Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1755/15.3T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
OBJECTO DO CONTRATO DE SEGURO
Data do Acordão: 09/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2.ª ed., p. 111;
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 640.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2, ALÍNEA B) E 663.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 07S3789, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – Não integra a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC - excesso de pronúncia - mas eventual erro de julgamento, o facto da Relação, no âmbito da reapreciação da prova, ter julgado provada matéria de facto mais abrangente do que a impetrada pelo recorrente.

II - Em sede de reapreciação da prova e tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos meios de prova indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo fundamentar a decisão tomada (art. 607º, nºs 4 e 5 e 663º, nº 2, do CPC).


III - As razões aduzidas «aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto», não são factos a considerar para efeitos da decisão de direito, constituindo apenas os fundamentos que conduziram à alteração pela Relação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.

IV – O contrato de seguro é um contrato consensual, na medida em que a sua validade não depende de forma especial, mas também formal porquanto a seguradora está legalmente obrigada a formalizá-lo por escrito - a apólice-, por si assinada.


V - Constando da proposta de seguro como atividade e risco a segurar “FABRICAÇÃO DE MOBILIÁRIO COZINHA”, “CAE 3613” e no item 7 “OBSERVAÇÕES” “Obs: Fabricação e Montagem de Mobiliário”, não está coberto pelo seguro o acidente ocorrido quando o trabalhador se encontrava em cima da cobertura, a cerca de 3,5/4 metros do solo, a receber placas do tipo “sanduiche” para serem colocadas no telhado do anexo de um cliente, e se desequilibrou e caiu ao solo.


Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra “BB, LDA.” e “CC S.A.”, pedindo que a ação seja jugada procedente e em consequência:

a) Seja declarado que o acidente por si sofrido configura um acidente de trabalho;

b) Sejam as Rés condenadas solidariamente a pagar-lhe todas as despesas hospitalares, medicamentosas e outras, decorrentes do acidente de trabalho, no valor total de € 21.815,00;

c) as Rés condenadas solidariamente a pagar-lhe o seu vencimento durante o período de I.T.A., no montante global de € 7.097,49 (sete mil, noventa e sete euros com quarenta e nove cêntimos);

d) as Rés condenadas solidariamente a pagar-lhe uma pensão legal, anual e vitalícia no valor de € 8.910,00, devida desde o dia seguinte ao da alta, ou seja, 30.04.2016, no valor correspondente à desvalorização que vier a ser fixada por junta médica e de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, remível nos termos da lei; e

e) as Rés condenadas solidariamente a pagar-lhe subsídio por elevada incapacidade permanente, nos termos do artº 67º nº 4, da LAT.

f) as Rés serem solidariamente obrigadas a pagar-lhe as seguintes quantias a título de indemnização:

a) € 10.000,00 de danos morais pela circunstância do mesmo se ver numa cadeira de rodas para o resto da sua vida, dependente de uma terceira pessoa;

b) € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos morais pela perda da função sexual;

c) € 77.000,00 (setenta e sete mil euros) de danos materiais pela necessidade do auxílio de terceira pessoa;

d) € 57.600,00 por danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

e) € 33.600,00 por danos materiais pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, depois evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele;

Para tanto, alegou que foi vítima de um acidente de trabalho no dia 13.06.2015, em ..., freguesia de ..., concelho de .... Na ocasião trabalhava para a 1ª Ré com a categoria profissional de ... de 1ª, auferindo a retribuição anual líquida de € 8.910,00.

À data do acidente a entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais transferida para a Ré seguradora pelo referido montante.

O acidente ocorreu quando se encontrava numa obra que estava a ser executada pela 1ª Ré, em cima da cobertura, a cerca de 3,5/4 metros do solo, a receber placas do tipo “sanduiche” para serem colocadas no telhado, e se desequilibrou e caiu ao solo.

Inexistia qualquer tipo de proteção coletiva impeditiva ou minimizadora dos efeitos de queda em altura, nomeadamente guarda-corpos, quer na cobertura, quer no andaime, sendo que também não lhe foi facultado qualquer arnês, nem foram dadas instruções para utilizar qualquer dispositivo individual impeditivo ou minimizador dos efeitos de queda em altura, para além de que, em data anterior ao acidente, nem ele, nem os restantes trabalhadores da empresa, tiveram formação profissional adequada aos trabalhos a realizar, quer no referente à substituição de coberturas, quer no que se refere a trabalhos em altura.

Como consequência do acidente sofreu fraturas múltiplas, nomeadamente na coluna, costelas, omoplata, perfuração no pulmão e lesão na face, tendo ficado paraplégico. Por causa destas lesões, teve ainda de suportar várias despesas com deslocações, bem como despesas médicas e medicamentosas e ainda com a adaptação da sua casa, cujo pagamento reclama. Perdeu completamente a sua função sexual, o controlo do esfíncter e da contração do reto anal e o controlo do esfíncter uretral, necessitando de tomar medicação e de usar fraldas para o resto da vida, necessitando ainda de usar produtos de higiene específicos. Está dependente sempre de uma terceira pessoa para se vestir, fazer a sua higiene diária, assegurar a sua alimentação e para a generalidade das suas atividades diárias, nomeadamente para acesso a locais públicos.

Ainda por causa das referidas lesões, sente-se muito angustiado e tem também momentos de grande depressão, desgosto e desespero, tendo em grande parte perdido o ânimo de viver e de lutar, chorando amiúde, muitas vezes quando está sozinho, pois sente que todo o seu futuro ruiu.

Citada, a Ré BB apresentou contestação, alegando não aceitar qualquer responsabilidade infortunística e, por conseguinte, pagar ao sinistrado quaisquer das quantias reclamadas, porquanto o acidente de trabalho no qual foi vítima o A. não ocorreu com violação de qualquer regra de segurança que estivesse legalmente obrigada a observar naquelas concretas circunstâncias e, além disso, tinha transferida para a CC S.A. a responsabilidade civil por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado em função da totalidade da retribuição auferida, concretamente € 550,00 x 14 meses, a título de retribuição base e € 110,00 x 11 meses a título de subsídio de alimentação.

Citada, a Ré CC S.A. contestou, alegando, para além do mais, não aceitar qualquer responsabilidade infortunística e, por conseguinte, pagar ao sinistrado quaisquer das quantias ora reclamadas, porquanto as tarefas desempenhadas pelo sinistrado no momento do acidente não se encontravam garantidas pela apólice de seguro vigente.

Citado, o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP, apresentou pedido de reembolso, alegando que pagou ao sinistrado, na qualidade de seu beneficiário, a título de subsídio de doença, o montante de € 5.839,57.

No saneador foi julga verificada a exceção de ilegitimidade passiva da ré “CC, S.A.” e a mesma absolvida da instância, quanto aos pedidos de condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Assim sendo, e tendo em conta os considerandos tecidos, decide-se julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, decide-se:

1. Absolver a ré seguradora dos pedidos formulados.

A - Julgar o autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 100%, com IPATH para a profissão de ... de 1ª, a partir do dia 30.04.2016.

B - Fixar a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado no montante de € 8.910,00€, a suportar pela entidade empregadora. Tal pensão será a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. A mesma será acrescida de Subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro;

C – Fixar a indemnização por incapacidade temporárias no montante de 7.202,25€ euros, a pagar pela ré entidade empregadora;

D – Fixar o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5.400€, a pagar pela ré entidade empregadora;

E – Fixar o subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68€, a pagar pela ré entidade empregadora;

F – Fixar a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200€ mensais, a pagar pela ré entidade empregadora, nos termos acima referidos;

G – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 830,60 € pedida a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações;

H – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 43.200 € pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

I – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.200 € pedida a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, depois evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele;

J – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 10.780,88€ pedida a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsidio atribuído em E));

K – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.000 € pedida a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;

L - Condenar a ré entidade empregadora no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

M - São devidos juros sobre as quantias referidas em B), C), F), G), J) e K), à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.

Custas a cargo da ré entidade empregadora.»

Inconformada, a Ré BB apelou, arguiu a nulidade da sentença, impugnou, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto, tendo o A. recorrido subordinadamente, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Termos em que, na parcial procedência da apelação se decide:

1) Não admitir o recurso subordinado interposto pelo autor sinistrado.

2) Condenar solidariamente a ré CC SA, e a ré BB Lda, a pagar ao autor sinistrado AA:

a) a pensão anual e vitalícia no montante de € 8.910,00 €, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre BB Lda pela pensão normal  nos termos do nº 3 do artº 18 da LAT, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro;

b) a indemnização por incapacidade temporárias no montante de 7.202,25 €, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB Lda pela indemnização normal  nos termos do nº 3 do artº 18 da LAT.

3) Condenar a ré CC a pagar ao autor:

a) um subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5.400€, ;

b) um subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68€,

F) uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200€ mensais;

G) a quantia de 830,60 € a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações;

H) a quantia de 43.200 € pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

I) a quantia de 25.200 € a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções dos órgãos excretores, para depois evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele;

J) a quantia de 10.780,88€ a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsídio atribuído em b));

L) no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

3) Condenar a ré BB Lda a pagar ao autor sinistrado:

a) a quantia de 25.000 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

Custas no recurso subordinado a cargo do autor.

Custas no recurso independente a cargo das rés CC, SA e BB, Lda na proporção da sucumbência.»

Desta deliberação recorre a R. CC, SA de revista para este Supremo Tribunal impetrando a revogação do acórdão e arguindo também a nulidade do mesmo por excesso de pronúncia.

Apenas o A. contra-alegou.

O Tribunal da Relação deliberou julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da invocada nulidade e na concessão parcial da revista “revogando-se o acórdão no segmento que condenou a seguradora solidariamente com a ré/empregadora, no pagamento do valor agravado, quer da pensão quer da indemnização pela ITA, antes devendo a seguradora ser condenada no pagamento das prestações devidas caso não ocorresse responsabilidade agravada, devendo, no demais, ser confirmado aquele aresto”.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, concedendo parcial procedência à apelação, decidiu:

a. Não admitir o recurso subordinado interposto pelo autor sinistrado

b. Condenar solidariamente a ré “CC, S.A.”, e a ré “BB, LDA” a pagar ao autor sinistrado AA:

i. A pensão anual e vitalícia no montante de € 8910,00, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, LDA pela pensão normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro

ii. A indemnização por incapacidades temporárias no montante de € 7.202,25, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, LDA pela indemnização normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT

c. Condenar a ré CC a pagar ao autor:

i. Um subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5.400,00

ii. Um subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68

iii. Uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais

iv. A quantia de € 830,60 a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações

v. A quantia de € 43.200,00 pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da utilização de fraldas e resguardos

vi. A quantia de € 25.200,00 a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções nos órgãos excretores, para depois evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele

vii. A quantia de € 10.780,88 a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsidio atribuído em b)

viii. No reembolso ao Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta

d. Condenar a Ré BB, LDA a pagar ao autor sinistrado:

i. A quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor

2) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não pode a Seguradora Recorrente conformar-se com tal decisão, por entender que a mesma, para além de estar inquinada de nulidade3, enferma de errada subsunção jurídica dos factos, padecendo igualmente de erro na aplicação do direito.

3) Na verdade, e tal como se demonstrará infra, andou mal o douto acórdão recorrido ao revogar a não menos douta decisão proferida na 1ª instância, e no que diz respeito à decisão de absolvição da Seguradora recorrente, a qual se impõe aqui repristinar já que, como ali se considerou o acidente de trabalho em apreço nos autos não está coberto pelo contrato de seguro.

4) Sendo que, ainda que assim não seja doutamente entendido, o que por mero dever de patrocínio se cogita, sempre se dirá que o douto acórdão ora recorrido andou mal ao contemplar a condenação da Seguradora Ré, a título solidário com a Ré Entidade Empregadora pelo valor da pensão anual vitalícia decorrente da responsabilidade agravada e pelo valor da indemnização por incapacidades temporárias também decorrente da responsabilidade agravada, porquanto, face ao disposto no art.º 79.º n.º 3 da LAT, e sem prejuízo do direito de regresso, a seguradora apenas satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse lugar a actuação culposa da Entidade empregadora.

5) Sendo que, de igual modo, incorreu o douto acórdão aqui posto em crise em violação desse mesmo preceito legal – art. 79.º n.º 3 da LAT – ao condenar apenas a R. CC, e não também a BB e sem acautelar o direito de regresso da Seguradora no que diz respeito às prestações vertidas nas várias alíneas do ponto 3) da parte decisória.

6) Assim, nos termos que infra se aduzirão, impõe-se a revogação do douto acórdão recorrido, repristinando-se a decisão proferida na 1ª instância, por se afigurar que esta se mostra justa e adequada, comportando uma correcta subsunção dos factos e aplicação das disposições legais aplicáveis ao caso concreto.

NULIDADE DO DOUTO ACÓRDÃO – ART. 615º N.º 1 AL D) DO CÓD. PROC. CIVIL

7) Inconformada com a decisão proferida em 1ª instância, a Ré Entidade patronal interpôs recurso, alegando, em suma e para o que aqui interessa, nas suas doutas conclusões que:

a. Os pontos da matéria de facto não provada 119, 121, 123 e 126 foram incorrectamente julgados (Conclusão 7º)

b. Deveria o Tribunal dar como provado os pontos 119, 121 e 126 da matéria de facto dada como não provada constante da Base Instrutória, porquanto as testemunhas, os documentos juntos, e a proposta não datada nem sequer redigida pela recorrente, mas sim pela empregada de balcão, onde consta uma observação que alarga o objecto da actividade a que se dedica a recorrente, levam à necessária conclusão que estava assegurado o risco relativo à tarefa levada a cabo pelo Autor (Conclusão 21º)

8) Recorde-se, antes de mais, o teor dos artigos 121 e 126 da base instrutória – não se aflorando aqui o teor do art.º 119, dado não se colocar aqui em causa o doutamente decidido no acórdão quanto ao mesmo:

121 - “Dessa proposta o que foi negociado, foi assegurar o risco relativo à sua actividade principal”

126 – “A Ré negociou com o Agente de seguros a transferência pela remuneração declarada, que corresponde à remuneração real, e a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial: carpintaria para construção”.

9) Tal como emerge literalmente do teor das doutas conclusões de recurso de apelação, a R. BB impugnou a decisão proferida na 1ª instância quanto à matéria de facto, pugnando pela inclusão nos factos provados, dos factos vertidos nas supra citadas alíneas 121 e 126 da douta base instrutória, sem qualquer restrição ou alteração quanto à sua redacção.

10) Contudo, o Venerando Tribunal “a quo”, numa verdadeira extrapolação do seu poder de reapreciação da matéria de facto, acabou por ir mais além do que o que lhe havia sido suscitado pela então recorrente entidade empregadora e acaba mesmo por fazer constar do elenco dos factos provados, uma redacção totalmente alterada das citadas alíneas, em termos que não só não haviam sido vertidos pela R. entidade patronal na sua alegação e conclusões de apelação, mas que, nem sequer haviam sido pela mesma alegados nos autos.

11) Com efeito, decidiu-se no acórdão recorrido, aditar à matéria de facto provada os pontos 121 e 126 da douta base instrutória, mas com a seguinte redacção:

“121. Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua actividade principal.

126. Era vontade da ré a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial

12) Entende, assim, a Seguradora Recorrente, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, que o Venerando Tribunal a quo “deu um salto maior que as pernas” e acabou por dar por provados factos que a própria R. nem sequer alegou.

13) O que constitui, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, uma verdadeira “decisão surpresa”, bem como uma decisão inquinada de nulidade por excesso de pronúncia (cfr. art.º 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil).

14) O objecto do recurso é definido e delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (Cfr. art.os 635º, 639º e 640º do Cód. Proc. Civil).

15) Salvo as matérias de conhecimento oficioso, e sem nunca se olvidar que em sede de responsabilidade infortunístico-laboral pode haver lugar à condenação extra vel ultra petitum, está vedado ao tribunal ad quem conhecer de questões que, não tenham sido objecto da decisão impugnada e não tenham sido igualmente levantadas em sede do recurso interposto.

16) Ao fazê-lo, incorre em nulidade por excesso de pronúncia. (Cfr. art.º 615º n.º 1 als. d) e e) do Cód. Proc. Civil).

17) De igual modo, e face ao disposto no art.º 72º n.º 1 do Cód. Proc. Trabalho, “Se no decurso a produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.

18) Adicionalmente, e face ao disposto no art.º 72º n.º 4 do Cód. Proc. Trabalho, “findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa”.

19) Entende a Seguradora ora recorrente que, mesmo sendo lícito ao Tribunal conhecer de factos com esta amplitude de poder de cognição, certo é que no caso concreto, a alteração da decisão de facto levada a efeito quanto aos factos vertidos nos pontos 121 e 126 da base instrutória, não foi nos termos pedidos pela então recorrente, nem o foi em termos restritivos.

20) Ao invés, constituiu uma substancial alteração de tal facticidade, de modo de tal forma relevante, que acabou por redundar na alteração da decisão de mérito.

21) E tratou-se de uma alteração da decisão de facto que levou a efeito uma inclusão nos factos provados de factos que não foram sequer alegados pela R. entidade empregadora, sem que sequer tivesse sido concedida à Seguradora ora recorrente, oportunidade de sobre os mesmos se pronunciar.

22) O que não pode deixar de ser visto como violação do principio do contraditório, bem como do disposto no art.º 72º n.º 2 in fine, do Cód. Proc. Trabalho.

23) Em face do que foi alegado pela R. entidade patronal nos articulados, e da forma como a mesma balizou o âmbito da sua alegação de recurso, o douto acórdão ora posto em crise, ao entender aditar à matéria de facto provada, matéria que não foi alegada pelas partes e que nem sequer foi abordada no recurso, não está a coberto dos poderes oficiosos de cognição e constitui verdadeiro excesso de pronúncia.

24) Nunca olvidando de que no âmbito do processo de trabalho, o princípio do inquisitório prevalece em larga escala sobre o princípio do dispositivo, sempre haverá que ter em consideração que, também aqui, haverá que impor-se certos limites.

25) Quais sejam o princípio do dispositivo, ónus da alegação e, já em sede recursiva, o ónus de alegar e formular conclusões, e, sobretudo, o princípio do contraditório.

26) Assim, e como corolário do princípio do inquisitório, o art.º 27º do Cód. Proc. Trabalho estabelece a possibilidade do tribunal, até à audiência de discussão e julgamento, convidar as partes a completar e corrigir os articulados quando, no decurso do processo, reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar á decisão da causa.

27) Dado que o tribunal na 1ª instância não fez uso desse poder-dever, as partes, caso o entendessem, sempre poderiam levantar tal questão em sede de recurso.

28) Certo é que não o fizeram.

29) E nessa medida, sempre com o máximo respeito, é vedado ao tribunal ad quem, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de forma diversa e mais ampla daquela que lhe foi pedida pelo recorrente e, sobretudo, inserindo factos – tais como a alusão à “vontade” da R. - que nunca foram alegados, não só no âmbito do recurso, mas também durante todo o processo.

30) Por esse motivo, o douto acórdão proferido encontra-se inquinado da nulidade prevista no art.º 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, e vi art.º 666º n.º 1.

31) E a tal nulidade não obsta o facto de no âmbito do processo de trabalho existir a possibilidade da condenação extra vel ultra petitum, pois nos presentes autos não se verifica nenhum dos pressupostos contidos no art.º 74º do Cód. Proc. Trabalho e já se está no âmbito do recurso.

32) O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos e legais consequências, designadamente para revogação do douto acórdão recorrido, e no que diz respeito à decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte em que determinou o aditamento ao elenco dos factos provados dos pontos 121º e 126º.

SEM PRESCINDIR:

33) Ainda que assim não seja doutamente entendido, e se considere que não se está aqui diante de um vício cominado com a invocada nulidade por excesso de pronúncia, sempre se dirá que, pelos mesmos motivos supra elencados então, que o Mmo. Tribunal da Relação extrapolou os seus poderes de cognição, incorrendo em violação do disposto no art.º 608º n.º 2 e 662º do Cód. Proc. Civil, e ainda do disposto nos art.os 27º e 72º n.º 2 do Cód. Proc. Trabalho.

34) Pelo que se impõe considerar que a alteração levada a cabo sobre a decisão proferida quanto à matéria de facto, e que redundou no aditamento dos factos vertidos nos artigos 121º e 126º da douta base instrutória ao elenco dos factos provados, incorreu em manifesta violação da lei de processo.

35) Sendo, por tal motivo, sindicável por este SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

36) Assim, de igual sorte, se impõe a revogação do douto acórdão recorrido, e no que diz respeito à decisão proferida quanto aos factos inseridos no elenco dos factos provados, e referentes aos artigos 121º e 126º da douta base instrutória, com a redacção que lhes foi conferida no acórdão.

37) Sendo que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não figurando tais factos do elenco dos factos provados, urge alterar a decisão de mérito, repristinando-se aqui a decisão proferida na 1ª instância, no sentido da absolvição da Seguradora R..

38) O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.

DO ÂMBITO DE COBERTURA DO CONTRATO DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO

39) Outro dos segmentos da discordância da Seguradora recorrente no que diz respeito ao acórdão recorrido corresponde à parte decisória que incidiu sobre o âmbito de cobertura do contrato de seguro e acabou por considerar, ao contrário do que havia sido decidido na 1ª instância, que a Seguradora recorrente deve satisfazer o pagamento das prestações devidas por virtude do acidente.

40) E isto, independentemente do supra vertido quanto à decisão da matéria de facto, porquanto se entende que mesmo a dar-se como provados os factos nos termos fixados pelo Venerando Tribunal da Relação, os mesmos não justificam, nem sustentam a decisão proferida quanto à questão do âmbito de cobertura do contrato de seguro de acidentes de trabalho.

41) Com efeito, recordando aqui o teor da decisão proferida na 1ª instância, a Seguradora Recorrente está em crer que ali se entendeu que o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a aqui recorrente Seguradora e a recorrida Entidade Empregadora não abrangia, enquanto risco a segurar, a actividade que efectivamente era exercida pelo sinistrado no momento do evento danoso e, por via disso, decidiu no sentido de que o acidente de trabalho dos autos não estava coberto por tal contrato de seguro.

42) A douta decisão proferida na 1ª instância mostrava-se perfeitamente ajustada à realidade que se logrou provar, quer quanto à concreta tarefa que o sinistrado exercia aquando do infortúnio dos autos, quer quanto à efectiva actividade a que, a título principal, a recorrida entidade empregadora efectivamente exercia e, sobretudo, quanto à solução jurídica conferida ao processo no sentido de se julgar o evento não coberto pelo contrato de seguro.

43) Por outro lado, andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao ter julgado diversamente esta questão, sendo que, sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, dos factos provados, e mesmo com a introdução da factualidade vertida nos pontos 121 e 126 aditados aos factos provados, não é de todo lícito retirar-se o juízo contido no douto acórdão recorrido no sentido de que foi por facto alheio ao tomador/entidade empregadora, e imputável ao mediador, que ficou a constar da proposta de seguro uma actividade mais restrita do que aquela que se veio a provar ser exercida.

44) No contrato de seguro, e ao contrário do que sucede no âmbito da generalidade dos negócios jurídicos, o segurador funda toda a sua prestação nas declarações do tomador do seguro, nelas devendo ter toda a sua confiança, porque presumindo-se que as mesmas são apostas de boa fé.

45) Nessa medida, incumbe ao tomador do seguro declarar o risco, quer ao tempo da celebração do contrato, quer durante a sua vigência, o que dimana desde logo do disposto nos art.os 24º e 91º do RJCS.

46) No caso sub judice, é inegável que na proposta de seguro e na apólice a que aquela deu origem, figura como actividade a segurar para efeitos de riscos infortunístico-laborais, a “fabricação de mobiliário de cozinha”.

47) Admite-se igualmente, face aos factos julgados provados, que o objecto social da recorrida BB é mais abrangente que “fabricação e montagem de mobiliário de cozinha”.

48) Mas, ao contrário do que se aduz no douto acórdão recorrido, para efeitos de cobertura do contrato de seguro, o que releva é aquilo que figura na apólice.

49) Verifica-se que a Seguradora recorrente fez fé nas declarações contidas na proposta de seguro, devidamente assinada pelo legal representante da recorrente e, com base no teor das mesmas, aceitou celebrar o contrato de seguro de acidentes de trabalho, cobrindo o risco inerente à actividade de “fabricação de mobiliário de cozinha”, risco esse que ficou a constar do texto da apólice.

50) Sempre com o máximo respeito, não se concorda com a asserção aduzida no douto acórdão no sentido de que a colocação de painéis sandwich num telhado a cerca de 3,5/4 metros de altura, ainda que não se possa incluir na actividade principal da BB, corresponde a trabalhos acessórios daquela actividade principal.

51) Em face dos factos provados, a actividade principal da Recorrida BB corresponde a “Fabricação de Obras de carpintaria para construção”, sendo certo que a colocação de coberturas, nomeadamente a colocação de painéis sandwich num telhado, não fará parte, dessa actividade principal, ou sequer de trabalhos acessórios daquela.

52) Mas ainda que assim não seja, certo é que a actividade segura não era, nem de perto, nem de longe, “carpintaria para construção”, mas sim, como se viu supra, “fabricação de mobiliário de cozinha”.

53) Ora, esta actividade de carpintaria para construção, desde logo porque implica a realização de trabalhos em altura, apresenta riscos bem diversos e bem mais gravosos do que a actividade de fabrico de mobiliário, seja este de cozinha ou outro.

54) Fazendo a Seguradora recorrida fé no teor - aliás bem claro – da proposta de seguro, e que veio depois a constar da apólice, outra não pode ser a conclusão que não a de que a actividade segura - porque foi aquilo que a ré empregadora declarou aquando da celebração do contrato de seguro – era a fabricação de mobiliário de cozinha.

55) E foi quanto a esta actividade – e somente quanto a esta – que se aceitou assumir o risco ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho que está, em consequência, com o seu âmbito de aplicação limitado a tal actividade, não se inserindo na mesma a montagem de coberturas, nomeadamente através da aplicação, em telhados, de painéis sandwich.

56) Sempre se diga a este respeito que não se pode jamais concordar com o vertido no douto acórdão recorrido quando se aduz que o mediador através do qual foi celebrado o contrato de seguro conhecia perfeitamente a actividade a que a recorrida se dedicava e que essa actividade não ficou a constar da proposta de seguro por facto inteiramente alheio ou não imputável à tomadora.

57) Coligida a factualidade que resultou provada, temos por certo que nenhum facto existe do qual se possa retirar esta conclusão.

58) Na verdade, dos factos provados, nada consta quanto à circunstância de o se ter feito constar da proposta de seguro a actividade segura como “fabricação de mobiliário de cozinha” decorrer de erro, e muito menos de erro do mediador.

59) Sendo certo que o facto da BB não ter preenchido a proposta, não pode jamais ser tido como justificação para que tal discrepância possa deixar de lhe ser imputável, sobretudo quanto a mesma foi assinada pelo respectivo representante legal.

60) A diligência normal expectável para um empresário, não se compadece com a desculpabilização do mesmo, no sentido de vir invocar o desconhecimento do teor de uma proposta de seguro que não preencheu mas que assinou.

61) Se assinou, era-lhe imposto, de acordo com o nível de diligência exigível a um qualquer cidadão colocado na sua concreta situação, que verificasse se os danos vertidos na proposta estavam ou não correctos.

62) Se o não fez, “sibi imputet”.

63) Pelo que a haver tal discrepância, e mesmo mediante os factos provados com a redacção que lhes foi conferida pelo Tribunal da Relação, não é de todo possível concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que o facto da actividade a que a ré empregadora efectivamente se dedicava não ter ficado a constar da proposta de seguro e, subsequentemente, da apólice, não lhe é imputável.

64) Por outro lado, não pode a Seguradora Recorrente igualmente acatar o entendimento vertido no douto acórdão recorrido no que diz respeito à inoponibilidade da falta de inclusão da garantia do contrato de seguro ao sinistrado.

65) Com efeito, aduziu-se no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/03/2008, proferido no âmbito do Processo 07S3789, disponível em www.dgsi.pt:

Ao pretender efectuar um contrato de seguro, é o segurado quem, conhecedor do objecto do contrato eu pretende celebrar, declara aquele objecto e os riscos que pretende cobrir com o seguro e as condições determinantes para a sua avaliação, sendo que tais declarações deverão ser conscienciosas e completas, por forma a permitir fixar com suficiente amplitude e rigor o tipo de risco que está em causa. (…)

(…) Em qualquer circunstância, o âmbito da cobertura – pessoal e de riscos – afere-se pela sua inclusão no texto contratual e jamais por exclusão.

De resto, não é líquido que o contrato de seguro de acidentes de trabalho constitua um benefício a favor do sinistrado e que, nessa medida, se configure como um contrato a favor de terceiro: é que os interesses do sinistrado estão sempre assegurados, antes de mais pelo seu próprio empregador e, para o caso da sua não solvabilidade, pelo Fundo de Garantia e Actualização de Pensões.

A entender-se que a mera aceitação da proposta de seguro investiria a Seguradora, desde logo e sem mais, na obrigação de reparar o evento infortunístico, qualquer que ele fosse, que envolvesse todo e qualquer trabalhador seu segurado, estaríamos perante um irrecusável convite à fraude, na justa medida em que o empregador, ainda que sujeito a uma acção de regresso, seria tentado a pagar um prémio mais baixo sem ver diminuído o âmbito – pessoal ou de risco – da cobertura contratada.

66) Igualmente nessa ordem de raciocínio, atente-se no sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/02/2006, Processo n.º 0513672, disponível em www.dgsi.pt,

I – Para que a responsabilidade de determinado acidente de trabalho possa estar coberta por contrato de seguro é necessário que as tarefas desempenhadas pelo sinistrado se enquadrem na actividade económica exercida e declarada pela entidade patronal ao celebrar o contrato de seguro

67) Revertendo, ao caso dos autos e corroborando inteiramente o juízo supra vertido nos Acórdãos citados, urge apenas pugnar pela revogação do douto acórdão recorrido e pela manutenção da douta sentença proferida na 1ª instância, no sentido de que o infortúnio dos autos não está coberto pelo concreto contrato de seguro celebrado entre a R. empregadora e a Seguradora recorrida pois, como vimos, a actividade declarada na proposta de seguro e segura é diversa da actividade que, a título principal era exercida pela recorrente e pelo sinistrado, e daquela que o mesmo executava no momento do infeliz evento dos autos.

68) Para efeitos de cobertura do contrato de seguro impõe-se não apenas que as tarefas concretas levadas a efeito pelo sinistrado aquando do acidente se incluam no âmbito da actividade exercida pela sua entidade empregadora/tomadora do seguro, mas também, e cumulativamente, que a mesma corresponda e se insira na actividade declarada e vertida na proposta de seguro que é, pois, a actividade segura.

69) A não ser assim, e como se menciona no douto acórdão do STJ supra citado, estariam criadas as condições para que fossem declaradas, na proposta de seguro actividades que, face aos riscos comportados, implicariam o pagamento de prémios muito mais baixos, assim se beneficiando o tomador/entidade empregadora, que depois saberia à partida que independentemente de exercer ou não uma actividade que comportasse riscos mais gravosos, teria sempre a sua responsabilidade validamente transferida para a seguradora.

70) Seria, pois, criar aqui um injusto e até fraudulento benefício para a entidade empregadora.

71) Fim esse que a lei não pode jamais admitir e, portanto, não se pode igualmente admitir a interpretação contida no douto acórdão recorrido quanto a esta matéria, na medida em que dá azo a tais verdadeiramente ilegais situações.

72) Por outro lado, e ainda na esteira do douto acórdão do STJ supra citado, urge salientar que, ao contrário do que se verteu no douto acórdão aqui posto em crise, não se está aqui diante de qualquer exclusão decorrente de cláusula contratual vertida no contrato de seguro, mas sim uma verdadeira falta de cobertura do sinistro, face ao âmbito de abrangência contratado.

73) Motivo pelo qual, e sempre com o máximo respeito, não faz qualquer sentido chamar-se aqui à colação uma eventual excepção contratual do domínio exclusivo entre as partes contratantes.

74) Fará ainda aqui todo o sentido, analisar-se o entendimento doutrinal e jurisprudência que deu lugar ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2001, e citado no Douto Acórdão do STJ de 28/01/2016, Rel. Ana Luísa Geraldes, Processo 1403/10.8TTGMR.G1.S1 que, mutatis mutandis, poderá também servir de fundamento à ideia subjacente à aplicação no caso concreto da não cobertura do contrato de seguro, e tal como decorreu na decisão proferida na 1ª instância.

75) Decisão de onde se pode retirar que não poderá ter aqui aplicação, pois não foi isso que o legislador pretendeu, seja em situações como as que deram origem ao AUJ, seja em situações como a dos autos, que o facto de haver uma divergência entre a declaração da actividade a segurar na proposta de seguro e da cobertura vertida na apólice e a actividade exercida aquando do acidente, não possa ser oposta ao trabalhador sinistrado.

76) Sobretudo se se atentar, como se fez no douto acórdão do STJ de 05/03/2008, que os direitos do sinistrado estarão sempre salvaguardados, quer pela entidade empregadora, quer pelo FAT.

77) Nesta medida, e uma vez mais ao invés do que foi considerado no douto acórdão recorrido, para além de não resultar dos factos provados que a actividade ali declarada decorreu de facto inteiramente alheio ao tomador/R.BB e, por isso, a alteração à decisão de facto não importar a alteração da decisão de direito,

78) Verifica-se ainda que a discrepância entre a actividade declarada na proposta de seguro, e que foi depois segura, e aquela efectivamente exercida pela entidade empregadora e pelo sinistrado aquando ao acidente, redunda na não cobertura do sinistro pelo contrato de seguro, sendo que esta inexistência da responsabilidade da Seguradora é perfeitamente oponível ao sinistrado.

79) Ao consignar diverso entendimento, andou mal o Douto acórdão aqui sindicado, incorrendo o mesmo em manifesta violação do disposto no art.º 449º do Cód. Civil, entre outros.

80) Motivo pelo qual deverá ser revogado e substituído por outro que absolva a Seguradora recorrente, nos termos vertidos na decisão da 1ª instância.

AINDA SEM PRESCINDIR:

DAS SITUAÇÕES DE RESPONSABILIDADE AGRAVADA E DA APLICAÇÃO DO ART. 79º N.º 3 DA LAT

81) Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, e na eventualidade de se considerar que o contrato de seguro de acidentes de trabalho cobre o sinistro dos autos – o que por mero dever de patrocínio se concebe – ainda assim andou mal o Mmo. Tribunal “a quo”, porquanto da aplicação do disposto no art.º 79º n.º 3 da LAT jamais poderia decorrer a condenação da Seguradora recorrente nos termos vertidos nos pontos 2) e 3) da parte decisória do acórdão.

82) Recordando, temos que o douto acórdão recorrido, a final, contempla a seguinte decisão:

2) Condenar solidariamente a ré CC, S.A., e a ré “BB, Lda” a pagar ao autor sinistrado AA:

a. A pensão anual e vitalícia no montante de € 8.910,00, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, Lda pela pensão normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro

b. A indemnização por incapacidades temporárias no montante de € 7.202,25, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, Lda pela indemnização normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT

3) Condenar a ré CC a pagar ao autor:

a. Um subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5400,00

b. Um subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68

c. Uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais

d. A quantia de € 830,60 a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações

e. A quantia de € 43.200,00 pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da utilização de fraldas e resguardos

f. A quantia de € 25.200, a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções nos órgãos excretores, para depois evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele g. A quantia de € 10.780,88 a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsidio atribuído em b)

h. No reembolso ao Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta

83) Com efeito, salvo o devido respeito por diverso entendimento, em face do disposto no art.º 79º n.º 3 da LAT, jamais poderia a Seguradora recorrente ser condenada pelo valor da pensão e prestações decorrentes da responsabilidade agravada, tendo aqui andado mal o Mmo. Tribunal “a quo”.

84) Ora, entende a recorrente Seguradora que existe aqui um claro erro no douto acórdão recorrido, erro esse que poderá até configurar uma verdadeira incoerência entre a fundamentação da decisão e a parte decisória, mas que, sem dúvida, corresponde a errada aplicação do disposto no art. 79º n.º 3 da LAT.

85) No acórdão recorrido (pág 69 e 70) refere-se o seguinte:

Verificando-se, como se decidiu, ter o acidente ocorrido em consequência da inobservância por parte da empregadora de normas sobre segurança no trabalho, a seguradora deve satisfazer o pagamento das prestações (pensão e indemnização por ITA) que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (n.º 3 do art. 79º da LAT)

Caso não houvesse actuação culposa, considerando a IPP atribuída no exame médico a pensão normal ascende a € 5.962,70 e a agravada a € 8.353,00.

Acontece que na sentença recorrida, com trânsito em julgado nesta parte, foi atribuído o factor de bonificação 1,5,

Por isso a pensão agravada ascende, tal como se decidiu na sentença a € 8910,00, enquanto a pensão normal é no valor de € 6.237.

Quanto à ITA, o valor da indemnização agravada ascende a € 7202,25 (al. a) do n.º 4 do art. 18º da LAT, enquanto a indemnização não agravada resulta da aplicação do disposto na al. d) do n.º 3 do art. 48º da LAT”.

86) Porém, acabou por condenar a Seguradora recorrente no pagamento, a título solidário do valor da pensão anual e vitalícia sobre o valor de € 8.910,00, decorrente da responsabilidade agravada. (Cfr. ponto VI, 2) al a) da parte decisória).

87) Cometendo igual erro no que diz respeito à indemnização por IT ((Cfr. ponto VI, 2) al b) da parte decisória).

88) Decisão essa em clara violação do disposto no art.º 79º n.º 3 da LAT.

89) Ora, o caso sub judice é notoriamente uma situação em que há lugar à responsabilidade agravada, fruto da verificação de actuação culposa da entidade empregadora, na inobservância das regras de segurança causal do evento danoso.

90) Nessa medida, fruto do vertido no art.º 18º n.º 1 da LAT e do art.º 79º n.º 3 da LAT a responsabilidade da seguradora pelo ressarcimento dos danos decorrente de acidente de trabalho em caso de responsabilidade agravada, é limitada ao pagamento das prestações devidas caso não ocorresse responsabilidade agravada.

91) Pelo que, à luz do citado normativo legal, não pode a seguradora, no caso a aqui recorrente, ser condenada nos termos constantes do ponto a) do n.º 2 da parte decisória.

92) De igual modo, à luz dos citados preceitos legais, também se impunha uma condenação solidária da seguradora recorrente e da entidade patronal recorrida no que diz respeito a todas as prestações contidas no ponto 34 da parte decisória (alíneas a) , b), f), g), h), i), j), l), e não apenas da Seguradora, como ficou a constar do acórdão, sobre as quais, naturalmente também incidirá o direito de regresso da seguradora recorrente perante a entidade empregadora responsável, aqui recorrida.

93) Direito esse que não ficou devidamente salvaguardado na decisão recorrida, pese embora decorra textualmente da lei (Cfr. art.º 79º n.º 3 da LAT).

94) Assim sendo, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, temos que andou mal o douto acórdão recorrido, devendo, pois, ser revogado nos termos sobreditos e, em consequência,

2) Condenar solidariamente a ré CC, S.A., e a ré “BB, Lda” a pagar ao autor sinistrado AA:

a. A pensão anual e vitalícia no montante de € 6.237,00, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, Lda pela pensão normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro b. A indemnização por incapacidades temporárias no montante de € 5.041,57, sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, Lda pela indemnização normal nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT

3) Condenar solidariamente a ré CC e a BB a pagar ao autor, e sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB:

a. Um subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5400,00

b. Um subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68

c. Uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais

d. A quantia de € 830,60 a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações

e. A quantia de € 43.200,00 pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da utilização de fraldas e resguardos

f. A quantia de € 25.200, a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções nos órgãos excretores, para depois evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele

g. A quantia de € 10.780,88 a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsidio atribuído em b)

h. No reembolso ao Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta

4) Condenar a BB, a pagar ao autor sinistrado:

a. A quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais

b. A pensão anual e vitalícia de € 2.673,00, correspondente ao valor da diferença entre a pensão normal e a pensão agravada, nos termos do n.º 3 do art. 18º da LAT, a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida dos subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro

c. A quantia de € 2160,68, a título de indemnização por IT, e correspondente ao valor da diferença entre a indemnização normal e a indemnização decorrente da responsabilidade agravada.

95) Ao consignar diverso entendimento, andou mal o douto acórdão recorrido, incorrendo em violação do disposto nos art.º 18º e 79º n.º 3 da LAT, pelo que se impõe a sua revogação, e substituição por outro acórdão que decida nos termos supra referidos.

O A. recorrido concluiu da seguinte forma as suas contra-alegações:

I. Ao conhecer da factualidade em causa, o Tribunal a quo formou uma convicção diferente da formada pela 1º Instância, ou melhor, “interpretando a prova produzida de maneira diferente”, decidiu aditar à matéria provada os pontos 121 e 126 dos factos não provados, com a seguinte redação:

121. Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua atividade principal.

126. Era vontade da Ré a contratação de seguro correspondente à sua atividade comercial”.

II. Não tem razão a Recorrente quando alega que o Tribunal a quo acabou por ir mais além do que o que lhe havia sido suscitado pela recorrente entidade empregadora, dando por provados factos que a própria Entidade Empregadora não alegou, o que configura uma nulidade por excesso de pronúncia (artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil).

III. A nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, só se verifica quando existe pronuncia sobre uma questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos e isso não sucede no Douto Acórdão recorrido.

IV. Com especial relevância para contextualizar a questão na nulidade invocada, atente-se na seguinte alegação da Recorrente:

Ora, é substancialmente diferente alegar-se e pedir-se que seja dado como provado que (121) “dessa proposta o que foi negociado, foi assegurar o risco relativo à sua atividade principal” (126) “A Ré negociou com o Agente de seguros a transferência pela remuneração declarada, que corresponde *a remuneração real, e a contratação de seguro correspondente à sua atividade comercial; carpintaria para construção”. E, afinal, julgar-se provado que (121) Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua atividade principal e que (126) Era vontade da Ré a contratação de seguro correspondente à sua atividade comercial. Uma coisa é a negociação e a contratação do seguro, outra diversa é a vontade da ré aquando dessa negociação e contratação.

V. Se houve uma negociação e uma contratação de seguro, é evidente que pré-existiu uma vontade das partes e é evidente que o tomador pretende (tem essa vontade) que os riscos da atividade a que se dedica fiquem todos abrangidos pelo contrato, pois não quererá pagar um prémio sabendo, desde o início, que os riscos da sua atividade não se encontram cobertos.

VI. O Tribunal a quo na apreciação do recurso sobre matéria de facto, no momento de aditar tal factualidade à matéria de facto provada, socorreu-se da redação que mais fielmente reproduzia os factos concretos alegados nos autos.

VII. Não se trata de matéria nova, diferente ou mais ampla do que aquela que foi alegada e peticionada, mas sim da decisão de questões levantadas em sede do recurso pela Ré BB, Lda.

VIII. Dentro do poder de cognição de que dispunha o Tribunal a quo.

IX. A redação adotada pelo Tribunal “a quo” é o resultado lógico e perfeitamente condizente com a análise que faz à matéria em causa.

X. In casu, a matéria constante dos pontos 121 e 126 aditada à matéria de facto provada foi alegada pela BB, Lda na sua motivação de recurso, consta das conclusões daquela Recorrente e, portanto, não é verdade que se trate de “uma inclusão nos factos provados de factos que não foram sequer alegados pela R. entidade empregadora, sem que sequer tivesse sido concedida à Seguradora ora Recorrente, oportunidade de sobre os mesmo se pronunciar”, como refere a ora Recorrente.

XI. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, mas o Tribunal da Relação não estava limitado pela semântica utilizada por esse mesmo recorrente.

XII. Desde que se cinja ao conhecimento dos factos nos termos pedidos pelo Recorrente, em sede de recurso sobre matéria de facto pode o Tribunal dar aos mesmos a redação que melhor reflita a realidade retirada dos factos provados e melhor sirva a justiça do caso concreto. 

XIII. Não é verdade que a materialidade em causa “não foi alegada pelas partes e que nem sequer foi abordada no recurso”, uma vez que a Ré entidade empregadora alegou suficientemente sobre esta questão para que o Tribunal da Relação julgasse como julgou e com a redação que lhe conferiu, aditando os pontos 121 e 126 aos factos provados.

XIV. Tal matéria consta também das conclusões oportunamente formuladas pela entidade empregadora em sede de recurso de Apelação, concretamente nas Conclusões 7ª e 21ª:

XV.  Se as questões foram levantadas, quer na fase de articulados, ainda na 1ª Instância, quer em sede de recurso, o Tribunal da Relação tinha que delas conhecer e conheceu.

XVI. Também não colhe a argumentação da Recorrente contra a afirmação de que o seguro foi contratado para a atividade comercial da entidade patronal.

XVII.               A entidade empregadora alega, várias vezes e ao longo da sua motivação de seguro, que negociou a contratação do seguro para a sua atividade comercial, sempre tendo querido que o mesmo abrangesse todas as suas atividades.

XVIII. Não se vislumbra no Douto Aresto recorrido, nem em qualidade, nem em quantidade, qualquer excesso de pronúncia por parte do Tribunal “a quo”.

XIX. Não houve qualquer violação do princípio do contraditório, nem do disposto no artº 72º nº 2 in fine, do Código de Processo do Trabalho, porquanto a factualidade em causa foi alegada pela entidade empregadora, inicialmente na fase dos articulados, concretamente na sua contestação, e, por isso mesmo, incluída na Base instrutória, sendo certo que, nessa fase, teve a Recorrente oportunidade para responder à mesma e exercer o seu direito ao contraditório.

XX. E, posteriormente, em sede de recurso de Apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, veio a Ré entidade empregadora alegar e explanar igualmente esta factualidade, fazendo constar a mesma das suas conclusões, conferindo, assim, direito à CC para apresentar as suas contra-alegações.

XXI. Não deve merecer qualquer reparo ou censura a redação dada pelo Tribunal “a quo” aos pontos 121 e 126 da Base instrutória, aditados à matéria de facto provada.

XXII.                O Tribunal “a quo” limitou-se a apreciar uma questão que tinha o dever de conhecer.

XXIII. O Tribunal “a quo” conteve-se dentro dos limites traçados pelo nº 2 do artº 660º do Código de Processo Civil, pelo que não se verifica o alegado vício formal do Acórdão recorrido, consistente no excesso de pronúncia.

XXIV. Nos presentes autos foi dado como provado que a entidade patronal “BB, LDA.” tinha um seguro de acidentes de trabalho assinado com a companhia de seguros “CC - … S.A.”, resultando isso, concretamente, dos factos provados n.ºs 4.º, 13.º, 131.º e 136.º a 141.º.

XXV. E também foi dado como provado que a 1ª Ré tinha à data do acidente em causa o prémio saldado, concretamente em 142.º.

XXVI. Ademais, com especial relevância para a análise da questão da cobertura do contrato de seguro, está provada nos autos a seguinte factualidade:

“16 – A BB, Lda é uma sociedade comercial que se dedica principalmente ao fabrico de imobiliário e carpintaria, trabalhos genéricos afins, assim como a diversos outros trabalhos de índole geral, relacionados com estruturas, móveis e fixas;

33 – Os trabalhos genéricos de carpintaria implicam e sempre implicaram a realização de trabalhos em altura, em andaimes e plataformas;

128 - A º Ré é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de obras de carpintaria para construção.

129 – Esta atividade principal compreende a fabricação de artigos em madeira, principalmente destinadas à indústria da construção, como peças de carpintaria (caibros, cofragens, armações, vedações, barrotes, vigas de madeira etc), obras de carpintaria de limpos (portas, janelas, persianas, escadas em madeira, com ou sem ferragens, etc), caixilhos e lambris. Inclui a pré-fabricação de casas em madeira e suas partes.

130 – A que acrescem, como secundárias, as atividades de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas, estores e a colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais (inclui os resistentes ao fogo). Inclui trabalhos de carpintaria executados e destinados à sua aplicação na obra (fixação de cofragens em madeira, tetos falsos, divisórias, etc, bem como o comércio a retalho de carpetes, tapetes, cortinados, papel de parede e revestimentos similares para paredes e pavimentos.”

XXVII. Ao contrário do alegado pela Recorrente, da factualidade supra transcrita retira-se a conclusão que os trabalhos que o sinistrado se encontrava a executar na data do acidente faziam parte da atividade principal da entidade empregadora, ou, pelo menos, tais trabalhos eram acessórios daquela atividade principal, e, portanto, os riscos emergentes da atividade estavam cobertos pelas garantias emergentes do contrato de seguro.

XXVIII. Bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu alterar as respostas dadas pelo Tribunal de 1ª Instância relativamente aos quesitos n.ºs 121 e 126 da Base Instrutória, passando os mesmos a serem considerados factos provados, porquanto foi isso que resultou da prova produzida. 

XXIX. Da certidão permanente de fls. 34 consta que o objeto da Ré (constituída em 2017) é a atividade de carpintaria com CAE principal 16230-R3.

XXX.                Na proposta de contrato de seguro aparece um CAE diferente, proposta que foi preenchida pelo mediador, conhecendo este a atividade a que a recorrente se dedicava, sendo que da matéria dos pontos 131 e 138 da matéria de facto provada se pode extrair que a recorrente contactava única e exclusivamente com o mediador de seguros da ré seguradora, DD, no sentido da celebração dos contratos.

XXXI. É das regras da experiência que, na celebração de contratos de seguro, o tomador pretende que os riscos da atividade a que efetivamente se dedica fiquem abrangidos pelo contrato, pois não pretenderá o tomador pagar um prémio quando ab initio sabe que os riscos da sua atividade não se encontram cobertos, tornando-se o seguro uma perfeita inutilidade originadora apenas de mais encargos.

XXXII. E é com o mediador que o tomador interage e em que confia e é aquele o rosto da seguradora.

XXXIII. Resulta demonstrado que se estabeleceu uma longa relação de confiança e até de amizade entre o sócio gerente da ré, sendo por isso, mais que verosímil que a tomadora tivesse depositado inteira confiança no mediador que, conhecendo a atividade real da empresa, preencheu a proposta e a deu a assinar ao legal representante da tomadora.

XXXIV. Resulta evidente nos autos que o mediador de seguros conhecia perfeitamente a “BB, Lda”, desde a gerência, aos seus funcionários e colaboradores, às suas instalações, aos trabalhos e obras que executavam.

XXXV. É inverosímil que o mediador não soubesse que a “BB, Lda” efectuava trabalhos de carpintaria no exterior, muitas vezes trabalhos em altura.

XXXVI. A entidade empregadora pretendeu, perante a seguradora, assegurar os riscos da atividade que exercia, celebrando um contrato de seguro em conformidade.

XXXVII. O código de atividade correto não ficou a constar da proposta de contrato de seguro por facto inteiramente alheio ou não imputável à tomadora, e portanto, não sendo imputável à tomadora o erro na indicação da atividade cujos riscos se pretendiam segurar, não pode a seguradora eximir-se à reparação infortunística.

XXXVIII. Ainda que a discrepância entre a atividade declarada na proposta e a efetivamente exercida pela entidade empregadora fosse a esta imputável, sempre se teria que ter em conta a natureza do contrato de seguro como contrato a favor de terceiro, não podendo legalmente a seguradora opor ao sinistrado as exceções que tenha contra o segurado, pois estas exceções são do domínio exclusivo da relação entre eles, só sendo relevantes nas relações imediatas ou internas entre ambos.

XXXIX. Caso se verificassem exceções determinativas da anulabilidade do contrato de seguro ou da exclusão do âmbito de proteção do mesmo da atividade desempenhada pelo sinistrado no momento do acidente, elas não podiam ser opostas ao sinistrado, enquanto terceiro lesado pelo acidente.

XL. Uma vez que o acidente ocorreu em consequência da inobservância por parte da empregadora de normas sobre segurança no trabalho, a seguradora deve satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do seu direito de regresso.

Sem conceder …

XLI.  A factualidade considerada provada nos presentes autos, incluindo a alteração operada pelo Tribunal “a quo”, deve determinar, também, a condenação da Ré seguradora, como aliás bem se decidiu no Douto Acórdão recorrido.

XLII. Atentas as respostas dadas à matéria de facto, assim sucedeu, pois “os trabalhos genéricos de carpintaria implicam e sempre implicaram a realização de trabalhos em altura, em andaimes e plataformas” – facto n.º 33 dado como provado.

XLIII. A partir do momento em que o risco decorrente de uma atividade que implica trabalhos em altura tenha de se considerar coberto por uma apólice de acidentes de trabalho é irrelevante se isso sucedia muitas ou poucas vezes no quotidiano dos trabalhadores.

XLIV. É absolutamente impossível de prever antecipadamente, em qualquer empresa ou relativamente a qualquer tipo de atividade, quais os riscos que cada trabalhador vai ter concretamente de suportar no seu quotidiano, na medida em que isso está exclusivamente dependente do tipo e número de encomendas que possam vir a ser feitas à empresa, posteriormente à celebração do seguro.

XLV.                Aceitar a existência de uma convenção contrária aos direitos e garantias conferidos na lei ao trabalhador sinistrado, seria violar o estatuído pelo art.º 12.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

Novamente sem conceder…

XLVI. Verifica-se que a Portaria n.º 256/2011, de 05 de julho, estatui na sua cláusula 8.ª n.º 3 (Incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco), o seguinte:

O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade”.

XLVII. Mais nenhuma previsão tendo sido concretizada neste normativo, no sentido de facultar à seguradora a possibilidade de se desvincular da obrigação de pagar a compensação devida aos trabalhadores sinistrados devido à eventual ocorrência de um acidente de trabalho.

XLVIII. Compulsada a factualidade dada como provada, nela não se encontra afirmada a constatação, por parte do Tribunal a quo, de que tenha existido essa mesma atuação dolosa da entidade patronal.

XLIX. Não pode deixar de ser aqui considerado o princípio da especialidade, segundo o qual as leis especiais têm de prevalecer sobre os normativos de caráter geral, sendo assim forçoso concluir que, se o legislador incluiu na Portaria n.º 256/2011, de 05 de julho, apenas uma previsão expressa para as companhias seguradoras se poderem desobrigar do pagamento das indemnizações aos trabalhadores sinistrados, não podem ser consideradas quaisquer outras hipóteses para a mesma finalidade relativamente a esta tipologia de seguro.

L. O douto Acórdão recorrido, ao declarar a responsabilidade solidária de ambas as Rés no pagamento da indemnização devida ao trabalhador pela ocorrência do sinistro, fê-lo em total respeito pelo disposto no n.º 3 da cláusula 8ª da Portaria n.º 256/2011, de 05 de julho.

Continuando sem conceder,

LI. Em termos de racionalidade económica cada vez mais se exige das organizações empresariais, sob pena do seu necessário soçobrar, a prática da polivalência na sua atividade e, nessa medida, a prática da polivalência por parte dos seus trabalhadores.

LII.   Sendo, por isso habitualmente exigida aos trabalhadores uma multiplicidade de tarefas complementares ou acessórias da atividade principal a que a entidade empregadora se dedica e para as quais tenham competências próprias.

LIII.  Até porque a entidade empregadora pode, no exercício do jus variandi, impor ao trabalhador, transitoriamente, o desempenho de funções diversas daquelas para as quais o trabalhador foi contratado, sem que daí decorra a possibilidade da seguradora se furtar ao pagamento da indemnização a que o trabalhador sinistrado tem direito.

LIV.  Continua a estar prevista no atual Código do Trabalho a faculdade da entidade patronal poder obrigar os seus trabalhadores a desempenhar outras funções, similares ou complementares daquelas para que os mesmos se encontram contratados, isso mesmo estatuindo o artigo 118.º do Código do Trabalho atualmente em vigor, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

LV.   Este preceito estabelece um dever na esfera jurídica do trabalhador, por contraposição ao poder atribuído à entidade patronal, de determinar a prestação de trabalho não incluído no conteúdo funcional da categoria do trabalhador, sendo uma prerrogativa da entidade empregadora a que o trabalhador não se pode furtar, sob pena de poder vir a ser sancionado disciplinarmente, até eventualmente despedido.

LVI.  Atento todo o edifício jus laboral, também esta situação tem de ser abrangida pelo seguro de acidentes de trabalho, mesmo que a atividade concretamente desenvolvida num qualquer caso concreto, esteja porventura fora da atividade regular da empresa.

LVII.                Ao jus variandii inerente à relação entre o trabalhador e a entidade patronal tem de corresponder também a mesma flexibilidade no que se refere à exigência da cobertura dos riscos laborais por parte das seguradoras.

LVIII. Não se pode exigir que uma empresa tenha de ir correr para a seguradora fazer uma ata nova cada vez que lhe é encomendado um novo trabalho, que ela sabe e pode fazer, só porque sai um pouco do objeto social ou das atividades declaradas no impresso do seguro.

LIX.  Provando-se (tendo-se provado) que a empresa exerce efetivamente a atividade declarada na apólice de seguro, provando-se (tendo-se provado) que a atividade declarada envolve trabalhos em altura, tem de se considerar que o sinistro está abrangido pelo contrato de seguro.

LX.   Deve manter-se a decisão recorrida, porquanto decisão diversa violará sempre o artigo 118.º do Código do Trabalho e o art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

Sem conceder …

LXI.  O contrato de seguro de acidentes de trabalho tem de ser qualificado como um contrato a favor de terceiro, em que, de acordo com a noção que nos é dada pelo art.º 443.º do C.Civil o beneficiário não é parte contratante, sendo terceiro que não intervém na elaboração do contrato de seguro, neste caso, um trabalhador assalariado.

LXII. Este seguro é obrigatório por lei, precisamente com o objetivo de asseverar que será uma entidade de reconhecida solvabilidade a responder pelo pagamento da indemnização ao trabalhador, sempre em situação de dependência jurídica perante a sua entidade patronal.

LXIII. A quem nunca é dada possibilidade de intervir ou fiscalizar a validade e subsistência do contrato de seguro de acidentes de trabalho, apesar de, perante um evento infortunísticos, todo o seu futuro poder ficar dependente do mesmo.

LXIV. Encontrando a exceção do artº 79º da LAT pleno enquadramento na pretensão do legislador em assegurar ao sinistrado meios mínimos de subsistência perante a adversidade da ocorrência de um acidente de trabalho.

LXV.                Não devendo (nem podendo), na singela perspetiva do trabalhador, ir o intérprete mais longe do que foi o legislador, pois isso pode significar o completo desvirtuamento do regime de seguro instituído.

LXVI. Termos em que, se no conjunto do diploma (LAT) que regulamenta esta temática, apenas se encontra prevista neste preceito uma situação de potencial desresponsabilização da seguradora perante a eventual inexatidão das declarações do tomador do seguro, atento o princípio da especialidade, não podem outras ser admitidas.

LXVII. Assim sendo, a seguradora deverá ser condenada a pagar a indemnização fixada ao trabalhador em resultado do sinistro que sofreu, naturalmente que sem prejuízo da seguradora poder, mais tarde, atuar perante a entidade patronal na eventualidade de se sentir lesada.

LXVIII. Não sendo admissível que seja feita uma interpretação da lei que permita fazer sair pela janela o que o legislador quis fazer entrar pela porta, a proteção efetiva de todos os trabalhadores relativamente aos riscos decorrentes de todos e quaisquer eventuais acidentes de trabalho, através do competente seguro.

LXIX. Também por este motivo andou bem o Tribunal “a quo” ao proferir o Acórdão recorrido condenando a seguradora no pagamento ao trabalhador da indemnização a que o mesmo tem direito, solidariamente com a entidade patronal.

Continuando sem conceder …

LXX. Importa citar que o artigo 81.º nº 4 desta mesma Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, neste caso com a epígrafe de “Apólice uniforme”, veio estabelecer o seguinte:

4 – São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou garantias estabelecidos na apólice uniforme prevista neste artigo.

LXXI. Na apólice uniforme, não consta qualquer cláusula de limitação de responsabilidade da seguradora perante os trabalhadores sinistrados em resultado da incorreção ou mesmo da prestação da falsidade das declarações prestadas pelas entidades patronais quando da celebração dos contratos de seguro.

LXXII. O que tem toda a lógica, pois todos os objetivos do contrato de seguro, estão focados na salvaguarda dos direitos dos trabalhadores emergentes dos riscos a que estão submetidos na relação laboral.

LXXIII. Onde o trabalhador é sempre a parte mais débil, fruto da dependência económica e da subordinação jurídica a que está sujeito na relação laboral.

LXXIV. Permitir-se uma interpretação da lei como a pretendida pela CC, na prática não seria mais do que fazer uma interpretação ab-rogante do n.º 4 do art.º 81.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro.

LXXV. Se o legislador não quis permitir às seguradoras a inclusão de quaisquer cláusulas adicionais que contrariassem os direitos e as garantias estabelecidos a favor dos trabalhadores na apólice uniforme, não pode permitir-se que a nulidade decorra de interpretações de outros preceitos, alheios à especificidade do regime jurídico do seguro de acidentes de trabalho.

Ainda sem conceder…

LXXVI. Nos presentes autos ficou demonstrado que o mediador de seguros que elaborou a apólice e a ata adicional, conhecia a circunstância de que a empresa primeira Ré desenvolvia outras atividades, para além da fabricação de móveis.

LXXVII. Pois esteve em obra onde os trabalhadores estavam a fazer trabalhos variados de carpintaria civil.

LXXVIII. Assim como ficou provado, que a empresa fazia trabalhos em altura, pois isso era inerente à sua atividade comercial declarada na apólice.

LXXIX. E ficou finalmente evidenciado que foi o mediador a preencher a apólice e a ata adicional, sem o mesmo ter sentido necessidade de questionar a empresa sobre a sua correção.

LXXX. Ainda e sobretudo, sem ter tido necessidade de pedir quaisquer informações sobre a situação da empresa 1ª Ré.

LXXXI. Sucede que no caso dos autos o contrato de seguro foi celebrado com a intervenção de um mediador, o que convoca a aplicação do disposto no art. 28º do RJCS, onde se preceitua o seguinte:

“Sem prejuízo da aplicação das regras contidas no presente regime, ao contrato de seguro celebrado com a intervenção de um mediador de seguros é aplicável o regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros.

LXXXII. O regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros e de resseguros (RJMS) consta do Dec. Lei nº 144/2006, de 31 de julho, alterado pelo Dec. Lei nº 359/2007, de 2 de novembro.

LXXXIII. Por mediação de seguros deve entender-se “qualquer atividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro ato preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão ou execução desse contrato, em especial em caso de sinistro” - cfr. art. 5º, al. c) do RJMS.

LXXXIV. O art. 258º do Cód. Civil refere por seu lado que “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.

LXXXV. Dois requisitos são indispensáveis para que a representação produza o seu efeito típico, que é a inserção direta, imediata, do ato na esfera jurídica do representado (dominus negotii):

a) Que o representante aja em nome do representado (contemplatio domini), neste aspeto se distinguindo a representação da chamada comissão;

b) Que o ato realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante.

LXXXVI. Pois, para além do que foi escrito no impresso, o mediador (também a seguradora atenta a circunstância deste ter de se considerar como seu representante) sabia que a empresa fazia outros trabalhos de carpintaria, nomeadamente de carpintaria civil, que implicavam por natureza trabalhos em altura.

LXXXVII. Termos em que terá de se concluir que o Douto Acórdão andou bem ao condenar a seguradora nos termos em que o fez, sendo que decisão contrária seria sempre violadora dos seguintes preceitos:

- Artigo 28º do Regime Jurídico dos Contratos de Seguros;

- Artigo 5º, al. c) do Regime Jurídico dos Mediadores de Seguros, Decreto Lei 144/2006, de 31/07, alterado pelo Decreto Lei 359/2007, de 02/11; e

- Artigo 258º do Código Civil.

Continuando sem conceder

LXXXVIII. Carece de razão a Recorrente quando alega que, em face do disposto no artº 79º nº 3 da LAT, jamais poderia a seguradora ser condenada pelo valor da pensão e prestações decorrentes da responsabilidade agravada.

LXXXIX. Da conjugação entre o disposto no nº 1 do artº 18º e no nº 3 artº 79º nº 1 da LAT  resulta que, quando o acidente resultar da falta de observância pelo empregador das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

XC. Ao contrário do que acontecia na antiga LAT, a seguradora em vez de responder apenas subsidiariamente pela reparação, responde por via principal, ficando, no entanto, com direito de regresso sobre o empregador.

XCI. Deve ser mantida a condenação solidária da Recorrente a da empregadora a pagar ao Autor a pensão anual e vitalícia no montante de € 8.910,00 e a indemnização por incapacidades temporárias no montante de € 7.202,25.

XCII.                Sem prejuízo do direito de regresso da CC sobre a BB, Lda pela indemnização normal, como doutamente decidido no Acórdão recorrido.

XCIII. Mantendo-se in totum o decidido no Douto Acórdão recorrido.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho.

O acidente ocorreu em 13.07.2015 e o recebimento em juízo da respetiva participação ocorreu em 13.10.2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 7.12.2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou;

- A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

2 – Se o Tribunal da Relação extrapolou os poderes de reapreciação da prova relativamente aos factos que aditou;

3 – Se o acidente está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as RR;

4 – Se a responsabilidade da R., é limitada ao pagamento das prestações devidas caso não ocorresse responsabilidade agravada e sem prejuízo do direito de regresso.

5 - FUNDAMENTAÇÃO

5.1 – OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1) O Autor, em 01.JAN/2015 passou a trabalhar por conta da 1ª Ré, sob a sua direcção e fiscalização, ao abrigo de um contrato de trabalho.

2) Desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de ... 1ª.

3) E auferindo uma remuneração base mensal declarada de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros) mensais.

4) A sua Entidade Empregadora, a 1ª Ré “BB, Lda”, à data do acidente tinha a sua responsabilidade civil transferida para a “CC …, S.A.”, aqui 2ª Ré, através da Apólice ....

5) Em 14.JUL/2015 a Entidade Patronal do Sinistrado participou o acidente de trabalho à 2ª Ré, companhia de seguros.

6) Sem que tivesse sido prestado ao sinistrado qualquer tipo de apoio pela seguradora.

7) Entretanto, por carta datada de 23.SET/2015, veio a referida companhia de seguro informar o Autor que declinava “toda e qualquer responsabilidade decorrente do acidente participado, sem processamento de qualquer indemnização”.

8) Ora, feita a participação do acidente, dentro do prazo legal, deu-se início à fase conciliatória do processo para efetivação dos direitos do Autor.

9) No desenvolvimento daquela viria o Autor a ser submetido a exame médico, cujo relatório pericial de clínica médico-legal consta dos autos, a fls. 91/92, arbitrando ao sinistrado, a partir de 30.ABR/2016, dia imediato ao da alta, uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 79%.

10) Face a estes resultados, não foi possível obter acordo extrajudicial entre os interessados quanto à fixação da reparação devida.

11) Realizada em 11.OUT/2016 a tentativa de conciliação a que aludem os artºs 108 e seguintes do Código de Processo do Trabalho, viria esta a frustrar-se porquanto:

a) O sinistrado não aceitou a IPP fixada pelo Perito médico, por entender ser portador de maior incapacidade, incluindo com IPATH;

b) A 1ª Ré não aceitou qualquer responsabilidade infortunística e, por conseguinte, não aceitou pagar ao sinistrado quaisquer quantias, porquanto entendeu que o acidente de trabalho no qual foi vítima o sinistrado não ocorreu com violação de qualquer regra de segurança que estivesse legalmente obrigada a observar naquelas concretas circunstâncias e, além disso, alegou que tinha transferida para a 2ª Ré a responsabilidade civil por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado, em função da totalidade da retribuição auferida pelo mesmo; e

c) A 2ª Ré não aceitou qualquer responsabilidade infortunística e, por conseguinte, não aceitou pagar ao sinistrado quaisquer quantias, por entender que as tarefas desempenhadas pelo Autor no momento do acidente não se encontravam garantidas pela Apólice de seguro vigente.

12) Do Auto de Tentativa de Conciliação consta ainda que a 1ª Ré aceitou a existência do acidente, a caracterização do mesmo como de trabalho, nas circunstâncias de lugar e tempo descritas; o resultado do exame médico efetuado pelo perito médico; e o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.

13) Assim como consta que a 2ª Ré aceitou a existência, à data do acidente, de um contrato de seguro emergente de acidentes de trabalho, titulado pela apólice acima referida e em função da retribuição anual de € 8.225,00.

14) O trabalhador sinistrado nasceu a … de Maio de 19….

15) O autor é o beneficiário com NISS ... e em consequência do supra mencionado acidente recebeu do Centro Distrital de Castelo Branco, a título de subsídio por doença, no período de 13.07.1015 a 21.11.2016, a quantia global de 5.839,57.

16) A “BB, Lda” é uma sociedade comercial que se dedica principalmente ao fabrico de mobiliário e carpintaria, trabalhos genéricos afins, assim como a diversos outros trabalhos de índole geral, relacionados com estruturas, móveis e fixas.

17) O Autor, no exercício da sua actividade profissional e sob as ordens da 1ª Ré “BB, Lda”, desempenha o seu trabalho quer nas instalações desta, quer nos locais que esta define.

18) No dia 13 de Julho de 2015, cerca das 15:00H, altura em que o Autor se encontrava na Herdade da ..., em ..., freguesia de ..., concelho de ..., exercendo a sua actividade profissional ao serviço da Participada “BB, Lda”, foi vítima de um acidente.

19) Com efeito, naquele dia, hora e local, numa obra que estava a ser executada pela 1ª Ré, quando o Autor/Sinistrado se encontrava em cima da cobertura, a cerca de 3,5/4 metros do solo, a receber placas do tipo “sanduiche” para serem colocadas no telhado, desequilibrou-se e caiu ao solo.

20) Com a queda desamparada no pavimento o Autor/trabalhador ficou inconsciente.

21) Após o embate do corpo do sinistrado no pavimento, a placa sanduiche que o mesmo movimentava, com o peso de 12/15 kg caiu sobre si.

22) Como consequência do referido acidente veio o Autor a sofrer fracturas múltiplas, nomeadamente na coluna, costelas, omoplata, perfuração no pulmão e lesão na face.

23) Com efeito, como consequência do acidente resultaram as seguintes lesões para o sinistrado: “Fractura craniana, fractura do sobrolho sobreolho e face do lado direito, fractura de ¾ costelas, perfuração dos pulmões, fractura da coluna vertebral e lesões na medula óssea”.

24) Resultaram, em suma, para o sinistrado, directa e necessariamente, as lesões examinadas e descritas no Relatório Pericial de clínica médico-legal de fls. 91/92 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

25) O Autor, no dia do sinistro, foi assistido no Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco, que o encaminhou para os HUC - Hospitais da Universidade de Coimbra, onde permaneceu até 29.JUL/2015.

26) Nos HUC, a 14.JUL/2015, o sinistrado deu entrada com os seguintes Sinais Objectivos Principais:

“Doente consciente, confuso. ECG 14 Pupilas isocóricas e isorreactivas Paraplégico. Nível sensitivo D10-11”

27) Naquela unidade hospitalar o sinistrado recebeu a seguinte terapêutica: “Cirurgia: operado a 20.07.15, Dr. EE e Dr. FF: redução parcial da luxação D10-D11 e fixação transpedicular D9 a L1”.

28) Em 29.JUL/2015 o sinistrado regressa ao Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco a fim de prosseguir com fisioterapia.

29) Posteriormente, em 07.SET/2015 o sinistrado foi transferido para o Centro de Reabilitação ..., na ... para “tratamento de longa duração”, ali permanecendo até à data de 29.ABR/2016.

30) Pois, o Autor teve alta clínica em 29.ABR/2016.

31) A partir do momento em que a entidade empregadora comunicou o sinistro à seguradora, o Autor, o seu cônjuge e o seu pai passaram a contactar com a companhia de seguros, bem como com o seu mediador, Sr. DD, no mínimo uma vez por semana, com o intuito de lhe ser prestada assistência médica por parte da seguradora e de lhe ser pago o valor a que tem direito pela incapacidade a que se encontra sujeito.

32) Desde a data do sinistro e até 23.SET/2015, a resposta da seguradora foi sempre a mesma: o processo estava a ser analisado.

33) Os trabalhos genéricos de carpintaria implicam e sempre implicaram a realização de trabalhos em altura, em andaimes e plataformas.

34) Como consequência do acidente de trabalho dos autos, o sinistrado, até à presente data, já despendeu a quantia de € 551,16 (quinhentos e cinquenta e um euros e dezasseis cêntimos) em despesas medicamentosas, conforme resulta do teor dos documentos nºs 1 a 11 juntos aos autos c/ Requerimento de 08.JUL/2016 e documentos nºs 1 a 15 juntos c/ Petição Inicial, que aqui se dão por reproduzidos.

35) Depois, igualmente como consequência do acidente de trabalho e das lesões que o mesmo provocou no sinistrado, deixando-o paraplégico, este teve que realizar obras na sua residência de modo a torna-la funcional face ao novo circunstancialismo.

36) Designadamente procedendo ao alargamento de portas, remodelação de casa de banho, instalação de um elevador de escada com plataforma, construção de rampa e aquisição de acessórios de protecção para cadeira de rodas, etc., conforme resulta do teor dos documentos nºs 12 a 24 juntos c/ Requerimento de 08.JUL/2016)

37) Assim, em obras de adaptação na sua residência, o sinistrado, até à presente data, despendeu a quantia de € 16.114,56 (dezasseis mil cento e catorze euros e cinquenta e seis cêntimos).

38) Para além destas, o Sinistrado teve também despesas de deslocações.

Concretamente:

39) No dia 07.SET/2015, o sinistrado foi transportado em Ambulância desde o Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco até ao Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro ..., sito na ..., cujo serviço ascendeu ao valor de € 214,20, que o sinistrado teve que suportar.

40) Acresce que, no período compreendido entre o dia 23.MAI/2016 e 09.JUN/2016 o sinistrado submeteu-se a 14 (catorze) sessões de fisioterapia, no Centro de Fisioterapia ..., tendo que suportar as respectivas deslocações em viatura própria.

41) As referidas sessões de fisioterapia foram de frequência diária, de segunda a sexta-feira, designadamente nos seguintes dias: 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31 de Maio de 2016 e 01, 02, 03, 06, 07, 08 e 09 de Junho de 2016.

42) Pelo que, nas referidas datas, a esposa do sinistrado transportou o sinistrado em viatura do casal desde a sua residência (sita em ...) até ao local das sessões, regressando a casa enquanto a mesma decorria, tendo que voltar no final da sessão para buscar o sinistrado e regressarem juntos para casa.

43) Tais viagens corresponderam a uma distância diária percorrida de 6 kms e a um total de 84 kms (= 6 kms x 14 dias).

44) Pelo que, no período compreendido entre 23.MAI/2016 e 09.JUN/2016 o sinistrado, por conta das deslocações supra referidas, despendeu a quantia de € 30,24.

45) Ademais, conforme, aliás, resulta dos autos, em consequência do acidente de trabalho o Sinistrado esteve um longo período internado no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro, na ....

46) Ora, enquanto o sinistrado ali permaneceu internado, a sua esposa visitou-o, em média, uma vez por semana, de modo a prestar-lhe apoio anímico e mental.

47) Para tanto, em cada deslocação a esposa do sinistrado percorreu 412 kms (206 para cada lado), em viatura própria, correspondentes à distância entre a residência do sinistrado, em ..., e o Centro de Reabilitação, na ....

48) Pois inexistem transportes públicos que permitam fazer a ligação entre os dois locais com qualidade e em tempo útil.

49) Em cada uma dessas deslocações a esposa do sinistrado gastou cerca de € 30,00 em combustível, porquanto era este o valor de combustível que abastecia na sua viatura e que gastava em cada viagem, mas também teve que suportar o desgaste natural do veículo, o desgaste de pneus, desgaste de mecânica, desvalorização de mercado, etc.

50) Ora, concretamente, a esposa do sinistrado visitou o sinistrado no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro ..., sito na ..., nas seguintes datas:

- 12.SET/2015,

- 19.SET/2015,

- 26.SET/2015,

- 03.OUT/2015,

-10.OUT/2015,

- 17.OUT/2015,

- 24.OUT/2015,

- 31.OUT/2015,

- 07.NOV/2015,

- 14.NOV/2015,

- 21.NOV/2015,

- 28.NOV/2015,

- 05.DEZ/2015,

- 12.DEZ/2015,

- 19.DEZ/2015,

- 27.DEZ/2015,

- 30.DEZ/2015,

- 03.JAN/2016,

- 09.JAN/2016,

- 16.JAN/2016,

- 23.JAN/2016,

- 30.JAN/2016,

- 06.FEV/2016,

- 13.FEV/2016,

- 20.FEV/2016,

- 27.FEV/2016,

- 12.MAR/2016,

- 19.MAR/2016,

- 27.MAR/2016,

- 01.ABR/2016,

- 08.ABR/2016,

- 15.ABR/2016,

- 23.ABR/2016,

- 28.ABR/2016,

51) Com tais deslocações despendeu em combustível o valor de € 1.041,24 (mil e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos), como a seguir se discrimina:

- 12.SET/2015, no valor de € 30,00;

- 19.SET/2015, no valor de € 38,23;

- 26.SET/2015, no valor de € 28,65;

- 03.OUT/2015, no valor de € 28,65;

- 10.OUT/2015, no valor de € 28,64;

- 17.OUT/2015, no valor de € 28,66;

- 24.OUT/2015, no valor de € 28,63;

- 31.OUT/2015, no valor de € 28,61;

- 07.NOV/2015, no valor de € 28,64;

- 14.NOV/2015, no valor de € 28,66;

- 21.NOV/2015, no valor de € 28,65;

- 28.NOV/2015, no valor de € 28,62

- 05.DEZ/2015, no valor de € 28,65;

- 12.DEZ/2015, no valor de € 28,62;

- 19.DEZ/2015, no valor de € 28,60;

- 27.DEZ/2015, no valor de € 33,36;

- 30.DEZ/2015, no valor de € 27,27;

- 03.JAN/2016, no valor de € 28,59;

- 09.JAN/2016, no valor de € 28,60;

- 16.JAN/2016, no valor de € 28,60;

- 23.JAN/2016, no valor de € 28,56;

- 30.JAN/2016, no valor de € 28,56;

- 06.FEV/2016, no valor de € 28,14;

- 13.FEV/2016, no valor de € 28,63;

- 20.FEV/2016, no valor de € 28,60;

- 27.FEV/2016, no valor de € 28,61;

- 05.MAR/2016, no valor de € 28,60;

- 12.MAR/2016, no valor de € 28,62;

- 19.MAR/2016, no valor de € 30,28;

- 27.MAR/2016, no valor de € 28,66;

- 01.ABR/2016, no valor de € 38,24;

- 08.ABR/2016, no valor de € 33,48;

- 15.ABR/2016, no valor de € 28,33;

- 23.ABR/2016, no valor de € 28,72; e

52) Além das despesas supra referidas, o Autor despendeu a quantia de € 35,00 com transportes para deslocações obrigatórias (por duas vezes) à Secção do Trabalho do Ministério Público de Castelo Branco, para estar presente na realização de perícia médica e actos judiciais.

53) No local da obra e aquando da ocorrência do sinistro inexistia qualquer tipo de protecção colectiva impeditiva ou minimizadora dos efeitos de queda em altura, nomeadamente guarda-corpos. O trabalhador sinistrado não recebeu nunca instruções para utilizar qualquer dispositivo individual impeditivo ou minimizadora dos efeitos de queda em altura.

54) O trabalhador sinistrado nunca tinha recebido dispositivo individual impeditivo ou minimizador dos efeitos de queda em altura.

55) Ao trabalhador sinistrado nunca tinha sido dito que tivesse à disposição qualquer dispositivo individual impeditivo ou minimizador dos efeitos de queda em altura.

56) O sinistrado e os restantes trabalhadores da empresa nunca tiveram formação profissional adequada aos trabalhos a realizar, quer no referente à substituição e coberturas, quer no que se refere a trabalhos em altura.

57) A empresa não forneceu ao sinistrado cinto com arnês ligado a linha de vida.

58) O trabalhador, no momento do acidente encontrava-se a trabalhar em cima do telhado.

59) O trabalho consistia em receber as chapas de cobertura de telhado que lhe eram dadas pelos seus colegas de trabalho.

60) Colegas de trabalho do autor, que se encontravam a trabalhar num plano inferior, por baixo do Autor, no interior da construção.

61) Depois o trabalho que tinha de ser feito pelo autor era a distribuição e ajustamento das placas de cobertura ao longo do telhado.

62) Sendo o Autor obrigado a sustentar-se e a deslocar-se por cima da estrutura em ferro que suportava o telhado, a uma altura entre os 3,5 metros e os 4,00 metros.

63) No local da prestação de trabalho do A. era perfeitamente possível a entidade patronal ter montado ou ordenado que fosse montada uma linha de vida.

64) Pois a própria estrutura metálica do telhado podia ter servido para a sua fixação.

65) E, tendo sido montada essa linha de vida, era perfeitamente possível o trabalhador ter-lhe ligado um arnês de segurança.

66) Tal procedimento de montagem de uma linha de vida e fixação de um arnês, se tivesse sido adoptado, teria evitado que o Autor caísse desamparado no solo.

67) Porém, a Primeira Ré jamais forneceu ao Autor qualquer arnês.

68) Nem nesta obra, nem em nenhuma outra em que o trabalhador foi obrigado a executar serviços em altura para a sua entidade empregadora.

69) A Primeira Ré jamais forneceu ao Autor ou aos outros trabalhadores qualquer linha de vida.

70) E por isso mesmo, nem o Autor nem os seus colegas, quando executavam trabalhos em altura ao serviço da primeira Ré, usavam qualquer linha de vida ou arnês, pois não dispunham dos mesmos.

71) Nem nesta obra, nem em qualquer outra que os mesmos tenham executado ao serviço da sua entidade empregadora.

72) A entidade empregadora não procedeu também à colocação de uma rede anti quedas por dentro do edifício, ligada à estrutura de ferro de suporte do telhado.

73) Completada com a colocação de guarda corpos nos limites exteriores do edifício / telhado e no local de entrega das chapas metálicas de cobertura.

74) Os guardas corpos no limite exterior do telhado e no local de entrega das chapas impediriam a queda nesses locais.

75) Pois, para além de servirem de barreira, dariam pontos de apoio e equilíbrio ao trabalhador.

76) Também se a entidade patronal tivesse colocado guarda corpos no limite do telhado e no local de entrega das chapas metálicas, o sinistrado, mesmo que se desequilibrasse e caísse, teria seria sustido pelos guardas corpos.

77) Na obra em que ocorreu o sinistro dos autos o Autor apenas utilizava botas com biqueira de aço pois a entidade patronal não lhe tinha distribuído qualquer outro EPI.

78) No dia e na obra em que ocorreu o acidente a primeira Ré não disponibilizou capacetes aos seus trabalhadores, designadamente ao Autor.

79) Diga-se, ainda, que na obra onde ocorreu o sinistro inexistiam qualquer guarda corpos nos limites do telhado.

80) Os graves ferimentos sofridos pelo A. resultaram do seu embate com o solo depois de ter caído de cima da estrutura do telhado onde se encontrava a trabalhar.

81) No solo no interior da obra em que ocorreu o acidente existiam saliências com cerca de 20 cm de altura, feitas em cimento, com o intuito de proteger os tubos ali instalados.

82) Sendo que a existência dessas saliências também contribuiu para agravar as consequências da queda do autor.

83) Pois no choque com o solo, o mesmo não apresentava uma superfície plana.

84) Em condições de suportar de forma uniforme o embate de um corpo com o solo.

85) A entidade empregadora também não diligenciou pela regularização ou protecção dessas saliências.

86) Sucede que foi a circunstância de existirem no local essas mesmas saliências que determinaram o agravamento das consequências mais graves da queda do A., mais concretamente na coluna cervical do sinistrado.

87) Pois foi a circunstância da queda ter ocorrido por cima de uma saliência que provocou ao trabalhador o seccionamento completo da sua medula espinal.

88) Se o trabalhador não tivesse embatido com o solo, não teria sofrido sequelas com o acidente ou, no mínimo e sem conceder, estas teriam sido muito menores.

89) Se o solo no local do embate estivesse sem relevo ou saliências, as sequelas físicas para o trabalhador teriam sido menores.

90) Os painéis que a entidade patronal tinha pedido ao trabalhador para movimentar em altura eram pesados, entre os 12 e os 15 kg cada um e eram também de grandes dimensões, pois tinham cerca de 2,40 m de comprimento e entre os 55 e os 60 cm de largura.

91) A prestação de trabalho em circunstâncias semelhantes às que se verificou o sinistro era normal na empresa.

92) Não existindo o hábito dos trabalhadores usarem os EPI adequados impeditivos de queda quando trabalham em altura, nomeadamente cinto com arnês ligado a linha de vida.

93) Em resultado directo das sequelas sofridas com o sinistro, o trabalhador ficou definitivamente paraplégico, perdendo completamente qualquer sensibilidade da cintura para baixo.

94) Perdeu também o trabalhador qualquer sensibilidade nos seus órgãos sexuais.

95) Tendo o trabalhador perdido completamente a sua função sexual como resultado directo do acidente e do traumatismo sofrido na coluna vertebral.

96) O trabalhador também perdeu o controlo do esfíncter e da contracção do recto anal.

97) Do que resultou que o mesmo tenha deixado de ter controlo sobre a função de defecação.

98) E perdeu também o trabalhador o controlo do esfíncter uretral.

99) Deixando portanto o trabalhador de ter controlo sobre a função urinária.

100) E isto em resultado directo das lesões provocadas pelo acidente.

101) A perda destas funções implica que o trabalhador tenha de tomar medicamentos o resto da sua vida, os quais implicam um dispêndio mínimo de 50,00 € (cinquenta euros) mensais para o resto da sua vida.

102) Em resultado do antecedente, o trabalhador está obrigado a usar fraldas o resto da sua vida.

103) Estando dependente de terceiros para a colocação e retirada das fraldas, pois não consegue colocá-las sozinho, necessitando também do auxílio de uma terceira pessoa para a sua higiene e aplicação e produtos de defesa contra infecções, assaduras e micoses.

104) A utilização diária de fraldas e resguardos implica para o trabalhador uma despesa mensal mínima de 120,00 € (cento e vinte euros).

105) O uso permanente de fraldas obriga o trabalhador a ter cuidados extras com a sua pele com o objectivo de não apanhar infecções ou micoses.

106) O que o obriga à aplicação diária de produtos de protecção e nutrição da pele.

107) O que implica que o mesmo tenha de despender mensalmente até ao final da sua vida a quantia mensal mínima de 20,00 € (vinte euros).

108) Está depois o trabalhador obrigado a viver o resto da sua vida numa cadeira de rodas.

109) O que implica estar dependente sempre de uma terceira pessoa para se vestir, fazer a sua higiene diária, assegurar a sua alimentação e para a generalidade das suas actividades diárias, nomeadamente para acesso a locais públicos.

110) O trabalhador à data do sinistro era um homem forte e possante.

111) Era também uma pessoa alegre e bem disposta, que espalhava alegria por onde passava e com todos os que lidava.

112) Depois do acidente o A. ficou uma pessoa amargurada e muito infeliz.

113) Sentindo que perdeu todo o seu futuro sente-se desalentado.

114) Revoltando-se o A. com muita frequência por se ver numa cadeira de rodas

115) O autor tem uma filha menor, sentindo o A. vergonha de se ver agora numa cadeira de rodas perante a filha.

116) A que o pai prestava toda a assistência e com quem brincava com frequência.

117) O que deixou praticamente de suceder desde o sinistro.

118) Desde a data do sinistro o autor não voltou a ter qualquer contacto íntimo com o seu cônjuge.

119) Pois o A. e como referido, perdeu completamente a função sexual.

120) E também perdeu completamente a sensibilidade da cintura para baixo.

121) Pelo que quaisquer contactos que pudesse tentar manter de índole íntima com o seu cônjuge, nada implicariam para ele, pois nada iria sentir.

122) O trabalhador sinistrado vive preocupado e muito incomodado com esta situação, pois está impossibilitado de levar uma vida sexual normal.

123) O trabalhador sente-se muito angustiado com as consequências emergentes do sinistro.

124) E tem também momentos de grande depressão, desgosto e desespero.

125) Tendo em grande parte perdido o ânimo de viver e de lutar.

126) Chorando amiúde, muitas vezes quando está sozinho, pois sente que todo o seu futuro ruiu.

127) O autor necessita de uma terceira pessoa para o auxiliar a fazer a sua higiene normal, a colocar e retirar fraldas, tomar banho e auxílio em várias outras suas tarefas diárias.

128) A 1ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de obras de carpintaria para construção.

129) Esta actividade principal compreende a fabricação de artigos em madeira, principalmente destinadas à indústria da construção, como peças de carpintaria (caibros, cofragens, armações, vedações, barrotes, vigas de madeira, etc.), obras de carpintaria de limpos (portas, janelas, persianas, escadas em madeira, com ou sem ferragens, etc.), caixilhos e lambris. Inclui a pré-fabricação de casas em madeira e suas partes.

130) A que acrescem, como secundárias, as actividades de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas, estores e a colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais (inclui os resistentes aos fogo). Inclui trabalhos de carpintaria executados e destinados à sua aplicação na obra (fixação de cofragens em madeira, tetos falsos, divisórias, etc., bem como o comércio a retalho de carpetes, tapetes cortinados, papel de parede e revestimentos similares para paredes e pavimentos.

131) No âmbito das negociações tendentes à celebração do contrato de seguro objecto dos autos foi aventada a proposta de seguro junta a fls. 263 verso e 264 [e não 363 verso e 364 como por evidente lapso de escrita se consignou nos factos provados], único documento que a 1ª Ré assinou quanto ao contrato em questão.

- Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua actividade principal (aditado pela Relação).

- Era vontade da ré a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial (aditado pela Relação).

132) Foi também assente pelas partes que o capital assegurado era o relativo às remunerações efectivamente auferidas pelos trabalhadores, e nunca inferiores.

133) À data da celebração da proposta, a 15-06-2011, o sinistrado constava como trabalhador da 1ª Ré.

134) A Ré declarou um rendimento de 545 euros quanto ao sinistrado, vindo este a ser de 550 euros à data do sinistro pelas actualizações salariais entretanto ocorridas.

135) Da proposta junta a fls. 263 verso e 264 [e não 363 verso e 364 como por evidente lapso de escrita se consignou nos factos provados] consta também na parte das observações item 7- fabricação e montagem de mobiliário.

136) A ré negociou com o Agente de seguros a transferência pela remuneração declarada, que corresponde à remuneração real.

137) À data do acidente encontrava-se em vigor a renovação do contrato constante de fls. 274 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

138) Previamente a essa acta, e, mais uma vez, única e exclusivamente por intermédio do Agente de seguros, DD, foi negociada proposta de alteração do contrato, a fim de se incluírem mais funcionários na cobertura legal de seguro contratado.

139) Foi declarada como remuneração de GG, o salário mensal de 550 euros, acrescidos de 105 euros de subsídio de alimentação.

140) Para além de constar tal declaração na proposta de alteração, a mesma consta também da aceitação do agente.

141) Na celebração do contrato foi-lhe assegurada a protecção relativa a tais montantes.

142) A 1ª Ré tinha à data do acidente em causa o prémio saldado.

143) Foi celebrado um contrato de subempreitada entre a 1ª Ré e a sociedade Construtora HH, Lda.

144) Foi no local desta obra e na execução deste contrato que ocorreu o acidente em questão.

145) Num edifício que possuía 3,5 a 4 metros.

146) A 1ª ré celebrou um contrato com a II, empresa de higiene e segurança no trabalho.

147) Foram destacados para a obra o sinistrado e os colegas de trabalho JJ e KK.

148) A 1ª R. foi contratada pela empresa “HH,LDA.” para a aplicação de painel sandwich num anexo da Herdade “...”, localizado em ....

149) O sinistro sucedeu no âmbito dos trabalhos de aplicação de painel sandwich, na cobertura de um anexo, sito no .......

150) No mês de Outubro de 2015, a entidade patronal do A. pediu a alteração da CAE – CÓDIGO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA – para actividade ACTIVIDADES DE COLOCAÇÃO DE COBERTURAS.

151) O Autor em consequência das lesões sofridas, sofre de uma Incapacidade Permanente Parcial de 80%, com IPATH para a profissão de ... de primeira, com efeitos a partir do dia 30.04.2016.

5.3 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

5.3.1 – Se o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

Estabelece o art. 666º, nº 1, primeira parte, do CPC, sob a epígrafe “vícios e reforma do acórdão”:

1 – É aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artigos 613º a 617º…”.

Nos termos do art. 615º, nº 1 al. d) 1ª parte, a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, incumprindo, assim, o limite de conhecimento prescrito no art. 608º, nº 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Como daqui claramente resulta, para que esta nulidade se verifique é necessário é que o juiz se pronuncie sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo.

Na tese da recorrente o acórdão a arguida nulidade consistiu no facto da apelante em sede de reapreciação da prova ter pedido que se julgasse provado que:

121 - “Dessa proposta o que foi negociado, foi assegurar o risco relativo à sua actividade principal”.

126 – “A Ré negociou com o Agente de seguros a transferência pela remuneração declarada, que corresponde à remuneração real, e a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial: carpintaria para construção”,

mas a Relação foi mais além e julgou provado que:

121. Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua actividade principal.

126. Era vontade da ré a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial.

Como daqui se vê, a Relação limitou-se a conhecer de questão que lhe foi colocada: a reapreciação da prova relativamente aos nºs 121 e 126 da base instrutória, pelo que não excedeu os limites legalmente impostos atrás referidos.

Questão diversa é a de saber se errou naquela reapreciação e no seu veredito, o que, a ter ocorrido, configurará erro de julgamento, mas não a apontada nulidade.

Termos em que se conclui que o acórdão não enferma da apontada nulidade de excesso de pronúncia.

5.3.2 – Se o Tribunal da Relação extrapolou os poderes de reapreciação da prova relativamente aos factos que aditou.

A recorrente reedita a este propósito, no essencial, os argumentos que alinhara em sede de arguição das nulidades, invocando agora a violação do disposto nos arts. 608º e 662º do CPC e 27º e 72º do CPT.

Nos termos do art. 674º, nº 1, al. b) do CPC, a revista pode ter por fundamento a violação ou errada aplicação da lei de processo.

Estabelece o art. 608º, nº 2, do CPC que “[O] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Dispõe, por seu turno, o art. 662º, nº 1, do CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Como é referido na “exposição dos motivos” da Lei 41/2013 de 26.06 “…cuidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.

Em sede de reapreciação da prova e tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos meios de prova indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo, obviamente, fundamentar a decisão tomada (art. 607º, nºs 4 e 5 e 663º, nº 2, do CPC).

Invoca a recorrente que a factualidade aditada pela Relação vai além do que foi alegado, sendo certo que o juiz não lançou mão dos poderes estabelecidos nos arts. 27º, al. b) e 72º do CPT, convidando as partes a articularem os factos que foram aditados ou ampliando a base instrutória na audiência de julgamento.

A tese da recorrente assenta no pressuposto de que factos aditados são novos.

Vejamos.

Na base instrutória os factos em causa e sobre os quais deveria incidir a prova eram os seguintes:

121 - “Dessa proposta o que foi negociado, foi assegurar o risco relativo à sua actividade principal”.

126 – “A Ré negociou com o Agente de seguros a transferência pela remuneração declarada, que corresponde à remuneração real, e a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial: carpintaria para construção”.

A Relação, depois de reapreciar a prova produzida na 1ª instância, e tendo criado a sua própria convicção, como estatuído no DL 41/2003, considerou provado o seguinte:

121. Com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua actividade principal.

126. Era vontade da ré a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial.

Como resulta da análise comparativa entre o que se julgou provado e o que foi consignado na base instrutória é que, ao contrário do invocado pela recorrente, os factos aditados são mais restritivos do que os questionados.

Efetivamente, na base instrutória questionava-se sobre as efetivas negociações que conduziram à celebração do contrato de seguro e ao acordado entre as partes, enquanto os factos aditados se ficam pelas intenções da entidade empregadora tomadora do seguro, e que podem, ou não, ter sido transmitidas ao outro contraente, a seguradora.

Sendo tais factos provados mais restritivos que o pretendido, é patente que a Relação não extravasou os seus poderes de apreciação.

5.3.3 – Se o acidente está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as RR.

A 1ª instância absolveu a ora recorrente por considerar que o contrato de seguro não cobria os riscos decorrentes da atividade desenvolvida pelo sinistrado aquando do acidente.

E fê-lo com os seguintes fundamentos:

«(…) Na verdade (e independentemente da real atividade exercida pela ré entidade empregadora) é indiscutível que na proposta em causa nos autos se refere como risco a segurar “fabricação de mobiliário de cozinha”, como CAE da sociedade “36130” (correspondente a fabricação de mobiliário de cozinha”), mencionando-se ainda no ITEM 7, destinado a observações, “fabricação e montagem de mobiliário”.

E assim sendo, considera-se que a atividade de colocação de painéis sandwich numa cobertura não poderá estar coberta pelo risco declarado e assumido pelas partes de “fabricação e montagem de mobiliário”, por não corresponder à atividade declarada pelo tomador de seguro e por não se poder entender a mesma, segundo se crê, como uma atividade acessória daquela.

Com efeito, qualquer declaratário normal colocado perante a declaração de que o risco a segurar é o da “fabricação do mobiliário de cozinha”, deduzirá que o declarante pretendeu transferir o risco relativamente a tal atividade, sendo certo que a referida declaração se mostra perfeitamente expressa no texto do documento, que foi assinado pelo declarante. Acresce que permitir uma interpretação da qual resultasse como risco a transferir o relacionado com atividades de colocação de coberturas conduziria, segundo se entende, a uma verdade ampliação do objeto negocial, uma vez mais se salientando aqui as palavras de Moitinho de Almeida (in Contrato de Seguro Estudos, Coimbra Editora, 2009, pág.151 e 152), quando refere que na interpretação do contrato de seguro se exige “bom senso e uma análise serena dos interesses em presença: dos tomadores de seguro consumidores, frequentemente logrados nas suas legítimas expectativas por cláusulas ambíguas, demasiado técnicas ou escondidas nas apólices; das seguradoras que lutam contra a fraude dos segurados e para as quais a definição do risco é essencial para uma boa gestão dos seus negócios.”

Não se descura a tese avançada pela ré entidade empregadora, no sentido de que quem terá tratado do seguro foi o mediador, que conhecia bem a sua atividade, e que o que foi negociado foi o risco relativo à sua atividade principal, de fabricação de obras de carpintaria para construção, mas a verdade é que tal não resultou provado, para além de que contraria o texto da proposta de seguro junta aos autos e que se mostra devidamente assinada pelo legal representante da ré entidade empregadora».

Já a Relação responsabilizou a seguradora pela reparação do acidente, com os seguintes fundamentos:

«Desta factualidade podemos concluir que os trabalhos que o sinistrado se encontrava a executar na data do acidente (colocação de painéis sandwich num telhado a cerca de 3,5/4 metros de altura) ainda que não se possam incluir na actividade principal da recorrente, pelo menos tais trabalhos revelam-se com acessórios daquela actividade principal, encontrando-se relacionados ou conexionados com ela e, nesta acepção, os riscos emergentes da actividade estariam cobertos pelas garantias emergentes do contrato de seguro.

Acontece, porém, que na proposta aceite pela seguradora consta como risco a segurar a actividade de “fabricação de mobiliário de cozinha” “fabricação e montagem de mobiliário”.

Ora, após a alteração da matéria de facto operada por esta Relação, vemos que a recorrente pretendeu, perante o mediador (que conhecia perfeitamente a actividade a que a recorrente se dedicava), segurar os riscos resultantes da actividade a que de facto ou efectivamente desempenhava.

E essa actividade não ficou a constar da proposta de contrato de seguro por facto inteiramente alheio ou não imputável à tomadora pelas razões que a propósito se aduziram aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto.

E, não sendo imputável à tomadora o erro na indicação da actividade cujos riscos se pretendiam segurar, entendemos que a seguradora não se pode eximir à reparação infortunística.

Mas ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que a discrepância ou a inexactidão entre a actividade declarada na proposta e a efectiva e concretamente exercida pela recorrente fosse a esta imputável, sempre valeriam aqui os argumentos aduzidos no acórdão acima transcrito no que respeita à natureza do contrato de seguro como contrato a favor de terceiro, que aqui se reproduzem, não podendo legalmente a seguradora opor ao sinistrado as excepções que tenha contra o segurado pois esta excepções são do domínio exclusivo da relação entre eles, só sendo relevantes nas relações imediatas ou internas entre ambos pelo que, no caso em apreciação, se porventura se verificassem excepções determinativas da anulabilidade do contrato de seguro ou da exclusão do âmbito de protecção do mesmo da actividade desempenhada pelo sinistrado no momento do acidente, elas não podiam ser opostas ao sinistrado enquanto terceiro lesado pelo acidente».

Como se vê, à semelhança do que foi decidido na 1ª instância, também a Relação entendeu que a atividade desenvolvida pelo sinistrado aquando do acidente não estava diretamente coberta pelo seguro então vigente no qual constava «como risco a segurar a actividade de “fabricação de mobiliário de cozinha” “fabricação e montagem de mobiliário”».

Contudo considerou: «ainda que não se possam incluir na actividade principal da recorrente, pelo menos tais trabalhos revelam-se com acessórios daquela actividade principal, encontrando-se relacionados ou conexionados com ela» e que «após a alteração da matéria de facto operada por esta Relação, vemos que a recorrente pretendeu, perante o mediador (que conhecia perfeitamente a actividade a que a recorrente se dedicava), segurar os riscos resultantes da actividade a que de facto ou efectivamente desempenhava».

Todavia e independentemente da valia deste entendimento, o mesmo não encontra suporte bastante na factualidade provada.

Vem provado que a “BB, Lda” é uma sociedade comercial que se dedica principalmente ao fabrico de mobiliário e carpintaria, trabalhos genéricos afins, assim como a diversos outros trabalhos de índole geral, relacionados com estruturas, móveis e fixas (16); que é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de obras de carpintaria para construção (128); e que esta actividade principal compreende a fabricação de artigos em madeira, principalmente destinadas à indústria da construção, como peças de carpintaria (caibros, cofragens, armações, vedações, barrotes, vigas de madeira, etc.), obras de carpintaria de limpos (portas, janelas, persianas, escadas em madeira, com ou sem ferragens, etc.), caixilhos e lambris. Inclui a pré-fabricação de casas em madeira e suas partes (129), a que acrescem, como secundárias, as actividades de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas, estores e a colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais (inclui os resistentes aos fogo). Inclui trabalhos de carpintaria executados e destinados à sua aplicação na obra (fixação de cofragens em madeira, tetos falsos, divisórias, etc., bem como o comércio a retalho de carpetes, tapetes cortinados, papel de parede e revestimentos similares para paredes e pavimentos (130).

Pese embora seja percetível alguma contradição nestes factos relativamente à atividade principal da empregadora (no nº 16 a atividade principal é o fabrico de mobiliário e carpintaria, trabalhos genéricos afins, enquanto que nos números 128 e 129 a atividade principal é a fabricação de obras de carpintaria para construção), a mesma, para além de irrelevante para a solução jurídica do caso, como adiante veremos, poderá não ser real.

Efetivamente alegou a empregadora que não alterou o seu objeto social desde a sua constituição (art. 1º da contestação – fls. 256 verso), facto que levado à base instrutória no número 115, aquela não provou.

Por outro lado, na proposta do contrato de seguro junta a fls. 263 verso e 264, que foi aceite pela seguradora e assinada pela BB, consta como “ACTIVIDADE PREDOMINANTE”, “RISCO A SEGURAR” a “FABRICAÇÃO DE MOBILIÁRIO COZINHA”, “CAE 3613” e no item 7 “OBSERVAÇÕES”Obs: Fabricação e Montagem de Mobiliário” (facto 135).

 Este contrato inicial foi renovado e alterado pela proposta junta a fls. 274 verso (facto 137), sendo que as negociações encetadas tiveram como finalidade exclusiva a inclusão de mais funcionários (facto 138) tendo-se mantido inalterada a atividade predominante, o risco a segurar e o CAE. Apenas após o acidente o contrato foi alterado relativamente a estes itens “Alteração de CAE para 16230 – Fabricação de outras obras de carpintaria para a construção. + EMAIL EM ANEXO Actualização do CAMPO 7 da proposta” (fls. 303 verso e seguintes).

É assim patente que, ao menos para efeito do contrato de seguro, a atividade principal da empregadora foi alterada, pese embora sem qualquer eficácia para o caso uma vez que foi posterior ao acidente.

Importa ainda ter em consideração que a atividade registada (CAE) aquando da constituição da sociedade não impede que a mesma se dedique a outra atividade a título principal ou acessório, caso em que apenas se verificará a desconformidade entre o facto registado e a realidade.

Isto para dizer que a atividade constante do registo da sociedade pode nada ter a ver com a atividade efetivamente exercida e muito menos com a atividade cujo risco se pretendeu segurar em cumprimento das normas que instituem o seguro de acidentes de trabalho obrigatório.

Assim, a atividade principal efetiva aquando da celebração do contrato de seguro em vigor à data do acidente poderia ser uma, passando posteriormente a ser outra, nomeadamente já aquando do acidente, mas apenas comunicada à seguradora, para efeitos de alteração do contrato, em data posterior a este.

Não oferece dúvida, e as instâncias nisso concordaram, que a atividade exercida pelo sinistrado aquando do acidente não estava compreendida diretamente na atividade cujo risco foi segurado “FABRICAÇÃO DE MOBILIÁRIO COZINHA”, “CAE 3613” e no item 7 “OBSERVAÇÕES”Obs: Fabricação e Montagem de Mobiliário”.

Considerou, todavia a Relação que «pelo menos tais trabalhos revelam-se com acessórios daquela actividade principal, encontrando-se relacionados ou conexionados com ela e, nesta acepção, os riscos emergentes da actividade estariam cobertos pelas garantias emergentes do contrato de seguro».

Este entendimento, porém, não merece o nosso acolhimento. Efetivamente uma coisa é a fabricação e montagem de mobiliário de cozinha e outra bem diversa são os trabalhos de aplicação de painel sandwich na cobertura de um anexo, não existindo notoriamente qualquer conexão ou complementaridade entre eles. E a diversidade do risco inerente a cada uma destas atividades é também bem patente. Para a fabricação e montagem de mobiliário de cozinha não será necessário permanecer em cima de um telhado, como acontecia com o sinistrado aquando do acidente, sendo que os riscos de queda, com consequências potencialmente mais graves, são muito superiores quando se está em cima de um telhado, e sobretudo sem a prévia implementação de quaisquer medidas de segurança, como foi o caso.

Temos assim que o acidente não cabe na atividade que se mostra coberta pelo seguro.

Subsidiariamente considerou-se no acórdão revidendo, que «após a alteração da matéria de facto operada por esta Relação, vemos que a recorrente pretendeu, perante o mediador (que conhecia perfeitamente a actividade a que a recorrente se dedicava), segurar os riscos resultantes da actividade a que de facto ou efectivamente desempenhava.

E essa actividade não ficou a constar da proposta de contrato de seguro por facto inteiramente alheio ou não imputável à tomadora pelas razões que a propósito se aduziram aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto.

E, não sendo imputável à tomadora o erro na indicação da actividade cujos riscos se pretendiam segurar, entendemos que a seguradora não se pode eximir à reparação infortunística.

Porém, estas considerações carecem de apoio nos factos provados.

Desde logo, não consta do elenco dos factos provados (e apenas estes podem ser tidos em consideração na solução jurídica), que «o mediador conhecia perfeitamente a actividade a que a recorrente se dedicava». Também não está provado que «a recorrente pretendeu, perante o mediador segurar os riscos resultantes da actividade a que de facto ou efectivamente desempenhava». Efetivamente o que vem provado é, tão só, que «no âmbito das negociações tendentes à celebração do contrato de seguro objecto dos autos foi aventada a proposta de seguro junta a fls. 263 verso e 264 (e nesta, a atividade e o risco segurado é a fabricação e montagem de mobiliário de cozinha); que com essa proposta a BB pretendeu assegurar os riscos relativos à sua actividade principal; e que era vontade desta a contratação de seguro correspondente à sua actividade comercial».

Ou seja, uma coisa é a intenção da empregadora tomadora do seguro e outra bem diversa é a comunicação dessa intenção à seguradora, ou ao seu representante, ou o conhecimento deste relativo à atividade. Ora, nem essa comunicação, nem esse conhecimento vêm provados.

Acresce que embora tenha sido alegado e levado à base instrutória que “a 1ª Ré foi abordada para encetar negociações com a 2ª Ré, através do seu agente de seguros atuando com mandato de representação, o Sr. DD” (nº 119 da base instrutória) e que “aquando da celebração do contrato de seguro, e nas sucessivas renovações, a 1ª Ré entregou, entre outra, a documentação relativa a certidão de registo comercial, onde consta o seu objeto social e os recibos de vencimento dos seus funcionários” (nº 118 da base instrutória), factos que, se provados, poderiam demonstrar os referidos conhecimento, intenção e vontade. Todavia o tribunal, a estes números da base instrutória, respondeu «Não provado».

Há ainda que considerar que, como atrás dissemos, que a atividade real pode não corresponder à atividade registada.

Refere ainda a Relação que «essa actividade não ficou a constar da proposta de contrato de seguro por facto inteiramente alheio ou não imputável à tomadora pelas razões que a propósito se aduziram aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto». Mas também estas considerações carecem de apoio nos factos provados, certo como é que as razões aduzidas «aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto», não são factos, nem alegados, nem provados, mas apenas os fundamentos que conduziram à alteração pela Relação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.

Consignou-se ainda no acórdão revidendo que, «não sendo imputável à tomadora o erro na indicação da actividade cujos riscos se pretendiam segurar, entendemos que a seguradora não se pode eximir à reparação infortunística».

Mas mais uma vez esta conclusão carece de apoio factual.

Desconhece-se, por não constar dos factos provados, quem procedeu à elaboração da proposta do seguro, a qual foi efetivamente assinada pela tomadora, como vem provado.

À data da celebração do contrato de seguro estava em vigor o DL 72/2008 de 16/04 (doravante RJCS) que instituiu o “Regime jurídico do contrato de seguro”, e aplicável ao seguro por acidentes de trabalho (art. 2º) e que, revogando o art. 426º do Código Comercial, no seu art. 32º, nº 1, não condicionou a respetiva validade a forma especial, pese embora obrigando, nos seus nºs 2 e 3, o segurador a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e que deve datar e assinar, e a entregá-lo ao tomador do seguro.

Estamos pois, perante um contrato consensual, na medida em que a sua validade não depende de forma especial, mas também formal porquanto obriga a seguradora a formalizá-lo por escrito - a apólice -, por si assinada.

Estabelece ainda o art. 35º que “[d]ecorridos 30 dias sobre a data da entrega da apólice sem que o tomador do seguro haja invocado qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, só são invocáveis divergências que resultem de documento escrito ou de outro suporte duradouro.

No caso, não vem alegado nem provado que a empregadora, tomadora do seguro, tenha no referido prazo de 30 dias após a entrega da apólice, invocado qualquer desconformidade entre esta e o acordado, designadamente em relação à atividade e ao risco segurado.

Por conseguinte, a divergência agora invocada e provada para ter eficácia, como decidido pela Relação, relativamente à cobertura do acidente dos autos, teria que resultar de documento escrito ou de outro suporte duradouro e não resulta.

Nos termos da Cláusula 7ª, nº 1, do Anexo da Portaria nº 256/2011, de 5/07, (“Apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem”), “O tomador do seguro está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.”

Ora o contrato de seguro aqui em causa foi precedido de proposta assinada pela tomadora e aceite pela seguradora que emitiu a respetiva apólice. Como é dito no acórdão desta Secção de 5.03.2008, proc. 07S3789 (Sousa Grandão) (in www.dgsi.pt) “[a]o pretender efectuar um contrato de seguro, é o segurado quem, conhecedor do objecto do contrato que pretende celebrar, declara aquele objecto e os riscos que pretende cobrir com o seguro e as condições determinantes para a sua avaliação, sendo que tais declarações deverão ser conscienciosas e completas, por forma a permitir fixar com suficiente amplitude e rigor o tipo de risco que está em causa”.

Estabelece o art. 1º do RJCS: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.

No caso, como já concluímos, o risco coberto pelo seguro, de acordo com a declaração da tomadora consignada na respetiva proposta e que serviu para a seguradora apreciar o risco, estava limitado à atividade de fabricação e montagem de mobiliário de cozinha e, aquando do acidente, as funções exercidas pelo trabalhador sinistrado não se inseriam nesta atividade.

Diga-se ainda que não vem provado que aquando do acidente a seguradora tinha conhecimento da invocada desconformidade entre a atividade segurada e a atividade real da tomadora, e que dera cumprimento ao estabelecido no nº 1 da Cláusula 9ª do referido Anexo, não podendo, por isso, ser responsabilizada nos termos do nº 4, al. a) da mesma Cláusula.

Entendeu ainda a Relação que o contrato de seguro de acidentes de trabalho tinha a natureza de contrato a favor de terceiro «não podendo legalmente a seguradora opor ao sinistrado as excepções que tenha contra o segurado pois esta excepções são do domínio exclusivo da relação entre eles, só sendo relevantes nas relações imediatas ou internas entre ambos pelo que, no caso em apreciação, se porventura se verificassem excepções determinativas da anulabilidade do contrato de seguro ou da exclusão do âmbito de protecção do mesmo da actividade desempenhada pelo sinistrado no momento do acidente, elas não podiam ser opostas ao sinistrado enquanto terceiro lesado pelo acidente».

Consignou-se no acórdão desta Secção atrás referenciado: “não é líquido que o contrato de seguro de acidentes de trabalho constitua um benefício a favor do sinistrado e que, nessa medida, se configure como um contrato a favor de terceiro: é que os interesses do sinistrado estão sempre assegurados, antes de mais pelo seu próprio empregador e, para o caso da sua não solvabilidade, pelo Fundo de Garantia e Actualização de Pensões. A entender-se que a mera aceitação da proposta de seguro investiria a Seguradora, desde logo e sem mais, na obrigação de reparar o evento infortunístico, qualquer que ele fosse, que envolvesse todo e qualquer trabalhador do seu segurado, estaríamos perante um irrecusável convite à fraude, na justa medida em que o empregador, ainda que sujeito a uma acção de regresso, seria tentado a pagar um prémio mais baixo sem ver diminuído o âmbito – pessoal ou de risco – da cobertura contratada.

Subscrevemos inteiramente estas considerações.

Acrescentar-se-á ainda que, mesmo que se aceitasse ter o seguro em causa a natureza de contrato a favor de terceiro, também não é líquido que a seguradora não pudesse invocar a falta de cobertura do acidente. Desde logo porque a invocação é feita perante a empregadora que é quem, nos termos do art. 7º da Lei nº 98/2009 de 4/09, responde “pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho”. E depois, porque nos termos do art. 449º do Código Civil “[s]ão oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato…”, como é o caso.

Concluímos, pelo referido que não estando a atividade desempenhada pelo trabalhador sinistrado aquando do acidente abrangida pelo contrato de seguro, não é a seguradora a responsável pela respetiva reparação, mas a empregadora, nos termos do referido art. 7º da Lei nº 98/2009 de 4/09.

5.3.4 – Se a responsabilidade da R. seguradora, é limitada ao pagamento das prestações devidas caso não ocorresse responsabilidade agravada e sem prejuízo do direito de regresso.

Face à conclusão a que chegámos no item anterior mostra-se prejudicada a apreciação desta questão.

6 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença da 1ª instância.

2 – Condenar a recorrida BB, Lda. nas custas da revista e da apelação, com exceção das referentes ao recurso de apelação subordinado, as quais, como decidido pela Relação, são a cargo do autor.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 25.09.2019

Ribeiro Cardoso – (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

__________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.