições para uma reinserção social em meio livre em harmonia com a ordem jurídica estabelecida, o que justifica que não seja quebrado o 'nexo' da privação da liberdade para efeitos da regra especial que se analisa), antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social, o que, todavia, não se conseguiu obter (o que justifica o tratamento legal diferenciado).

Perante um condenado que viu a sua liberdade condicional revogada com base na prática de um novo crime nesse período de liberdade, não estamos já, claramente, dentro da ratio legis que presidiu à consagração da 'válvula de segurança' de 5/6 subsequente a privações prolongadas da liberdade, mas antes perante uma pessoa que já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de expiar a pena remanescente em que foi condenado, tanto por razões de prevenção geral como especial.

O condenado, ao infringir os deveres de comportamento decorrentes de se encontrar em liberdade condicional, nomeadamente através do cometimento de crime, sabe ou presumirá que essa medida lhe irá ser revogada. A parte da prisão não executada inerente à concessão da liberdade condicional funciona assim também como um desincentivo à quebra das regras de conduta impostas pelo tribunal, já que a ameaça do cumprimento do remanescente serve de advertência para o estrito cumprimento das mesmas, que não visam senão a ressocialização do condenado.

Sendo que, como é sabido, a revogação da liberdade condicional não ocorre de forma automática, exigindo antes um juízo de ponderação sobre o caso concreto, seja por via da apreciação da culpa na violação dos deveres e regras de conduta impostos, seja por via da avaliação das finalidades que basearam a liberdade condicional aquando do cometimento de novos crimes.

Ora, “a pena de prisão ainda não cumprida” a que se alude no n.º 2 do artigo 62.º do Código Penal é justamente aquele remanescente que faltava cumprir ao condenado aquando da concessão da liberdade condicional, que o arguido, mercê da revogação demonstrou não ser da mesma merecedor.

Entendimento diferente, admitindo uma nova liberdade condicional quanto à pena em que ocorreu a revogação autonomamente, implicaria como se refere no acórdão recorrido beneficiar de «forma totalmente injustificada o infractor, quer do ponto de vista comunitário, à luz do qual se tornam cada vez mais prementes o cuidado e o rigor na concessão da liberdade condicional, assim como a análise da relação que o cumprimento efetivo da pena tem com as exigências intransponíveis ou irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico, quer ainda à luz das necessidades de prevenção especial de ressocialização positiva, na medida em que se acabaria por deixar a ideia de que, afinal de contas, o crime não deixaria, de todo, de compensar, com os efeitos negativos que, à partida, daí também adviriam para a futura reintegração social do recluso».

Deste modo entendemos que o art.º 64.º n.º 3 do CP não se aplica ao caso de revogação da liberdade condicional por via da comissão de crime – artigos 187º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), a contrario, e 56º n.º 1 al. b) do CP – pois tal aplicação foi expressamente afastada por força do disposto no art. 63.º, n.º 4, do Código Penal, mas sim às situações de única pena em que a revogação tem lugar com fundamento na violação das condições impostas à liberdade condicional – art.ºs 187.º do CEPMPL e 57.º, n.º 1, al. a), do CP.

Não se descortina que tal interpretação padeça de qualquer inconstitucionalidade, não se vendo como a mesma possa violar os princípios da dignidade da pessoa humana, Estado de Direito Democrático, legalidade, ressocialização e finalidade das penas, ínsitos nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 18.º, 20.º e 30.º da C.R.P., artigos 7º, 9º e 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - - note-se que por força da Lei n.º 45/2019 - Diário da República n.º 121/2019, Série I de 2019-06-27 “invocados pelo recorrente, cuja integridade não se mostra afectada no caso dos autos, nos termos supra expostos, não se integrando a situação dos autos em qualquer das previsões contidas nestes artigos, nem explicando o recorrente de que forma ocorre tal violação.

Aliás, não basta alegar-se uma qualquer inconstitucionalidade ou violação das disposições contidas na Constituição da Republica Portuguesa.

Para além de indicação necessária do preceito da Lei Fundamental violado mister se torna demonstrar o conteúdo factual em que essa violação se traduz, sob pena de, a não ser assim, como sucede no caso concreto, as suscitadas inconstitucionalidades e violações da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos não passam de meras afirmações vagas e inexpressivas.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/01 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc), em que se decidiu que “Não basta, com efeito, acusar uma norma de violar um preceito constitucional para se considerar justificada tal alegação; ora o reclamante continua a não indicar por que motivo a norma em apreciação viola as garantias de defesa do arguido em processo penal”.

A propósito das inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente, cumpre relembrar que, como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 477/2007: “[O] condenado, ao infringir os deveres de comportamento resultantes de se encontrar em liberdade condicional, sabe que esta medida poderá ser revogada, pelo que não lhe assiste qualquer expectativa tutelada de que já não terá que cumprir a parte da pena privativa de liberdade não executada”. [disponível em www.tribunalconstitucional.pt].

Pelo que tudo visto e ponderado, é de considerar, portanto, que, de um ponto de vista teleológico, jurídico-material, é acertada a interpretação de que, atento o disposto no art. 63.º, n.º 4, do CP, em caso de revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão a considerar numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade do condenado de beneficiar de nova liberdade condicional.

Seguindo-se a orientação que aqui e agora se afirma, acolhe-se a posição do acórdão recorrido, ao optar pela solução de que, atento o disposto no art. 63.º, n.º 4, do CP, em caso de revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão a considerar numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade do condenado beneficiar de nova liberdade condicional,


V

Decisão


Por todo o exposto, acordam os juízes que constituem o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Confirmar o acórdão recorrido;

b) Julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade

c) Fixar a seguinte jurisprudência:

“Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no art.º 63.º n.º 4 do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.”

Sem custas (artigo 522.º, n.º 1, do CPP).

Cumpra-se o disposto no n.º 1 do art.º 444.º do CPP.

Lisboa Escadinhas de São Crispim,


Elaborado e revisto pelo relator.

Pires da Graça (relator)
Raul Borges
Mário Belo Morgado
Helena Moniz
Nuno Gomes da Silva
Francisco Caetano
Manuel Augusto de Matos
Vinício Ribeiro
Conceição Gomes
Nuno Gonçalves
Manuel Braz (vencido de acordo com a declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida)
Carlos Almeida (vencido, de acordo com a declaração de voto que junta)
Lopes da Mota (vencido, conforme declaração junta)
Júlio Pereira (vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida)
Clemente Lima (vencido, pela razões constantes da declaração de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Almeida)
Margarida Blasco (vencida, pelas razões constantes da declaração de vencido do Sr. Conselheiro Carlos Almeida)
Santos Cabral (vencido, revendo posição anterior e de acordo com declaração junta)
António Joaquim Piçarra (Presidente)
-------------

[1] Ministério da Justiça, Código Penal- Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, Lisboa, 1993, p.12

[2] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Idem, p. 537. 7 Cf. Acta n.º 7, obra citada na nota 5, p. 63.
[3] Cf. Acta n.º 7, obra citada na nota 5, p.63
[4] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f189c95b247858f480257f0800431957?OpenDocument
[5] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/81aa5c92d381f61980257cc200375021?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[6] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c8378596e5c23dea80257f170032016c?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[7] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c20eacdcc73362938025803a0047051f?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional,revoga%C3%A7%C3%A3o
[8] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/796202f1089a1d7a8025815400585f2c?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional,revoga%C3%A7%C3%A3o
[9] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f06773ada1a8c4f080257de10056f559?OpenDocument
[10] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d5d492ab8d7d9fe180257de10056f7b7?OpenDocument
[11] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/920fbf6f631c7926802580c000502a29?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[12] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/96022e21017e731f8025712b005026df?OpenDocument
[13] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/819b76290bfc6537802577dc003c4d40?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[14] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6163c4211628b04080257a9b0038b098?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[15] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/26de9ea47794323b80257df7005ac35f?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[16] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5cc02db90e0d90f18025831500361e73?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[17] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/95a333c5298c45ab80257817003a6e10?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[18] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0516ceeb20aa7643802582350031f491?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[19] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/8e764ac9997b11a280257707004aa924?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[20] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0516ceeb20aa7643802582350031f491?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[21] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/207c482a90b34867802580d0005821bf?OpenDocument&Highlight=0,liberdade,condicional
[22] Disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/45bb3f00cdf100e68025747c003334bb?OpenDocument

[23]Disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0534b84c5a25f05e802577110033e822?OpenDocument

[24] Disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6839a973bd06f6de80257f5a003848d6?OpenDocument

[25] Disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2ffc548cbf6f2592802580220046c32f?OpenDocument

[26] Disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c8be07df7f1826e6802582e1004cee8b?OpenDocument

[27] Disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fc573cd8504ebe3180257ecb002f42bd?OpenDocument

[28] Paulo Pinto de Albuquerque “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2015, anotações 2. e 5. ao art. 63.º, p. 337.
[29] M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, “Código Penal Parte geral e especial”, Almedina, 2014, pág. 354.
[30] Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado e Comentado, Almedina, 18.ª edição, 2007, pág. 248.
[31] Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, “Código Penal Anotado e Comentado”, Quid Juris?, 2008, anotações 5. e 8. ao artigo 63.º (p. 203).
[32] Simas Santos e Leal Henriques, “Código Penal Português Anotado Volume I, Rei dos Livros, 2014, p. 878.
[33] FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime 1976, p. 176
[34] Nesse sentido veja-se Almeida Costa, in «Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português», Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXV, p. 421.
[35] Idem, p. 422.
[36] Idem p. 429.
[37] Anabela Miranda Rodrigues, «A fase de execução das penas e medidas de segurança no direito português», in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 380, p. 30.
[38] Moraes Rocha & Catarina Sá Gomes, “Algumas notas sobre direito penitenciário”, in Moraes Rocha, “Entre a Reclusão e a Liberdade Estudos Penitenciários”, vol. I, Almedina, 2005, pp. 42.
[39] A. Almeida Costa, "Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1989, págs. 449-50.
[40] Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pág. 528.
[41] Idem, págs. 529-30, 553-4.
[42] Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pág. 531-532.
[43] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542
[44] Idem, pág. 536.
[45] Idem, pág.ª 528.
[46] Idem, pág. 539.
[47] Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, 1.ª Ed., p. 537.
[48] Maria João Antunes, “As Consequências Jurídicas do Crimes, Lições para os alunos da disciplina de direito penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, Coimbra, 2007-2008, pág. 52.
[49] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, acta n.º 7 de 17-04-1989, p. 69.
[50] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018 - acta n.º 7 de 17-04-1989, p. 68.
[51] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, acta n.º 8 de 29-05-1989, p. 77.
[52] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, acta n.º 7 de 17-04-1989, p. 69.
[53] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, acta n.º 7 de 17-04-1989, p. 69.
[54] “Código Penal – Projecto” in «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, pags. 522 e 523.
[55] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, Acta 16ª, pag. 167.
[56] «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 2018, Acta 42ª, pag. 523.

[57] É a essa diferente situação em que o condenado está a cumprir o remanescente e não tem qualquer pena autónoma para cumprir que é abordada nos acórdãos do STJ de 30-10-2014, no Proc. n.º 181/13.3TXPRT-F.S1 - 5.ª Secção (Relator: Helena Moniz) e de 20-09-2017, no Proc. n.º 82/17.6YFLSB – 3.ª Secção (Relator: Lopes da Mota), ambos disponíveis em www.dgsi.pt,  ao entenderem que deverá ser avaliada a possibilidade de concessão da liberdade condicional obrigatória, no caso de o remanescente da pena ser superior a 6 anos.

[58] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina 2017, pág.104.
[59] Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, anotações 2. e 5. ao artigo 63.º (p. 217).




Voto vencido pelas razões que, em síntese, exponho:

1 – O artigo 63.º do Código Penal surgiu, como nos dá conta Figueiredo Dias e se pode ver nas Actas da Comissão Revisora do anteprojecto de que resultou a revisão de 1995 deste diploma, para colmatar uma lacuna existente no Código Penal de 1982 quanto ao procedimento a adoptar para a concessão de liberdade condicional no caso de o condenado ter de cumprir mais do que uma pena de prisão.

2 – A regulamentação a adoptar podia, como então se disse, seguir uma de duas vias: a de, para o efeito, somar as penas e conceder a liberdade condicional em simultâneo quanto a todas elas, o que se afigurava ser mais vantajoso para o condenado, e a de tratar cada uma das condenações autonomamente.

3 – O legislador de 1995, na linha do que tinha feito o legislador alemão, optou pelo critério da soma, excluindo a aplicação deste critério no caso de uma das penas ser o remanescente não cumprido de uma outra em que tinha havido revogação da liberdade condicional anteriormente concedida (artigo 63.º, n.º 4).

4 – Desta exclusão apenas resulta que, neste caso, não pode ser adoptado o critério da soma, nada permitindo concluir que o legislador pretendeu impor o cumprimento integral daquele remanescente sem, relativamente a ele, poder ser concedida nova liberdade condicional.

5 – O carácter abrangente do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, ao estabelecer que, «relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º», aponta precisamente em sentido contrário.

6 – A interpretação que é feita no presente acórdão reduz drasticamente o campo de aplicação deste preceito, que, a meu ver, sem qualquer apoio na letra da lei, com as consequências constitucionais que disso podem advir, apenas se aplicaria no caso de a revogação da liberdade condicional ter resultado da violação das regras de conduta impostas.

7 – Para além disso, a meu ver, uma tal interpretação desconsidera a importância da liberdade condicional para a reinserção social dos reclusos e a opção do legislador de admitir a concessão de liberdade condicional relativamente ao remanescente da pena resultante da revogação de uma anterior liberdade condicional.

8 – A meu ver, da conjugação do invocado artigo 64.º, n.º 3, com o artigo 61.º do Código Penal resulta que a contagem dos prazos para a concessão de nova liberdade condicional se deve fazer, neste caso, tendo em conta a duração da pena de prisão por cumprir e não a da pena originariamente imposta. É também a essa pena que se refere o artigo 185.º, n.º 8, do CEPMPL.

9 – Significa isto que, quanto a esse remanescente, a liberdade condicional apenas pode ser concedida depois de se encontrar cumprida metade da sua duração e só haverá concessão “obrigatória” de liberdade condicional se esse remanescente exceder os 6 anos de prisão.

10 – Da interpretação fixada no presente acórdão resulta, para além do mais, que, pela prática do crime que originou a revogação da liberdade condicional, que até pode não ser muito grave, o condenado tem de cumprir a respectiva pena, vê revogada a liberdade condicional e fica impedido de ter acesso à concessão de nova liberdade condicional mesmo que existam condições para tal, o que me parece que poderá ser, pelo menos em alguns casos, desproporcional.

11 – Resta dizer que, a meu ver, concedida a liberdade condicional no primeiro processo, o recluso iniciará o cumprimento da segunda pena até que nesse processo venha a ser libertado, momento a partir do qual terá que cumprir o regime imposto no ou nos despachos que tenham eventualmente concedido a liberdade condicional.

12 – Uma tal visão das coisas, que parte do princípio, estabelecido pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, de que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», permite, caso se justifique, encurtar o tempo de reclusão, o que é vantajoso do ponto de vista da reinserção social, que é o fim visado pelo instituto da liberdade condicional.

²

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Julho de 2019

(Carlos Rodrigues de Almeida)


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DECLARAÇÃO DE VOTO


Vencido, em concordância com os conselheiros Santos Cabral e Carlos Almeida, em particular por, a meu ver, não existir fundamento para afastar a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal, segundo o qual, havendo que executar a pena de prisão ainda não cumprida, em caso de revogação da liberdade condicional (n.º 2), pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida. As dificuldades práticas de conciliação da aplicação do artigo 63.º (às penas de execução sucessiva) com a aplicação do artigo 61.º (ao “remanescente” da pena), no respeito pela sua autonomia, têm que ser resolvidas de forma coerente, caso a caso, mas não justificam uma interpretação restritiva do artigo 64.º, n.º 3, na base da distinção, sem suporte legal expresso, entre revogação da liberdade condicional por violação de deveres e revogação pela prática de crime [artigo 56.º, n.º 1, al. a) e b), respectivamente, ex vi artigo 64.º, n.º 1], ou da distinção entre casos em que há apenas lugar ao cumprimento do “remanescente” de uma pena de prisão e casos em que, para além do “remanescente”, deva ser cumprida outra pena. A concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º pode ter sempre lugar, sem qualquer limitação (incluindo a liberdade condicional “obrigatória” aos cinco sextos da parte da pena “remanescente” que vier a ser cumprida, se for caso disso), pois que o termo "pode", usado no artigo 64.º, n.º 3, apenas se refere à possibilidade de aplicação do regime do artigo 61.º, em nada o alterando. Esta interpretação, que esteve na base da decisão de 20.09.2017, proferida no processo de habeas corpus n.º 82/17.6YFLSB, de que fui relator (em www.dgsi.pt), encontra também a sua justificação, em minha opinião, na consideração do elemento teleológico em conformidade com o princípio da socialização que preside à execução das penas e com a necessidade de prevenir resultados que possam colidir com as exigências de interpretação restritiva de normas limitadoras do direito à liberdade constitucionalmente protegido.
(José Luís Lopes da Mota)

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I

O instituto da liberdade condicional tem a sua génese na finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização» [1]. Pretende-se criar um «período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão»[2] .Em última análise, a liberdade condicional tem como principal objectivo, fomentar a recuperação pessoal e a reinserção social do condenado e, possibilitar uma melhor defesa da sociedade em virtude do regresso de um membro que foi apartado há muito tempo.

O instituto em causa reveste duas modalidades: a de uma liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a de uma liberdade condicional necessária ou obrigatória (ope legis).Como refere Figueiredo Dias esta última modalidade de libertação condicional encontra ainda justificação em considerações de prevenção especial de socializa­ção. Mais refere que “É um facto criminologicamente comprovado, com efeito, que penas longas de prisão, por mais positivo que possa ter sido o efeito ressocializador da sua execução, provocam compreensivelmente no condenado uma profunda desadaptação à comunidade em que vai reingressar e, deste modo, dificuldades acrescidas na sua reinserção social. São estas dificuldades que a colocação obrigatória do conde­nado em liberdade condicional visa minorar, através da ajuda que o instituto lhe pode conceder. Deste ponto de vista, bem pode afirmar­-se que o instituto da liberdade condicional obrigatória é concebido como uma verdadeira fase de transição" entre a prisão e a liberdade”.[3]

Este breve preliminar apenas se justifica em função da procura duma visão teleológica que suporte a interpretação normativa que ora nos convoca-artigos 63 e 64 do Código Penal. Efectivamente, nos termos do presente acórdão de uniformização, entende-se que o disposto naquele artigo 63, e no seu nº4, implica que, em caso de revogação da liberdade condicional, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena, não podendo beneficiar de nova liberdade condicional.

Dispõe o normativo citado que - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional. Por seu turno  as normas do nº1, 2 e 3 do referido artigo têm por objecto a concessão de liberdade condicional no caso de execução sucessiva de várias penas.

 II

A revogação da liberdade condicional implica a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida nos termos do artigo 64.º, n.º 2 do Código Penal. Como afirma Figueiredo Dias  «Verificado o fracasso do juízo de prognose que esteve na base da concessão da liberdade condicional, o respeito devido à sentença condenatória não pode deixar de conduzir a que seja executada a prisão pelo tempo que faltava cumprir».[4]

Consequentemente, para tal efeito, o resto da pena a cumprir não é uma pena autónoma, mas o remanescente de uma pena (uma parte, ainda não cumprida, de uma pena de prisão). Como se destacou no acórdão deste Tribunal de 14/08/2009 (processo n.º 490/09.6YFLSB), ao referir que a nova liberdade condicional pode ser concedida “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida” é muito claro «no sentido de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional, o que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação não releva para tal efeito».

  A questão para a qual somos, então, convocados é a do procedimento adequado quando, em virtude da revogação da liberdade condicional, subsistirem pena, ou penas, de execução sucessiva e o remanescente de pena proveniente da mesma revogação.

As regras do artigo 63º não foram estatuídas em função de tal quadro, mas sim  desenhadas tendo em atenção a possibilidade de execução penas que estão por cumprir integralmente, pelo que é lógica a exclusão do seu nº 4, a qual tem unicamente o significado de que a uma pena parcialmente cumprida não se aplicam as regras da execução sucessiva de penas. Na situação em que estão por executar o remanescente de uma pena em resultado da revogação de liberdade condicional anterior e outra pena integralmente, verdadeiramente não existe uma situação de execução sucessiva de penas.

As imposições dos nº1, 2 e 3 do referido artigo 63 não se aplicam aos casos em que devam ser cumpridas sucessivamente uma pena autónoma de prisão e o remanescente de uma pena de prisão.

    III

             Igualmente é certo que o n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal prevê que, relativamente à “pena de prisão” que vier a ser cumprida, em consequência da revogação da liberdade condicional, «pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º».Como refere Figueiredo Dias[5] O que se reconhece é que, de um ponto de vista de política criminal não é liminarmente de excluir a concessão, de novo, de liberdade condicional, relativamente à parte da pena ainda não cumprida: «se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal deverá efectuar».

             Esta regra é estruturante do instituto de liberdade condicional e tem na sua génese os princípios da socialidade e dignidade humana a que aludem os artigos 2º e 9º da Constituição da Republica e não se vislumbra motivo para o seu afastamentoi.

 IV

Igualmente é certo que a concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas- a que aludem os normativos em causa- consubstancia a necessidade dum tratamento autónomo desta realidade, e mais benévolo, do que a aferição parcelar, e estanque, em relação a cada uma das penas autónomas. Na verdade, o mesmo procedimento  permite uma avaliação global, e uniforme, dos pressupostos da liberdade condicional relativamente às penas em sucessão; ultrapassa a possibilidade de atraso na concessão da liberdade condicional e permite a concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da soma das penas, o que não aconteceria se fossem tratadas autonomamente

Sendo assim é lógico que todo aquele que evidenciou não corresponder às expectativas sobre ele formuladas em termos de juízo de prognose, não possa esperar que o remanescente da pena, subsistente após a revogação,  continue a ter o mesmo tratamento benevolente.

A consequência será, então, que, em face da revogação da liberdade condicional, e perante o remanescente da pena e penas sucessivas, que cada uma destas seja avaliada autonomamente para efeito de concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 64 nº3 do Código Penal.

V

O entendimento contrário, constante da presente uniformização, em nosso entender colide com princípios estruturantes do instituto da liberdade condicional e, impondo o cumprimento total do remanescente da pena, nem sequer admite a concessão da denominada liberdade condicional obrigatória, que é um instrumento fundamental na reintegração do arguido na comunidade, nomeadamente nas penas longas de prisão.

O cumprimento global da pena, nomeadamente da pena longa de prisão, implica que o arguido a ele sujeito deixe de ter qualquer expectativa, incentivo ou interesse em se motivar na procura duma interiorização de valores e dum rumo de vida.

Acresce ainda que, por alguma forma, colide com o princípio da proporcionalidade admitir que a revogação duma liberdade condicional em função duma pena de curta ou média dimensão leve á impossibilidade de concessão de nova liberdade condicional em função dum remanescente da pena que é muito superior à pena que fundamentou a revogação.(por mera hipótese: pena de vinte anos de prisão com a concessão de liberdade condicional a metade da pena. Durante o período de liberdade condicional o arguido comete um crime pelo qual é punido numa pena de dois anos de prisão. Na lógica da interpretação ora proposta a revogação da liberdade implicará o cumprimento dos dez anos de prisão remanescente completando o cumprimento da pena) 

Termos em que se conclui que deveria ter sido firmada jurisprudência em sentido contrário ao da presente uniformização. 

Santos Cabral

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[1]  DIAS, Figueiredo, Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 528
[2] Introdução do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º400/82 de 23 de Setembro, de acordo com a alteração e republicação da Lei 59/2007, de 04 de Setembro, n.º 9 penúltimo parágrafo
[3] Regulada nos arts. 61.º a 64.º do Código Penal51 e 173.º a 188.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CE), a liberdade condicional assume hoje a natureza de um incidente de execução da pena de prisão, cuja aplicação depende sempre do consentimento do condenado (art. 61.º n.º 1, do CP) e cuja duração não pode ultrapassar o tempo de pena de prisão que ainda falta cumprir sendo considerado extinto o excedente da pena. (art. 61.º n.º 5, do CP)

[4]Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §868, p. 5
[5] Ibidem pag 550

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