Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
330/20.5T8CVL.C1-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ERRO DA SECRETARIA JUDICIAL
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Tendo a secretaria enviado uma comunicação à autoridade administrativa, nos termos do art. 70.º, n.º 4 do DL 433/82, de 27/10, dando-lhe conhecimento de uma decisão final proferida no recurso de contraordenação e indicando, como data do trânsito, dia posterior àquele em que efectivamente ocorreu, não pode o arguido socorrer-se desse erro para interpor recurso de fixação de jurisprudência decorridos mais de 30 dias sobre a data do efectivo trânsito.

II - Mesmo que tivesse tal comunicação – que não tinha - por objectivo a fixação de qualquer prazo ao destinatário (máxime, o prazo para interposição do recurso de fixação de jurisprudência, que é o que está em causa nos presentes autos), ainda assim, esse erro, podendo ser utilizado pelo destinatário para justificar a interposição de um recurso de fixação de jurisprudência, dentro de um prazo de 30 dias contados sobre a data do trânsito (erradamente) indicado pela secção de processos, já não o poderia ser pelo recorrente, posto que o prazo em causa se conta sobre a notificação efectuada a cada um dos intervenientes processuais.

Decisão Texto Integral:

            Acordam, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Por sentença proferida em 17/11/2020, no Recurso de Contraordenação nº 330/20...., do Juízo local criminal da ..., interposto pela Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Ldª, com os demais sinais dos autos, foi decidido julgar improcedente o recurso e manter “na íntegra, a decisão administrativa recorrida que aplicou à arguida pela prática de duas contra-ordenações ambientais muito graves previstas pelo art. 81.º, n.º 3, al. a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2006, de 31 de Maio e punidas, a título de negligência, nos termos do art. art. 22.º, n.º 4, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto (porque mais favorável à arguida), numa coima (para cada um dos ilícitos) que se fixou no valor de 24.000,00€ e, em cúmulo jurídico, nos termos do art. 27.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto, na coima única de 30.000,00€”.

    Inconformada, recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de …, que - em 21/4/2021 - negou provimento ao recurso e confirmou, na íntegra, a decisão recorrida.

  E a arguida interpôs, então, o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«1 - É nosso entendimento que o acórdão recorrido está em contradição com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/01/2021 proferido no processo 1874/19.7T8TVD.L1-5, já transitado em julgado.

2 - A nossa discordância em relação ao douto acórdão recorrido quanto à suspensão da execução da coima condicionada ao cumprimento da pena acessória de reposição da situação anterior à infração.

3 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o douto acórdão recorrido

4 - Ao contrário do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, a factualidade dada como provada e como não provada permitem a aplicação à ora recorrente do instituto da suspensão da execução da coima condicionada ao cumprimento da pena acessória de reposição da situação anterior à infração.

5 - A arguida ora Recorrente solicitou à cerca de cinco anos à Câmara Municipal da ... o licenciamento para a construção de mais duas fossas estanques e infra estruturas de encaminhamento de águas pluviais, sendo certo, que tal pedido de licenciamento ainda não foi deferido por aquela edilidade.

6 - Ora em face do exposto não pode ainda a arguida dotar a sua exploração de maiores e melhores infraestruturas da sua exploração pecuária, por um atraso inexplicável no licenciamento das obras por esta requeridas à Câmara Municipal da ..., e que evitariam a situação ora em apreço.

7 - Em face do anteriormente exposto, e sem prescindir a atuação da ora arguida apenas pode ser encarada como negligente.

8 - Para além do mais a ora arguida é primária, nunca tendo praticado anteriormente, aos factos descritos nos autos de notícia e da sentença ora em crise, nem posteriormente qualquer outra contraordenação ambiental.

9 - Entendemos que a função da sanção não é somente a de punir, mas também, a de educar e influenciar o comportamento futuro das unidades de exploração pecuária principalmente, fazendo a distinção entre, por um lado, aquelas que efectivamente têm uma conduta habitualmente transgressora às regras que lhe são impostas pela sua condição e, por outro lado aquelas que, isolada e pontualmente, transgridem, de forma a que estas últimas, mesmos que consideradas transgressoras, fiquem "premiadas", relativamente àquelas.

10 - Dos factos dados como provados, resulta claro que a ora recorrente tudo tem feito para regularizar e legalizar a sua exploração agrícola, bem como dotá-la com melhores e adequadas infra estruturas.

11 - Não podendo ser a Recorrente penalizada por um pedido de licenciamento e legalização ainda não estar concluído ao fim decorridos cinco anos, por questões meramente burocráticas.

12 - Acresce ainda o facto de, e de acordo com os factos dados como provados, ao invés do que fez, devia e tinha de fazer um juízo de prognose favorável à arguida, pois em 2015 houve uma mudança de postura e de consciência por parte da arguida e dos seus legais representantes, pois tudo fizeram para dotar as sua instalações com sistema de encaminhamento e retenção de águas pluviais e de chorume eficiente, bem como da construção de mais duas fossas construídas de acordo com a portaria supra mencionada seriam susceptíveis de reverter a situação.

13 - Pelo que, devia o Tribunal a "a quo" ter suspenso a sanção ainda que acompanhada de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais.

14 - Uma vez que a aplicação da coima em que a arguida foi condenada levará ao encerramento da exploração pecuária, pondo em causa e levando à extinção e sete postos de trabalhos e consequentemente ao desemprego de sete trabalhadores (incluindo os legais representantes), por a ora arguida não dispor de meios económicos para a fazer face à pena em que foi condenada.

15 - Acresce ainda o facto de a discordância por se entender que não andou bem o Tribunal da Relação de ..., no acórdão ora em apreço quando refere que "Desde logo é necessário que a autoridade administrativa tenha aplicado uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.", nem que este Instituto possa ser aplicado em contra ordenações graves e muito graves

16 - No entendimento da Relação de ... a suspensão da execução da coima só é possível aplicar quando a autoridade administrativa tenha aplicado uma sanção acessória, estando este Instituto vedado de aplicação nos restantes casos, tal não é verdade, bem como se estivermos perante uma contra ordenação grave ou muito grave também está vedado a aplicação do Instituto da suspensão da execução da coima.

17 - igualmente nunca pode a suspensão da execução da coima por aplicação de sanção acessória, não ser aplicada pelo Tribunal, com o fundamento que não se pode impor um comportamento a entidade terceira, como fundamenta o acórdão ora em apreço.

18 - A sanção acessória é imposta ao arguido, que a terá de cumprir no prazo que lhe for fixado, se a cumpre ou não, é outra questão.

19-0 acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12/01/2021 no processo n° 1874/19.7T8TVD.L1-5, já transitado em julgado, de que se anexa cópia (pesquisado no sitio da internet www.dgsi.pt/stj ) aborda a questão da suspensão da execução da coima sujeito a pena acessória, questão que também é abordada no acórdão recorrido e que, tal como naquele, construiu o cerne da decisão, a proferir.

20 - O aludido acórdão foi proferido no domínio da mesma legislação e aborda assim, a mesma questão fundamental de direito, sobre a qual ainda não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, pelo que se verificam os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

21 - Além dos princípios da prevenção e da precaução, normalmente citados como pilares fundamentais na estrutura da tutela ambiental, o direito do ambiente deve nortear-se também pelos princípios da correção na fonte, da reposição da situação anterior, do poluidor-pagador e do utilizador-pagador;

22 - Traduzindo-se a infração em execução de uma construção amovível no terraço de um prédio localizado em terreno classificado como Reserva Ecológica Nacional, a pena acessória de reposição da situação anterior à infração, salvaguardando o princípio da reposição da situação anterior, permite assegurar a adequada tutela ambiental;

23 - Considerando a gravidade concreta da conduta, a possibilidade de alcançar a adequada tutela ambiental com aplicação de uma pena acessória e o facto de estar em causa pequena empresa, em relação à qual a execução da coima aplicada poderia conduzir à supressão da atividade, com as consequências económicas e sociais daí derivadas, apresenta-se adequada e proporcional a suspensão da execução da coima, condicionada ao cumprimento da pena acessória de reposição da situação anterior à infração.

24 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o acórdão fundamento.

25-0 entendimento perfilhado no acórdão fundamento afigura-se-nos mais razoável, equilibrado e consentâneo com as normas legais aplicáveis.

26 - Face às divergências doutrinarias e jurisprudenciais que se constatam quanto à matéria supra exposta, a questão de direito e a sua dilucidação pelo mais alto Tribunal da nação tem uma elevada relevância jurídica sendo claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

27 - 0 direito serve para regular as relações sociais. As pessoas têm de aceitar e acreditar nessa regulação para poderem, naturalmente, aderir ao direito.

28 - Deverá, assim, revogar-se o acórdão recorrido e proferir-se decisão com o seguinte sentido: Ser suspensa a execução da coima e ser condenada a ora recorrente na construção das duas fossas repondo a situação anterior à infração no prazo máximo de um ano e suspender a execução da coima em que a recorrente foi condenada pela sentença recorrida por três anos, condicionada ao cumprimento pontual da pena acessória imposta

29-0 acórdão recorrido viola o disposto nos artigos artigo 20.°-A e 30° da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o douto acórdão recorrido, e substituído por outro que suspenda a execução da coima e ser condenada a ora recorrente na construção das duas fossas repondo a situação anterior à infração no prazo máximo de um ano e suspender a execução da coima em que a recorrente foi condenada pela sentença recorrida por três anos, condicionada ao cumprimento pontual da pena acessória imposta, com todas as legais consequências».


  Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de …, pugnando pela rejeição do recurso:

«1 – De acordo com o disposto nos artigos 441º, nº 1 e 442º, n.º 1 ambos do CPP, não é este o momento processual próprio para ser tomada posição de fundo sobre a solução a dar ao conflito, caso exista efectivamente razão para o mesmo ser apreciado.

2 – Está neste momento processual – do art.º 439º, n.º 1 do CPP – em causa, no nosso entendimento, apenas uma tomada de posição sobre os pressupostos processuais comuns aos recursos ordinários – tais como a competência, legitimidade, tempestividade, regime e efeito – e sobre os pressupostos próprios deste recurso extraordinário – efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito, em acórdão anterior.

Neste sentido se pronuncia P. P. de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, pág. 1195, em anotação ao citado art.º 439º do CPP, afirmando que esta “resposta (dos sujeitos processuais) limita-se à discussão dos pressupostos de admissibilidade da interposição do recurso para a fixação de jurisprudência e o respectivo regime.”

3 - Com esta delimitação se dirá que, quanto aos pressupostos processuais comuns do recurso, nos parece nenhum obstáculo se levantará ao conhecimento do recurso no que respeita à legitimidade do recorrente, à tempestividade do recurso, sendo que, nos termos do art.º 438º, n.º 3 do CPP, não tem efeito suspensivo e sobe nos termos indicados no art.º 439º n.º 2 do citado diploma legal.

4 - Quanto aos pressupostos próprios do recurso extraordinário, isto é, quanto à efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito em acórdão anterior ao proferido nos presentes autos, dir-se-á que o recorrente indica que o acórdão dos presentes autos, de que recorre, está em contradição com um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 12-01-2021, no proc. n.º 1874/19.7T8VD.L1-5, publicado na base de dados: www.dgsi.pt.

5 – Ora, este último acórdão da Relação de Lisboa reporta-se a um recurso de uma decisão de condenação da arguida pela pratica de factos verificados pelos fiscais municipais a 27.2.2019 que integram a pratica de uma contraordenação prevista e punida pelo art 20º nº 1 al. b) e 37 nº 3 al. a) do Dec Lei nº 166/2008, de 22 de agosto, na redacção conferida pelo Dec lei nº 80/15, de 14 de maio em que após ter sido decidido rejeitar o recurso quanto à pretendida alteração da matéria de facto, foi a recorrente/arguida condenada na pena acessória de eliminação das obras efectuadas, repondo a situação anterior à infracção, no prazo máximo de três meses Mais tendo sido decidido suspender a execução da coima em que a recorrente foi condenada pela sentença recorrida por três anos, condicionada ao cumprimento pontual da pena imposta, nos termos do art 20-A, nºs 1 e 3 a 6, da lei 50/2006, com as alterações introduzidas pelas leis 89/2009 e 114/15 Por outro lado no acórdão, agora recorrido, proferido no processo 330/20.... a recorrente Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Ldª, por factos ocorridos a 8.8.2013 e 14.7.2015 foi condenada, em cúmulo jurídico, numa coima única de € 30.000, pela prática de duas contraordenações ambientais muito graves previstas no art 81º, nº 3, al .a) do DL nº 226-A/2006, de 31 de Maio e punidas nos termos do art 22 nº 4, al. b) da lei 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto /porque mais favorável à arguida) Sentença essa em que foi decidido afastar a suspensão da execução da coima pelas razões que descrimina atenta a matéria de facto dada como provada.

Trata-se em ambas as situações de condenação pela prática de contraordenações ambientais muito graves, previstas e punidas por legislação não integralmente coincidente, com diferente impacto ambiental e, consequentemente, com diferente gravidade, a justificarem, face à matéria de facto assente, diferente tratamento jurídico, atentas as situações concretas em apreço a que se reportam ambos os acórdãos. Logo a exigirem, tal como foi decidido, diferentes respostas sancionatórias que imponham medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.

6. Daí que, parece-nos, salvo o devido respeito por diferente opinião, que se verificam neste âmbito obstáculos de ordem legal a que o recurso possa ser admitido para ser apreciado.

Assim:

a) Não nos parece desse modo evidente, nas apontadas dimensões, que exista uma oposição de julgados, nos termos e para os efeitos do art.º 437º, n.º 1 do CPP.

7 – Para concluir que, não se verificando todos os necessários e legais requisitos para ser aceite e apreciado deverá, com este fundamento, ser ponderada a sua rejeição por esse Colendo Tribunal».


   II. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pugnou pela rejeição do recurso, em face da sua extemporaneidade:

«1. Por requerimento apresentado nos autos em 16 de Junho de 2021, a Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Lda., arguida nos autos, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão de 21 de Abril de 2021 do Tribunal da Relação de …, alegando, e em síntese, que nele se apreciou e decidiu questão de direito que está em oposição com a apreciada e dirimida no acórdão de 12 de Janeiro de 2021, este do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1874/19.7T8TVD.L1-5.

A questão que a recorrente coloca, e sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) profira decisão, prende-se com a suspensão, ou não, da execução da coima condicionada ao cumprimento de pena acessória de reposição da situação anterior à infracção.

2. O Ministério Público no Tribunal da Relação de …, na consideração de se estar perante situações de condenação pela prática de contraordenações ambientais muito graves, previstas e punidas por legislação não integralmente coincidente, com diferente impacto ambiental e, consequentemente, com diferente gravidade, a justificarem, face à matéria de facto assente, diferente tratamento jurídico, atentas as situações concretas em apreço a que se reportam ambos os acórdãos. Logo a exigirem, tal como foi decidido, diferentes respostas sancionatórias que imponham medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, pronunciou-se, nos termos previstos no artigo 439.º, n.º 1, do C.P.P., no sentido de inexistir oposição de julgados.

3. Da extemporaneidade do recurso.

Resulta da certidão junta aos autos que a notificação do acórdão recorrido foi efectuada ao Ministério Público por termo de 21.04.2021, e ao ilustre mandatário da recorrente por via electrónica, na mesma data, 21.04.2021, tendo transitado em julgado em 6 de Maio de 2021.

Só no dia 16 de Junho de 2021, como já se referiu, foi interposto pela arguida Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Lda. o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em presença.

Ora, sendo o prazo de interposição deste recurso extraordinário de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (cfr. artigo 438.º, n.º 1, do C.P.P.), prazo que teve o seu termo em 7 de Junho de 2021 (primeiro dia útil após os 30 dias, sendo o dia 5 de Junho, sábado), é manifestamente extemporâneo o recurso em apreço.

4. Assim, e pelo que antecede, entende-se que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deverá, em conferência, ser rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 438.º, n.º 1, 440.º, n.º 1 e 3, e 441.º, n.º 1, todos do C.P.P.».


  Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, respondeu a recorrente, sustentando a tempestividade do recurso:

«A recorrente foi notificada do douto parecer do Ministério Público que entende que:

Nos termos do disposto no nº 1, do art 438º, do CPP o prazo para interposição de tal recurso é de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. O acórdão recorrido foi notificado aos sujeitos processuais em 21-04-2021, tendo o respectivo trânsito ocorrido em 06-05-2021. Assim sendo o prazo de 30 dias para interposição do recurso para fixação de jurisprudência terminou a 7-06-2021. Assim sendo, por extemporâneo o presente recurso.

Entendimento diferente tem o Juízo local criminal da ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., que nos ofícios com as referências citius ...75 e …….01 ambos datados de 31/05/2021, expressamente referem que o trânsito em julgado dos presentes autos ocorreu em 17/05/2021, conforme se pode ver de comunicações por consulta do citius e, mas que se juntam e se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos como docs. 1 e 2.

Por tais documentos emanados do Juízo local criminal da ... a recorrente reputou tal informação como séria e certa, pelo que, com base em tal infirmou que efectivamente o trânsito em julgado dos presentes autos ocorreu em 17/05/2021, pelo que ao apresentar e interpor o recurso ora rejeitado e não admitido por extemporâneo no dia 16/06/2021, o tinha feito em tempo, uma vez que apresentado dentro do prazo de 30 dias após o transito em julgado.

Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Abril de 2016, proferido na Revista n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1, da 6.ª Secção, em caso de expropriação: “Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – possa ser acolhida.

Na dúvida deve entender-se, e assim se entende, que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente e preceituava identicamente, o n.º 6 do artigo 161.º do CPC”.

Como consta do mesmo acórdão, entendem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em ”Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 316, em anotação ao aludido artigo 157.º: “O n.º 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (veja-se, designadamente, o art.º 191.º - 3).”.

J. J. Gomes Canotilho, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª edição, Dezembro de 1998, integrado no segmento “C. O princípio do Estado de direito e os subprincípios concretizadores”, II. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, no ponto 1. O princípio geral da segurança jurídica, refere, a págs. 252 (realces do texto):

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.

Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo:

(1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder;

(2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos.

Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial.

O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.

No ponto 3, pág. 259, o Autor versa sobre a protecção da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais, prevalecendo o ponto de vista da estabilidade, afirmando que a segurança jurídica no âmbito dos actos jurisdicionais aponta para o caso julgado.

O Tribunal Constitucional versou a norma do n.º 3 do artigo 198.º do CPC no Acórdão nº 719/04, de 21 de Dezembro de 2004, processo n.º 608/03, da 2.ª Secção, Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 60.º, nesta publicação, de págs. 749 a 774, decidindo:

“Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 198.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em cinco dias, ao que a lei concede para essa defesa”.

Na fundamentação, pode ler-se a págs. 770/1:

“No caso de existência de erro da secretaria não reparado por intervenção oficiosa ou motivada do autor, há que notar que a solução elegida pelo legislador encontra acolhimento desde logo, na garantia constitucional do acesso aos tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no artigo 20.º, e no princípio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, a demandar que se deva confiar nos actos dos funcionários judiciais praticados no processo enquanto agentes que estes são dos tribunais e enquanto os mesmos não forem revogados ou modificados, este decorrente do artigo 2.º, ambos os preceitos da Constituição”.

Concluindo.

Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

“Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – possa ser acolhida.

Na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente e preceituava identicamente, o anterior n.º 6 do artigo 161.º do CPC.

Esta norma constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.

A regulação dos prazos processuais implica com a realização da garantia constitucional do acesso aos tribunais.

A regra estabelecida pelo n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, aplicável no processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, como ocorre com o estabelecido no n.º 3 do artigo 191.º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado tempestivo, e por consequentemente seguir os seus ulteriores termos até final».


    III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

     Dispõe-se no artº 437º, nº 1 do CPP:

“Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente â mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”.

  E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “é também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário (…)”.

   Estatui-se, por outro lado, no artº 438º, nº 1 do mesmo diploma legal que “o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.

   Como esclarecidamente se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/12/2018, Proc. 5668/11.0TDLSB.E1.C1-A.S1, 3ª sec., “I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nos arts. 437.º e 438.º do CPP, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência. II - Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição; -indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento; -o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento); - a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; - que incidam sobre a mesma questão de direito; - e assentem em soluções opostas”.

A primeira questão a decidir prende-se, naturalmente, com a (in)tempestividade deste recurso.

   O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – artº 438º, nº 1 do Cod. Proc. Penal.

  Tratando-se de um requisito de admissibilidade, há-de estar verificado no momento da interposição do recurso, sob pena de rejeição – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. STJ de 12/1/2000, Proc. 1062/99 - 3.ª Secção, Rel. Cons. Armando Leandro, de 16/10/2003, Proc. 1207/03-5ª, rel. Cons. Pereira Madeira, citado no “Código de Processo Penal, Notas e Comentários”, 2ª ed., 1424, de Vinício Ribeiro e de 4/2/2021, Proc. 3407/16.8JAPRT-A.P1-A.S1.

  Com relevo nesta matéria, há que atentar na seguinte factualidade:

1. Por sentença proferida em 17/11/2020, no Recurso de Contraordenação nº 330/20...., do Juízo local criminal da ..., interposto pela Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Ldª, com os demais sinais dos autos, foi decidido julgar improcedente o recurso e manter “na íntegra, a decisão administrativa recorrida que aplicou à arguida pela prática de duas contra-ordenações ambientais muito graves previstas pelo art. 81.º, n.º 3, al. a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2006, de 31 de Maio e punidas, a título de negligência, nos termos do art. art. 22.º, n.º 4, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto (porque mais favorável à arguida), numa coima (para cada um dos ilícitos) que se fixou no valor de 24.000,00€ e, em cúmulo jurídico, nos termos do art. 27.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto, na coima única de 30.000,00€”.

   2. Inconformada, recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de ..., pedindo a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que julgue a decisão administrativa nula, ou reconheça a prescrição do procedimento, ou no caso de assim não se entender que suspenda a sanção ainda que acompanhada de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais».

  3. Em 21/4/2021 foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de …, negando provimento ao recurso e confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.

4. Esse acórdão foi notificado, nesse mesmo dia 21/4/2021, ao Ministério Público e, também, à arguida, por via electrónica (ref. …..15).

5. Os autos baixaram à 1ª instância em 19/5/2021.

6. Em 24/5/2021, o MºPº teve vista nos autos e promoveu:

a) a instrução dos autos com certidão permanente da sociedade condenada;

b) a comunicação do acórdão à autoridade administrativa e à Câmara Municipal da ...”,

pretensão deferida por despacho de 27/5/2021.

7. Em 31/5/2021 e em cumprimento do ordenado, foi junta aos autos a referida certidão permanente e, bem assim e ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 4 do DL 433/82, de 27/10, foi comunicada às autoridades administrativas (no caso, a APA – Agência Portuguesa do Ambiente e a Câmara Municipal da ...) “cópia da decisão final proferida em 17-11-2020 e cópia do acórdão do Tribunal da Relação de ..., a qual transitou em julgado em 17-05-2021” (sic).

 8. O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deu entrada no Tribunal da Relação de … no dia 16/6/2021.

9. Em 6 de Julho de 2021, a Exmª Desembargadora relatora proferiu o seguinte despacho:

«Nos termos do disposto no nº 1, do art 438º, do CPP o prazo para interposição de tal recurso é de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

Alega a recorrente que o acórdão proferido por esta Relação está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/01/2021 proferido no processo 1874/19.7T8TVD.L1-5, já transitado em julgado.

O acórdão recorrido foi notificado aos sujeitos processuais em 21-04-2021, tendo o respectivo trânsito ocorrido em 06-05-2021.

Assim sendo o prazo de 30 dias para interposição do recurso para fixação de jurisprudência terminou a 7-06-2021.

Assim sendo, por extemporâneo, não se admite o recurso interposto para o STJ».

10. A arguida reclamou dessa decisão, com os fundamentos que viria a repetir na resposta que ofereceu ao parecer do MºPº neste Supremo Tribunal e que acima se mostram transcritos.

 11. Em 20/9/2021, a Exmª Vice-Presidente do STJ proferiu douta decisão onde, considerando que “ao relator do Supremo Tribunal de Justiça, e só a ele, compete pronunciar-se sobre a tempestividade do recurso; sendo ele intempestivo, a conferência rejeitará o recurso, nos termos do artigo 441º, n.º 1, do CPP”, ordenou a subida dos autos.


       IV. Aqui chegados:

   O acórdão recorrido foi notificado, por via electrónica, à recorrente, no dia 21 de Abril de 2021.

    Nos termos do disposto no artº 113º, nº 12, do CPP, tal notificação presume-se feita “no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”. Vale isto por dizer que, no caso, a requerente se considera notificada do acórdão do Tribunal da Relação de … (acórdão recorrido) no dia 26 de Abril de 2021. Não sendo admissível recurso ordinário do mesmo, o acórdão em causa transitou em julgado no 10º dia posterior à notificação da recorrente (artº 628º do CPC, ex vi do artº 4º do CPP), isto é, no dia 6 de Maio de 2021.

O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido), isto é, até ao dia 7 de Junho de 2021 (dia 5/6/2021 coincidiu com um sábado).

   Interposto este recurso em 16/6/2021, é o mesmo intempestivo.


  Mas afirma o recorrente que, por força do disposto no artº 157º, nº 6 do CPC, aplicável ex vi do artº 4º do CPP, o recurso que interpôs está em tempo.

   Dispõe-se em tal normativo:

«Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes».

   Ora, manda o artº 70º, nº 4 do DL 433/82, de 27/10, que o tribunal comunicará às autoridades administrativas “a sentença, bem como as demais decisões finais”.

       Em cumprimento do estatuído em tal disposição, em 31 de Maio de 2021, a secção de processos do Juízo local criminal da ... enviou duas comunicações, dirigidas à Câmara Municipal da ... e à Agência Portuguesa do Ambiente, enviando-lhes “cópia da decisão final proferida em 17-11-2020 e cópia do acórdão do Tribunal da Relação de ..., a qual transitou em julgado em 17-05-2021”.

   Há, como é evidente e resulta de tudo quanto exposto ficou, um evidente erro nessa comunicação, quanto à data do trânsito aí indicada.

     Poderá a recorrente socorrer-se desse erro da secretaria para ver alargado o seu prazo para interpor o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência? Por outras palavras: este erro da secção prejudicou, de algum modo, a recorrente?

      Temos, para nós, que não.

    As comunicações onde constam o erro assinalado não foram dirigidas à recorrente, antes a entidades terceiras.

   Não tinham tais comunicações por objectivo fixar quaisquer prazos aos destinatários, nomeadamente para interposição do recurso (aliás, o acórdão do Tribunal da Relação foi notificado apenas e tão-somente – como, aliás, o devia ser – à recorrente e ao MºPº).

    Ora, mesmo que tivessem tais comunicações – que não tinham - por objectivo a fixação de qualquer prazo aos destinatários (máxime, o prazo para interposição do recurso de fixação de jurisprudência, que é o que está em causa nos presentes autos), ainda assim, esse erro, podendo ser utilizado pelos destinatários para justificar a interposição de um recurso de fixação de jurisprudência, dentro de um prazo de 30 dias contados sobre a data do trânsito (erradamente) indicado pela secção de processos, já não o poderia ser pelo recorrente, posto que o prazo em causa se conta sobre a notificação efectuada a cada um dos intervenientes processuais.

   Nos termos do disposto no artº 113º, nº 14 do CPP, “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.

  Como bem refere Paulo Pinto de Albuquerque, a solução aqui encontrada “só vale nos casos expressamente previstos no CPP, isto é, nos artigos 287º, nº 6 e 315º, nº 1”, onde não se enquadra a situação em análise.

  E, como já se decidiu neste STJ (ac. de 13/10/2016, Proc. 1728/12.8JAPRT.P2.S1, “O exercício do direito ao recurso é um acto próprio, pessoal, individual, que deve ser praticado por cada interessado no prazo que lhe compete, e tem regras próprias em que impera o princípio da celeridade processual; a lei processual penal não permite que para interpor recurso o recorrente possa aproveitar do prazo de outro arguido que comece a correr mais tarde, terminando o prazo de que dispunha para o efeito, no limite dos limites, com o pagamento da multa no 3º dia posterior ao seu termo”.

   Ora, se isso é assim, como é, por maioria de razão não pode um arguido beneficiar de uma comunicação efectuada a um outro interveniente processual, onde consta – erradamente – uma data de trânsito de um acórdão, em momento posterior àquele em que efectivamente ocorreu, quando tal comunicação se não destina, sequer, a possibilitar-lhe o exercício de qualquer reacção processual ao mesmo.

   O prazo para interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência por banda da recorrente é contado sobre o trânsito em julgado do acórdão recorrido e este transita no 10º dia posterior à notificação que lhe é feita, caso não seja arguida a nulidade do mesmo (artº 370º do CPP), não seja pedida a sua correcção (artº 380º do CPP) ou não seja interposto recurso para o Tribunal Constitucional (artº 75º da Lei 28/82, de 15/11). Tratando-se, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2016, supra referido, de “um acto próprio, pessoal, individual, que deve ser praticado por cada interessado no prazo que lhe compete”, não pode a recorrente beneficiar de um erro da secção de processos, constante de uma comunicação que não lhe foi dirigida, quando é certo que, precisamente porque não lhe foi dirigida, nenhum prejuízo o mesmo lhe causou.

   E porque assim é, resta concluir pela intempestividade do recurso.


  IV. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes Conselheiros desta 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela arguida Sociedade Agrícola Quinta da Biquinha, Ldª, por inadmissibilidade, em virtude de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto, condenando-a no pagamento das respectivas custas e fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2021 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)