ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
382/10.6/BSTS.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR TAVARES DE PAIVA

DESCRITORES UNIÃO DE FACTO
MORTE
INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL
ALIMENTOS
DIREITO A ALIMENTOS
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
LEI APLICÁVEL

SUMÁRIO

I - O membro sobrevivo da união de facto tem direito à protecção social prevista na al. e) do art. 3.º e no art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redacção introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30-08, independentemente da necessidade de alimentos, ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início da vigência dessa nova lei.
II - A prestação de sobrevivência é devida a partir do momento em que a nova Lei n.º 23/2010 passou a produzir efeitos, pelo que, no caso em apreço, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

 Acordam no  Supremo Tribunal de Justiça


I-Relatório

          AA intentou em 26.01.2010 no Tribunal Judicial de Santo Tirso acção com processo ordinário contra o Instituto da Segurança Social /Centro Nacional de Pensões pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as prestações decorrentes da morte do beneficiário nº 00000000000 BB com quem vivia em união de facto tendo como base na Lei nº 7/2001de 11/5 e DL  nº322/90 de 18/10.

      Para tanto alegou, em síntese:

      A A viveu em união de facto com o falecido BB, cujo decesso ocorreu em 1 de Maio de 2008, beneficiário nº 0000000000;

      A relação entre ambos prolongou-se por mais de dez anos, cessando apenas com a morte de BB;

      A encontra-se desempregada auferindo apenas e mensalmente o rendimento mensal de € 187,18 do Centro Distrital da Segurança Social do Porto.

Porque foi quase sempre doméstica, governando a casa que partilhava com o falecido, com os rendimentos provenientes da pensão de reforma dele.

      A A não tem cônjuge nem ascendentes.

      A A tem dois filhos que nasceram e vivem na Alemanha, lá tendo constituído família, não mantendo com a A qualquer contacto.

      A A tem irmãos, pessoas de idade avançada, que vivem exclusivamente das suas reformas.

      A herança do falecido também não possui bens que produzam rendimento, nem a Autora é herdeira deles.

      O R contestou, por impugnação e, depois de alegar desconhecer os factos alegados na petição inicial, considera que para “se aceder às prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário, reconduzem-se, não apenas, à prova relativa ao estado civil do beneficiário e às circunstância de o respectivo interessado ter vivido há mais de dois anos com o falecido”  devendo a acção ser julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida em audiência de julgamento.

      Realizado o julgamento e a fixação dos factos provados foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu o R do pedido.

      A A não se conformou com esta decisão e ao abrigo dos arts. 691 nº1 e 725 do CPC  interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, que foi admitido  nos termos do despacho de fls. 109.

            A A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

A A. requer que o presente recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.° 725° do Cód. Proc. Civil, porquanto:

1          - O presente recurso vai interposto de decisão do Tribunal de 1ª Instância que pôs termo ao processo (Art.° 691° n° 1 do Código Proc. Civil).

2          - O valor da causa superior à alçada da Relação.

3          - O valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação.

4          - A A., nas presentes alegações, apenas suscita questões de direito.

Pelo que, deverá o presente recurso ser processado como revista, mas com efeito meramente devolutivo (n° 3 do art° 725°, n° 1 do art° 691 e art° 692° n° 1 do Cód. Proc. Civil)

1- O BB, Beneficiário da Segurança Social com o          n° 00000000000, faleceu em 1 de Maio de 2008, no estado civil de divorciado de CC

2 - Pelo menos nos seis anos anteriores ao falecimento de BB, a A. e este conviveram diária e ininterruptamente, como se casados fossem, comendo e dormindo juntos e sob o mesmo tecto, mantendo, em tudo, uma relação igual á de duas pessoas casadas.

 3-O membro sobrevivo da união de facto pode aceder às prestações por morte do companheiro, apenas com base na prova dessa união de facto.

4          - De acordo com a nova lei apenas interessa saber se, no seu domínio de vigência, o interessado na atribuição de pensão de sobrevivência é membro sobrevivo de união de facto dissolvida:

5          - A Lei n.° 23/2010 passou a conferir aos membros sobrevivos de união de facto dissolvida por óbito do membro beneficiário de segurança social, um direito que anteriormente estava condicionado.

6- Por força do n°2 (2a parte) do art. 12° do Cód. Civil, que dispondo directamente sobre o conteúdo da relação jurídica decorrente da união de facto e do óbito de um dos membros, beneficiário da Segurança Social e abstraindo do facto que lhe deu origem, a Lei 23/2010 lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

7          - A Lei n.° 23/2010 passou a conferir aos membros sobrevivos de união de facto dissolvida por óbito do membro beneficiário de segurança social, um direito que anteriormente estava condicionado.

8          - A Lei n.° 23/2010, por contraposição ao regime legal anterior constante da Lei n.° 7/2001, reconhece tal direito sem introduzir qualquer restrição ao momento em que cessou a união de facto.

9- A Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto lei deve ser aplicada a todos os requerentes de pensão de sobrevivência que viviam em união de facto aquando da morte do beneficiário, independentemente desta ter ocorrido antes ou depois da sua entrada em vigor.

TERMOS EM QUE

DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, POR ASSIM SER DE INTEIRA

JUSTIÇA

   O R apresentou contra - alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

 II- Fundamentação:

 Os factos provados são os seguintes: 

1- BB, beneficiário da Segurança Social com o nº 00000000000 faleceu em 1 de Maio de 2008, no estado civil de divorciado de CC

2-  Pelo menos nos seis anos anteriores ao falecimento de BB, a Autora e este conviveram diária e ininterruptamente, como se casados fossem, comendo e dormindo juntos e sob o mesmo tecto, mantendo, em tudo, uma relação igual à de duas pessoas casadas.

3-  A a encontra-se desempregada auferindo apenas e mensalmente o rendimento mensal de €187,18 do Centro Distrital da Segurança Social do Porto.

4-  A autora tem três filhos que vivem actualmente na Alemanha.

5-  A autora tem oito irmãos, pessoas de idade avançada , vivendo estes exclusivamente de suas reformas de baixo valor e encontrando-se o restante desempregado.

6-  A herança do falecido também não possui bens que produzam rendimento.

 Apreciando:

            Antes de mais, importa sublinhar que, no caso em apreço, se verificam os requisitos, a que alude o art. 725 do CPC, sendo por isso admissível o recurso per saltum para  este  Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme se constata das precedentes conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o objecto de recurso, a questão a decidir, consiste tão só, em saber se a alteração legislativa introduzida pela nova Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, se aplica ao caso em apreço, bastando para aceder às prestações por morte do companheiro da Autora, a prova da união de facto, conforme alega a recorrente.

Vejamos, antes de mais o novo regime estatuído pela citada Lei nº 23/2010:

            De acordo com a nova redacção do art. 6º nº1 da Lei 7/2001, introduzida pelo art. 1º da Lei nº 23/2010, para atribuição da pensão de sobrevivência, basta provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário, tendo o direito às prestações sociais deixado de estar condicionado à prova de necessidade de alimentos.

             Efectivamente, o citado normativo dispõe:

O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do art. 3º, independentemente da necessidade de alimentos.

  Por seu turno, o anterior art. 6º nº1 da Lei nº 7/2001 de 11.05 dispunha:

 Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do art. 3º, no caso das uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do art. 2020 do C. Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis.

 Ou seja, esta lei remetia para o art. 2020 do C. Civil que dispunha:

 Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009.

  Constata-se, assim, que estamos perante dois regimes bem diferenciados e que desde logo, suscita a problemática da aplicação no tempo da lei nova, traduzida essencialmente no facto de saber se a mesma só se aplica quando a morte do membro da união de facto tiver ocorrido já na sua vigência ou, se aplica também aos casos de decesso que ocorreram no domínio da lei anterior.

    Baptista Machado ( Sobre Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, 287 ) refere:

“ A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que se a Lei Nova vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria em debate, mas o resolve fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou intérprete não estavam autorizados a dar-lhe , ela ser á indiscutivelmente uma lei inovadora”.

 Como bem se observa no Ac. deste Supremo de 27/10/2011(  Relator: Cons. João Bernardo) acessível in www.dgsi. “ não pode , pois, considerar-se na vertente que aqui nos importa , a lei nova como interpretativa, não sendo curial chamar  para aqui o regime de retroactividade emergente daquele art. 13 nº1 “.

            Sobre esta problemática também se pronunciou o Acórdão do STJ de 6/09/2011  (Relator  Azevedo Ramos )  acessível in www.dgsi.pt /jstj  cujo sumário transcrevemos pela sua pertinência ao  caso dos autos e que se acolhe:

1- A Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, passou a reconhecer ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, designadamente à prestação de sobrevivência.

2-  Ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início da vigência da nova Lei nº 23/2010, uma vez constituída a situação jurídica de membro sobrevivo da união de facto dissolvida por morte, não deixa de se lhe aplicar o regime da nova lei, que concede ao membro sobrevivo a prestação de sobrevivência, independentemente da necessidade de alimentos, nos termos do art. 12 nº 2, 2ª parte do C. C.

3-  A prestação de sobrevivência é devida a partir do momento em que a Lei nº 23/2010 passou a produzir efeitos, pelo no caso concreto, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do estado para 2011.

            Efectivamente a aplicação da nova Lei implica o confronto com o citado art. 12º nº2 nomeadamente a 2ª parte que dispõe que quando a nova lei “ dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam á data da sua entrada em vigor”.

            Como fundamento para a aplicação da nova Lei o citado Acórdão considerou:

            A extinção da relação jurídica “ união de facto” em consequência da morte de um dos seus membros, que seja beneficiário do regime da segurança social, dá lugar a uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito às prestações sociais, que pode fazer valer contra a Segurança Social.

            A nova lei contempla apenas esta situação do membro sobrevivo de uma união de facto, sem estabelecer qualquer limitação quanto ao momento em que cessou a união de facto.

            E como se escreve no douto Acórdão deste STJ de 7/6/11 aí citado (Relator  Salazar Casanova)” tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do facto que lhe deu origem ou do momento em que se constituiu, ficando consequentemente sujeita  ao domínio da LN, pois ela autonomiza-se – abstrai - da realidade que a desencadeou : a dissolução por morte de uma união de facto preexistente”.

O que permite concluir que as alterações introduzidas na lei nº 7/2001, por via da Lei nº 23/ 2010, são aplicáveis no caso em questão, nos termos do preceituado no art. 12 nº 2, 2ª parte do C. Civil, tendo a autora direito às reclamações prestações sociais, independentemente da necessidade de alimentos, como decorre da actual redacção do art. 6º nº 1 daquela Lei.

 Estamos, aqui, perante uma lei inovadora aplicável ao caso dos autos, segundo o princípio sufragado no nº 2, 2ª parte do art. 12 do C. Civil.

 Com esta nova lei a atribuição de pensão de sobrevivência basta provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário, deixando o direito às prestações sociais, como acima se referiu, de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.

   Quanto à aplicação da Lei 23/2010 de 30 de Agosto, importa sublinhar que entrou em vigor em 4 de Setembro de 2010 (cinco dias depois da sua publicação), mas há que ter em consideração o estatuído no art. 11º daquela Lei segundo o qual “ os preceitos da presente da lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”.

            E dispondo a nova Lei directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas (art. 12º nº2 2ª parte do C. Civil) nos termos supra referidos, tem a autora direito às  prestações sociais  previstas na alínea e) do art. 3º e no art.. 6º nº1 da Lei nº 7/2001 de 11.05 na redacção introduzida pela Lei nº  23/2010 de 30.08, sendo estas, no entanto, apenas devidas a partir  da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado.   

            Postas estas considerações e confrontando-as com o caso em apreço, dúvidas não existem, que lhe é aplicável o novo regime instituído pela Lei nº 23/2010, de forma a que a A tem direito ao recebimento das prestações sociais que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011.

            Conclui-se:

1- O membro sobrevivo da união de facto tem direito à protecção social prevista na alínea e) do art. 3 e no art. 6º nº 1 da Lei nº 7/2001 de 11de Maio,  na redacção introduzida pela Lei nº 23/2010 de 30.08  independentemente da necessidade de alimentos, ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início da vigência  dessa  nova Lei.

2-  A prestação de sobrevivência é devida a partir do momento em que a nova Lei nº 23/2010 passou a produzir efeitos, pelo que, no caso em apreço, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.

 III- Decisão:

            Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em conceder a revista e revogando a sentença recorrida, julgam a acção procedente e reconhecem que a A tem direito às prestações sociais que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.

 

Custas na 1ª instância e neste Supremo pelo Réu.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Tavares de Paiva (Relator)

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva