Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2142/13.3BELSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
OBJETO DO RECURSO
CASO JULGADO
SEGMENTO DECISÓRIO
OBJETO DO PROCESSO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O preceito que, com fundamento na incompetência material, pode legitimar que uma ação instaurada num tribunal administrativo seja remetida o tribunal judicial é o nº 2 do art. 14º do CPTA, e não o nº 2 do art. 99º do CPC, já que este regula a remessa de processos de um tribunal judicial para outro tribunal judicial ou para tribunal inserido na ordem jurisdicional dos tribunais administrativos e fiscais.

II. O objeto do processo pode ser reduzido por via da enunciação das questões suscitadas tanto no recurso de apelação como no recurso de revista, tornando definitiva a resolução das questões que tenham sido omitidas nas alegações ou nas respetivas conclusões.

III. Tendo sido decidido pelo tribunal judicial de 1ª instância que a ação administrativa – que foi interposta nos tribunais administrativos onde foi julgado improcedente o pedido de indemnização por responsabilidade civil do Estado atinente ao funcionamento de Serviços do Min. Público e à atuação do STA -, não poderia prosseguir no tribunal judicial para apreciação de um putativo erro judiciário do Trib. Constitucional, por não ter sido formulado um pedido indemnizatório individualizado ou individualizável reportado à atuação deste último Tribunal, o facto de no subsequente recurso de apelação o A. não ter impugnado esse segmento decisório tornou definitiva a recusa de prosseguimento da ação declarativa com tal fundamento.

IV. O carácter definitivo de tal decisão sai reforçado quando se verifica que no recurso de revista interposto do acórdão da Relação também não foi questionado o que neste fora afirmado no sentido de que a remessa do processo para os tribunais judiciais apenas seria de ponderar se tivessem sido formulados pedidos indemnizatórios distintos em função, por um lado, da atuação dos Serviços do Min. Público e do STA e, por outro lado, da atuação do Trib. Constitucional.

V. O disposto no nº 2 do art. 14º do CPTA que permite que seja reencaminhada para o tribunal judicial uma ação interposta no tribunal administrativo, visa as situações típicas em que a verificação da incompetência material, seja na esfera dos tribunais administrativos, seja por referência à competência residual dos tribunais judiciais, é feita no confronto direto com o pedido e a causa de pedir.

VI. Tal normativo não abarca uma situação em que numa situação em que numa ação administrativa interposta contra o Estado por responsabilidade civil extracontratual, foi julgado improcedente o único pedido de indemnização sustentado na atuação dos Serviços do Min. Público e num alegado erro judiciário do STA, tendo sido excluída dessa apreciação unicamente a matéria de facto relacionada com um alegado erro judiciário do Trib. Constitucional.

VII. A alegação de que, no âmbito de um recurso que foi interposto para o Trib. Constitucional - na ação administrativa especial de impugnação de deliberação do CSMP que aplicou sanção disciplinar - o respetivo relator não determinou a prévia remessa dos autos ao STA para apreciação da pretendida prescrição do procedimento disciplinar, assim como a alegação de que o Trib. Constitucional, no acórdão que proferiu, não considerou violados os princípios do contraditório e do processo equitativo a respeito da interpretação do art. 203º do EMP, não configuram qualquer erro judiciário suscetível de determinar a concessão de alguma indemnização ao abrigo do disposto no art. 13º, nº 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, aprovado pela Lei nº 67/07, de 31-12.

VIII. Independentemente dos motivos que estiveram na origem da remessa do processo para o tribunal judicial, a manifesta improcedência de alguma pretensão indemnizatória deduzida contra o Estado fundada na existência de erro judiciário do Trib. Constitucional, num caso em que essa mesma improcedência já foi verificada a respeito de um alegado erro judiciário do STA, também justifica a recusa de prosseguimento da ação, fazendo uso dos poderes de gestão processual (art. 6º do CPC) e impedindo os efeitos de uma estratégia orientada pelo arrastamento da tramitação processual

Decisão Texto Integral:

I - AA, magistrado do Min. Público, em situação de jubilado, intentou no Trib. Administrativo de ... uma ação administrativa comum, sob a forma ordinária,

contra o

ESTADO PORTUGUÊS,

pedindo que:

a) Se declare que foram violados os princípios do contraditório e do processo equitativo consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], pelo facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar, antes da deliberação punitiva, sobre o conteúdo do relatório final elaborado no processo disciplinar (posteriormente houve desistência deste “pedido”);

b) Se declare que a infração disciplinar pela qual o A. foi punido já se encontrava prescrita na data do acórdão do Trib. Constitucional de 12-7-11;

c) Se julguem inconstitucionais e ineficazes e se recuse a aplicação das normas dos arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, do Estatuto do Min. Público (EMP), entendidos no sentido de a aplicação da pena de inatividade ou de suspensão ter como consequência a perda do vencimento e suplementos durante o cumprimento da mesma (posteriormente houve desistência deste “pedido”);

d) Se condene o R. a pagar a quantia global de € 76.153,00, a título de danos patrimoniais, correspondente aos valores que deixou de receber como vencimentos, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, no período de cumprimento da pena que lhe foi aplicada, e o montante de € 13.500,00, a título de danos não patrimoniais;

e) Se condene ainda o R. a pagar juros moratórios sobre a quantia atinente aos danos patrimoniais, a contar das datas do vencimento de cada uma das verbas discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição, e sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais, a contar da data da citação.

Fundamentou a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por atuações/decisões dos Serviços do Ministério Público, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, no âmbito de um processo disciplinar que contra si foi instaurado e dos processos e recursos que interpôs contra deliberações do Conselho Superior do Ministério Público a tal respeito.

Alegou para o efeito que:

Exerceu funções como magistrado do Min. Público, tendo sido arguido no processo disciplinar nº 76/02 LRMP-16, em que lhe foi aplicada a medida de suspensão preventiva de exercício de funções pelo período de 180 dias, do qual o A. reclamou, tendo sido deliberado, por acórdão do Plenário do CSMP de 5-5-03, manter a medida cautelar.

Depois foi-lhe aplicada, sem que o A. tivesse oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo do relatório final (em que era proposta a aplicação da pena de demissão), por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, a pena de um ano de inatividade com impossibilidade de promoção nos dois anos seguintes ao cumprimento da mesma e perda do tempo correspondente quanto à remuneração, antiguidade e aposentação, deliberação confirmada pelo Plenário;

Na sequência, o A. instaurou no STA os seguintes processos:

- nº 885/03 - suspensão de eficácia do acórdão do Plenário do CSMP de 5-5-03, na parte atinente à medida de suspensão preventiva, a qual veio a ser indeferida por acórdão do STA de 16-7-03 [doc. G junto com a contestação], tendo este sido objeto de reclamação com arguição de nulidades pelo A., que foram desatendidas por acórdão de 30-9-03 (o A. interpôs ainda recurso destes dois acórdãos do STA para o Pleno da Secção, mas o relator não admitiu o recurso, por despacho de 4-11-03, tendo o A. apresentado reclamação, que foi indeferida por acórdão de 2-12-03, vindo ainda o A. a interpor recurso deste acórdão para o Trib. Constitucional);

- nº 1221/03 - recurso contencioso de anulação do referido ac. do Plenário do CSMP;

- nº 1273/04 - suspensão de eficácia da deliberação punitiva, a qual veio a ser deferida por acórdão do STA de 13-1-05 [doc. N junto com a contestação], e posteriormente revogada por acórdão do STA de 19-11-09 [cf. doc. O junto com a contestação]; deste acórdão do STA que revogou a suspensão da eficácia ainda foi interposto recurso para o Trib. Constitucional que aí foi rejeitado - doc. P junto com a contestação];

O CSMP deliberou que fosse executada a medida de suspensão preventiva, mas o A. reclamou dessa deliberação [doc. 5 junto com a PI], tendo estado suspenso de funções nos dias 15, 16, 17 e 18-12-03, por tal lhe ter sido ordenado telefonicamente pelo Sr. Procurador-Geral Distrital, tendo retomado o exercício de funções, na sequência de novo telefonema, vindo o STA, por acórdão de 14-5-05, a dar provimento ao pedido do A., decidindo que se mantinha a suspensão de eficácia do acórdão do CSMP que lhe aplicara a suspensão preventiva de funções, declarando ineficazes os atos de execução da mesma;

Os serviços do Min. Público da Procuradoria-Geral Distrital remeteram, por via postal simples, para uma morada onde o A. já não residia habitualmente, o ofício que lhe comunicava a suspensão do vencimento por aplicação da pena de inatividade com início a 1-1-10 [doc. 16 junto com a PI], vindo o carteiro, por lapso, a depositar o sobrescrito contendo o ofício no recetáculo de outra fração do prédio, só tendo o A. tomado conhecimento desse ofício em 7-3-10;

O A. instaurou ainda no STA ação administrativa especial (proc. nº 219/05) para impugnação da eficácia da decisão punitiva, reagindo contra o facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar no processo disciplinar antes do acórdão punitivo (pediu a anulação dos atos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 4-5-04, e no acórdão do Plenário desse mesmo Conselho, datado de 22-11-04, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar em que era arguido), mas a ação foi julgada improcedente, por acórdão da Subseção da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 22-2-06 [doc. Q junto com a contestação], do qual foi pelo A. interposto recurso para o Pleno que, por acórdão de 6-3-07 [doc. R junto com a Contestação], negou provimento ao mesmo;

O A. interpôs então recurso para o Trib. Constitucional (recurso nº 627/2007), que veio a decidir, no acórdão de 12-7-11 [cf. doc. U junto com a contestação], tal como antes o STA o fizera, que o art. 203º do EMP, que manda notificar o relatório com a notificação da decisão final, não violava o art. 32º, nº 1, da CRP;

Nem o CSMP, nem os tribunais apreciaram essa questão no confronto com os princípios do contraditório e do processo equitativo consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], como deviam ter feito, do que resultaria a desaplicação da referida norma estatutária, com a anulação do ato punitivo;

A 20-9-10, encontrando-se pendente no Trib. Constitucional o referido recurso nº 627/2007, o A. apresentou aí requerimento [doc. 17 junto com a PI] suscitando a questão da prescrição do procedimento disciplinar e, embora fosse de conhecimento oficioso, solicitou que os autos fossem remetidos, de imediato, ao STA para ser apreciada;

Como tal requerimento não foi apreciado pelo Trib. Constitucional, veio o A. a insistir, mediante requerimento de 21-4-11 [doc. 18 junto com a PI], em que refere que naquele outro (de 20-9-10) “suscitou, de novo, a questão da prescrição do procedimento disciplinar”; a Srª Cons. Relatora (no Trib. Constitucional) proferiu então, em 3-5-11, despacho [doc. 19 junto com a PI] referindo que “o pedido será apreciado oportunamente, dado que os autos se encontram no Trib. Constitucional, onde foram produzidas alegações …”, o que levou o A. a acreditar que o recurso não seria decidido sem que fosse apreciada, pelo tribunal competente (o STA), a questão da prescrição;

Como o acórdão do Trib. Constitucional, de 12-7-11, não se pronunciou sobre a prescrição, veio o A. arguir a nulidade do mesmo, por omissão de pronúncia, arguição que foi desatendida por acórdão de 12-10-11;

A 30-1-12, o A. veio requerer ao STA que fosse apreciada a questão da prescrição do procedimento disciplinar, tendo o Pleno da Secção do STA, por acórdão de 16-11-12, declarado que não podia conhecer da mesma, face ao trânsito em julgado do acórdão do TC;

Ao omitir a prática de atos adequados ao conhecimento pelo tribunal competente da questão da prescrição, o Trib. Constitucional cometeu um ato de denegação de justiça e violou os princípios do processo equitativo e da proteção da confiança consagrados nos arts. 2º e 20º, da CRP, 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do PIDCP e 47º, nº 2, da CDFUE;

Se a prescrição do processo disciplinar tivesse sido declarada e o ato punitivo anulado seria reconstituída a situação existente do cumprimento da pena, sendo pagas ao A. as quantias que deixou de auferir, no período compreendido entre 24-4-10 a 24-4-11 (em que foi cumprida a pena aplicada), a título de vencimento, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição;

A privação desses proventos verificou-se porque, ao contrário das disposições estatutárias aplicáveis a outros agentes do Estado, os arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, ambos do EMP, impõem a perda do vencimento e de suplementos por parte do condenado com a pena de inatividade ou de suspensão, sendo tais artigos inconstitucionais;

O A. também teve danos não patrimoniais ocasionados pelos factos descritos.

Concluiu que o R. ficou constituído no dever de o indemnizar por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência da conduta ilícita e culposa dos seus agentes, nos termos dos arts. 70º, nº 1, e 496º, nº 1, do CC, 1º, nºs 1 a 3, 3º, 7º, nºs 1 e 3, 9º, nº 1, 10º, nºs 1 a 3, 12º, 13º, nº 1, e 15º, nºs 1 e 2, todos do Regime Jurídico aprovado pelo art. 1º da Lei nº 67/07, de 31-12.


O Estado Português, representado pelo Min. Público, invocou as exceções da incompetência absoluta, em razão da hierarquia e da matéria, bem como a prescrição. Impugnou ainda vários factos alegados na petição, descrevendo a sucessão de atos que tiveram no lugar no âmbito do procedimento disciplinar e dos vários processos movidos pelo A., incluindo a apreciação do requerimento apresentado no Trib. Constitucional, no recurso nº 627/2007, no âmbito da ação administrativa especial atinente à questão da prescrição do procedimento disciplinar.


O A. apresentou réplica em que se pronunciou pela improcedência das exceções, defendendo que os atos imputados ao Trib. Constitucional consistem na omissão de despacho (não apreciação do requerimento de 20-9-10 e na “não remessa do processo ao STA para apreciação da questão da prescrição do processo disciplinar”, aquando da apreciação do outro requerimento).


Foi proferido pelo TAC de Lisboa despacho que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta, mas em razão da hierarquia, relativamente ao pedido de condenação do Estado por responsabilidade civil extracontratual fundado em erro judiciário, absolvendo o R. desta parcela da instância. Mais julgou procedente a exceção de prescrição do direito à indemnização fundado no funcionamento anormal dos serviços do Min. Público, declarando prescrito o direito do A., nessa parte, e absolvendo o R. do pedido de indemnização.


Interposto recurso de apelação para o TCA-Sul, veio a ser proferido acórdão que lhe negou provimento e manteve a decisão recorrida, ainda que com a explicitação de que, como se verificava a exceção dilatória de incompetência hierárquica, o processo seria da competência da Seção do Contencioso Administrativo do STA para onde foi remetido.

Já no STA, foi dado cumprimento ao disposto no art. 91º, nº 4, do CPTA, na sequência do que, o A. veio declarar que ecluía do objeto da ação os pedidos formulados nas als. a) e c).

Por sua vez, o R., suscitou a exceção de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, agora em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização por alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional, em face do disposto nos arts. 4º, nº 4, al. a), e 5º, nº 2, do ETAF. E defendeu ainda que não se encontravam verificados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por exercício da função jurisdicional, na modalidade de erro judiciário, quer no caso das decisões do Pleno da 1ª Secção do STA, quer das decisões do Trib. Constitucional.


No STA foi proferido acórdão que concluiu:

- Julgar incompetente a jurisdição administrativa, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização fundado em erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional, absolvendo, quanto a ele, o R. da instância;

- Julgar procedente a exceção de prescrição relativamente à conduta imputada aos Serviços do Min. Público;

- E julgar improcedente o pedido de indemnização fundado em erro judiciário imputado ao STA, dele absolvendo o R., absolvendo o R. do pedido.

A respeito do alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional (e também ao STA), consignou-se na fundamentação do acórdão que:

“O A. imputa aos referidos tribunais fundamentalmente dois erros: o primeiro deles tem a ver essencialmente com a decisão judicial sobre a alegada falta de audiência prévia (autónoma) sobre o relatório do processo disciplinar; e o segundo respeita essencialmente à omissão de decisão judicial sobre a prescrição do processo disciplinar.

Na verdade, entende que o STA, no proc. nº 219/05 e o Trib. Constitucional, no recurso nº 627/07, julgaram que o «art. 203º do EMP – que manda notificar o relatório com decisão final do processo disciplinar – não viola o art. 32º, nº 1, da CRP, o que, a seu ver, está errado, pois deveriam ter apreciado tal questão em confronto com os princípios fo contraditório e do processo equitativo (ver arts. 6º, § 1 da CEDH, 2º e 14, nº 1, ambos do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e 47º da CDFUE – o que os levaria, por desrespeito aos mesmos, a não aplicar aquele art. 203º, a declarar a nulidade insuprível no processo disciplinar e a anular o ato punitivo, com a consequente reconstituição da situação que existiria se a sanção punitiva não tivesse sido aplicada.

E entende também que, apesar de requerer, de insistir, junto do Trib. Constitucional e de requerer junto do STA a apreciação da questão da prescrição do procedimento disciplinar, tal acabou por, erradamente, não ser feito, sendo certo que se essa questão fosse apreciada e a punição anulada seria reconstituída a sua situação existente antes do cumprimento da pena.

Ora estamos obviamente perante invocados erros in judicando, na medida em que condicionam, na visão do A., o sentido e o conteúdo da decisão judicial proferida pelos tribunais em causa.


Resulta, pois, sem sombra de dúvida, que o conhecimento do pedido formulado pelo A. referente aos alegados erros judiciários imputados ao Trib. Constitucional não pode, porque a lei o proíbe, ser apreciado por este STA”.


O A. interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, no âmbito do qual declarou reduzir o pedido de indemnização por danos patrimoniais de € 74.653,00 para € 46.500,00, nos termos do art. 265º, nº 2, do CPC.

Nesse recurso pediu que fosse:

a) Declarada verificada a nulidade arguida e anulado o acórdão recorrido;

b) Declarado que o direito invocado pelo recorrente ainda não prescreveu e que a jurisdição administrativa é a competente para conhecer de todos os pedidos formulados no petitório, revogando-se o acórdão recorrido;

c) E julgados procedentes os pedidos formulados nas als. b), d) e e) da petição.

No Pleno do STA foi proferido acórdão que negou provimento ao recurso e em cuja fundamentação se refere, além do mais, que:

“… inequivocamente a pretensão indemnizatória formulada pelo A. estriba e radica seu fundamento naquilo que foi o pretenso desacerto do âmbito/objeto das pronúncias jurisdicionais que foram firmadas pelo Trib. Constitucional e pelo Pleno deste STA no quadro da ação administrativa em referência, mercê do alegado incumprimento pelos mesmos do seu dever de pronúncia nas decisões prolatadas e da inobservância daquilo que, nesse âmbito, eram as obrigações que sobre cada um impendiam.

Em causa não está, pois, uma situação de responsabilidade civil por danos ilicitamente causados pela administração da justiça, prevista no art. 12º do RCEEP, decorrente de um qualquer erro in procedendo, enquanto reportado ou respeitante a atos lesivos praticados por quaisquer operadores judiciários e não integrantes daquilo que constitui a «reserva de juiz» …

Estamos claramente, ao invés, ante uma situação de erro in judicando, visto, em causa, estarem pronúncias jurisdicionais integrantes e prolatadas no quadro da atividade judicante proprio sensu.”


O A. veio então requerer que os autos fossem remetidos à jurisdição cível, logo que o acórdão transitasse em julgado, para apreciação da responsabilidade civil emergente dos factos ilícitos que na petição inicial são imputados ao Trib. Constitucional.


Os autos baixaram ao TAC de Lisboa no qual foi proferido, sem qualquer fundamentaão, o seguinte despacho “Remeta, como requerido pelo A.”.


Uma vez apresentado o processo no Juízo Central Cível de ..., foi então proferido despacho advertindo as partes quanto ao seguinte:

- O processo foi remetido a latere da previsão do art. 99º, nº 2, do CPC;

- O tribunal é incompetente para conhecer do único pedido remanescente de declaração de inconstitucionalidade de normas;

e ainda

- Não foi alegada matéria suscetível de consubstanciar erro judiciário do Trib. Const., sendo a petição inicial inepta, nulidade que é insuprível.

Na sequência desse despacho, o A. veio defender que deve ser ordenado o prosseguimento do processo, já que nenhum tribunal pode declarar que é incompetente para julgar a inconstitucionalidade de normas e, se for o caso, recusar a aplicação das mesmas.

Alegou ainda que o STA declarou definitivamente que o alegado na petição inicial consubstancia “erro judiciário”, classificação jurídica que é definitiva e que, a proceder a nulidade prefigurada, seria violado o princípio do processo equitativo.

De seguida, foi proferido despacho que, no essencial, se traduziu no seguinte:

- “A jurisdição administrativa não se julgou incompetente, julgou-se, sim, incompetente relativamente a um dos pedidos” e “a incompetência não foi decretada depois de findos os articulados, mas sim após os articulados e o conhecimento de mérito das instâncias”, sendo que o “preceituado no art. 99º, nº 2, do CPC, não se destina a uma situação como a ora descrita, o que bem se compreende” - fls. 597 e 598);

- “Não é pura e simplesmente possível a prossecução dos autos nesta jurisdição, conforme pretendido pelo A., porque não foi formulado pedido indemnizatório individualizado ou individualizável reportado ao putativo erro judiciário do Trib. Constitucional. Ora o R. já foi absolvido do pedido, com trânsito em julgado, no que concerne ao pedido indemnizatório na vertente atinente à conduta imputada aos serviços do Ministério Público e a erro judiciário da jurisdição administrativa. Não é descortinável qual a medida da indemnização reportada a conduta do Trib. Constitucional (fls. 598);

- O único pedido que restaria apreciar seria o da al. c), ou seja, de que se julgassem inconstitucionais as normas dos arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, do EMP, sendo que “o pedido de declaração de inconstitucionalidade não pode, todavia, consubstanciar o pedido da ação” e que “os tribunais comuns não são competentes para julgar normas inconstitucionais ou para recusarem a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que essa recusa ocorra no âmbito e a propósito do caso concreto” (fls. 599);

- E, finalmente, apreciando a alegação do erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional, concluiu que “não foi obviamente alegado qualquer erro grosseiro perpetrado pelo Trib. Constitucional. O que o A. alega é que o Trib. Constitucional não conheceu da prescrição do procedimento disciplinar (arts. 86º e 93º da petição inicial), o que bem se compreende, atenta a específica natureza deste tribunal que aprecia a inconstitucionalidade e a ilegalidade de normas, nos termos dos arts. 277/283º da CRP”;

Concluiu-se no despacho de 1ª instância que (fls. 601):

“O processo foi remetido a este tribunal só formalmente, no âmbito da previsão do art. 99º, nº 2, do CPC”;

“Por outra parte, o tribunal não é competente para o único pedido remanescente, atinente à declaração de inconstitucionalidade de normas, independentemente da sua aplicação”;

“Acresce que não foi alegada matéria suscetível de consubstanciar erro judiciário do Trib. Constitucional, nem em todo o caso se verifica matéria suscetível de ser reconduzida à qualificação de erro judiciário por parte do aludido Tribunal”;

Finalmente, superando obstáculos de ordem formal que levariam à absolvição da instância, julgou a “ação totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido”.


De tal despacho o A. interpôs recurso de apelação para a Relação de Lisboa, declarando que reduz o pedido de indemnização por danos patrimoniais de € 74.653,00 para € 54.000,00 e o de danos não patrimoniais de € 13.500,00 para € 6.000,00 por o R. já ter sido parcialmente absolvido do mesmo.

No recurso de apelação, além de arguir a nulidade decorrente da falta de notificação para apresentar o seu requerimento probatório, arguiu a nulidade do despacho recorido, por excesso de pronúncia, na medida em que o A. já formalizara a desistência quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas (al. c)).

Considerou também que o facto de a remessa dos autos ter sido decretada depois de ter sido apreciado o mérito de questões respeitantes à jurisdição administrativa não tornava a remessa indevida.

Alegou ainda que não se verificava ineptidão da petição inicial, por falta de alegação de factos respeitantes ao erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional, e que, de qualquer modo, o R. interpretou devidamente a petição inicial a tal respeito


Foi proferido acórdão pela Relação de Lisboa que declarou nula a decisão recorrida, na parte em que decidiu absolver o R. do pedido constante da al. c), uma vez que o A. já excluíra esse pedido da instância processual.

No mais, a Relação confirmou o despacho da 1ª instância na parte em que julgou indevida a remessa dos autos e inviável o seu prosseguimento na jurisdição comum, com diversos fundamentos:

- A remessa foi determinada já depois de ter sido apreciado o mérito da causa respeitante à esfera de competência dos tribunais administrativos;

- A ação foi corretamente instaurada nos tribunais administrativos, uma vez que foi formulado, em termos substanciais, um único pedido de indemnização, ainda que fundado numa causa de pedir complexa que apenas em parte envolvia atuações do Trib. Constitucional, sendo que a remessa do processo para os tribunais judiciais apenas seria de ponderar se houvesse pedidos indemnizatórios distintos em função da atuação dos Serviços do Min. Público e do STA, por um lado, e do Trib. Constitucional, pelo outro;

- O pedido indemnizatório já foi apreciado por decisão transitada em julgado proferida nos tribunais administrativos, não podendo agora ser artificialmente duplicado na mesma ação, sem embargo da instauração de outra ação sustentada na atuação do Trib. Constitucional, de modo que o litígio já não tem objeto, o qual se esgotou com o que foi decidido nos tribunais administrativos;

- Complementarmente a Relação negou que qualquer decisão proferida nos tribunais administrativos tenha valor de caso julgado com eficácia nos tribunais judiciais, seja a que determinou a remessa do processo, seja a que qualificou os atos imputados ao Trib. Constitucional como integrantes de erro judiciário.


O A. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça que, como tal, foi admitido apenas na parte em que foi confirmada pela Relação a decisão de 1ª instância que considerou inadmissível a remessa dos autos para a jurisdição comum ao abrigo do nº 2 do art. 99º do CPC.

Para o efeito o recorrente concluiu:

Não há diferença entre "depois de findos os articulados" e "após os articulados", uma vez que ambos os trechos exprimem posteridade no tempo, significando que já se encontram no processo articulados que no caso sejam admissíveis e as partes decidiram apresentar.

Das disposições combinadas contidas nos arts. 97º, nº 1, e 99º, nº 2, do CPC, retira-se que depois de se encontrar no processo o último articulado admissível, o processo pode e deve ser remetido ao tribunal em que a ação devia ter sido proposta, aproveitando-se os articulados, desde que o autor o requeira e o réu se não oponha de forma justificada.

A remessa deve ser requerida até 10 dias após o trânsito em julgado da decisão de incompetência, sendo indiferente que algum dos pedidos tenha ou não sido objeto de apreciação e decisão, ao contrário do entendimento que ficou expresso na decisão recorrida, pelo que foram interpretados erradamente e violados os dois citados normativos.

A causa de pedir é integrada pelo conjunto dos factos essenciais que preenchem a previsão da norma ou das normas de direito substantivo que conferem o direito que o autor quer fazer valer, dela ficando excluídos os factos instrumentais, os que sejam complementares ou concretizadores dos essenciais e os factos notórios, que serão considerados na sentença, nos termos da lei.

O A. alegou os factos essenciais constituintes, em seu entender, de uma causa de pedir baseada no mau funcionamento dos serviços da justiça, nomeadamente a omissão ou recusa de remessa do processo pelo Trib. Constitucional ao STA para conhecimento da prescrição, mas este tribunal, acolhendo a posição tomada pelo réu na contestação e usando da liberdade de interpretação e qualificação que lhe era conferida pelo citado art. 5º, nº 3, do CPC, declarou que os factos alegados integravam um erro judiciário como causa de pedir.

Porque o acórdão do STA que assim decidiu transitou em julgado, já não se pode discutir a bondade de tal decisão, concorde-se ou não com ela, formando a mesma caso julgado material e formal, ao contrário do entendimento expresso no acórdão ora impugnado.

Se assim não fosse, sempre haveria que considerar que o facto de o réu ter contestado sem arguir a ineptidão nem deduzir qualquer outra exceção, dizendo que a causa de pedir em que se baseavam os pedidos consubstanciava um erro judiciário, é bem revelador de que interpretou convenientemente a petição, o que é bastante para que não possa ser declarada a ineptidão da petição e a nulidade do processo.

Não tendo sido apreciados pelo tribunal competente os pedidos formulados em b), d) e e) do petitório e a causa de pedir que lhes serve de fundamento, é fora de dúvida que ainda não se pode considerar que a instância se encontre extinta por já não ter objeto, pelo que o processo deverá prosseguir os seus termos.

Quando o Trib. Constitucional decidiu o recurso, a 12-7-11, já o procedimento disciplinar se encontrava prescrito, uma vez que tinham decorrido mais de 7 anos e 6 meses após a consumação da infração, o que perfaz o prazo normal de prescrição acrescido de metade, dele descontando o tempo de suspensão.

De facto, a infração pela qual o A. foi punido consumou-se a 10-3-03, o respetivo prazo normal de prescrição era de 3 anos e tem-se entendido que num Estado de direito democrático não há infrações imprescritíveis e que às infrações disciplinares se aplica integralmente o regime de prescrição do procedimento criminal previsto no CP.

A decisão que indefere o pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar forma caso julgado rebus sic stantibus, com alcance limitado, não obstando a que a questão volte a ser apreciada em novo incidente em que se invoquem fundamentos diferentes daqueles que serviram de base ao primeiro pedido.

Tendo o autor invocado diferentes razões no primeiro e no segundo requerimento, o que foi verificado pelo Trib. Constitucional e pelo STA, sem que houvesse pronúncia a tal propósito, é legal que se aprecie e decida o pedido formulado em b), satisfazendo-se a solicitação feita pelo autor.

Além dos normativos citados nas conclusões anteriores, também se mostram violados, segundo a interpretação do TEDH, os princípios do processo equitativo, do direito de acesso a um tribunal, da proibição da denegação de justiça, da segurança jurídica e do contraditório, todos acolhidos no arts. 6º, § 1, da CEDH, bem como do respeito pelos bens do autor, consagrado no arts. 1º do Protocolo nº 1 Adicional, aplicáveis por força do art. 8º, nº 2, da Constituição.


Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


III – Decidindo:

1. O presente recurso de revista excecional foi interposto no âmbito de uma ação administrativa que foi instaurado no ... e que foi apreciada pelas diversas instâncias dos tribunais administrativos.

Depois das múltiplas vicissitudes que anteriormente foram relatadas, o STJ veio a proferir acórdão a concluir que os factos alegados acerca de erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional não podiam ser apreciados, ao mesmo tempo que, incidindo sobre a exceção da prescrição, a julgou procedente no tocante ao funcionamento anormal dos Serviços do Min. Público. Além disso, conheceu da questão da responsabilidade civil extracontratual por alegado erro judiciário imputado ao Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, concluindo não estarem preenchidas as condições de atribuição da indemnização peticionada.

O A. ainda interpôs um derradeiro recurso para o Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do STA que lhe negou provimento.

Na sequência deste último acórdão, o A. requereu que os autos da referida ação administrativa especial fossem remetidos para o tribunal judicial de 1ª instância, o que foi tabelarmente deferido por despacho do .... E ainda que não tenha sido explicitado em tal despacho, está nele implícito que foi por se ter considerado que, não sendo os tribunais administrativos os competentes para apreciar a responsabilidade civil do Estado Português relacionada com a intervenção jurisdicional do Trib. Constitucional, essa competência caberia aos tribunais judiciais, assim se justificando o aproveitamento do processado e seu prosseguimento.

Porém, para efeitos de resolução do caso concreto, em que está simplesmente em causa apurar se deve prosseguir nos tribunais judiciais uma ação administrativa que foi reencaminhada pelo TAC, é relevante evidenciar que, do mesmo modo que os juízes dos tribunais judiciais não têm jurisdição sobre as questões que devam ser apreciadas no âmbito de processos que corram termos nos tribunais administrativos, também as decisões proferidas no âmbito de processos insaturados nos tribunais administrativos não são vinculativas para os tribunais judiciais quando estejam em causa questões que por estes também devam ser decididas, seja a apreciação da sua competência material, seja da mera legalidade da remessa da ação administrativa em qualquer situação.

Na verdade, não negando a legitimidade para o ... formular um juízo favorável à remessa do processo administrativo para os tribunais judiciais, apesar de tal ocorrer num caso em que na ação administrativa já existiu pronúncia sobre o mérito da única pretensão indemnizatória que foi deduzida pelo A. e de nos tribunais administrativos terem sido percorridos todos os graus de jurisdição, incluindo a intervenção do Pleno do Contencioso do STA, tal decisão não é vinculativa para os tribunais judiciais que com semelhante legitimidade podem formular um juízo desfavorável ao prosseguimento da ação.

Aliá, da leitura do acórdão do STA que excluiu da sua apreciação quanto ao mérito da ação a atuação imputada ao Trib. Constitucional não decorria como efeito necessário a determinação da remessa, nos termos em que foi feita, aliás, sem qualquer fundamentação. O facto de o STA se ter julgado materialmente incompetente para tal apreciação não significava que, uma vez apreciado o mérito do pedido de indemnização nos termos em que tal foi feito, a ação devesse prosseguir noutra ordem jurisdicional para apreciação do mesmo pedido sustentado nos referidos factos que ficaram excluídos da primeira apreciação jurisdicional.

Assim, os autos apenas prosseguirão nos tribunais judiciais se vier a ser reconhecida essa possibilidade por decisão autónoma aqui proferida, a qual foi negada por ambas as instâncias.


2. O segundo aspeto de ordem preliminar que cumpre apreciar liga-se à norma jurídica que regula a questão em análise, sendo que quer o tribunal administrativo de círculo, quer os tribunais judiciais de 1ª e 2ª instância se centraram no nº 2 do art. 99º do CPC.

Ocorre, porém, que, estando em causa a admissibilidade de prosseguimento num tribunal judicial de ... ação reencaminhada pelo tribunal administrativo, o preceito que realmente interessa analisar, interpretar e aplicar é o nº 2 do art. 14º do CPTA, nos termos do qual “quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo”.

Existem diferenças de regime quando se compara a redação de cada um dos preceitos, sendo a norma do CPTA mais ampla do que a do CPC, já que, segundo o nº 2 do art. 14º do CPTA, a remessa do processo pode ser ordenada em qualquer fase, e não apenas depois dos articulados, bastando que exista uma decisão que declare a incompetência material do tribunal administrativo, com fundamento em que a competência pertence a algum tribunal da jurisdição comum. Acresce que enquanto a norma do art. 99º, nº 2, do CPC, atribui relevo à existência ou não de oposição justificada, tal elemento é alheio àquele outro preceito que, no âmbito de processos pendentes nos tribunais administrativos, autoriza a ordem de remessa.

Seja como for, apesar de nas precedentes decisões a questão em debate ter sido resolvida a partir da aplicação da norma do nº 2 do art. 99º do CPC, do que se trata efetivamente é da interpretação e aplicação do art. 14º, nº 2, do CPTA.


3. Incidindo sobre o objeto do recurso de revista centrado na admissibilidade do prosseguimento nos tribunais judiciais da ação que foi instaurada nos tribunais administrativos, onde já foi objeto de decisão de mérito nas três instâncias no sentido da sua improcedência, de antemão podemos afirmar que são diversos os obstáculos a que prossiga nos tribunais judiciais a “saga” de que o A. recorrente vem sendo protagonista e literalmente esgotou os instrumentos processuais disponíveis.


3.1. Desde logo, existe um argumento formal que impede tal desiderato e que está ligado à limitação do objeto do processo por via de vicissitudes associadas ao teor das conclusões enunciadas no recurso de apelação e no presente recurso de revista.

É ponto assente, sem carecer de extensa justificação, que o âmbito do recurso se afere pelo teor das respetivas conclusões e que, por outro lado, questões que não tenham sido objeto de impugnação nessa sede se consideram definitivamente apreciadas, a não ser que estejam cobertas pelo caso julgado formal. É o que decorre do disposto no art. 635º do CPC e da vasta jurisprudência, especialmente a deste Supremo, que vem constantemente assinalando esse vetor.

De tal preceito decorre que, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso, é-lhe legítimo restringir o seu objeto nas alegações ou nas respetivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. 

Com efeito, em resultado do que consta do art. 639º, nº 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação. Por isso, salvo quando se trate de matérias que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem.

A eventual restrição do objeto do recurso, em comparação com o âmbito mais alargado resultante do requerimento de interposição, pode ser expressamente formulada pelo recorrente, nas conclusões, identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Mas essa restrição pode também ser tácita, sendo isso o que ocorre quando exista falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude do requerimento de interposição do recurso, e até da sua motivação, o recorrente restrinja o seu objeto através das questões por si identificadas nas respetivas conclusões. 

No caso concreto em que unicamente está em causa a possibilidade de a ação administrativa prosseguir ou não nos tribunais judiciais para onde foi reencaminhada por despacho meramente tabelar do ..., verifica-se que º ... de 1ª instância, para indeferir a pretensão do A., expôs o seguinte:

“Não é pura e simplesmente possível a prossecução dos autos nesta jurisdição, conforme pretendido pelo A., porque não foi formulado pedido indemnizatório individualizado ou individualizável reportado ao putativo erro judiciário do Trib. Constitucional.

Ora, o R. já foi absolvido do pedido, com trânsito em julgado, no que concerne ao pedido indemnizatório na vertente atinente à conduta imputada aos serviços do Min. Público e a erro judiciário da jurisdição administrativa.

Não é descortinável qual a medida da indemnização reportada a conduta do Trib. Constitucional (fls. 598).

Ou seja, para além de outros impedimentos adjetivos ou materiais ao prosseguimento da ação, foi detetado pelo tribunal judicial de 1ª instância o facto de na ação ter sido substancialmente formulado um único pedido de indemnização contra o Estado e de não ter sido individualizado ou não ser individualizável qualquer pedido indemnizatório associado a um alegado erro judiciário imputado à atuação do Trib. Constitucional.

Ora, como se assinalou no relatório precedente, a resposta a tal questão serviu de base à rejeição do prosseguimento da ação no tribunal judicial de 1ª instância, não foi objeto de impugnação especificada nas conclusões do precedente recurso de apelação, o que permite asseverar que se consolidou como fundamento para a recusa de prosseguimento da instância processual na esfera dos tribunais judiciais.

Tal asserção mais se acentua quando se verifica que o acórdão da Relação concluiu a dado passo que:

“A ação foi corretamente instaurada nos tribunais administrativos, uma vez que foi formulado, em termos substanciais, um único pedido de indemnização, ainda que fundado numa causa de pedir complexa que apenas em parte envolvia atuações do Trib. Constitucional, sendo que a remessa do processo para os tribunais judiciais apenas seria de ponderar se houvesse pedidos indemnizatórios distintos em função da atuação dos Serviços do Min. Público e do STA, por um lado, e do Trib. Constitucional, pelo outro”.

Ora, também no presente recurso de revista se verifica que foi omitida a impugnação desta resposta à mesma questão jurídica em torno na necessidade ou não de existência de uma cumulação de pedidos para se admitir o prosseguimento da ação no tribunal judicial. É o que decorre das alegações e designadamente das respetivas conclusões, o que torna ainda mais evidente, neste contexto, que nenhuma decisão posterior, ainda que respondendo, porventura, de forma favorável a qualquer outro argumento apresentado pelo A. recorrente teria força suficiente para superar a ausência de impugnação da resposta que foi dada àquela questão de direito.

Por conseguinte, encontrando-se consolidada uma resposta judiciária que considerou impeditivo do prosseguimento da instância judicial o facto de o A. ter formulado um único pedido de indemnização sustentado, por um lado, na atuação dos Serviços do Min. Público e STA e, por outro, na atuação do Trib. Constitucional, sem qualquer individualização da parcela correspondente à atuação deste último órgão jurisdicional, a recusa de prosseguimento da ação no tribunal judicial tem-se por definitiva, o que permite confirmar a extinção da instância na esfera dos tribunais judiciais.

Ainda assim, não deixaremos de acrescentar outros fundamentos para a improcedência do recurso de revista.


3.2. Para além do que foi afirmado na decisão da 1ª instância sobre a inviabilidade de prosseguimento da ação no tribunal judicial, consta do acórdão da Relação que:

“É evidente que a presente ação, considerando os pedidos formulados e as respetivas causas de pedir, não deveria ter sido proposta nos tribunais judiciais, mas antes nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, tanto assim que aí correu os seus termos, com a prolação de decisão final que conheceu do mérito da causa (julgando procedente uma exceção perentória e absolvendo o R. do pedido).

Bem vistas as coisas, os tribunais administrativos, perante um pedido de indemnização único fundado numa causa de pedir complexa, apenas se consideraram incompetentes para julgarem da (im)procedência da ação na parte em que a mesma, face ao pedido e a uma parte muito circunstanciada dos factos integrantes da causa de pedir, tal como descritos ou configurados pelo A., se tinha por assente em erro judiciário do Trib. Constitucional; só, nessa medida, o STA considerou que a competência para dirimir o litígio era dos tribunais da jurisdição comum, aceitando a sua competência quanto a tudo o resto, o que abrange a globalidade dos pedidos (remanescentes após a desistência requerida)”.

Daqui partiu a Relação para a conclusão de que “não pode haver lugar à remessa dos autos com aproveitamento dos articulados para prosseguimento da presente ação, que findou, pelo julgamento [cf. art. 277º, al. a), do CPC]”.

Em termos substanciais, o pedido de indemnização que foi formulado pelo A. traduziu-se na condenação do Estado a pagar-lhe a quantia global de € 76.153,00 a título de danos patrimoniais (correspondente aos valores que deixou de receber como vencimentos, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, “no período de cumprimento da pena que lhe foi aplicada”), e o montante de € 13.500,00 a título de danos não patrimoniais, assim como no pedido acessório de juros moratórios.

Ora, relativamente a tal pedido, o STA, embora tenha consignado que não detinha competência material para apreciar o pedido de indemnização fundado em “erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional”, considerou improcedente a pretensão reportada à conduta imputada aos Serviços do Min. Público e a erro judiciário do STA e absolveu o Estado do pedido de indemnização.

Perante isto, decidiu-se no acórdão da Relação que:

“O pedido indemnizatório … já foi julgado com trânsito em julgado. E não pode ser artificialmente duplicado, sendo certo que tal não resulta, nem podia resultar do decidido pelo STA nos seus acórdãos, devidamente interpretados, em que se considerou não ser da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer do mérito da causa quanto à pretensão do A. fundada em putativo erro do Trib. Constitucional, deixando, pois, em aberto, com a respetiva decisão de absolvição da instância, a possibilidade de propositura pelo A. de nova ação para fazer valer o direito que se arroga, fundada naquela causa de pedir. Nem é por o A. vir agora, no seu requerimento de interposição de recurso e respetiva alegação, ficcionar que o R. não foi absolvido do pedido … que este Trib. da Relação pode olvidar que o STA já decidiu, por acórdão transitado em julgado, absolver o Réu do mesmo.

No fundo, há que reconhecer que a remessa dos autos efetuada é inconsequente, pois o litígio já não tem objeto, encontrando-se a instância extinta pelo julgamento (por acórdão do STA), com a decisão de absolvição do R. do(s) pedido(s), a qual não pode ser alterada no presente processo, por estar esgotado o poder jurisdicional do tribunal e sob pena de ofensa do caso julgado material (cf. arts. 277º, al. a), 613º, 619º a 621º, do CPC)”.


3.3. É manifestamente artificial o caminho que vem sendo trilhado pelo A. para conseguir arrastar ainda mais a ação que instaurou nos tribunais administrativos, agora já na esfera de intervenção dos tribunais judiciais, tergiversando a respeito dos efeitos que efetivamente decorrem do que foi decidido nos tribunais administrativos.

É verdade que o STA se considerou incompetente em razão da matéria para apreciar a atuação do Trib. Constitucional que alegadamente poderia ser enquadrada num putativo erro judiciário. Conclusão que sempre seria de questionar considerando que, afinal, a intervenção do Trib. Constitucional ocorreu no âmbito da sindicância da constitucionalidade de preceitos que foram aplicados pelo STA para apreciar a impugnação deduzida pelo A. à deliberação do CSMP.

Mas independentemente desse aspeto, o que a tal respeito foi referido pelo STA no mesmo acórdão em que julgou improcedente o pedido principal de indemnização deduzido pelo A. contra o Estado, não legitima que, depois disso, a mesma ação ainda prossiga nos tribunais judiciais para o mesmo efeito sustentado numa alegada responsabilidade do Estado pela atuação do Trib. Constitucional.

Com efeito, na mesma ação foi deduzido um único pedido de indemnização que abarcou indiscriminadamente a atuação de entidades administrativas especiais (os Serviços do Ministério Público), os tribunais administrativos e o Trib. Constitucional. Por outro lado, a petição inicial não deixa perceber qual a conexão entre os factos respeitantes ao alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional e o pedido de indemnização já julgado improcedente a partir da análise dos factos imputados a serviços administrativos e a tribunais administrativos.

Como qualquer outro preceito, o art. 14º, nº 2, do CPTA, também carece de interpretação, cabendo definir se num caso, como este, em que na ordem jurisdicional dos tribunais administrativa já foi julgada improcedente a ação de condenação por responsabilidade civil extracontratual imputada ao Estado relacionada com a atuação dos Serviços do Min. Público e do STA, ainda é legítimo seguir, agora na ordem jurisdicional dos tribunais judiciais, com a mesma ação transmutada em ação declarativa com processo comum e circunscrita à apreciação do mérito da mesma pretensão a partir da análise dos factos reportados a um alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional.

A simples enunciação da questão deixa claro o carácter anómalo de uma resposta positiva perante o preceituado no nº 2 do art. 14º do CPTA, do que redundaria que numa mesma instância processual fossem proferidas duas decisões sobre o mérito da causa: depois de numa primeira fase ter sido apreciada a causa de pedir correspondente à responsabilidade civil extracontratual do Estado em função dos factos relacionados com a atuação de entidades administrativas (os Serviços do Min. Público) e do STA, numa segunda fase (e, porventura, com o mesmo rasto processual que existiu aquando da tramitação da ação nos tribunais administrativos), iria ser apreciada a mesma responsabilidade civil imputada ao Estado mas associada à atuação jurisdicional do Trib. Constitucional.

Não foi seguramente uma situação assim desenhada que esteve na mente do legislador quando, através do art. 14º, nº 2, do CPTA, previu a remessa do processo para os tribunais judiciais, desse modo ampliando a possibilidade que então já constava do nº 2 do art. 101º do CPC de 1961 que, no entanto, a fazia depender da existência de um acordo das partes.

Como refere Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 5ª ed., quando aborda o pressuposto da competência material na ordem dos tribunais administrativos, o preceito visa fundamentalmente os casos em que “a petição seja dirigida a um tribunal administrativo, mas a questão não deve ser, no entanto, submetida à apreciação de nenhum tribunal da jurisdição administrativa, o juiz deve declarar-se incompetente e absolver da instância, pondo termo ao processo”, caso em que se concede ao autor o direito de requerer a remessa do processo ao tribunal competente, situação bem diversa daquela que ocorreu no caso concreto em que, afinal, o STA, não deixou de apreciar o mérito da ação.

O que se mostra sustentado na redação do art. 14º, nº 2, do CPTA, e está contido na intenção do legislador são as situações paradigmáticas em que a verificação da incompetência material do tribunal da ordem administrativa e a correspondente constatação da competência material de um tribunal judicial ocorrem antes de ser proferida sentença sobre o mérito da ação administrativa e inequivocamente antes de todo um rol de intervenções dos diversos patamares hierárquicos da ordem jurisdicional dos tribunais administrativos promovidas pelo A.

Ao invés do que refere o A., a recusa de aceitação do processo que emerge das decisões que foram proferidas pelo tribunal judicial de 1ª instância e pelo Tribunal da Relação não se baseia num argumento de cariz formal de que, afinal, a remessa não foi determinada “logo após o fim dos articulados”. Pelo contrário, é possível descobrir uma base substancial mais sólida que releva o facto de ter existido uma tramitação posterior que integrou o despacho saneador-sentença proferido no TAC de Lisboa que apreciou o mérito da causa, seguido dos acórdãos do TCA-Sul, do STA e do Pleno do STA, sempre no sentido da improcedência do único pedido de indemnização que foi deduzido por responsabilidade civil extracontratual assacada a Estado.

Por conseguinte, a norma do art. 14º, nº 2, do CPTA, devidamente interpretada para além da sua mera literalidade, não autorizava que o ..., sem qualquer argumento substancial, tivesse “despachado” no sentido pretendido pelo A., e também não serve de sustentação ao prosseguimento da mesma ação no tribunal judicial, como insiste o A.


3.4. O que a análise dos autos justifica, numa conclusão que, independentemente de outros fatores, elimina qualquer possibilidade de êxito da pretensão do A. no sentido de prosseguir com a ação nos tribunais judiciais, é que, tal como já foi decidido na ordem dos tribunais administrativos a respeito de uma alegado erro judiciário perpetrado pelo STA, também os factos alegados que se reportam à intervenção jurisdicional do Trib. Constitucional não configuram de modo algum qualquer erro judiciário suscetível de determinar a concessão de alguma indemnização.

Assim é a respeito da i) atuação do Cons. Relator, por não ter não determinado a prévia remessa do processo ao STA que fora requerida pelo A., para apreciação da prescrição do procedimento disciplinar na ação administrativa especial de impugnação de deliberação do CSMP, tal como o será ainda se se considerar que ainda se mantém de pé a alegação de que  ii) teriam sido foram violados na apreciação do recurso de constitucionalidade os princípios do contraditório e do processo equitativo relativamente à interpretação do art. 203º do EMP.

Com efeito, estando a amplitude da qualificação jurídica na presente ação de responsabilidade civil extracontratual circunscrita aos factos que foram alegados, constata-se que, numa miscelânea que integra simultaneamente factos imputados ao STA e outros ao Trib. Constitucional, o A. praticamente se limitou a alegar:

- o que consta do art. 33º (foi considerado – também pelo Trib. Constitucional - que não tinha sido cometida qualquer ilegalidade nem violava o art. 32º da CRP o que foi decidido acerca do art. 203º do EMP que manda notificar o relatório com a notificação da decisão final);

- essa questão não teria sido apreciada, também pelo Trib. Constitucional, “no confronto com os princípios do contraditório e do processo equitativo, com expressão nos arts. 6º, § 1 da CEDH, 2, 14º nº 1, ambos do PIDCP e 47º, nº 2, da CDFUE” (art. 34º);

-  se os tribunais (incluindo o Trib. Constitucional) tivessem aplicado as citadas normas convencionais, teriam deixado de aplicar a norma estatutária formalizada no art. 203º do EMP;

- do que derivaria a anulação do ato punitivo, seguindo-se a reconstituição da situação que existiria se a sanção não tivesse sido aplicada (art. 35º).

Depois, a partir dos arts. 77º e ss. O A. alegou que:

- suscitou no âmbito do processo que estava pendente no Trib. Constitucional a questão da prescrição do procedimento disciplinar e solicitou que os autos fossem remetidos, de imediato e a título devolutivo, ao STA, para apreciação da questão suscitada (art. 77º);

-  o que não teria sido objeto de apreciação nos 7 meses seguintes (art. 88º), dando origem a novo requerimento de insistência (art. 89º), que precedeu um despacho de mero expediente, declarativo e informativo, mandando dar conhecimento ao A. de que “o pedido será oportunamente apreciado, dado que os autos se encontram no Trib. Constitucional, onde foram produzidas alegações …” (art. 90º);

- mas, afinal, surpreendentemente e contra todas as legítimas, fundadas e consolidadas expectativas, o recurso foi decidido … sem que a questão da prescrição fosse apreciada (art. 93º);

- sendo depois indeferida a nulidade do acórdão que foi suscitada (art. 95º), deste modo tendo sido cometido um ato de autêntica denegação de justiça e violados os princípios do processo equitativo e da proteção da confiança … (art. 98º).

Seguramente que os factos enunciados não preenchem os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional regulada pelo art. 13º, nº 1, do Regime Jurídico aprovado pela Lei nº 67/07, de 31-12, que abarca “decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto”.

Ainda que as insuficiências de alegação não tenham determinado a declaração de ineptidão da petição inicial, o certo é que, mesmo que viessem a provar-se todos os factos essenciais, complementares ou instrumentais alegados pelo A., não seriam suficientes para preencher os rigorosos pressupostos de uma responsabilidade civil por atos jurisdicionais que é assacada a uma atuação do Trib. Constitucional.

Afinal, como decorre da jurisprudência corrente designadamente da emanada deste Supremo Tribunal de Justiça e que emerge, por exemplo, do Ac. de 23-10-14, 1668/12, www.dgsi.pt, “o erro de direito, para fundamentar a obrigação de indemnizar, terá de ser «escandaloso, crasso, supino, procedente de culpa grave do errante», sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma atuação dolosa ou gravemente negligente é suscetível de ser qualificada como inquinada de «erro grosseiro»”.

Também assim se decidiu no Ac. do STJ, de 15-12-11, 364/08.0TCGMR.G1.S1, em cujo sumário se refere que “o erro de direito, para fundamentar a obrigação de indemnizar, terá de ser «escandaloso, crasso, supino, procedente de culpa grave do errante», sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma atuação dolosa ou gravemente negligente é suscetível de ser qualificada como inquinada de «erro grosseiro»”.

Ora, verificando-se que a pretensão que, porventura, ainda se considere que possa remanescer do que já foi definitivamente decidido na ordem dos tribunais administrativos é manifestamente improcedente, nos precisos termos em que tal já foi considerado pelo Pleno do STA, existe um fator adicional que implica que deva cortar-se cerce a possibilidade de o A. conseguir arrastar ainda mais este processo, percorrendo agora a via sacra dos tribunais judiciais com a instrumentalização de todos os meios ou expedientes processuais.

Por conseguinte, recusando, também por esta via adicional, o prosseguimento de uma ação que apenas formalmente foi reencaminhada para o tribunal judicial, ao abrigo do nº 2 do art. 14º do CPTA, sustentados no exercício dos poderes de gestão processual que estão previstos no art. 6º do CPC, alcança-se o objetivo de evitar os efeitos negativos de uma estratégia processual que, como parece manifesto pelos precedentes judiciais, visa simplesmente protelar o fim da ação declarativa, objetivo e que não pode ser consentido em geral e ainda mais quando o protagonista é magistrado do Min. Público que, ainda que jubilado, deve estar especialmente ciente da necessidade de se fazer um uso adequado dos instrumentos processuais, a bem de uma célere e eficaz Administração da Justiça, também na área cível.


IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo do A.

Notifique.

Lisboa, 16-12-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo