ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
222/07.3PBCLD-A.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR HENRIQUES GASPAR

DESCRITORES CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO ANTERIOR
TRÂNSITO EM JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
CASO JULGADO

SUMÁRIO I - A interpretação do art. 78.º, n.º 1, do CP, tem de partir da consideração e da determinação do sentido de dois elementos essenciais da construção da norma: o momento de superveniência do conhecimento do concurso (art. 78.º, n.º 1, 1.ª parte), e os pressupostos de integração do concurso cujo conhecimento é superveniente (art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte).

II - Ambos os elementos são de dimensão processual, mas o segundo releva também de uma natureza estruturalmente substantiva ou material; o primeiro elemento, que se apresenta contingente no tempo, é eminentemente, ou exclusivamente processual; o segundo elemento, que integra o objecto do conhecimento, é da ordem dos pressupostos materiais, e apela, por remissão, para a noção, material e específica do concurso de crimes para efeitos de punição, constante do art. 77.º, n.º 1, do CP.

III - O momento do conhecimento superveniente tem exclusivamente a ver com o processo e com a oportunidade, rectius, com a exigência processual do conhecimento, que é contingente porque pressupõe a posterioridade (superveniência) do conhecimento; os pressupostos de integração do concurso não têm já que ver estritamente com o processo – em relação ao qual são relativamente indiferentes – mas com a definição e integração do conceito de concurso de crimes, que impõe a aplicação de uma «única pena».

IV - Há, pois, que decompor a norma do art. 77.º, n.º 1, 1.ª parte, do CP, para a determinação do sentido dos respectivos elementos integrantes, partindo das fórmulas de linguagem utilizadas. O segmento «por qualquer deles», usado na descrição da norma, requer, por sua vez, um acrescido esforço de interpretação, já que a simples enunciação verbal pode deixar em aberto significações plurais. A pluralidade de sentidos que o texto permite impõe que se façam intervir outros instrumentos metodológicos de interpretação para captar o sentido em que a norma deve ser interpretada, nomeadamente elementos de sistema e a razão de ser e finalidade da instituição do regime da pena única.

V - Os arts. 77.º e 78.º do CP não são normas de incidência, dir-se-ia, dogmática, aferente à teoria do facto ou à doutrina do crime, mas antes, na projecção sistemática que apresentam, são exclusivamente atinentes à punição e à determinação da medida da pena, e aplicáveis nos casos, que definem, de fixação de uma pena única. Por isso, têm de ser interpretadas de acordo com as correlações conceptuais, lógicas e operativas perante outros institutos igualmente referentes à punição e à determinação da medida da pena, de modo a que se não produzam contradições ou desvios de sentido intra-sistemático.

VI - As regras da punição do concurso, estabelecidas nos referidos arts. 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do CP não se destinam a modelar os termos de uma qualquer espécie de liquidação ou quitação de responsabilidade, reaberta em cada momento sequente em que haja que decidir da responsabilidade penal de um certo agente, mas têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.

VII - A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial. O conhecimento posterior (art. 78.º, n.º 1) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A circunstância de o conhecimento ser superveniente não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente.

VIII - A reformulação de um cúmulo jurídico, no caso de conhecimento superveniente, e considerando a nova realidade relativa à situação do arguido, deve ter lugar em dois segmentos distintos: no primeiro, relativo à condenação em pena singular, o tribunal, em função da condenação proferida e do crime anterior, conclui sobre a pena conjunta de concurso. Se a condenação anterior tiver já sido em pena conjunta o tribunal anula esta e, em função das penas concretas anteriormente aplicadas e da que considerar adequada ao crime agora conhecido, determina uma nova pena de conjunto que abranja todas as penas inscritas no concurso e que davam ser consideradas.

IX - A essência da formulação da pena conjunta, nos termos do art. 78.º do CP, é a ultrapassagem do trânsito em julgado por razões de justiça substancial. O tribunal que reformula o cúmulo não está sujeito a quaisquer limitações derivadas da pena anteriormente aplicada, e muito menos por critérios que tenham presidido à determinação daquela pena em termos que não colhem fundamento legal. Assim, ao proceder a novo cúmulo, o tribunal deve levar a efeito as respectivas operações como se o anterior cúmulo, como tal, não existisse.

X - Tendo sido interposto recurso, a dimensão garantística da posição do arguido está assegurada pela aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus. Como tal, o caso julgado, necessariamente sic standibus, emergente dos cúmulos anteriormente realizados não impede a exclusão, no cúmulo a realizar posteriormente, de penas incluídas naqueles, nem a autonomia sucessiva de penas, nem, no limite, por diferente interpretação e leitura dos respectivos pressupostos, uma pena única inferior a outra anteriormente aplicada.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Para realização de cúmulo jurídico, procedeu-se a audiência de julgamento, perante Tribunal Colectivo, de AA, filha de BB e de CC, nascida em …/…/… natural da freguesia de Maceira, concelho de Leiria, divorciada, mediadora imobiliária.

Na sequência, a tribunal, apreciando as circunstâncias a moldura penal da pena única, os critérios aplicáveis, as penas parcelares em que a arguida fora condenada nestes processo e nos processos n.os 3102/06.6TALRA, 497/05.2PBLRA, 352/06.9TALRA e 350/02.1JALRA, e de forma a acautelar, até à medida do permitido pela necessidade de tutela de bens jurídicos, a possibilidade de reinserção pessoal e social da arguida, condenou-a na pena única 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão, «em cujo cumprimento será relevado todo o tempo de prisão, detenção e/ou de permanência na habitação sofridos pela arguida à ordem dos processos que integram o cúmulo e não computado nos termos prescritos no artigo 80.° do Código Penal».

2. A decisão considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A arguida foi condenada:

1.1. neste processo: em 5/7/2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela  prática,  em entre Julho e Agosto de 2006, em autoria material, de um crime  de

burla qualificada, p. e p. pelos art.os 217.° e 218.°, n.° 2, al. a) do Código penal, decisão transitada em julgado em 21/9/2010 (cfr. fls. 266-276 e 280);

a) a arguida foi condenada por se ter dirigido à ofendida a quem se disponibilizou para ajudar a ficar com um imóvel que corria o risco de ser vendido a terceiros, pelo que a ofendida lhe entregou a soma total de € 51.000,00, dos quais a arguida se apoderou;

b) a pena aplicada não foi cumprida.

1.2.   no processo n.° 350/02.1 JALRA - 3.° Juízo Criminal do TribunalJudicial de Leiria: em 7/7/2005, decisão transitada em julgado em 9/4/2007 (cfr.fls. 539-568):

a) na pena de 18 meses de prisão, pela prática, em 29/5/2002. em autoria material, de um crime de falsificação, p. e p. pelo art.° 256.°, n.° 1, al. a) do Código Penal;

b) na pena de 3 anos de prisão pela prática, em 29/5/2002. em autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelos art.os 217.° e 218.°, n.° 1, al. a) do Código Penal,

c) foi condenada na pena única de 4 anos de prisão,

d) a arguida foi condenada por ter, identificando-se como DD, celebrado um contrato de financiamento, no montante de € 17.036,40, para aquisição de um veículo automóvel, entregando diversos documentos que haviam sido emitidos em nome de EE, cujo nome eliminou e dactilografou, em sua substituição, DD, por via disto a arguida assenhorou-se do veículo automóvel, sem que liquidasse uma única prestação do contrato de financiamento;

e) a pena aplicada não se mostra cumprida;

f) a pena foi englobada em cúmulo efectuado no processo
352/06.9TALRA (cfr. fls. 572-576).

1.3.   no processo n.° 352/06.9TALRA - 3.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria: em 14/1/2008, decisão transitada em julgado em 13/2/2009 (cfr. fls. 400-491):

        

- na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática, em Junho de 2005, em autoria material, de um crime de falsificação, p. e p. pelo art.° 256.°, n.° 1, al. a) do Código Penal;

         - na pena de 5 anos de prisão pela prática, em Maio de 2005, em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.os 217.° e 218.°, n.° 1, al. a) do Código Penal;

- foi condenada na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;

- a arguida foi condenada por ter convencido a assistente que tinha um posição juridicamente tutelada sobre um apartamento que lhe permitia negociá-lo pelo que a assistente entregou à arguida o montante total de € 44.900,00, que fez seu e, ainda, por, fazendo-se passar pela assistente, ter elaborado e assinado um escrito que dirigiu a um processo de execução que corria termos no 2.° Juízo Cível de Leiria;

- a pena aplicada não se mostra cumprida;

- em 4/6/2009, foi proferido acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico desta pena com a aplicada no processo 350/02.1JALRA, fixando a pena única de 7 anos de prisão, transitado em julgado em 6/7/2009.

1.4. no processo n.° 497/05.2PBLRA - 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria: em 16/9/2008, decisão transitada em julgado em 13/7/2009 (cfr. fls. 356-398):

a) na pena de 1 ano de prisão, pela prática entre Fevereiro de 2005 e 8 de Março de 2005, em autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art.° 217.° do Código Penal;

b) na pena de 18 meses de prisão pela prática, em Maio de 2004, em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.° 218.°, n.° 1 do Código Penal;

c) na pena de 9 meses de prisão, pela prática, em Março de 2004, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.° 256.°, n.° 1, al. a) do Código Penal;

d) na pena de 14 meses de prisão, pela prática, em Maio de 2004, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.° 256.°, n.° 1, al. a) e n.° 3 do Código Penal;

e) foi condenada na pena única de 3 anos de prisão;

f) a arguida foi condenada por, utilizando a cópia de documentação de FF e fazendo-se passar por esta, a arguida subscreveu um contrato de prestação de serviço  telefónico,  tendo   recebido  os serviços respectivos que não pagou e celebrou um contrato de locação financeira atinente a um veículo, no valor de € 10.000,00;

g)  a pena aplicada não se mostra cumprida;

h) a pena foi englobada em cúmulo efectuado no processo 3102/O6.6TALRA.

1.5. no processo n.° 3102/06.6TALRA - 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Marinha Grande: em 6/1/2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática em Março de 2006. em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.os 217.° e 218.°, n.° 2, al. a) do Código penal, decisão transitada em julgado em 11/2/2010 (cfr. fls. 305-324);

a) a arguida foi condenada por ter convencido os ofendidos que era proprietária de um apartamento, pelo que aqueles, pretendendo comprá-lo, lhe entregaram a quantia de € 40.000,00, da qual se apossou;

b) em 24/9/2010, foi proferido acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico desta pena com as aplicadas nos processo 350/02.1JALRA, 497/05.2JALRA e 352/06.9TALRA, fixando a pena única de 14 anos de prisão, transitado em julgado em 19/10/2010 (cfr. fls. 494-505).

2. A arguida encontra-se presa, desde 31/7/20007, actualmente em cumprimento de pena, à ordem do processo 3102/06.6TALRA;

3. Para além das condenações antes indicadas, a arguida sofreu as seguintes condenações:

- em 26/4/2000, pela prática, em 26/5/1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo art.° 11.°, n.° 1, al. a) do DL 454/91, de 28.12, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;

- em 12/5/2000, pela prática, em 7/10/1998, de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. 265.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos;

- em 16/10/2000, pela prática, em 11/9/1997, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos art.os 206.° e 205.°, n.° 1 e 4, al. b) do Código Penal, na pela de 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses;

- em 14/10/2003, pela prática, em 1/1/1997, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.° 256.° do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na execução por 4 anos;

4. As penas mencionadas em 3) foram integradas em cúmulo jurídico, cuja pena única foi declarada extinta nos termos do disposto no art.° 57.° do Código Penal;

5. A arguida é a mais velha de 5 irmãos;

6. O processo de desenvolvimento da arguida decorreu num contexto familiar com dinâmica coesa e harmoniosa;

7. Frequentou a escola até completar o 4.° ano de escolaridade, tendo abandonado o ensino por dificuldades económicas da família;

8. Iniciou a actividade de costureira que exerceu até aos 16 anos, altura em que foi trabalhar para uma fábrica de cerâmica, onde esteve 6 anos, e, após, desempenhou funções como mediadora imobiliária, durante 16 anos, até à sua detenção;

9. Em meio prisional, a arguida tem assumido comportamento adequado, revelando interesse pela manutenção de uma ocupação regular no sector do artesanato, onde tem demonstrado possuir hábitos e competências de trabalho;

10. Frequentou um curso de formação de "Empreendedorismo";

11. Em liberdade, conta com o apoio das duas filhas, com quem residia, e com quem mantém um relacionamento afectivo próximo e que estão totalmente disponíveis para apoiar o seu processo de ressocialização;

12.    Relativamente aos crimes pelos quais foi condenada, a arguida reconhece o desvalor dos seus actos e mostra-se motivada para assumir um estilo de vida socialmente responsável, dispondo de condições sócio-familiares que poderão facilitar tal projecto.

O tribunal considerou também que a arguida tem manifestado, em meio prisional, hábitos e competências de trabalho; denota interiorização do desvalor das suas condutas; beneficia de apoio familiar que se disponibiliza para a acolher quando em liberdade.

3. Não se conformando, a arguida recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresenta, e que termina com as seguintes conclusões:

1ª O Tribunal a quo acordou em proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos e nos processos n.°s 350/02.1JALRA, 352/06.9TALRA e 497/05.2JALRA e 3102/06.6TALRA, condenando a arguida numa pena única de 12 anos e seis meses de prisão.

2ª Ora, no ponto 2.2 (enquadramento jurídico), refere o acórdão que “ (...) a pena única fixar-se-á entre o limite mínimo de 5 anos de prisão  e  o  limite máximo de  22  anos  e  5 meses”.

3ª Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo deveria ter considerado as penas únicas já transitadas em julgado e não as penas parcelares de prisão, sendo que o somatório das penas únicas a cumular dos processos acima referidos (incluindo os dos autos) é o seguinte:

- os presentes autos - 3 anos e 6 meses de prisão;

- 350/02.1JALRA - 4 anos de prisão;

- 352/06.9TALRA - 5 anos e 6 meses de prisão;

- 4 97/05.2JALRA - 3 anos de prisão;

- 3102/06.6TALRA - 3 anos e 6 meses de prisão.

4ª A soma das penas perfaz 19 anos e 6 meses de prisão, ou seja, o somatório é 19 anos e 6 meses e não 22 anos e 5 meses, numa diferença de 2 anos e 11 meses.

5ª Assim, no douto acórdão deveria constar que tem como limite máximo os 19 anos e 6 meses de prisão (correspondente ao somatório das penas a cumular).

6ª Pelo que o douto acórdão decidiu mal na determinação da pena unitária, o que é relevante para a decisão do mesmo.

7ª Seguindo o raciocínio do douto acórdão, a arguida seria apenas condenada na pena única máxima de 9 anos e 7 meses de prisão (deduzindo aos 12 anos e 6 meses de prisão os 2 anos e 11 meses de prisão em excesso acima referidos).

8ª Contudo, esta pena, ainda assim, e salvo o devido respeito, se entende exagerada face até aos factos provados, incluindo os relatórios da arguida juntos aos autos.

9ª Pois a pena adequada será sempre a pena única de 8 (oito) anos de prisão máximo.

10ª Desta forma, decidiu de forma errada o Tribunal a quo, sempre salvo o devido respeito, por um manifesto erro de cálculo no somatório das penas, erro esse claro e inequívoco.

11ª Ainda assim, por mera cautela e sem conceder, sempre se dirá que, caso o supra exposto não proceder, e face até ao facto do que tem vindo a ser aplicado pela Jurisprudência, a pena única de prisão de 12 anos e 6 meses é excessiva e manifestamente exagerada, face a toda a prova produzida e documental junta aos autos e relatórios sociais da arguida que lhes são favoráveis em todos os pontos.

12ª Deve por isso também o douto acórdão ser revogado, devendo ser aplicada à arguida uma pena única de 8 anos de prisão no máximo, o que se requer.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, e a condenação na pena única de 8 anos de prisão, que se entende adequada face àquilo que consta do processo e «face até, em parte, ao próprio raciocínio lógico» da decisão de que recorre.

4. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP.

Considera que todos os crimes indicados no acórdão condenatório se encontram numa relação de concurso, impondo-se a aplicação de uma pena única que englobe todas as apontadas penas parcelares, entendendo que a decisão não é merecedora de crítica «e/ou a pena neste quadro fixada seja passível de qualquer redução».

Salienta que «há que ter em conta que, à excepção da pena destes autos, todas as penas aplicadas no âmbito dos demais processos, supra enumerados em 1.1, n.ºs (ii) a (v) - e que eram portanto 9 das 10 ora a cumular - foram então englobadas num cúmulo jurídico, em razão do qual ficou a arguida condenada na pena única de 14 anos de prisão».

«No concurso de crimes superveniente, se o arguido já tiver sido anteriormente condenado,  apenas  por parte dos crimes cometidos, numa pena única transitada em julgado, a nova pena única que abranja todas as penas parcelares (e não apenas algumas), não deverá, em regra, ser inferior à mais elevada das penas únicas anteriores transitadas. O que vale portanto por dizer que, "in casu", a pena única a fixar deveria até, a esta luz e em princípio, ter começado por ter como ponto de referência, no seu limiar mínimo, aqueles 14 anos de prisão, que foi a pena cominada como pena única, transitada, naquele processo, e que abrangeu, como vimos, 9 das 10 penas parcelares que ora têm de ser unificadas».

«Neste quadro, e sendo certo que a moldura penal do concurso de crimes tinha como limite mínimo 5 anos de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 22 anos e 5 meses de prisão [soma de todas as penas parcelares], decidiu o tribunal, optando precisamente pela redução daquela pena conjunta anterior, fixar agora a nova pena única em 12 anos e 6 meses de prisão».

O Exmº Magistrado sublinhando que a arguida «apesar de se ter conformado, cerca de 8 meses antes, com aquela decisão anterior que fixou a pena única em 14 anos», discorda agora, ainda assim, da medida desta última pena única, refere  a  este  propósito,  «que, tendo  embora por muito duvidoso que tenham agora sido recolhidos elementos novos sobre a personalidade da condenada que justificassem a redução daquela pena conjunta anterior», ainda assim concorda «com esta nova pena ora fixada, assim reduzida em relação àquela. Em todo o caso, e porque a tanto obstaria o princípio da proibição da “reformatio in peju” normativamente densificado no art. 409.9 do CPP, sempre estariam fora de discussão, neste momento processual e nesta sede, os fundamentos em que o Tribunal se baseou para proceder àquela redução».

Notificada nos termos do artigo 417º, nº 1 do CPP, a arguida não respondeu.

5. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

6. Como é seu encargo processual (artigo 412º, nºs 1 e 2 do CPP), a recorrente define para objecto do recurso as seguintes questões:

- Erro nos pressupostos da determinação do limite superior da moldura da pena única – não a soma das penas parcelares como na decisão, mas a soma das penas únicas entretanto já aplicadas por decisões anteriores (conclusões 1ª a 6ª);

- Medida da pena única (conclusões 7ª a 12ª).

7. Primeira questão:

A recorrente considera que a definição da moldura penal da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes – limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes; e limite mínimo a mais elevadas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, nos termos do artigo 77º nº 2 do CP – deve considerar como máximo da moldura a soma das penas já anteriormente fixadas como penas únicas, e não a soma das penas parcelares aplicadas pelos diversos crimes em concurso por que foi condenada.

O regime legal de punição do concurso de crimes vem fixado no artigo 77º, nº 1, do Código Penal: quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena,

tendo em conta na determinação da medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.

Quando, porém, o conhecimento do concurso não for contemporâneo da condenação «por qualquer» dos crimes, sendo, por isso, superveniente, aplicam-se igualmente as regras da punição do concurso de crimes, nos termos determinados pelo artigo 78º do Código Penal: «se depois de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes», são aplicáveis, por remissão do artigo 78º, nº1, as regras do artigo 77º, sendo que estas regras só são aplicáveis relativamente aos crimes cujas condenações transitaram em julgado - artigo 78º, nº 2.

Deste modo, com o sentido que impõe a noção de concurso de crimes para efeitos de aplicação de uma pena única, constante das referidas disposições, só existe concurso quando tenham sido praticados vários crimes antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer deles – artigo 78º, nº 1, do Código Penal.

A interpretação do artigo 78º, nº 1, do Código Penal tem de partir da consideração e da determinação do sentido de dois elementos essenciais da construção da norma: o momento de superveniência do conhecimento do concurso (artigo 78º, nº 1, 1ª parte), e os pressupostos de integração do concurso cujo conhecimento é superveniente (artigo 78º, nº 1, 2ª parte) para aplicação da pena única.

Ambos os elementos são de dimensão processual, mas o segundo releva também de uma natureza estruturalmente substantiva ou material; o primeiro elemento, que se apresenta contingente no tempo, é eminentemente, ou exclusivamente processual; o segundo elemento, que integra o objecto do conhecimento, é da ordem dos pressupostos materiais, e apela, por remissão, para a noção, material e específica, do concurso de crimes para efeitos de punição, constante do artigo 77º, nº 1, do Código Penal.

O momento do conhecimento superveniente tem exclusivamente a ver com o processo e com a oportunidade, rectius, com a exigência processual do conhecimento, que é contingente porque pressupõe a posterioridade (superveniência) do conhecimento; os pressupostos de integração do concurso não têm já que ver estritamente com o processo  -  em relação ao qual são relativamente indiferentes  -  mas com a definição e integração do conceito de concurso de crimes, que impõe a aplicação de uma «única pena».

Há, pois, que decompor a norma do artigo 77º, nº 1, 1ª parte, do Código Penal, para a determinação do sentido dos respectivos elementos integrantes, partindo das fórmulas de linguagem utilizadas: «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles».

A punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe, pois, a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma  -  o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de contingências processuais várias.

O segmento «por qualquer deles», usado na descrição da norma, requer, por sua vez, um acrescido esforço de interpretação, já que a simples enunciação verbal pode deixar em aberto significações plurais. «Qualquer deles» pode traduzir, com efeito, uma indiferenciação, no sentido de aleatoriedade do pressuposto, da ordem de factores arbitrária, em aproximação semântica a «qualquer um». Mas também pode significar, no imediato plano literal, a primeira ocorrência: o trânsito em julgado da condenação por «qualquer deles» pode significar que este momento relevante (o trânsito da condenação) se verifica logo que haja uma condenação transitada por um dos crimes  -  o que supõe sempre uma pluralidade antecedente, que apenas o é na medida em que, transitada uma condenação, se verifique que anteriormente a esse momento foi praticado pelo agente um outro ou mais crimes.

Neste sentido, não haveria lugar à aplicação de uma «única pena» sempre que se verificasse que, após o trânsito de uma condenação, o agente praticara outros crimes pelos quais foi, também, posteriormente condenado.

A pluralidade de sentidos que o texto permite impõe que se façam intervir outros instrumentos metodológicos de interpretação para captar o sentido em que a norma deve ser interpretada, nomeadamente elementos de sistema e a razão de ser e finalidade da instituição do regime da pena única.

Os artigos 77º e 78º do Código Penal não são normas de incidência, dir-se-ia dogmática, aferente à teoria do facto ou à doutrina do crime, mas antes, na projecção sistemática que apresentam, são exclusivamente atinentes à punição e à determinação da medida da pena, e aplicáveis nos casos, que definem, de fixação de uma pena única.

Por isso, têm de ser interpretadas de acordo com as correlações conceptuais, lógicas e operativas perante outros institutos igualmente referentes à punição e à determinação da medida da pena, de modo a que se não produzam contradições ou desvios de sentido intra-sistemáticos.

As regras da punição do concurso, estabelecidas nos referidos artigos 77º, nº 1, e 78º, nº 1, não se destinam a modelar os termos de uma qualquer espécie de liquidação ou quitação de responsabilidade, reaberta em cada momento sequente em que haja que decidir da responsabilidade penal de um certo agente, mas têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.

A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são, como se referiu, de ordem substancial.

O conhecimento posterior (artigo 78º, nº 1) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A circunstância de o conhecimento ser superveniente não pode, no âmbito  material,  produzir  uma  decisão  que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 293-294).

 Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso, deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime (cfr., a propósito do regime análogo [“pena global”] do § 55 do Strafgesetzbuch, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição, pág. 787).

Mas, sendo assim, a argumentação e o fundamento invocados pela recorrente, não podem colher aceitação.

Com efeito, a reformulação de um cúmulo jurídico, no caso de conhecimento superveniente, e considerando a nova realidade relativa à situação do arguido, deve ter lugar em dois segmentos distintos: no primeiro, relativo à condenação em pena singular, o tribunal, em função da condenação proferida e do crime anterior, conclui sobre a pena conjunta de concurso. Se a condenação anterior tiver já sido em pena conjunta o tribunal anula esta e, em função das penas concretas anteriormente aplicadas e da que considerar adequada ao crime agora conhecido, determina uma nova pena de conjunto que abranja todas as penas inscritas no concurso e que devam ser consideradas.

A essência da formulação da pena conjunta, nos termos do art 78.° do CP, é a ultrapassagem do trânsito em julgado por razões de justiça substancial. O tribunal que reformula o cúmulo não está sujeito a quaisquer limitações derivadas da pena anteriormente aplicada, e muito menos por critérios que tenham presidido à determinação daquela pena em termos que não colhem fundamento legal.

Sempre que houver que reformular o cúmulo jurídico por terem sido aplicadas novas penas parcelares, o tribunal procede às respectivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, sem atender às penas que foram então fixadas, o que significa que, quando houver que  fazer  novo cálculo, a nova pena não pode ser obtido pela acumulação com a pena única anterior (cf, v. g., acórdão do STJ de 06-03-2008, processo 2428/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 248, e acórdãos de 26/11/2008, proc. nº 3377/08; de 19/3/2009, proc. nº 3063/09).

Assim, ao proceder a novo cúmulo, o tribunal deve levar a efeito as respectivas operações como se o anterior cúmulo, como tal, não existisse.

Deste modo, por um lado, não pode considerar-se que tenham transitado em julgado as decisões que apliquem penas únicas, de modo sic stantibus, enquanto não for proferida a decisão que englobar a última das condenações que integre um cúmulo de conhecimento superveniente.

E, por outro, não havendo definitividade das decisões anteriores, não podem existir expectativas legítimas do arguido. Enquanto não for proferida decisão que considere todas as penas aplicadas, não existem expectativas sobre a fixação da pena única.

Tendo sido interposto recurso, a dimensão garantística da posição do arguido está assegurada pela aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

Como tal, o caso julgado, necessariamente sic stantibus, emergente dos cúmulos anteriormente realizados não impede a exclusão, no cúmulo a realizar posteriormente, de penas incluídas naqueles, nem a autonomia sucessiva de penas, nem, no limite, por diferente interpretação e leitura dos respectivos pressupostos, uma pena única inferior a outra anteriormente aplicada.

8. Segunda questão:

A recorrente discorda da medida da pena única fixada, que, para além do invocado erro nos pressupostos na determinação da moldura, é, em seu entender, «excessiva e manifestamente exagerada, face a toda a prova produzida e documental junta aos autos e relatórios sociais da arguida que lhes são favoráveis em todos os pontos».

Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo artigo 78º do Código Penal, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita, pois, uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível  conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse pedaço de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares crimes, cabe ao tribunal, na moldura do concurso definida em função das penas parcelares, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido».

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de «relações existenciais diversíssimas», a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A este conjunto – a esta «massa de ilícito que aparente uma particular unidade de relação» - corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação, isto é, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.

Fundamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade. «Como referem Maurach, Gossel e Zipf a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schrôder-Stree)», «a relação dos diversos factos entre si em especial o seu   contexto;  a  maior   ou  menor   autonomia  a  frequência   da  comissão  dos  delitos;  a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa».

«Também Jeschek pensa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si» (cfr., v. g., o acórdão do STJ, proc. nº 322/08.2TARGR, de 24 de Março de 2011, e GG, anotação ao acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16º, p. 155 ss.).

         Assim, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes.

Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

No caso, a natureza homogénea dos crimes – burlas e falsificações, em que estas se revelam essencialmente instrumentais, e, por isso, sem relevante acrescento no construção dos ilícitos -  aponta para uma «ilicitude global» que se caracteriza e autonomiza pelo número  de pessoas  lesadas, apenas por aqui adensando a ilicitude por referência à soma dos montantes dos diversos crimes. E o conjunto dos valores, se somado, seria punível apenas numa moldura penal consideravelmente inferior à moldura formal resultante das regras da pluralidade.

A gravidade do ilícito global, considerados os limites temporais da prática dos factos e o número de ofendidos, ultrapassa os limites da construção unitária da soma dos valores, mas não atinge uma dimensão tal que justifique, proporcionalmente, uma pena única que se afaste demasiadamente da que seria eventualmente aplicável (na moldura do artigo 218º, nº 2 do Código Penal) se apenas fosse considerado a soma dos valores afectados e dos prejuízos causados no património dos lesados.

Por outro lado, as indicações relativamente à personalidade da recorrente que se deduzem dos factos provados são positivas, apontando para um juízo consistente de prognose ressocializadora; provou-se, com efeito, que «reconheceu o desvalor dos actos e mostrou-se motivada para assumir um estilo de vida socialmente responsável».

Há, assim, que considerar também na fixação da pena única a perspectiva prognóstica da medida da pena no comportamento futuro do agente; isto significa que a pena não poderá ser fixada em medida que comprometa a perspectiva de ressocialização.

Tudo ponderado, considera-se adequada a pena única de oito anos de prisão.

9. Nestes termos, no provimento do recurso, condena-se a recorrente, pelos crimes, referidos em 2. - 1.1, 1.2, 1.3, 1.4 e 1.5 – na pena única de oito anos de prisão.

Lisboa 15 de Dezembro de 2011

Henriques Gaspar (Relator)

Armindo Monteiro