ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1072/07.2TBSSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/29/2011
SECÇÃO 1. ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA PARCIALMENTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES CONTRATO DE LOCAÇÃO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
SUB-ARRENDAMENTO

SUMÁRIO I - Constituem elementos definidores ou caracterizantes do contrato de locação de estabelecimento: a) que entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito seja acordada uma transferência do gozo de um prédio ou parte dele; b) que a transferência operada seja feita em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial; c) que o estabelecimento exista ou esteja instalado no prédio ou na parte transferida ou cedida; d) que essa transferência tenha ou possua um carácter ou uma duração temporalmente delimitada ou fixada; e) que a transferência seja feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.

II - O contrato de locação de estabelecimento distingue-se do arrendamento comercial ou arrendamento para fins não habitacionais, porquanto, neste tipo de relação locatícia, o locador transfere para o locatário o gozo de um prédio urbano ou rústico, ao qual está afectado um fim determinado e especifico, qual seja o de nele vir a ser explorada ou desenvolvida uma actividade de índole comercial, enquanto na locação do estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todos as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.

III - O âmbito mínimo ou necessário na transmissão de um estabelecimento comercial, seja por via de trespasse seja por via de locação de estabelecimento, tem de possuir uma concordância temática com o estabelecimento que é transmitido, isto é, no estabelecimento transmitido têm de estar presentes os traços definidores e distintivos da actividade que aí era exercida.

IV - Não é possível dizer-se que se transmite uma papelaria se, no espaço onde ela funcionava, não se encontram elementos marcantes e diferenciadores deste tipo de estabelecimento de um qualquer outro, como, por exemplo, livros, cadernos, blocos de apontamentos, canetas e outros artigos típicos e próprios que são vendidos neste tipo de estabelecimento e que estão associados à actividade em causa.

V - Se os atavios que se encontravam no estabelecimento – balcão, prateleiras e expositores vazios – não são específicos de um estabelecimento de papelaria mas de qualquer estabelecimento comercial, o mesmo acontecendo com o aparelho de ar condicionado e o sistema de vídeo vigilância, isto é, se os utensílios deixados no locado não comportam o mínimo necessário para o exercício da actividade comercial de papelaria que ali se desenvolvia, não pode qualificar-se o negócio celebrado como de locação de estabelecimento ou cessão de estabelecimento comercial, devendo ser qualificado como subarrendamento para fins não habitacionais


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Revista n.º

Recorrente: AA-“A... & A..., Lda.”

Recorridas: BB e CC.

I. - Relatório.

Desavinda com a decisão proferida na apelação prolatada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que na respectiva procedência, revogou a decisão proferida na 1.ª instância [[1]], tendo decidido: “1. - Declarar parcialmente nula a douta sentença impugnada, por violação do disposto nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, revogando-a na parte em que declarou resolvido o contrato (de arrendamento) celebrado entre a autora e a ré BB com base na violação do disposto no artigo 1050º alínea c) do Código Civil;

2. Ao abrigo do disposto no artigo 715º do Código de Processo Civil julgar improcedentes o pedido de declaração de “resolução do contrato de cessão de exploração” alegadamente celebrado entre a autora e a ré CC.

3. Revogar a douta sentença impugnada na parte em que condena a ré CC no pagamento da quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), a título de rendas vencidas, acrescida dos juros legais, absolvendo essa ré de tais pedidos;

4. Confirmar a douta sentença impugnada na parte em que decreta a absolvição da ré CC do pedido de condenação na imediata entrega do estabelecimento comercial à autora e na parte em que a absolve do pedido de condenação no pagamento da indemnização por ocupação abusiva do estabelecimento comercial;

5. Confirmar a douta sentença impugnada na parte em que decreta a absolvição de ambas as rés do pedido de condenação no pagamento de indemnização por perda de clientela e desvalorização do estabelecimento por encerramento”, recorre a autora, AA-"A...& A..., Lda.”, havendo que considerar os seguintes,

I.1. - Antecedentes Processuais.

A firma AA-"A...& A..., Lda.”, com sede na Rua S... P... nº ... em S..., intentou contra BB, residente na Rua R... dos S... nº ... – ...º ... em Lisboa e CC, residente na Rua Amélia R... C... nº ..., ...º ... em P... de S... – Loures, a presente acção com processo ordinário, visando, na sua procedência:

a. A declaração judicial da resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre a autora e a primeira ré;

b. A condenação das rés na imediata entrega do estabelecimento comercial à autora;

c. A condenação da segunda ré no pagamento do montante correspondente às rendas vencidas e não pagas;

d. A condenação da segunda ré no pagamento dos juros de mora relativos às rendas vencidas e não pagas;

e. A condenação no pagamento de indemnização de € 750.000 (setecentos e cinquenta euros mensais) por ocupação abusiva do estabelecimento comercial, até à sua entrega efectiva, a liquidar em execução de sentença;

f. A condenação das rés no pagamento de indemnização, por perda de clientela e desvalorização pelo encerramento (do estabelecimento comercial), no valor de € 10.000 (dez mil euros).”

Para o pedido que formula, alegou a demandante a factualidade que, em síntese, se extracta, a seguir.

Por escritura pública celebrada em 9 de Maio de 1996, a A. tomou de trespasse o estabelecimento comercial denominado DD-“Papelaria C...” instalado na Rua S... P... nº ... em Sesimbra, o qual abrangia o direito ao arrendamento do local.

Por contrato escrito celebrado em 30 de Abril de 2007 cedeu à segunda ré a exploração temporária do estabelecimento, pelo prazo de cinco anos, obrigando-se ela a pagar à autora prestações mensais no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) acrescidos de IVA à taxa em vigor, até ao dia 8 de cada mês.

A segunda ré apenas pagou a primeira das aludidas prestações e a respectiva caução, apesar de instada para pagar as prestações vencidas e manteve o estabelecimento fechado ao público.

Face ao incumprimento do contrato a autora procedeu à sua resolução em 12 de Julho de 2007, ficando a segunda ré obrigada a restituir de imediato o estabelecimento, o que nunca chegou a acontecer, já que o manteve em seu poder até à entrega do local à senhoria, a primeira ré.

Esta, por sua vez, conluiada com a segunda ré, notificou a autora de que considerava resolvido o contrato de arrendamento por subarrendamento total do locado.

Na contestação com que visaram contraminar a pretensão da Autora, as rés CC e BB Silva, pugnam, cada uma cm proficiente argumentação jurídica, pela improcedência da acção:

a) - a demandada CC,

- porque em 3 de Julho de 2007, a senhoria lhe comunicou a resolução do contrato de arrendamento que havia celebrado com a Autora, tendo, por isso, deixado de entregar a renda á Autora;

- em 12 de Julho de 2007 recebeu uma carta da Autora a declarar resolvido o contrato com o fundamento no não pagamento das rendas;

- em face do dissídio decidiu entregar as chaves á senhoria;

- induz argumentação de direito - cfr. fls. 43 a 45;

b) - a demandada BB,

- A demandante, em 03-06-2007, informou a demandada Ré, que havia celebrado um contrato de cessão de exploração com a 2.ª Ré “destinado a comercialização de artigos de bazar e decoração”;

- A demandada prefigurou a comunicação como tendo a Autora efectuado um contrato de sublocação, dada a alteração do ramo de comércio que ali era exercido,

- neste entendimento, em 26-06-2007, a demandada procedeu à notificação judicial avulsa da Autora, no sentido de considerar resolvido o contrato celebrado entre ambos;

- a partir desta data a A. terá, na versão da demandada impedida de praticar qualquer acto no locado, tendo a demandada passado a receber as rendas directamente da 2.ª ré;

- Em 18-07-2007, ambas as Rés deram por revogado o contrato de arrendamento, tendo a 1.ª Ré ficado na posse do locado.

- Instou de direito de fls. 51 a 57.    

Elaborado o despacho saneador e organizada a base instrutória com a selecção dos factos considerados assentes e dos factos controvertidos, foi efectuada audiência de discussão e julgamento e proferida decisão relativa à matéria de facto.

Os intervenientes processuais produziram alegações escritas, após o que foi proferida sentença, de que resultou o veredicto sequente:

“Nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

1- Declaro resolvido o contrato celebrado entre a autora AA-A... & A..., Ldª e a 1ª ré BBa, com base na violação do disposto no artigo 1050º alínea a) do Código Civil – privação do gozo do locado;

2- Condeno a 2ª ré CC a pagar à autora AA-"A...& A..., Lda.” a quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros) a título de rendas vencidas, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, a contar do vencimento de cada prestação;

3- No mais, absolvem-se as rés do pedido”.

Inconformada com a sentença na parte que declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre ela e a primeira ré e que absolveu as rés de tudo o mais peticionado, dela interpôs recurso a autora (requerimento de fls. 225), o qual foi admitido como de apelação com efeito devolutivo (cfr fls. 308).

Igualmente irresignada interpôs recurso a segunda ré – CC – (fls. 232 e seguintes) admitido como de apelação e com efeito devolutivo.

E porque também não se conformou com a sentença proferida veio a interpor recurso de apelação a demandada – BB – (fls. 254 e seguintes) o qual foi admitido como de apelação e com efeito devolutivo.

Nas apelações interpostas, o Tribunal da Relação estimou deveram merecer apreciação, para os diversos recursos apresentados, as sequentes questões (sic):

“1. Na apelação da autora, a questão essencial colocada é a da nulidade da sentença por, alegadamente, ter omitido a decisão de questão que devia conhecer e de ter conhecido de questão que não podia apreciar.

Recorde-se que um dos pedidos formulado pela autora foi o de declaração judicial de resolução do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial celebrado entre ela e a segunda ré (e de imediata entrega do “estabelecimento comercial”), alegando a autora que sobre ele não foi emitida pronúncia.

Ao invés a decisão impugnada declarou resolvido o contrato (de arrendamento comercial) celebrado entre a autora e a primeira ré, com base na violação do disposto no artigo 1050.º alínea a) do Código Civil (privação do uso do locado), decisão que nenhuma das partes requereu ao tribunal.

A apelação da segunda ré, para além de recolocar a questão da nulidade da sentença nos termos expressos na apelação da autora embora com enfoque diverso, encerra duas outras questões: a concernente ao facto de se ter classificado a cedência do locado pela autora à segunda ré como locação de estabelecimento comercial quando no âmbito da providência cautelar prévia a esta acção e com a mesma matéria de facto apurada, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha já decidido que se tratava de um subarrendamento, pese embora as partes o tenham classificado de cessão de exploração comercial; a sua condenação no pagamento das rendas vencidas que, em seu entender, parte de uma errada interpretação do artigo 781.º do Código Civil.

Por sua vez a apelação da primeira ré, pretende a alteração da matéria de facto dada como provada no ponto 5, supra (resposta conjugada dos artigos 3º e 11º da base instrutória), insurgindo-se ainda contra o facto de se ter considerado que houve, no caso dos autos, cessão de exploração do estabelecimento comercial e não sublocação do local que legitimou a resolução do contrato de arrendamento que ela celebrou com a autora. Posteriormente a primeira ré veio também defender a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.”

A final veio a ser decidido: “Pelo exposto acordam em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pela autora e pela ré BB e procedente o recurso de apelação interposto pela ré CC e, em conformidade:

1. Declarar parcialmente nula a douta sentença impugnada, por violação do disposto nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, revogando-a na parte em que declarou resolvido o contrato (de arrendamento) celebrado entre a autora e a ré BB com base na violação do disposto no artigo 1050º alínea c) do Código Civil;

2. Ao abrigo do disposto no artigo 715.º do Código de Processo Civil julgar improcedentes o pedido de declaração de “resolução do contrato de cessão de exploração” alegadamente celebrado entre a autora e a ré CC;

3. Revogar a douta sentença impugnada na parte em que condena a ré CC no pagamento da quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), a título de rendas vencidas, acrescida dos juros legais, absolvendo essa ré de tais pedidos;

4. Confirmar a douta sentença impugnada na parte em que decreta a absolvição da ré CC do pedido de condenação na imediata entrega do estabelecimento comercial à autora e na parte em que a absolve do pedido de condenação no pagamento da indemnização por ocupação abusiva do estabelecimento comercial;

5. Confirmar a douta sentença impugnada na parte em que decreta a absolvição de ambas as rés do pedido de condenação no pagamento de indemnização por perda de clientela e desvalorização do estabelecimento por encerramento.”

Para a revista que impetra, a demandante alinha o sequente:

I.2. – Quadro Conclusivo.

a) - O presente recurso de revista vem do, aliás, douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou nula a sentença;

b) – Quando é certo que os pedidos formulados pela A. são bem mais vastos, tendo em conta que o "simulacro" conluiado entre as Rés, resultou na entrega do estabelecimento à 1.ª. R., o que acarreta graves prejuízos à Autora.

c) - Ora, salvo o devido respeito, o que releva entre as questões basilares a resolver na presente acção são:

1) - Se o contrato celebrado com a 2.ª Ré era de Cessão da Exploração ou se um contrato de subarrendamento, só porque, a 2.ª Ré colocou na vitrine "Abre brevemente – artigos para o lar"?;

2) - Ou seja, a simples colocação de um letreiro na vitrina com os dizeres "abre brevemente – artigos para o lar" não configura só por si qualquer alteração ilícita de ramo do negócio como fundamento de resolução do arrendamento inicial.

3) - Mas ainda que não estivesse, o simples anúncio não constitui só por si qualquer violação contratual se a cessionária não chegou efectivamente a levar a cabo no locado qualquer espécie de actividade.

4) - Quer dizer, anunciar apenas que vai abrir brevemente com artigos para o lar não equivale a que abra como realmente nunca chegou a abrir com artigos para o lar, por isso que não abriu com coisíssima nenhuma.

5) - Daí que a 1.ª e 2.ª R.R. não tinham qualquer legitimidade para revogar o contrato de arrendamento do estabelecimento celebrado entre o A. e a 1.ª. R .

d) - No ponto IV – FUNDAMENTACÃO JURÍDICA o Mmo. Juiz de 1.ª Instância alicerçou a sua convicção relativamente às questões atrás enunciadas com base na qualificação jurídica exposta no ponto IV – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA, relevando o seguinte:

1) - a obrigação da 2.ª Ré em pagar a renda mensal, que não cumpriu, e pela qual terá de responder – corresponde ao ponto 2. da decisão (sem qualquer reparo).

2) - quanto  à 2.ª R., ficou provada a violação da sua principal obrigação, que consistia no pagamento da contrapartida económica pela cessão (art. 1038.º., alínea a), do C. Civil e cláusula 3.ª do contrato que celebrou com a Autora) ­corresponde ao ponto 2. da decisão.

3) - uma actuação da 1.ª R. absolutamente prematura e destituída de fundamento legal, ao resolver o contrato de arrendamento.

4) - Tratando-se de uma locação de estabelecimento comercial (e não de subarrendamento, tal como pretendia fazer crer), a 1.ª Ré não tinha qualquer fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento relativo à autora, nem para usar da faculdade prevista no arfo. 1090.º do Código Civil ­substituição do arrendatário pelo senhorio mediante notificação judicial.

5) - não havia, assim, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, nos moldes em que o fez, nem, obviamente, para a substituição da arrendatária, ora A, pela senhoria.

6) - Em adição e de forma suplementar, o facto de deter na sua posse a chave do locado acarreta uma consequência grave. É que, ao receber a chave do locado da 2.ª R. (numa atitude completamente inusitada, diga-se mesmo em abono da verdade, não decorrendo dos autos qualquer justificação plausível para tanto) e ao não restituí-la à Autora, tem como consequência impedi-la de aceder ao locado e de fruir, enquanto arrendatária, do mesmo, ou seja, deixou de proporcionar à Autora o gozo do locado.

e) - Ora, o douto Acórdão andou por caminhos completamente distorcidos da realidade ao considerar que o que estava em causa era um contrato de subarrendamento e não uma cessão de exploração.

f) - Sendo certo que, o contrato de arrendamento foi revogado entre a 1.ª R. e a 2.ª. R (factualidade provada no ponto n.º 14 da sentença), que se reproduz na sua essencialidade " No dia 18/07/2007, as Rés, por acordo escrito, no seu interesse recíproco, deram por revogado o contrato de arrendamento, tendo a 2a. R. entregue à 1.ª. Ré as chaves do locado (conclusão M)" .

g) - Sobre esta revogação o Mmo. juiz de 1.ª Instância teceu a motivação e fundamentação jurídica referidas nas alíneas c) a f) da conclusão D).

h) - Na verdade, o Mmo. Juiz "a quo" até tinha considerado a atitude da 1.ª R. inusitada, como seja, a notificação judicial avulsa deduzida contra a Autora e o acordo de revogação do contrato de arrendamento entre a 1.ª e a 2.a R. , nos seguintes termos: " não havia. Assim, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento. nos moldes em que o fez, nem, obviamente, para a substituição da arrendatária, ora A. pela senhoria". “numa atitude completamente inusitada, diga-se mesmo em abono da verdade, não decorrendo dos autos qualquer justificação plausível para tanto ... ".

i) – Quanto à questão do contrato celebrado em Abril de 2007 ser de cessão de exploração e não de subarrendamento, a douta decisão de 1.ª Instância encontra-se revertida da melhor doutrina e actualizada jurisprudência, pelo que, qualquer argumentação das Rés não abala nem remete à censura a douta decisão proferida, quanto a essa matéria.

j) - Aliás, complementada por outra tanta doutrina e jurisprudência revertida nas presentes alegações pela Autora, ora apelante.

k) - Daí que não haja qualquer reparo a fazer à douta decisão de 1.ª Instância no que concerne a considerar o contrato celebrado em Abril de 2007, um contrato de cessão de exploração e não de subarrendamento.

l) - Em suma, ao considerar-se que se tratou de um contrato de subarrendamento e não de Cessão de Exploração, violou-se o art. 1109.º do C.C. e, consequentemente, o art. 781.º do mesmo diploma legal, assim como por manifesta contradição da matéria controvertida do douto Acórdão da Relação, por manifesta violação do artigo art. 668.º, n.º 1, alínea b), com referência ao art. 715.º, ambos do C.P.C., por os fundamentos jurídicos e a factualidade provada estarem em oposição com parte do douto Acórdão, tanto mais que afecta o restante pedido da Autora.

NESTES TERMOS, deverá considerar-se procedente o presente recurso, reformulando-se o douto Acórdão nos seguintes moldes:

- Considerar-se que o contrato celebrado entre a Autora e a 2.a R. é um contrato de Cessão de Exploração e não de subarrendamento e, em consequência, declarar nulo e de nenhum efeito o Acordo de Revogação do Contrato de Arrendamento do estabelecimento celebrado entre ala. e a 2a. R.:.

B – Decretar-se a resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre a A. e a 2.a, R. por incumprimento contratual desta e, em consequência, considerar-se subsumíveis à previsão do art. 781.º do Código Civil, condenando-se a 2.ª R. ao pagamento do montante € 43.500.00 (Quarenta e três mil e quinhentos euros), correspondente às prestações vencidas e não pagas, acrescida dos respectivos juros:

- Condenar-se a 1.ª R. à entrega imediata do estabelecimento comercial à Autora, acompanhado de todo o equipamento e mobiliário e, em consequência, pagar à Autora uma indemnização correspondente ao valor da renda que está fixada e por si a usufruir, no montante de 750.00 euros mensais, até à entrega efectiva do estabelecimento comercial, a liquidar em execução de sentença, (….)”

I.3. - Questões que, face ao acervo alegatório, deverão merecer apreciação no recurso:

- Caracterização/definição dos contratos de cessão de exploração e/ou de locação de estabelecimento; Contrato de subarrendamento para fins não habitacionais.

II. - FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Para a decisão a proferir ficou adquirido, após reapreciação da decisão de facto, pelo Tribunal da Relação, [[2]], a matéria de facto que a seguir queda extractada.

 “1. No dia 9 de Janeiro de 1973, EE e FF outorgaram entre si escritura pública intitulada de “arrendamento comercial”, pela qual o primeiro declarou dar de arrendamento à segunda o rés-do-chão, com entrada pelo número ..., do prédio urbano situado na Rua S... P..., freguesia de S... do concelho de Sesimbra, destinado ao comércio de papelaria, embora a inquilina pode passar a exercer qualquer outro ramo de comércio ou indústria (Alínea A da matéria de facto assente).

2. No dia 9 de Maio de 1996, FF e seu marido GG, e a Autora outorgaram escritura pública intitulada de "Trespasse", pela qual os primeiros declararam trespassar à segunda, pelo preço de cinco milhões de escudos, o estabelecimento comercial de papelaria "C...", instalado no prédio identificado em 1), sendo hoje a renda de € 102,00 (Alínea B da matéria de facto assente).

3. Em data posterior a 1996, a titularidade da propriedade do prédio identificado em 1) adveio à 1ª Ré BB por via sucessória (Alínea C da matéria de facto assente).

4. No dia 30 de Abril de 2007, a Autora e a 2.ª Ré CC assinaram um documento intitulado "Contrato de Cessão de Exploração", nele constando identificado, nos considerandos, o estabelecimento comercial de papelaria e declarado a primeira ceder à segunda a exploração desse estabelecimento, com os móveis, utensílios e equipamentos descritos em inventário anexo (não junto ao documento exibido), com início no dia 1 de Maio de 2007 e termo no dia 2 de Maio de 2012, sob as contrapartidas, para a segunda, de pagamento mensal de € 750,00 acrescido do IVA, até ao dia 8 do mês a que respeitasse, na Rua S... P..., n.º ..., em Sesimbra, e de liquidação dos recibos de água, electricidade, durante a vigência do acordo, mais se convencionando poder a primeira resolver o acordo em caso de “incumprimento grave e reiterado do presente contrato, devendo libertar de imediato as instalações” (Alínea D da matéria de facto assente).

5. “Provado apenas que, em data não apurada de 2007, quando as instalações onde funcionava o estabelecimento de papelaria objecto do contrato referido na alínea D) (dos Factos Assentes) foram entregues à ré CC, encontravam-se ali um sistema de videovigilância, um aparelho de ar condicionado, um balcão, prateleiras e expositores vazios (Resposta aos quesitos 3º e 11º da base instrutória, depois de alterada pela reapreciação operada pelo Tribunal da Relação).

6. A 2ª Ré entregou à Autora, na data da assinatura desse acordo € 1.500, sendo € 750 a título de primeira prestação e € 750 a título de caução e nenhuma outra quantia entregou desde então à Autora (Alínea E da matéria de facto assente).

7. Após 30 de Abril de 2007, em data incerta, a 2.ª Ré colocou nas vitrinas do estabelecimento os dizeres "Abre Brevemente – Artigos para o Lar” (Alínea F da matéria de facto assente).

8. A Autora insistiu com a 2ª Ré para que esta tirasse o cartaz e iniciasse a actividade de papelaria (Resposta ao artigo 4º da base instrutória).

9. A 2ª Ré não chegou a abrir ao público o estabelecimento (Alínea G da matéria de facto assente).

10. No dia 25 de Maio de 2007, a 1ª Ré enviou uma carta à 2ª Ré, solicitando-lhe que lhe remetesse "o título que a habilita a estar na posse do imóvel, uma vez que se encontra arrendado à sociedade AA-A... e A..., L da." (Alínea H da matéria de facto assente).

11. No dia 3 de Junho de 2007, a Autora enviou carta à 1ª Ré informando-a ter celebrado o acordo referido em 4) e que "o estabelecimento é destinado à comercialização de produtos de bazar e decoração” (Alínea I da matéria de facto assente).

12. No dia 19 de Junho de 2007, a 1ª Ré requereu, e foi efectivada, a notificação judicial avulsa da Autora, pela qual lhe comunicou considerar resolvido o contrato de arrendamento nos termos do artigo 1090.º, n.º 1 do Código Civil, por ter subarrendado o locado e para aí exercer o ramo de "artigos para o lar” (Alínea J da matéria de facto assente).

13. No dia 12 de Julho de 2007, a Autora enviou à 2ª Ré carta registada com aviso de recepção, por esta recebida, na qual declarou resolver o contrato, nos termos da cláusula décima primeira com fundamento na mesma não ter pago as prestações de Junho e Julho e de não retirar o cartaz aposto na montra do estabelecimento com os dizeres "Abre Brevemente/Artigos para o Lar” e não iniciar a actividade prevista no contrato, mantendo-se encerrado o estabelecimento (Alínea L da matéria de facto assente).

14. No dia 18 de Julho de 2007, as Rés, por acordo escrito, no seu interesse recíproco, deram por revogado o contrato de arrendamento, tendo a 1ª Ré entregado à 2ª Ré as chaves do locado ([3]) (Alínea M da matéria de facto assente).

15. No dia 19 de Julho de 2007, a segunda ré remeteu à Autora carta registada com aviso de recepção, por esta recebida, na qual declarou a sua total indignação pelas "mentiras e falsidades” daquela outra carta, afirmando nunca ter a Autora lhe solicitado que retirasse aquele cartaz, antes várias vezes lhe tendo dito que poderia ali exercer qualquer ramo, e nunca ter a Autora lhe solicitado que abrisse o estabelecimento em determinada data, mais acrescentando ter pago a renda de Julho à senhoria (a 1ª Ré) com quem já rescindiu o contrato e a quem entregou as chaves da loja (Alínea N da matéria de facto assente).

16. Após 30 de Abril de 2007, foi a Autora que suportou os consumos de electricidade e água no imóvel identificado em 1), no valor de € 184,18 (Resposta ao artigo 7 º da base instrutória).

17. O estabelecimento tinha clientela habitual e numerosa (Resposta ao artigo 1 º da base instrutória).

18. Em data não concretamente apurada, mas sempre nos inícios de 2007, o estabelecimento esteve encerrado e nele a Autora afixou cartaz com os dizeres "Aluga-se – ..." (Resposta ao artigo 8 º da base instrutória).”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Caracterização/definição dos contratos de cessão de exploração e/ou de locação comercial; Contrato de subarrendamento para fins não habitacionais.

Preceitua n.º 1 do artigo 1109.º do Código Civil que “a transferência temporária e onerosa de um prédio ou parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção (…)”.

Constituem-se, assim, elementos definidores ou caracterizantes do contrato de locação de estabelecimento: a) - que entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito seja acordado uma transferência do gozo de um prédio ou parte dele; b) que a transferência operada seja feita em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial; c) que o estabelecimento exista ou esteja instalado no prédio ou na parte transferida ou cedida; d) que essa transferência tenha ou possua um carácter ou uma duração temporalmente delimitada ou fixada; e) que a transferência seja feita a título oneroso ou seja mediante o pagamento de uma contraprestação. [[4]]
O contrato de locação de estabelecimento distingue-se, do arrendamento comercial ou, na terminologia adoptada pelo NRAU, arrendamento para fins não habitacionais [[5]], porquanto neste tipo de relação locatícia o locador transfere para o locatário o gozo de um prédio urbano ou rústico, ao qual está afectado um fim determinado e especifico, qual seja o de nele vir a ser explorada ou desenvolvida uma actividade de índole comercial. [[6]]  
Malgrado os pontos de contacto e de comunhão, a saber a existência de uma transferência com carácter onerosa e de feição temporária, ocorre uma distinção essencial e definidora que radica no facto de enquanto que no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação do estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todos as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.
A doutrina define estabelecimento comercial como uma universalidade “constituída pela organização económica ou empresa que abarca o conjunto de todas as relações jurídico-comerciais que se ligam à actividade do comerciante.” (Prof. Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial” I, 3ª edição, 82; Profs Vaz Serra – RLJ 102-103 e A. Varela – RLJ 102-75 e Orlando de Carvalho, RLJ 110-102).” [[7]/[8]]
A questão que vem debatida das instâncias reconduz-se à distinção ou caracterização do contrato celebrado entre o detentor do estabelecimento comercial, a Autora, e a 2.ª ré. Enquanto que na primeira instância se crismou o contrato como sendo de cessão de estabelecimento comercial ou locação de estabelecimento na decisão revidenda considerou-se que o contrato celebrado entre a autora e a 2.ºa ré configurava um contrato de subarrendamento para fins não habitacionais.
Para a autora, de acordo com o que pugna ao longo das suas alegações, o espaço cedido à 2.ª ré – cfr. resposta ao quesito 3.º e 11.º - continha os requisitos mínimos para que aí pudesse vir a funcionar um estabelecimento com a mesma actividade ou giro comercial do que aí funcionava até ao momento da cessão, a saber uma papelaria, para as rés, ao invés, os utensílios - quase todos inamovíveis ou de difícil mobilidade (sistema de videovigilância, um aparelho de ar condicionado, um balcão, prateleiras) - não se perfilam como elementos mínimos caracterizadores de um estabelecimento comercial, pelo que o que foi cedido nunca poderia qualificar-se como “estabelecimento comercial”, no sentido jurídico-material ou sequer na acepção comum e corrente designativa desta realidade económico-comercial.
Arrancando a divergência significante e delimitadora deste divertida acepção, qual seja a de que há-de considerar-se “estabelecimento comercial” para fins de fixação do conteúdo, sentido e alcance do acordo de vontades celebrado entre a autora e a 2.ª ré, importará recortar os contornos do que a doutrina entende deverem ser os elementos ou requisitos mínimos para que uma realidade económica e organizada se possa qualificar como estabelecimento comercial.

O estabelecimento comercial constiui-se como o complexo de elementos formadores da sua unidade socioecnómica, de que fazem parte bens corpóreos (bens móveis e imóveis) e bens incorpóreos (elementos subjetivos de valor patrimonial), organizados para o exercício de uma atividade dirigida a obter lucro. Desde logo um estabelecimento comercial possuirá um titular, pessoa singular ou colectiva, está organizado e estruturado como um património afecto a uma dada finalidade e sustenta uma actividade que se quer lucrativa. Os elementos corpóreos são respeitantes aos direitos relativos aos imóveis, direitos relativos aos móveis, ás mercadorias, matérias-primas, a livros. Está tudo abrangido o que diz respeito ao comércio, que seja do comerciante e que estejam afectas a esse exercício. A pertinência dos bens corpóreos ao estabelecimento é determinada pela afectação e não pela sua natureza. o que revela a sua susceptibilidade de uso desses bens pelo comerciante, e não o título jurídico que lha atribui: os bens corpóreos podem ser próprios, doados, usufruídos, etc., e em todos os casos integram o estabelecimento.

Os elementos incorpóreos são respeitantes ao direito à firma, aos contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de prestação de serviços e outros aspectos que, embora à partida não patrimoniais, permitam contudo uma comercialidade limitada. Também são elementos incorpóreos do estabelecimento as obrigações do comerciante a ele relativas, quer o seu passivo, ou seja, as dividas resultantes da sua actividade comercial, quer as demais obrigações que formam o correspectivo ou a face oposta aos direitos. Há muitos estabelecimentos comerciais que o seu valor coincide essencialmente pelo valor das marcas ou patentes que acarretam.
Poder-se-á, em traço grosso, caracterizar o estabelecimento comercial como sendo uma unidade económica, organizada, estruturada com elementos e factores de produção que, numa vocação socioeconómica sustentada tem como objectivo a prática do comércio. Na sua organização orgânica ou estruturação compósita, o estabelecimento comercial agrega um somatório de elementos de que soe destacar: os elementos corpóreos, ou seja o conjunto de bens ou mercadorias constituídos por bens móveis destinados a ser vendidos, compreendendo, aqui, as matérias-primas, os produtos semi-acabados e os produtos acabados; os elementos incorpóreos, ou seja os direitos, resultantes de contrato ou outras fontes, que dizem respeito à vida do estabelecimento: o direito ao arrendamento; direitos reais de gozo, etc; o aviamento, ou seja, a capacidade lucrativa da empresa, a aptidão para gerar lucros resultantes do conjunto de factores nela reunidos. Exprime pois, uma capacidade lucrativa e esta confere ao estabelecimento uma mais-valia em relação aos elementos patrimoniais que o integram, a qual é tida em conta na determinação do montante do respectivo valor global: e a clientela, ou seja aquele leque de pessoas, singulares ou colectivas, que estabelecem relações comerciais (contratuais) habituais, com carácter de regularidade e feição estabilidade com o estabelecimento comercial e que se constituem como um potencial e seguro lastro de negócios que se agrega ao estabelecimento, podendo partir dessa relação prospectivar a renovação, não só da suas próprias encomendas, mas potenciando a possibilidade de novos clientes.
Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um sobrevalor. Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado. O imóvel no qual funciona a empresa, por si só não pode ser efectivamente considerado o estabelecimento empresarial, embora seja fundamental, constitui-se apenas em um dos elementos que o compõe o estabelecimento.

Do estabelecimento comercial fará, igualmente, parte o imóvel onde se situem as instalações, quando o seu dono seja o comerciante, ou não o sendo integra-se no estabelecimento o direito ao uso.
Definidos os elementos e factores que entram unidade compósita, mas organicamente concertada a um fim, importa demarcar o que se deve considerar-se como “âmbito mínimo, axial ou inafastável” para que se possa considerar um estabelecimento para fins de “locação de estabelecimento”. 
A este propósito, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-1998 que “[de] entre os elementos nucleares do "estabelecimento" um grupo deles a que a doutrina chama de "lastro ostensivo" do estabelecimento comercial, compõe o "âmbito mínimo ou necessário" e situa-se no âmago da empresa como organização de factores produtivos e sem o qual aquele nem existe.” E prossegue o mesmo aresto que “[outros] elementos do estabelecimento comercial são os que se inscrevem no seu "âmbito natural. De entre os elementos nucleares do estabelecimento, o chamado "lastro ostensivo", outros há que igualmente integram o estabelecimento e transitam pelo trespasse entre esferas jurídicas contratantes, mas agora por imposição da lei. Constituem o chamado "âmbito imperativo" do estabelecimento comercial, onde se incluem os contratos de trabalho. Fora destes limites ao referido princípio da livre composição ou formação do estabelecimento comercial, e que integram o "âmbito mínimo ou necessário" de trânsito pelo trespasse, situam-se os elementos que a doutrina vem designando por "âmbito máximo" e que só transitam entre esferas jurídicas negociantes do trespasse, se as vontades nesse sentido se manifestarem (v.g., os direitos reais sobre imóveis, a firma e os débitos puros)”. [[9]]
Do mesmo passo escreveu-se na acórdão deste Tribunal, de 24-05-2005, que “para que haja cedência de estabelecimento comercial, o essencial era que "a estrutura organizativa esteja potencialmente apta, ou vocacionada à funcionalidade e ao destino, ou seja, tenha aptidão para entrar em movimento". Concluindo que os acessórios e equipamentos objecto do contrato de aluguer em nada afectavam o objectivo e a natureza do negócio já que a finalidade do estabelecimento poderia muito bem subsistir sem os equipamentos em questão, uma vez que poderiam ser substituídos por outros.
A definição de estabelecimento comercial envolve a determinação dum certo fim económico e um conjunto organizado de meios destinados atingir esse fim. Mas isto não quer dizer que o referido conjunto signifique uma organização perfeita e acabada, pronta a entrar em funcionamento. Basta, como se disse no acórdão citado, a aptidão funcional dos meios em causa.
Ou seja, existe estabelecimento comercial sempre que se possa afirmar que um determinado conjunto de bens e direitos "serve", essencialmente, para desenvolver uma certa actividade económica, sem prejuízo de ser ainda necessário juntar-lhe outros meios acessórios.
Desde logo o conceito rigoroso de estabelecimento comercial caracteriza-se pela ideia de unidade jurídica, com uma organização de pessoas e meios ao seu serviço, (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Lex Edições Jurídicas, 1994, pág. 117 e seguintes).”

À luz do que vem ensinado e tendo a jurisprudência supra referida como referente da delimitação do que há-de entender-se “âmbito mínimo ou necessário” para qualificação ou enquadramento da factualidade provada nos supostos legais – locação de estabelecimento ou subarrendamento para fins não habitacionais – em que as instâncias divergiram.
Prévio ao exercício de qualificação jurídica convirá perscrutar a vontade real das partes por forma a atribuir o correspondente sentido jurídico que pretenderam atribuir ao contrato celebrado. É que independentemente do nomen juris com que tenha sido rotulado ou crismado o contrato acordado entre a autora e a 2.ª ré haverá que apurar o alcance que as partes quiseram conferir ao conteúdo das respectivas declarações. Isto partindo do ponto paradigmático da interpretação dos negócios jurídicos na formulação dada pelos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, à face do que devem ser considerados, para além do próprio negócio em si, todos os elementos externos que rodearam as respectivas declarações negociais e que constem dos factos e elementos aportados para o processo interpretativo a que o julgador há-de proceder para uma correcta valoração/aquilatação do sentido do negócio almejado e querido.

A regra geral de interpretação nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º, nº 2, do Código Civil). O sentido decisivo da declaração negocial é, pois, o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas. No que concerne aos negócios jurídicos formais, como ocorre no caso vertente, há, porém, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil). Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve. Na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.”
Deu-se como adquirido que a entrega do estabelecimento se verificou “[quando] as instalações onde funcionava o estabelecimento de papelaria objecto do contrato referido na alínea D) (dos Factos Assentes) foram entregues à ré CC, encontravam-se ali um sistema de videovigilância, um aparelho de ar condicionado, um balcão, prateleiras e expositores vazios.”

Interessará adir que no estabelecimento funcionava uma papelaria, se bem que já sem actividade comercial, desde há mais de quatro (4) meses – cfr. itens 2.º e 18.º - encontrando-se aposto um dístico com os dizeres “aluga-se” e o número de telefone.

À luz destes factos importa determinar se o estabelecimento com os atavios com que foi locado à 2.º ré parametrizava os mínimos ou aquilo que é essencial e necessário para o exercício da actividade comercial que ali se desenvolvia e que possibilitava uma locação do estabelecimento de papelaria, tal como estava havia sido trespassado.

Em nosso juízo, os utensílios deixados pela autora no locado não comportam o mínimo ou necessário para que se possa qualificar o negócio celebrado entre ela e a 2.ª ré como de locação de estabelecimento ou cessão de estabelecimento comercial. Na verdade, os atavios que se encontravam no estabelecimento – balcão, prateleiras e expositores vazios – não são específicos de um estabelecimento de papelaria mas de qualquer estabelecimento comercial, o mesmo acontecendo com o aparelho de ar condicionado e o sistema de vídeo vigilância. Dir-se-á que poderiam ser o mínimo de suporte para a continuidade do negócio instalado, dado que a nova inquilina poderia querer mudar a disposição dos artigos que viesse a adquirir e deste modo ficaria com total liberdade para o poder fazer. A objecção não pode colher à luz do que consideramos ser a melhor acepção de “âmbito mínimo ou necessário” na transmissão de um estabelecimento comercial, seja por via de trespasse seja apor via de locação de estabelecimento. Na verdade entendemos que o definido “âmbito mínimo” tem de possuir uma concordância temática, digamos assim, com o estabelecimento que é transmitido, vale por dizer que no estabelecimento transmitido têm de estar presentes os traços definidores e distintivos da actividade que aí era exercida. Não é possível, em nosso juízo, dizer-se que se transmite uma papelaria se no espaço onde ela funcionava onde ela funcionava não se encontramos elementos marcantes e diferenciadores deste tipo de estabelecimento de um qualquer outro, como, por exemplo, livros, cadernos, blocos de apontamentos, canetas e outros artigos típicos e próprios que são vendidos neste tipo de estabelecimento e que estão associados à actividade de papelaria.

 Porque assim concorda-se com a decisão posta em crise quando qualifica o contrato celebrado entre a autora e a 2.ª ré como de subarrendamento para fins não habitacionais, não ocorrendo, como refere a conclusão final da recorrente qualquer contradição na fundamentação do acórdão recorrido, quando na interpretação a que procede dos factos provados qualifica diversamente da autora o contrato querido e celebrado entre a autora e a 2.ª ré.

Pede a recorrente que a “[decretar-se] a resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre a A. e a 2.a, R. por incumprimento contratual desta e, em consequência, considerar-se subsumíveis à previsão do art. 781.º do Código Civil, condenando-se a 2.ª R. ao pagamento do montante € 43.500.00 (Quarenta e três mil e quinhentos euros), correspondente às prestações vencidas e não pagas, acrescida dos respectivos juros.”

Resulta da matéria de facto dada como provada que a autora, “[no] dia 12 de Julho de 2007, a Autora enviou à 2ª Ré carta registada com aviso de recepção, por esta recebida, na qual declarou resolver o contrato, nos termos da cláusula décima primeira com fundamento na mesma não ter pago as prestações de Junho e Julho e de não retirar o cartaz aposto na montra do estabelecimento com os dizeres "Abre Brevemente/Artigos para o Lar” e não iniciar a actividade prevista no contrato, mantendo-se encerrado o estabelecimento - (Alínea L da matéria de facto assente).”

Independentemente da resolução que viria a ocorrer do contrato de trespasse celebrado entre a autora e a 1.ª ré, aquela tem o direito a ser ressarcida dos montantes correspondentes às rendas em que esteve na posse do locado. Na verdade, por virtude da resolução do contrato de subarrendamento, tal como o classificamos, celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré esta estava obrigada ao pagamento da renda convencionada no contrato e que corresponde ao período de tempo em que esteve na posse do locado – cfr. artigo 1038.º do Código Civil.
Servindo-nos, data vénia, do escrito no douto Ac. do STJ de 09-10-2008 (Conselheiro Santos Bernardino): “[A] resolução é um modo de pôr cobro a determinados contratos e às obrigações deles emergentes. É, segundo o Prof. ANTUNES VARELA, a destruição de uma relação contratual validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado.
O direito de resolução pode resultar da lei – como sucede, v.g., no caso dos arts. 437º e 801º do CC – ou de convenção das partes (art. 432º/1 do CC) – maxime, através de uma cláusula resolutiva. Podendo traduzir um poder discricionário do contraente – como sucede, v.g., na venda a retro – o certo é que, as mais das vezes, a resolução assenta num poder vinculado, que impõe a quem o exerce a invocação do respectivo fundamento, previsto ou na lei ou na convenção das partes – o fundamento que justifica a destruição do contrato.

A resolução tem, em regra, eficácia retroactiva, embora, relativamente aos contratos de execução continuada ou periódica, não abranja, normalmente, as prestações já efectuadas (art. 434º do CC).

(…) Cremos que – para além da já assinalada necessidade de motivação, de fundamento, de que carece a resolução, mas não a denúncia – o traço distintivo entre as duas formas de extinção negocial (denúncia e resolução) reside, essencialmente em que a denúncia está ligada ao princípio da proibição da perpetuidade contratual, sendo como que o meio de salvaguarda deste princípio, e não tendo, assim, necessariamente, como finalidade, como sucede na resolução, «sancionar» qualquer estado contratual alterado na sua execução normal.” [[10]]

Da matéria de facto adquirida, resultou que foi celebrado em contrato de subarrendamento para fins não habitacionais, tendo-se a subarrendatária comprometido a prestar mensalmente a quantia de € 750,00, até ao dia 8 do mês seguinte ao que a renda se vencesse. Vem igualmente adquirido que a 2.ª ré apenas pagou o primeiro mês, ou seja, o mês de Maio, não tendo pago os meses de Junho e Julho.

Ao não ter pago a contraprestação a que estava adstrita a 2.ª deixou de cumprir a cláusula contratual a que se vinculou pelo tendo a resolução operado os seus efeitos, deve, porque esteve na posse e fruição do locado, ser condenada ao pagamento das rendas vencidas e não pagas.         

Procede, em parte, uma das conclusões com que o a autora pedia a revisão do julgado.  

Não ocorre qualquer infracção ao conhecimento operado pela Relação, quando depois de declarar nula (parcialmente) a decisão de 1.ª instância conhece dos pedidos ao amparo do artigo 715.º do Código de Processo Civil. Na verdade, o acórdão recorrido ao fazer divertida interpretação dos termos do acordo celebrado entre a autora a 2.ª ré está no pleno uso do direito que lhe é conferido pelo artigo 664.º do mesmo livro de leis.

Não ocorre, por isso, a nulidade invocada.

III. - DECISÃO.     

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder, parcial, provimento, e, em consequência:

- Condenar a 2.ª ré, CC, no pagamento da quantia de mil e quinhentos euros (€ 1.500,00), correspondente às rendas não pagas;

- Manter no mais o acórdão recorrido.      

- Condenar a recorrente e a recorrida, CC, nas respectivas custas, na proporção do vencimento.

Lisboa, 29 de Novembro de 2011.

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas

Alves Velho  

________________________________________

[1] Dispositivo da decisão proferida na 1.ª instância: ““Nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

1- Declaro resolvido o contrato celebrado entre a autora AA-A... & A..., Ldª e a 1ª ré BB, com base na violação do disposto no artigo 1050º alínea a) do Código Civil – privação do gozo do locado;

2- Condeno a 2ª ré CC a pagar à autora AA-"A...& A..., Lda.” a quantia de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros) a título de rendas vencidas, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, a contar do vencimento de cada prestação;
3- No mais, absolvem-se as rés do pedido”
[2] Por impugnação da decisão por parte da ré BB, foi alterada a resposta que o tribunal de 1.ª instância tinha prolatado relativamente aos factos 3.º e 11.º.
([3]) Por manifesto lapso, a cuja correcção aqui se procedeu, ficou exarado no despacho que foi a primeira ré quem entregou as chaves do locado à segunda ré.

[4] Cfr. Ac. do STJ de 13-01-1976 (Rodrigues Bastos) “I - O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, ou de locação de estabelecimento, é um negócio misto "sui generis", em que o que há de característico não é a cedência da fruição do imóvel, nem a do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontra, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa. II - Assim, no contrato de cessão temporária de exploração de estabelecimento comercial ou industrial juntamente com a cedência da fruição do imóvel em que ele se encontra instalado, não há lugar á aplicação do disposto nos artigos 1093 e 1095 do Código Civil.” E ainda o Ac STJ de 28-06-2007 (Salvador da Costa) “1. O contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado. 2. O estabelecimento configura-se como uma estrutura material e jurídica em regra integrante de pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento – organizados com vista à realização do respectivo fim. 3. O seu âmbito material e jurídico é susceptível de variar consoante a natureza do ramo de actividade desenvolvida, com reflexo na maior ou menor amplitude dos respectivos elementos, como é o caso da estação de serviço de recolha e lavagem de veículos automóveis. 4. A dúvida sobre se foi celebrado um contrato de subarrendamento ou de locação de estabelecimento é de resolver por via da interpretação das respectivas declarações negociais, segundo o critério do seu sentido normal, e da verificação do modo como foram executadas.
[5] Cfr. Gravato Morais, Fernando, in “Novo regime de Arrendamento Comercial”, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 2011, págs. 23-24.
[6] Cfr. Gravato Morais, Fernando, in op. loc. cit. págs. 51-52.

[7] Cfr. Ac. do STJ de 09-10-2006, in www.dgsi,pt (Relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas). Cfr. ainda Ac. STJ de 18-04-2002 (Ribeiro Coelho) “I - O estabelecimento comercial, envolve um conceito normativo, cuja identidade se revela através da funcionalidade económica e destino comercial, industrial ou agrícola, de prestação de serviço, ou outro fim empresarial lícito como objecto negocial de livre circulabilidade como individualidade de direito, e diferente da soma atomística das partes dos seus valores componentes. II - Não é essencial que a organização comercial esteja em movimento, essencial é que a estrutura organizativa esteja potencialmente apta ou vocacionada, à funcionalidade e ao destino.”
[8] Na doutrina nacional veja-se Correia, Ferrer, in “Lições de Direito Comercial”, Vol. I, Lex, 1994, págs. 127 a 145. “[A] universalidade é tudo isto: o seu valor económico não equivale apenas ao valor total dos elementos integrantes, considerados atomisticamente – antes e antes a organização em si é um valor novo, pelas virtualidades lucrativas que encerra, pela reputação e clientela que pode granjear, pela experiência acumulada, pelos processos de trabalho que utiliza. O estabelecimento não está nas próprias coisas, está na organização delas para os fins da produção: é uma unidade de fim.”
Cfr. ainda Carvalho, Orlando, in “Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial. O problema da empresa como objecto de negócios”, Atlântida Editora, Coimbra, 1967, págs. 61 a 90.            
[9] Cfr. na doutrina Orlando Carvalho, in “Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial. O problema da empresa como objecto de negócios”, Atlântida Editora, Coimbra, 1967, págs.479 e 480, que refere a necessidade de no caso de entrega ou restituição do estabelecimento comercial ter de se definir o que designa como âmbito necessário “[saber-se] o que é o mínimo do estabelecimento, como matéria disponível, ou seja, aquilo sem o qual não existe negociação do estabelecimento e que constitui, portanto, o seu âmbito necessário nas disposições que eventualmente lhe respeitem:” “Sabido que está em causa um estabelecimento comercial, por qualquer critério ou índice oportuno, trata-se agora de definir quais os elementos ou bens que necessariamente o integram , que necessariamente se envolvem na sua disposição (…) [urge], na hipótese, conhecer esse âmbito natural do estabelecimento mercantil, isto é o que ele transporta naturalmente consigo, sem dependência de uma concreta enunciação”. Cfr. ainda do mesmo autor, RLJ, Ano 110.º, n.º 3591, pág. 112.            
[10] No mesmo sentido o douto Ac. do STJ de 12-10-2010 (Conselheiro Alves Velho). Quanto às formas de cessação/extinção dos contratos ver ainda Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 264 a 272.