Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PENA DE ADMOESTAÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO CONTRAORDENAÇÃO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTE | ||
Data do Acordão: | 09/26/2018 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | DR, I SÉRIE, 219, 14.11.2018, P. 5306 - 5315 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Decisão: | FIXADA JURISPRUDÊNCIA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS / AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA. | ||
Doutrina: | - Alexandra Vilela, O direito de mera ordenação social, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 433; - Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 47 e ss., 58 e ss. e 167; - Augusto Silva Dias, ob. cit. supra, p. 58 e ss. e 167; - Conde Monteiro, Breves reflexões epistemológicas sobre a delimitação entre o ilícito contraordenacional e o ilícito jurídico-penal em face da ordem jurídica portuguesa, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, Tomo LXVI, n.º 344, p. 203 e ss.; - Costa Andrade, Contributo para o conceito de contra-ordenação (a experiência alemã), AAVV, Direito Penal Económico e Europeu, textos doutrinários, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 75 e ss., - Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, 2.ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 7/ § 10 e ss, p. 161; - Frederico Lacerda da Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, RPCC, 1997, n.º 1, p. 87 e ss. e 93; - Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3.ª Edição, 20006, p. 363 ; Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, p.394; - Mário Monte, Lineamentos de Direito das Contraordenações, 2.ª Edição, Braga: AEDUM, 2014, p. 55 e ss., 174 a 176, 272 e 273; - Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações (da cisão à convergência material), Coimbra: Coimbra Editora, 2016 ; Por um sistema contra-ordenacional a diferentes velocidades, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, Tomo LXVI, n.º 344, p. 281 e 934; - Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2009, art. 51.º/notas 3 e 4; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral as Contra-Ordenações, Lisboa: UCP: 2011, art. 51.º/ nm. 9, p. 224, 51.º/ nm. 6, p. 222 e 223; - Simas Santos e Leal Henriques, Contra-ordenações. Anotações ao regime geral, 6.ª Edição, Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 394-5; - Taipa de Carvalho, Direito Penal. Parte Geral (Questões fundamentais. Teoria geral do crime), 3.ª ed., Lisboa: UCP, 2016, p. 142. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 438.º, N.º 1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 66.º. REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES (RGCO), APROVADO PELO DL N.º 433/82, DE 27-10: - ARTIGO 51.º. REGIME DA PREVENÇÃO E CONTROLO DAS EMISSÕES DE POLUENTES PARA A ATMOSFERA, APROVADO PELO DL N.º 78/2004, DE 03-04: - ARTIGO 34.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: - DE 26-02-2013, PROCESSO N.º 228/12.0TBFAR.E1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 557/2011, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT; - ACÓRDÃO N.º 110/2012, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT; - ACÓRDÃO N.º 299/2013. | ||
Sumário : | «A admoestação prevista no art. 51.º, do DL 433/82, de 27-10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do DL 78/2004, de 03-04». | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No âmbito do processo n.º 215/15.7T8ACB.C1-A, e após prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.01.2017, a arguida AA, Lda (pessoa coletiva n.º 500 678 626, melhor identificada nos autos), veio interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos arts. 437.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), com fundamento em oposição entre o acórdão referido e o acórdão de 18.04.2012, do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, e prolatado no âmbito do processo n.º 430/11.2TBMLD.C1.Em síntese, alega que os acórdãos em confronto estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à possibilidade (ou não) de aplicação de admoestação [nos termos do art. 51.º, do decreto-lei n.º 433/82, de 27.10 (e alterações posteriores: decreto-lei n.º 356/89, de 17.10, decreto-lei n.º 244/95, de 14.09, decreto-lei n.º 323/2001, de 17.12 e lei n.º 109/2001, de 24.12 — Regime geral das Contraordenações, doravante RGCO)], às contraordenações ambientais graves, previstas no art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004, de 03.04 [Regime da prevenção e controlo das emissões poluentes para a atmosfera; este diploma sofreu alterações pelo decreto-lei n.º 126/2006, de 03.07, tendo sido recentemente revogado pelo decreto-lei n.º 39/2018, de 11.06: cf. art. 43.º, al. a)]. 2. Em conferência, por acórdão de 17.05.2017, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar a necessária oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação. 3. Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, o recorrente e o Ministério Público apresentaram as alegações. 3.1. O recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos: «1.º - Nos presentes autos o Tribunal de 1.ª Instância julgou improcedente as impugnações judiciais instauradas pela aqui Recorrente, a primeira impugnação da decisão administrativa proferida pela Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território que indeferiu o requerimento de redução da coima e a segunda impugnação interposta da decisão administrativa proferida pela Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) que condenou a mesma numa coima de 3.000,00€ e custas no valor de 100,00€ e em consequência manteve a decisão proferida IGAMAOT no âmbito da qual aplicou à Recorrente uma coima no valor de 3.000,00€, pela prática da contraordenação de violação da obrigação de autocontrolo prevista nos artigos 18.º e alínea d) do n.º 2 do artigo 34° do D.L. n.º 78/2004, de 3 de Abril, com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 126/2006 de 3 de Julho conjugado com a Portaria n.° 80/006 de 23.01.2006 e a condenou também em custas no valor de 100,00€. 2.º- A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da supra referida sentença, entre outros motivos, pelo facto de não ter sido aplicada a pena de mera admoestação à Recorrente. 3.º - Na sequência desse recurso foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que transitou em julgado em 26.01.2017 e no qual foi sufragado o entendimento de não ser aplicável ao caso concreto dos presentes autos a sanção de mera admoestação. 4.º - 0 Acórdão Recorrido está em clara oposição, porque foi proferido em último lugar, no domínio da mesma legislação, e relativamente à mesma questão de direito assenta em solução oposta, com o Acórdão Fundamento proferido em 18.04.2012 pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 430/11.2TBAILD.C. 5.º - 0 Acórdão Recorrido sufraga o entendimento que a pena de admoestação não é aplicável às contra-ordenações legalmente classificadas como graves. 6.º- 0 Acórdão Fundamente do presente Recurso de Fixação de Jurisprudência sustenta que aquela classificação não obstaculiza tal opção, mostrando-se apenas necessário que a culpa do agente seja reduzida e que em concreto a gravidade da infracção seja reduzida. 7.º- As infracções porque ambas as Recorrentes foram condenadas no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento radicam ambas em ilícitos de natureza contra-ordenacional de incidência ambiental e são ambas classificadas na legislação como contra-ordenações graves; 8.º- 0 Acórdão Fundamento considerou que existe uma situação de reduzida gravidade quando: nos autos ficou demonstrada a conduta negligente; não ficou demonstrado qualquer dano efectivo para o ambiente; não foi contabilizado qualquer benefício económico para a Recorrente e a empresa não possui qualquer contraordenação anterior. 9.º - No Acórdão Recorrido foram dados como assentes os mesmos factos que foram determinantes para aplicação da sanção de mera admoestação no Acórdão Fundamento, nomeadamente foi dado como provado que a Recorrente agiu com negligência; a situação já tinha sido regularizada quando foi proferida a decisão administrativa; de acordo com os ulteriores Relatórios de Caracterizações de Efluentes Gasosos as medições estavam todas dentro dos parâmetros legais; não foi quantificado qualquer benefício económico por parte da Recorrente e a Recorrente não foi condenada por qualquer outra contra-ordenação. 10.º - Por outro lado, as medições que foram realizadas pela Recorrente estavam dentro dos parâmetros legais, logo, ainda que com o atraso na realização do autocontrolo, a verdade é que o Relatório de Caracterizações de Efluentes Gasosos demonstrou que as medições estavam dentro dos parâmetros legais, o que permite concluir que apesar da sua conduta negligente a Recorrente não causou qualquer dano efectivo ao ambiente: 11.º - 0 entendimento que veio a ser plasmado no Acórdão ora Recorrido foi contrário ao entendimento sufragado no Acórdão Fundamento, ou seja, foi o de considerar não ser aplicável às contra-ordenações ambientais graves a pena de mera admoestação. 12.º - No entender da Recorrente, estão pois verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do Recurso de Fixação de Jurisprudência: a existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito: a aplicação da pena de admoestação prevista no n.º 1 do artigo 51° do Regime Geral das Contra-ordenações às contra-ordenações ambientais classificadas como contra-ordenações graves; no domínio da mesma legislação; identidade das situações de facto no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento e existência de soluções opostas no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento. 13.º - Razão pela qual, impõe-se nos presentes autos a resolução de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito: a interpretação/aplicação do artigo 51.º n.° 1, do Regime Geral das Contra-ordenações, para as contra-ordenações classificadas legalmente como contra-ordenações graves, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.° 2, do D.L. n.° 78/2004, ou seja, saber se é admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como grave, através da fixação de jurisprudência. 14.º- No entender da Recorrente, o artigo 51°, n.º 1, do Regime Geral das Contra-ordenações conjugado com o artigo 34.º, n.º 2, do D.L. n.º 78/2004 deve ser interpretado no sentido de ser admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como contra-ordenação grave. 15.º - Dispõe o artigo 51° do Regime Geral das Contra-Ordenações que: "quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação." 16.º- Ou seja, para efeitos da aplicação da sanção de admoestação há que atender à culpa do agente e não à classificação que é feita quanto ao tipo de gravidade da contra-ordenação imputada. 17.º - 0 artigo 51° do Regime Geral das Contra-Ordenações não prevê que a pena de admoestação não possa ser aplicável às contra-ordenações classificadas como graves. 18.º - 0 n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil estipula que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 19.º- Pelo que, se o legislador tivesse pretendido que a pena de admoestação não fosse aplicável às contra-ordenações classificadas como graves tinha consagrado tal facto expressamente no artigo 51° n.° 1° do Regime Geral das Contra-Ordenações, todavia neste caso em concreto o mesmo não o fez! 20.º- Na aferição da gravidade da infracção e da culpa do agente o Tribunal para efeitos da aplicação da pena de mera admoestação prevista no artigo 51° do Regime Geral das Contra-Ordenações, tem que atender se houve ou não benefício económico; se existiu ou não dolo, e qual a conduta do agente anterior e posterior à pratica da contra-ordenação. 21.º - Nos casos em que a conduta do agente é negligente a culpa é reduzida. 22.º- No entender da Recorrente, nos casos em que não existiu qualquer benefício económico; em que o agente regularizou a situação; em que a conduta foi considerada negligente e em que o agente é primário, deve ser considerado que a culpa do agente é diminuta e que por isso lhe pode ser aplicada a pena de admoestação conforme aliás foi também o entendimento sufragado no Acórdão Fundamento do presente recurso. 23.º - A não aplicação da pena de admoestação à Recorrente configura uma violação do principio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa. 24.º- Por um lado, porque permite que em duas situações idênticas sejam aplicadas penas diferentes: no Acórdão Fundamento é aplicada a pena de admoestação e no Acórdão Recorrido é aplicado uma pena mais gravosa, uma coima. 25.º - Por outro lado, aplica o mesmo tipo de pena em casos de dolo e negligência, ou seja, na fixação da pena não tem em conta o grau de culpa do agente. 26.º - Face a tudo o supra exposto a aqui Recorrente desde já requer aos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que se dignem fixar jurisprudência no sentido seguinte: O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (D.L. n.º 433/82 de 27/10) estabelece no artigo 51.º, n.° 1 que " Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação". Pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no Capítulo III daquele Diploma legal — “Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas", é de entender que a referência à "entidade competente" usada na redacção do referido normativo leva a que a admoestação possa ser aplicada quer na fase administrativa, quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa. A referência à culpa tem por objectivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, nomeadamente aqueles em que há actuação por negligência. O artigo 51.º, n.° 1 do Regime Geral dos Contra-ordenações conjugado com o artigo 34.º, n.° 2 do D.L. n.° 78/2004 deve ser interpretado no sentido de ser admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como grave. 27.º- E fixada que seja jurisprudência nesse sentido, deve a mesma, nos termos do disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 445.º do CPP, ter eficácia nos presentes autos, por ser o processo em que o recurso foi interposto, requerendo-se desde já que para esse efeito os Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se dignem rever a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão Recorrido e revogar o Acórdão Recorrido e em consequência substituí-lo por outro que aplique a jurisprudência que vier a ser fixada conforme supra requerido e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e por consequência disso se dignem aplicar a sanção de mera admoestação à Recorrente, o que a mesma desde já aqui requer expressamente e para todos os legais efeitos.» 3.2. O Senhor Procurador-Geral Adjunto veio igualmente apresentar alegações que concluiu do seguinte modo: «1. Contra-ordenação ambiental é todo o facto ilícito e censurável que preenche um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres e que seja cominado com coima (artº 1º nº 2 da Lei 50/2006, de 29.08 – Lei-Quadro das contraordenações). 2. É legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas, tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente (nº 3 da Lei 50/2006, de 29.08). 3. O DL nº 78/2004, de 03.04, define valores limite de concentração de poluentes na atmosfera, ao nível do solo, sendo um importante instrumento da política da qualidade do ar. 4. O ar é um dos componentes ambientais naturais (artº 6 (Lei nº 11/87, de 07.04, com as posteriores alterações). 5. Segundo o regime actualmente em vigor, as contra-ordenações ambientais, tal como a violação da obrigação de realizar autocontrolo de emissões atmosféricas sujeitas a valor limite [artº 18º e 34º nº 2 alª d)], estão sujeitas ao regime especialmente previsto pela Lei 50/2006, de 29.08. 6. O legislador, com as alterações introduzidas pela Lei nº 114/2015, de 28.08, à Lei nº 50/2006, de 29.98, instituiu a advertência definindo-a como um mecanismo de carácter pedagógico, que estimula a adopção de comportamento que seria devido e a reposição da situação anterior à infracção, diminuindo os custos para a administração, com claros benefícios para a actividade processual (Proposta de Lei 332/XII). 7. A advertência mais não é do que um regime específico de admoestação previsto para as contra-ordenações ambientais. 8. No caso em análise, a questão de saber se, pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 18º e 34º nº 2 alínea d), classificada como grave, pode ser aplicável a admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO, coloca-se antes das alterações introduzidas pela referida Lei 114/2015, de 28.08. 9. Da proposta de Lei 332/XII, que deu origem à Lei nº 114/2015, de 28.08, resulta que a advertência foi pensada para situações de “menor gravidade” sendo pressuposto da sua aplicação que a contra-ordenação seja classificada como “leve”. 10. É manifesto que os conceitos de “menor gravidade” ou a “reduzida gravidade” da infracção não se conciliam com a natureza grave ou muito grave da contra-ordenação. 11. A admoestação só poderá estar em perfeita consonância com o escalão classificativo inferior da contra-ordenação, ao qual corresponde, de igual modo, uma coima menor, ou seja, com a contra-ordenação leve. Deve, pois, fixar-se jurisprudência no seguinte sentido: O regime de admoestação previsto no artigo 51.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações só pode ser aplicado à contra-ordenação ambiental classificada como leve.» II 1. A decisão, tomada na secção criminal por acórdão de 17.05.2017, sobre a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais. Por isso devemos reapreciar a questão.2.1. No presente caso, o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido a 09.01.2017 e transitou em julgado a 26.01.2017 (cf. certidão junta a fls. 245). O recurso agora em apreciação foi interposto, via fax a 27.02.2018 (cf. fls. 177 e ss). Entende-se, pois, que se encontra cumprido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, conforme o disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP. O acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido a 18.04.2012. Considera-se tempestivo o recurso interposto. Ambos os acórdãos proferem decisões ao abrigo do disposto no art. 51.º, do RGCO, e do art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004 (com as alterações introduzidas em 2006), assim se considerando que na base de ambas as decisões em confronto está a mesma legislação. É certo que entre a prolação do acórdão fundamento e do acórdão recorrido a lei-quadro das contraordenações ambientais — lei n.º 50/2006, de 29.08 — foi alterada pela lei n.º 114/2015, de 28.08. Todavia, as decisões em confronto não tiveram na sua base nenhum dos dispositivos alterados ou adicionados por aquela lei. Precisemos, agora, qual a questão em discussão. 2.2. Em ambos os acórdãos em oposição a questão de direito controversa reside na possibilidade (ou não) de aplicação de admoestação, nos termos do art. 51.º, do RGCO, à prática de uma contraordenação classificada, pela lei, como grave, nos termos do art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004. 2.2.1. O acórdão recorrido decidiu nos seguintes termos: «3.7. Aplicabilidade da admoestação, nos termos previstos no artigo 51.º do RGCO. Aqui chegados, e tendo por base que a factualidade apurada preenche os elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação de violação, a título de negligência, da obrigação da realização do autocontrolo das emissões de poluentes atmosféricos sujeitas a valor limite, nos termos previstos nos artigos 18.º e 34.º, n.os 2, alínea d), e 3 do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 126/2006, de 3 de Julho, pela qual foi a recorrente condenada na decisão administrativa de 16-09-2014, confirmada pela decisão recorrida, o que, aliás, não foi questionado no recurso, importa apreciar a aplicabilidade da admoestação ao caso vertente. A este respeito a recorrente suscita duas questões que serão analisadas no presente ponto: por um lado, a decisão administrativa é nula, em virtude de não se ter pronunciado sobre a aplicação daquela sanção, conforme a mesma havia requerido; por outro, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, verificam-se todos os pressupostos para que tal sanção lhe seja aplicada, pelo que assim deve ser determinado. Ora, quanto à primeira questão, o tribunal a quo entendeu que à recorrente não assistia razão na invocada nulidade da decisão administrativa, tendo considerado que esta satisfaz todos os requisitos previstos no artigo 58.º, n.º 1 do RGCO e respeita o dever de fundamentação, mormente em sede de determinação da coima aplicada, cujos critérios se encontram “cristalinamente escalpelizados” e “dos quais facilmente se infere, a contrario sensu, a não opção por mera admoestação”. Sustentou-se ainda na sentença recorrida que, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, a infracção praticada pela recorrente constitui uma contra-ordenação ambiental grave e, embora tenha regularizado posteriormente o autocontrolo de emissões antes omitido, ao caso é inaplicável a admoestação, uma vez que na cada vez mais premente tutela do ambiente, com reforçada consagração no artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, aquela deve ser reservada apenas para as contra-ordenações leves. O tribunal a quo pronunciou-se efectivamente sobre a alegada omissão da decisão administrativa, tendo concluído no sentido de que a mesma não enferma de nulidade, indicando as razões em que faz assentar tal conclusão e justificando com clara suficiência a não aplicabilidade da sanção da admoestação a uma contra-ordenação ambiental grave como a dos presentes autos. Recorde-se aqui a impugnação judicial da decisão administrativa em processo contra-ordenacional e o consequente envio dos autos ao tribunal, faz iniciar uma nova fase caracterizada pela jurisdição plena e não de mera anulação, na qual o juiz aprecia a causa com amplos poderes de cognição e de substituição, determinando o âmbito da prova a produzir (artigo 72.º, n.º 2 do RGCO) e, após, arquivando o processo, absolvendo o arguido ou mantendo ou alterando a condenação (artigo 64.º, n.º 2 do RGCO). [1] Nesta fase inexistem, pois, fundamentos que sustentem a invocada omissão de pronúncia em relação a questão que foi efectivamente conhecida na sentença, entendendo-se aí que a mesma foi apreciada na decisão administrativa, sendo certo que, face ao teor desta, a recorrente pôde aquilatar as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação em coima, assim como foi permitido ao tribunal a quo saber qual o processo lógico da formação da decisão da autoridade administrativa. Acresce que, como se refere na sentença recorrida, a reduzida gravidade da infracção que, à luz do artigo 51.º, n.º 1 do RGCO, constitui pressuposto da aplicação da admoestação, é inconciliável com a natureza grave da contra-ordenação ambiental praticada pela recorrente. Aliás, a regularização posterior do autocontrolo das emissões não diminui o grau de ilicitude que levou o legislador a qualificar a aludida infracção como grave (constituindo, aliás, um dever que sempre impende sobre o infractor – cf. artigo 24.º da LQCA), nem tal pode resultar da também invocada ausência de antecedentes contra-ordenacionais. Circunstâncias que relevam, pois, noutra sede que não a presente: a da determinação da medida concreta da coima. Como assinala Paulo Pinto de Albuquerque, a admoestação é uma sanção alternativa destinada às situações de “pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples”, em que, “quer a gravidade do ilícito, quer o grau da culpa devem ser reduzidos”.[2] Ou, como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, também no mesmo sentido, a possibilidade de proferir admoestação encontra-se reservada para as contra-ordenações em que o grau de ilicitude é reduzido.[3] Assim, a ponderação efectuada na decisão recorrida não merece reparo, mostrando-se, pois, no caso concreto afastada a possibilidade de se proferir admoestação, uma vez que a contra-ordenação ambiental praticada não reveste o reduzido grau de ilicitude que o citado artigo 51.º, n.º 1 do RGCO pressupõe. E o que se acaba de dizer dá resposta à segunda questão do presente ponto, no sentido de que não se mostram reunidos todos os pressupostos do normativo acima indicado, não se tratando de uma infracção de reduzida gravidade para apenas ser aplicada à recorrente a admoestação.» Como vimos remete expressamente, na sua fundamentação, para a decisão de 1.ª instância, que nesta parte entendeu que: «Neste conspecto, há agora que ponderar a impetrada substituição da coima por admoestação, pretensão que a arguida estriba nos fundamentos que, brevitatis causa, aqui consideramos reproduzidos. A esse respeito, há que ter presente que, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3/4, a infracção praticada pela arguida/impugnante constitui uma contra-ordenação ambiental grave. Ora, na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-02-2013 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 228/12.0TBFAR.E1), também somos de parecer que «[a]o proceder à qualificação das contra-ordenações, o legislador reflecte (…) a ressonância social que as mesmas comportam, sobretudo em atenção aos interesses subjacentes ao seu sancionamento, denotando o propósito de afastar a mera admoestação quando em presença de razões de protecção suficientemente relevantes no domínio em que se inserem». Daí que, em especial quando, como nos autos, está em causa a cada vez mais premente tutela do ambiente, com reforçada consagração no artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, a admoestação deva ser reservada para as contra-ordenações leves, com a consequente inaplicabilidade às contra-ordenações graves e muito graves. Como assim, estando-se in casu perante uma contra-ordenação qualificada como grave, e embora a arguida tenha regularizado posteriormente o autocontrolo de emissões antes omitido, será também improcedente, sem necessidade de outras considerações, a sua pretensão ora em análise.» 2.4.2. Em situação idêntica, o acórdão fundamento considerou que: «3) Da sanção aplicada: O Regime Geral das Contra-Ordenações, no seu artigo 51.º, n.º 1, estabelece o seguinte: “1 – Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.” Pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no capítulo III “aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente” usada na redacção do referido normativo leva a que a admoestação possa ser aplicada quer na fase administrativa quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa (cfr. M. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa “in” Contra Ordenações, anotações ao regime geral, 3º edição, 20006, págª 363. **** A referência à culpa tem como objectivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, nomeadamente aqueles em que há actuação por negligência.Ora, no caso presente, ficou demonstrada a conduta negligente da ora recorrente. Acresce que, perante os factos provados, estamos perante uma infracção de reduzida gravidade, em termos práticos, e é isso que deve ser determinante, não obstante a qualificação que decorre do artigo 34.º, n.º 2, al. e), do DL n.º 78/2004, de 3 de Abril. Na realidade, as horas de funcionamento de fontes de emissão gasosa não atingiram, em 2010, as 500 horas anuais, o que significa que, se tivesse actuado atempadamente e conforme a lei, teria obtido, necessariamente, a dispensa de monitorização. Logo, não está demonstrado qualquer dano efectivo para o ambiente. Assim sendo, e também porque estamos na presença de uma empresa que não apresenta qualquer condenação anterior, sendo certo que não está, de igual modo, quantificado qualquer benefício económico, entendemos ser adequada à situação descrita, em vez da coima, uma admoestação.» 2.5. Tendo em conta o exposto, entende-se que quer os requisitos formais, quer os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência estão preenchidos, nomeadamente, a necessária oposição de julgados dado que têm soluções contrárias para a mesma questão de direito: é aplicável a sanção de admoestação, prevista no art. 51.º, do RGCO, à prática de uma contraordenação classificada, pela lei, como grave, nos termos do art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004? Analisemos o problema. 3.1. Comecemos por salientar que o recorrente restringiu a apreciação deste recurso à seguinte questão de direito “O artigo 51.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-ordenações conjugado com o artigo 34.º, n.º 2, do D.L. n.º 78/2004 deve ser interpretado no sentido de ser admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como grave” (cf. conclusão 26.ª). Assim sendo, apenas procederemos a uma análise da possibilidade (ou não) de aplicação daquela sanção quando esteja em causa a sua aplicação à prática de uma contraordenação ambiental grave[4]. O regime relativo à prevenção, proteção e controlo do ambiente atmosférico (regulado, até 01.07.2018, pelo decreto-lei n.º 78/2004, de 03.04), prevê, no art. 34.º, n.º 2, várias contraordenações ambientais classificadas pela lei como contraordenações graves. Por seu turno, a lei-quadro das contraordenações ambientais (lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada por diversos diplomas, nomeadamente a lei n.º 114/2015, de 28.08), aplicável às contraordenações ambientais (cf. art. 2.º), classifica como contraordenação ambiental “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”. Por seu turno, nos termos do art. 2.º da mesma lei, o Regime Geral das Contraordenações é aplicado subsidiariamente, isto é, em tudo o que não esteja regulamentado. Assim sendo, às contraordenações ambientais previstas no decreto-lei n.º 78/2004, aplica-se não só o regime estabelecido na lei-quadro das contraordenações ambientais, mas também o regime geral das contraordenações (nos termos do art 2.º). E não se diga que, pelo facto de na lei-quadro das contraordenações ambientais existir um capítulo relativo às coimas e sanções acessórias (título III), com isto se afasta a possibilidade de aplicação de sanções (ali não previstas) recorrendo ao regime que a própria lei considerou como subsidiário — o regime geral das contraordenações. Assim seria se no diploma relativo às contraordenações ambientais estivessem não só previstas a sanção principal (coima) e as sanções acessórias, mas também aquilo que se pode designar como sanção de substituição, onde a advertência se insere. Uma vez que naquele diploma não existe qualquer regulamentação quanto às sanções substitutivas, necessariamente teremos que recorrer ao regime subsidiário. Pelo que, e em atenção ao que legalmente foi estabelecido, consideramos que o regime geral das contraordenações é aplicado subsidiariamente às contraordenações ambientais, tal como determina o art. 2.º, da lei n.º 50/ 2006, em tudo o que não esteja previsto (assim se cumprindo o princípio da legalidade). Para além disto, o art. 21.º da lei-quadro das contraordenações ambientais, sobre a epígrafe “classificação das contraordenações”, prescreve que “[p]ara determinação da coima aplicável e tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, as contraordenações classificam-se em leves, graves e muito graves”. Pelo que é claro que a classificação de uma contraordenação como grave obedeceu a uma indagação realizada pelo legislador que, previamente e de modo abstrato, analisou a gravidade da infração em função da relevância dos direitos e interesses violados. Isto é, a gravidade (ou não) de uma contraordenação decorrente de uma maior ou menor ilicitude a partir do relevo dado pela ordem jurídica aos direitos e interesses lesados, foi de forma geral e abstrata determinada pelo legislador. Ponto é saber se, atenta, em geral, a gravidade da infração, ainda poderemos considerar que, perante o caso concreto, aquela mesma violação constitui uma violação de reduzida gravidade. 3.2. O ilícito de mera ordenação social é caracterizado pelo legislador português através de um critério, tradicionalmente designado como meramente formal (cf. art. 1.º, do RGCO) – isto é, constitui ilícito de mera ordenação social aquele que é cominado com uma coima[5]. Todavia, assume particular importância a ilicitude dos comportamentos que integram um ilícito contraordenacional. Na verdade, também o ilícito de mera ordenação social é um ilícito ético-socialmente relevante[6], sendo as condutas ético-socialmente irrelevantes antes da sua integração numa proibição — “Existem na verdade condutas às quais, antes e independentemente do desvalor da ilicitude, corresponde, e condutas às quais não corresponde um mais amplo desvalor, moral, cultural ou social. A conduta, independentemente da sua proibição legal, é no primeiro caso axiológico-socialmente relevante, no segundo caso axiológico-socialmente neutra. O que no direito de mera ordenação social é axiológico-socialmente neutro não é o ilícito, mas a conduta em si mesma, divorciada da proibição legal; sem prejuízo de uma vez conexionada com esta, ela passar a constituir substrato idóneo de um desvalor ético-social”[7]. Assim sendo, uma vez proibida a conduta, esta assume um desvalor de ilícito cuja gravidade pode ser, de forma abstrata, determinada pelo legislador, uma vez que a ilicitude destas condutas proibidas é composta por um “substrato complexo formado pela conduta e pela decisão legislativa de a proibir, que suporta a valoração da ilicitude”[8]. 3.3. Constituindo a sanção um elemento nuclear na caracterização das contraordenações, esta ”serve essencialmente “como mera admonição, como especial advertência ou reprimenda, relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas”[9] e tendo em vista finalidades distintas das sanções penais — as “finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção”[10], considerando-se que poderá assumir relevância a finalidade de prevenção geral negativa[11]. Na verdade, a simples leitura do disposto no art. 18.º, n.º 1, do RGCO, onde se estabelecem os critérios de determinação da coima— “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação” — permite-nos perceber quão distintas são as finalidades que presidem à aplicação daquela sanção, relativamente sanções penais. “Para além de não fazer sentido uma finalidade ético-retributiva, porque a conduta, em geral, vem a ser eticamente irrelevante, é também claro que não há lugar a uma finalidade de prevenção especial de socialização, pelo menos a título principal, sendo igualmente muito discutível que tenha lugar uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração – quando muito, esta será alcançada reflexamente”[12]. E é assim que se começa a afirmar a existência de finalidades de prevenção negativa na aplicação das sanções contraordenacionais — “Do que se trata é de manter uma certa ordenação social. Para essa ordenação, existe todo um conjunto de normas que proíbem ou impõem comportamentos. Fundamental, por isso, para a eficácia dessas normas é que os cidadãos se deixem persuadir pelo seu efetivo cumprimento. Tendo em conta a cada vez maior e recorrente generalização da punição de condutas contraordenacionais, até que ponto é que não estamos a assistir à prossecução de uma finalidade claramente preventiva, de carácter geral e negativo, no sentido intimidatório, ou, pelo menos, admonitório, dirigida a toda a comunidade, e também especial, quando dirigida ao próprio agente? Até que ponto é que a finalidade admonitória ou de advertência que se assesta à coima, de alguma censura ou reprimenda, excluindo dela qualquer sentido ético ou preventivo positivo, de ressocialização do agente, não significará uma tendência prática no sentido da prevenção geral negativa?”[13]. E, neste seguimento, Taipa de Carvalho entende que “não cabem nas finalidades das sanções contraordenacionais as ideias de retribuição”, pese embora se possa dizer que “as funções principais destas sanções são de dissuasão geral (prevenção geral negativa) e de dissuasão individual (prevenção especial negativa): dissuasão de todos os destinatários das respectivas normas; dissuasão do infractor condenado em relação à reincidência. Logo: funções prevenção negativa”[14]. Todavia, Taipa de Carvalho vê ainda a possibilidade de as sanções contraordenacionais terem igualmente finalidades de prevenção positiva no sentido de promoveram a “consciencialização social comunitária” e “consciencialização social do próprio infractor” para a importância comunitária e/ou individual dos “valores ou bens jurídicos tutelados pelo direito de ordenação social”[15]. É à luz destas finalidades que se deve olhar para a sanção de admoestação e sua aplicação. 3.4. A admoestação constitui uma sanção substitutiva da coima[16]. Todavia, de carácter diferente da admoestação prevista no âmbito do Código Penal (art. 60.º). Na verdade, o regime é distinto. Por exemplo, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do CPP, a admoestação, que “consiste numa solene censura oral, feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (art. 60.º, n.º 4, do CP) apenas é “proferida após o trânsito em julgado da decisão que a aplicar”. Porém, não mais se deve considerar que a decisão que aplique uma admoestação é insuscetível de recurso, apesar do disposto no art. 73.º, do RGCO[17]. Na verdade, o Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 299/2013 decidiu “[j]ulgar inconstitucional o artigo 59.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, na sua atual redação, na interpretação segundo a qual a decisão da autoridade administrativa que profere uma admoestação não é suscetível de impugnação judicial, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”[18]. Mas, a diferente natureza das duas sanções deve ser salientada: se, por um lado, a “admoestação penal” constitui uma censura dirigida ao agente, por outro lado, a “admoestação contraordenacional” “não é uma censura ética mas sim uma mera advertência (...). Não é uma medida de diversão. É uma sanção que, cumprindo as finalidades das sanções contraordenacionais — de mera advertência —, cumpre aquela finalidade sem necessidade de mais”[19]. Uma outra diferença reside no facto de a admoestação penal ser executada oralmente, contrariamente à admoestação contraordenacional que poderá, nos termos do art. 51.º, n.º 2, do RGCO, ser reduzida a escrito — assim permitindo, facilmente, a sua aplicação às pessoas coletivas (como aliás expressamente se consagra no art. 7.º, do decreto-lei n.º 28/84, de 20.01, por exemplo). É claro que também a admoestação penal pode ser aplicada a pessoas coletivas — caso em que consiste numa “solene censura oral feita em audiência, pelo tribunal, ao representante legal da pessoa colectiva ou entidade equiparada ou, na sua falta, a outra pessoa que nela ocupe uma posição de liderança” (art. 90.º-C, n.º 2, do CP), mas sendo aplicada a pessoa coletiva não deixa de ter uma carácter distinto da admoestação contraordenacional. Resta acrescentar que a admoestação contraordenacional tanto pode ser aplicada pela autoridade administrativa finda a fase administrativa, como pelo tribunal, finda a fase judicial[20]. 3.5. No âmbito do direito contraordenacional e em sede de aplicação das sanções, assume particular importância o princípio da proporcionalidade, segundo o qual deve existir uma correspondência entre a gravidade da infração e a gravidade da sanção[21]. Ora, considerando que a admoestação, consagrada no art.51.º, do RGCO, não tem uma função sancionatória[22] constituindo uma mera advertência, esta deverá ser proporcional à gravidade da infração, isto é, tendo em conta as finalidades de aplicação das sanções no âmbito contraordenacional esta será a que de modo mais leve cumpre aquelas finalidades. E, porque tem sido caracterizada como sendo uma mera advertência, Frederico da Costa Pinto entende que a admoestação contraordenacional tem mais afinidades com a figura da dispensa da pena, consagrada no art. 74.º, do CP — “as afinidades e as diferenças encontram-se nos pressupostos e na gravidade das sanções. A dispensa de pena exige um menor juízo de ilicitude e de culpa, o mesmo se passando com a admoestação contra-ordenacional. A figura da admoestação penal, por seu turno, não supõe qualquer juízo de menor culpa do agente. A admoestação penal é uma sanção estruturalmente mais grave do que aquela proferida em processo de contra-ordenação, sendo de destacar a publicidade que a figura penal exige que é completamente estranha à admoestação proferida perante ilícitos contra-ordenacionais. (...) A figura da admoestação (...) surge agora no Direito das contra-ordenações como um mero aviso ao infractor, por razões de menor ilicitude e menor culpa, sendo materialmente equivalente a uma «advertência com dispensa de coima”[23]. Ou seja, também neste entendimento se restringe a aplicação desta sanção a casos de menor ilicitude da conduta, a casos de menor gravidade da infração, a casos em que é menor a relevância dos direitos e interesses ameaçados. Mas, atentemos nos pressupostos de aplicação da admoestação segundo o estipulado no art. 51.º, do RGCO. Segundo o disposto no artigo referido, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: 1) “reduzida gravidade da infracção” e 2) reduzida “culpa do agente”. Assim sendo, a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou — caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve[24]. No caso em discussão, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave as previstas no n.º 2, do art. 34.º, do decreto-lei n.º 78/2004, de 03.04, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art. 51.º, n.º 1, do RGCO — a “reduzida gravidade da infração”. A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Depois, em função do caso concreto, e dentro dos limites da coima prevista pelo legislador, ir-se-á determinar a medida concreta da sanção em atenção às finalidades de punição das coimas e em atenção à culpa do agente. Todos estes elementos poderão ser determinantes para que se entenda que, pese embora se trate de uma contraordenação grave, portadora de uma ilicitude, em abstrato, grave, atento o caso concreto dever-se-á entender que o agente deverá ser punido com uma sanção próxima do seu limite mínimo. Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”. O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela. Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167), somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados” (art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais)[25]. Um último argumento decorrente da evolução legislativa. Na lei-quadro das contraordenações ambientais, após as alterações introduzidas pela lei n.º 114/2015, prevê-se a possibilidade de aplicação de uma advertência (cf. art. 47.º- A), no âmbito da fase administrativa do processo contraordenacional, “a contraordenações ambientais classificadas como leves”. Só na fase judicial valem as regras estabelecidas pelo regime geral das contraordenações que prevê, no art. 51.º, a possibilidade de aplicação da sanção de admoestação. Ora se, na fase administrativa, a advertência é aplicada apenas quando estejam em causa contraordenações leves[26], também o mesmo deverá ser entendido quando, na fase judicial, se opte pela sanção de admoestação. Assim sendo, uma contraordenação classificada como grave pelo legislador (nos termos do art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004) não poderá ser objeto de uma advertência, na fase administrativa (porque o legislador, no art. 47.º-A, afastou claramente essa possibilidade), não podendo ser igualmente sancionada apenas com a admoestação, na fase judicial. III Com base no exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, mantendo o acórdão recorrido, decide fixar a seguinte jurisprudência:A admoestação prevista no art. 51.º, do decreto-lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004, de 03.04. Cumpra-se, oportunamente, o disposto no art. 444.º, n.º 1, do CPP. As custas são da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. Supremo Tribunal de Justiça, 26 de setembro de 2018 Helena Moniz (Relatora) Nuno Gomes da Silva Manuel Augusto Matos Carlos de Almeida Lopes da Mota Vinício Ribeiro Pires da Graça (com declaração de voto) * Raul Borges Manuel Braz Francisco Caetano (vencido conforme declaração junta) ** Santos Cabral (vencido conforme declaração junta) *** Henriques Gaspar (tem voto de conformidade da Senhora Conselheira Isabel São Marcos, que não assina por não estar presente; tem votos de vencido dos Senhores Conselheiros Gabriel Catarino e Souto de Moura, que não assinam por terem, entretanto, passado à condição de jubilado). -------------- [1] Assim, cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 06-02-2013, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>. [2] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., págs.222-223. [3] Cf. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações. Anotações ao Regime Geral, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, pág.394. [4] Sem que se analise a particularidade de no acórdão fundamento o agente ter sido condenado a título de negligência, nos termos do art. 34.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 78/2004, e no acórdão recorrido ter ficado expressamente provado, quanto ao elemento subjetivo do tipo, que “[a]o não proceder à realização daquele autocontrolo, a arguida não agiu com a diligência, que se lhe impunha e de que era capaz, necessária para cumprir as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida” — facto provado 7. [5] A doutrina tem oscilado entre um critério quantitativo, um critério qualitativo ou um critério misto, cf. entre muitos outros, entre nós, Costa Andrade, Contributo para o conceito de contra-ordenação (a experiência alemã), AAVV, Direito Penal Económico e Europeu, textos doutrinários, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 75 e ss, Mário Monte, Lineamentos de Direito das Contraordenações, 2.ªed., Braga: AEDUM, 2014, p. 55 e ss, Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações (da cisão à convergência material), Coimbra: Coimbra Editora, 2016, passim, onde conclui não ser possível divisar uma autonomia material entre as contraordenações e os crimes “com base numa total e contínua relação de divergência material”, considerando que a autonomia material deverá ser analisada em função da sanção, dado que constitucionalmente não se mostra viável a aplicação de sanções privativas da liberdade ao ilícito de mera ordenação social; para uma visão crítica desta conceção, cf. Conde Monteiro, Breves reflexões epistemológicas sobre a delimitação entre o ilícito contraordenacional e o ilícito jurídico-penal em face da ordem jurídica portuguesa, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, tomo LXVI, n.º 344, p. 203 e ss, em particular, nota 68, Augusto Silva Dias, Direito das Contra-ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 45 e ss. [6] Em sentido idêntico, Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 7/ § 10 e ss, p. 161. [7] Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., itálicos do Autor; em sentido contrário, considerando que existem condutas ético-socialmente censuráveis independentemente da proibição legal e às quais foi atribuído o estatuto de contraordenação, cf. Nuno Brandão, Por um sistema contra-ordenacional a diferentes velocidades, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, tomo LXVI, n.º 344, p. 281; também com uma posição crítica, Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 47 e ss. [8] Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., itálicos do Autor. [9] Figueiredo Dias, ob. e loc. cit. [10] Figueiredo Dias, ob. e loc. cit, itálico nosso. [11] Mário Monte, Lineamentos de Direito das Contraordenações, 2.ª ed., Braga: AEDUM, 2014, p. 175. [12] Mário Monte, Lineamentos...cit, p. 174. [13] Mário Monte, Lineamentos...cit, p. 175-6. [14] Direito Penal. Parte Geral (Questões fundamentais. Teoria geral do crime), 3.ª ed., Lisboa: UCP, 2016, p. 142. [15] Idem. [16] Assim, Mário Monte, Para lá da coima... cit., p. 272. [17] É este o entendimento de parte da doutrina: segundo Augusto Silva Dias a admoestação “culmina com o arquivamento dos autos” sendo insuscetível de recurso, ob. cit., p. 167; também assim Frederico Lacerda da Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, RPCC, 1997, n.º 1, p. 93, e já antes, Oliveira Mendes/Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2009, art. 51.º/notas 3 e 4. [18] Também admitindo a possibilidade de recurso, Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações cit., p. 934; igualmente admitindo a possibilidade de recurso em ordem ao imperativo constitucional do princípio da defesa quando a aplicação da admoestação tenha efeitos negativos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral as Contra-Ordenações, Lisboa: UCP: 2011, art. 51.º/ nm. 9, p. 224 [19] Mário Monte, Para lá da coima... cit., p. 273. [20] Assim Simas Santos/Leal Henriques (Contra-ordenações. Anotações ao regime geral, 6.ª ed., Lisboa: Áreas Editora, 2011, p.394-5; também assim, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., art. 51.º/ nm. 6, p. 223; segundo Simas Santos e Leal Henriques, quando aplicada na fase judicial a admoestação contraordenacional pode ser proferida oralmente, após trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 60.º, n.º 2, do CP ex vi art. 32.º, do RGCO, — ob. cit, p. 395. [21] Cf. neste sentido, Augusto Silva Dias, ob. cit. supra, p. 58 e ss; sobre isto mesmo cf. acórdãos do Tribunal Constitucional, n.ºs 557/2011 e 110/2012, in www.tribunalconstitucional.pt. [22] Augusto Silva Dias, ob. cit. supra, p. 167; também assim, já antes, Frederico Lacerda da Costa Pinto, ob. cit., p. 87 e ss. [23] Ob. cit. p. 92-3, em sentido idêntico, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167. [24] Aliás, de acordo com a classificação prevista no art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais, lei n.º 50/2006, de 29.08. [25] Também no sentido da aplicação da admoestação a contraordenações “de reduzido grau de ilicitude”, Simas Santos e Leal Henriques (ob. cit., p. 394) expressamente concluem que “se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples”; ou considerando que se aplica apenas a “contraordenações ligeiras”, cf. Alexandra Vilela, O direito de mera ordenação social, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 433, pese embora a entenda como uma sanção acessória. [26] Para além da necessidade de preenchimento de outros requisitos cumulativos determinados no art. 47.º-A, n.º 1. --------------------- * Declaração Considero que não é legalmente aplicável a sanção de admoestação em processo de contra-ordenação ambiental, pois que, e em síntese: O Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03 de Abril, - REGIME DA PREVENÇÃO E CONTROLO DAS EMISSÕES DE POLUENTES PARA A ATMOSFERA - não previa tal sanção. O Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de Junho - PREVENÇÃO E CONTROLO DAS EMISSÕES DE POLUENTES PARA O AR - que na alínea a) do seu Artigo 43º revogou o Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 126/2006, de 3 de Julho, continuou a não prever a admoestação, e remete no regime sancionatório para a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que aprovou a Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais (v. Artigos 29º e 30º) Na evolução histórico-legislativa da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto - LEI QUADRO DAS CONTRA-ORDENAÇÕES AMBIENTAIS -, com a extinção do processo sumaríssimo, atenta a revogação do Artigo 56º, ficou extinta a sanção de admoestação; ficando actualmente apenas a prever a advertência, no Artigo 47-A, que apenas ocorre em fase administrativa, em que “a autoridade administrativa pode optar por não proceder à instrução e decisão do processo de contraordenação, advertindo o autuado […]” Advertência, juridicamente, não é equivalente a admoestação, pois esta representa uma censura e aquela um mero aviso. Não é aplicável a lei subsidiária, o DL n.º 433/82, de 27 de Outubro - ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL - por desnecessidade legal, uma vez que “lex specialis derrogat lez generalis” e a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, como lei específica, determinou, identificou e delimitou, a existência, natureza e âmbito de aplicação das sanções atinentes, quer principais, quer acessórias, encontrando-se estas vinculadas taxativamente, ao princípio da legalidade. Aliás, mesmo a defender-se a tese de que o Artigo 51º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais - face ao disposto no Artigo 2º nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto - o certo é que esse Artigo 51º insere-se no CAPÍTULO III que se refere à aplicação da coima pelas autoridades administrativas. E, como se aludiu supra, a Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto já contém norma - o Artigo 47º-A- exclusivamente aplicável na fase administrativa às contra-ordenações leves. Por outro lado, o CAPÍTULO IV da lei geral sobre o ilícito de mera ordenação social, ao dispor sobre Recurso e processo judiciais, é bastante claro quando determina no Artigo 75.ºo âmbito e efeitos do recurso: 1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. 2 - A decisão do recurso poderá: a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A; b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido. Sendo que o aludido Artigo 72.º-A, versando sobre proibição da reformatio in pejus, refere: 1 - Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível. Entendo pois, que excepcionado o agravamento do montante da coima, a alteração da sanção prevista em lei especial, por aplicação subsidiária da lei geral, redundaria em ineficácia do princípio da legalidade na definição da sanção prevista. <> «Em processo de contra-ordenação relativo a prevenção e controlo das emissões de poluentes para o ar, não é legalmente possível a aplicação da sanção de admoestação, sem prejuízo do disposto no Artigo 47-A, da Lei nº Lei nºº 50/2006, de 29 de Agosto - Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais» Pires da Graça ----------------------------- ** Declaração de voto de vencido O art.º 51.º do Regime Geral das Contra-ordenações (DL n.º 433/82, de 27.10), subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29.08), não prevê que a sanção de admoestação não possa ser aplicável às contra-ordenações classificadas em abstracto como graves, antes faz depender a aplicação dessa medida do apuramento, em concreto, da reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente. Nesse sentido aderira ao projecto de fixação vencido quando concluiu que “a aplicação da medida de admoestação, prevista no art.º 51.º do Regime Geral de Contra-ordenações, poderá ser imposta às contra-ordenações de natureza ambiental qualificadas de graves, desde que, no caso concreto, o agente tenha agido com reduzido grau de ilicitude e culpa”. * Francisco M. Caetano ---------------------------- *** Declaração A presente fixação emerge do pressuposto de que não é admissível considerar que a ilicitude da conduta contra-ordenacional diminua de gravidade depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contra-ordenação grave. Argumenta-se que tendo o legislador, de forma geral e abstracta, classificado a infracção como sendo grave não poderá o julgador modificar a lei, atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Afastamo-nos de tal lógica argumentaria, entendendo que se impõe distinguir os conceitos de tipicidade e de ilicitude uma vez que, como refere Roxin (Derecho Penal Parte General Tomo I Edição Civitas 2003 pag. 277 e seg.), a tipicidade se distingue da ilicitude na medida em que aquela traduz ‘’a acção avaliada sob o ponto de vista da necessidade abstracta de pena” (isto é, “independentemente da pessoa do agente e da situação concreta da acção”) e, consequentemente, tem na sua génese razões de natureza político-criminal, enquanto que no ilícito se trata de avaliar a acção típica concreta, com a inclusão nela de todos os seus elementos caracterizadores. Por alguma forma convergente o entendimento de Figueiredo Dias (Direito Penal Parte Geral Tomo I 2ª edição Coimbra Editora 2007 pág. 265 e seg.) quando refere que com a categoria do ilícito se quer traduzir o específico sentido de desvalor jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano numa concreta situação, atentas portanto todas as condições reais de que ele se reveste ou em que tem lugar. Por outras palavras, é a qualificação de uma conduta concreta como penalmente ilícita que significa que ela é, de uma perspectiva tanto objectiva, como subjectiva, desconforme com o ordenamento jurídico-penal e que este lhe liga, por conseguinte, um juízo negativo de valor (de desvalor). A função que a categoria da ilicitude cumpre no sistema do facto punível é, em suma, definir – não em abstracto, mas em concreto, isto é, relativamente a singulares comportamentos – o âmbito do penalmente proibido e dá-lo a conhecer aos destinatários potenciais das suas normas, motivando por esta forma tais destinatários a comportamentos de acordo com o ordenamento jurídico-penal. Só a partir daqui ganha o tipo o seu verdadeiro significado e a ilicitude se apresenta como o verdadeiro fundamento do tipo. Paralelamente, referem Reinhart Maurach, Karl Gossel e Hein Zipf (Derecho Penal Parte General I Volume edição Astreia 2002 pág. 417 e seguintes) que, no interesse da segurança jurídica, é preciso conservar o princípio de que a integração dum tipo legal faz presumir a ilicitude da conduta por forma que a desvirtuação deste juízo provisório acerca do facto exija o recurso a uma causa de justificação. A consequência deste efeito indiciário do tipo radica na circunstância de que o mesmo não é dotado duma natureza absoluta, e definitiva, em termos de definição, mas está dependente duma investigação da licitude da conduta concreta que pode ter o efeito de desvirtuar aquele indício, não obstante ter-se cumprido o tipo. Significa o exposto, em nosso entendimento, que, não obstante a integração dum tipo legal de ilícito contra-ordenacional definido em abstracto como sendo grave, as circunstâncias do caso concreto podem apontar em concreto para uma diminuta ilicitude e gravidade. A integração dum tipo de ilícito contra-ordenacional, reputado como grave em abstracto pela norma, assume uma natureza indiciária dessa mesma gravidade a qual não é necessariamente coincidente com as concretas circunstâncias sujeitas a julgamento. Nesta sequência não vislumbramos razão para que, existindo uma integração dos pressupostos para que aponta o artigo 51 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, não se aplique o mesmo ao caso concreto (confrontar a propósito Notas ao Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas de António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, edições Almedina 2006 pág. 58 e seg. e 143 e seg.) Santos Cabral |